Ele Ainda Está Aqui escrita por Karina A de Souza


Capítulo 1
O Monstro à Espreita


Notas iniciais do capítulo

E a continuação chegou. Eu vejo isso mais como consequências da fanfic anterior, do que o início de uma história nova. A maior parte do que está aqui eu já tinha imaginado antes mesmo de decidir escrever, e eu não quis mudar meus planos.



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Acordei com o despertador tocando. Permaneci deitada na cama por alguns minutos, sem muita vontade de levantar e ainda com sono. Não era novidade que eu estava com problemas pra dormir.

Me sentei, bocejando e esfregando os olhos.

—Ativar interface de voz. -Disse em voz alta. Automaticamente a interface se materializou no meu quarto. Suspirei. -Por que é que você ainda usa a aparência do Mestre, mesmo?

—Por que você quer.

—Quem disse isso?

—A TARDIS é telepata. Ela mostra um rosto que você gostaria de ver.

—Eu não... -Me calei. Iniciar uma discussão com a interface sabichona da TARDIS não era uma boa ideia. -Onde está o Doutor agora?

—Na biblioteca. -Assenti.

—O que significa...

—Que ele é o Doutor no momento.

—Okay. Obrigada. Desativar interface de voz.

Saí da cama, me esticando e fazendo uma careta de dor. O machucado abaixo costelas ainda estava incomodando, mas logo devia sumir.

Troquei de roupa, passei na cozinha da TARDIS e rumei para a biblioteca. O Doutor estava lá dentro, como a Interface de Voz tinha dito, e ainda era o Doutor.

—Bom dia. -Saudei.

—Acordada tão cedo? Você não acabou de ir dormir?

—Não, isso faz umas doze horas. Pelo jeito você se distraiu.

—Tem razão. -Tirou os olhos do livro. -Tudo bem?

—Tudo ótimo. -Sorri. -E com você?

—Bem.

—Okay. Estive pensando... E se déssemos uma passadinha em... Não sei, algum planeta próximo...

—Ah... Talvez mais tarde. -Voltou a encarar o livro.

—Tá bem. Vou te deixar ler, então. Me avise se precisar de... Alguma coisa.

—Claro.

Saí da biblioteca, desmanchando o sorriso. O Doutor não era mais um mentiroso tão bom.

Ele havia voltado pra mim dois meses antes. Por dois meses tudo o que fizemos foi vagar pelo universo sem parar realmente em lugar nenhum, enquanto o Doutor ainda culpava a si mesmo por coisas que não tinha feito e eu tentava fazê-lo se sentir melhor... Ao mesmo tempo em que tentava sobreviver com um intruso na nave.

Já fazia um ano em que o Doutor perdeu a si mesmo ao tentar se esconder. Estávamos sendo perseguidos por um ciborg que queria matá-lo. Estranhamente o Senhor do Tempo sequer parecia ter pensado em ficar e enfrentá-lo. Talvez as coisas teriam dado certo se no lugar do Doutor não tivesse surgido Zebediah, o homem mais cruel e desprezível que eu tive que encarar. Após semanas de terror, desespero, medo, fugas e uma ajuda inesperada, o Doutor tinha voltado...

Mas não completamente.

Zebediah não tinha ido embora, ele estava lá, espreitando a mente do Doutor e tomando o controle às vezes. Quando menos esperava, lá estava ele, de volta. E não havia nada que eu pudesse fazer. O Doutor, é claro, não sabia que isso acontecia, se soubesse, teria me largado na Terra e se escondido em algum canto esquecido do universo.

Eu não sabia por quanto tempo aquilo ia durar, nem quanto tempo podia manter segredo.

O Doutor não era ele mesmo, ainda com Zebediah em sua mente, se tornando um monstro de uma hora para outra. Eu não era eu mesma, sempre com medo, a porta do quarto trancada e esperando pelo pior. Aqueles dois não eram a gente. Dois estranhos tinham tomado o nosso lugar. O homem que não era o Doutor. A garota que não era a Jessica. Por quanto tempo ficaríamos presos nisso?

***

Peguei mais um dos adesivos de cura, colocando sobre o machucado. Eu tinha batido numa quina enquanto fugia de Zebediah dias antes. A máquina que fabricava os adesivos nunca tinha sido tão usada naquela TARDIS.

De acordo com a irritante Interface de Voz, o Doutor continuava na biblioteca. Ele passava muito tempo lá agora, e eu sabia que era um modo de se distrair e não sair atrás de aventuras. No fim das contas, parecia um modo de fingir que não estava se punindo.

—Você saiu daqui alguma vez desde que me viu essa manhã?-Perguntei, me sentando do outro lado da mesa.

—Não. Se passou tanto tempo assim?

—Você sabe a resposta. Está se escondendo aqui.

—Eu não estou...

—E agora está mentindo. -Cruzei os braços, ficando alguns longos segundos em silêncio. -Por que fugiu? Do ciborg, no começo de tudo. Se tivesse o enfrentado, teria vencido. Eu já te vi enfrentar coisas mais perigosas do que uma porcaria de vilão de metal. Se não tivesse decidido se esconder...

—Zebediah não teria surgido. Você não teria sido perseguida. Lynn estaria viva. Eu sei.

—Não estou te culpando.

—Eu achei que tinha sido o Mestre. Que ele tinha mandado o ciborg. Eu poderia vencê-lo fácil, mas teria que ir atrás do Mestre depois. -Fiquei em silêncio, sem saber o que responder. O Mestre não tinha mandando o ciborg, tinha? Ele nunca havia dito nada sobre isso, nem durante aquele caos, nem depois. -Ele sabe que você está aqui?

—Quem?

—O Mestre. Você mandou várias mensagens durante aqueles dez meses. Ele a ajudou, não foi?-Assenti.

—Não temos nos falado faz um tempo. As coisas ficaram meio estranhas. -Franziu a testa.

—Estranhas como?

—Não importa. E eu não vim aqui falar do Mestre. Vim falar de você. Você está há um ano trancado na TARDIS, Doutor. Um ano sem viver sua vida de verdade por que está se punindo.

—Eu não estou...

—Por que voltou pra mim?-Fiquei de pé. -Pra que possa me olhar e sentir mais culpa? Se for isso, preferia que não tivesse voltado.

—Jessica...

—Eu me importo com você. Não teria suportado tudo aquilo e nem estaria aqui se não me importasse. Me aliei ao seu inimigo declarado que quase matou a gente uma vez. Passei meses mandando mensagens e olhando pro céu esperando ver a TARDIS nem que por alguns segundos. O que houve foi péssimo para nós dois, eu sei que foi. Você foi uma vítima como eu fui, mas acabou. Nós sobrevivemos. Então por favor, por favor, pare de se punir. Eu não vou ficar aqui te ajudando a sentir culpa.

—Jessica... -Me virei.

—Eu quero ir pra casa. Não posso continuar fazendo isso. Não com você. Passei meses te esperando e te encontrar foi definitivamente a coisa errada. Não estou te ajudando, estou piorando tudo e eu... -Fui interrompida pelo som de algo de vidro caindo no chão. Girei no lugar. A xícara do Doutor tinha caído da mesa, e ele parecia ser o próximo, se apoiando no tampo de madeira. -Você está bem?-Dei alguns passos para frente. -Doutor? Doutor?-Ergueu a cabeça. Eu conhecia aquele olhar. -De novo não. -Comecei a recuar. Zebediah se levantou.

—Sentiu a minha falta?

—Nem um pouco. -Continuei recuando. Se fosse rápida, podia sair da biblioteca e trancá-lo lá dentro até que se tornasse o Doutor de novo.

—Que lugar é esse?-Deu a volta na mesa.

—Você não faz ideia de onde está, não é? E mesmo assim continua voltando e voltando...

—Eu nunca fui à lugar algum.

—Se você soubesse...

—Bem... Realmente não importa o lugar... Por que não há lugar onde possa se esconder de mim, Jessica.

Virei e corri para a porta, Zebediah logo atrás, sem me dar chance de trancá-lo na biblioteca.

Eu não sabia exatamente para onde estava indo, meu quarto ficava para o outro lado e a coisa mais próxima era a sala de controle. Parei de correr, deixando o console entre Zebediah e eu, a porta atrás de mim. Não que eu pudesse usá-la, estávamos flutuando no meio do espaço.

—Acho que encurralei você.

—Se chegar perto de mim... Eu te mato. -Avisei. Ele riu.

—Ah, você tem um ótimo senso de humor. Me matar? Depois de cada momento que passamos juntos, você acha que pode me matar? Tudo o que tem feito é correr e correr, chorando e se escondendo. Você é a perfeita presa, Jessica.

—Imagino que você se ache o caçador.

—Eu sou o caçador. Isso está mais do que claro. E um caçador nunca para até conseguir sua presa.

Okay, talvez estivesse tudo realmente claro. Mas eu não ia sentar e ser a presa que se entrega. Não fiz isso antes, não faria agora.

Corri para o console, sem ter certeza do que fazer, mas Zebediah foi rápido, atacando os controles e fazendo faíscas voarem. Recuei, protegendo o rosto com ao braços. A luz da sala piscou e apagou lentamente.

Silêncio. A TARDIS parecia morta.

—O que você fez?-Gritei. -O que você fez?

Se de alguma maneira ele tinha estragado a nave, a situação tinha piorado mil vezes mais. Estávamos presos no meio do universo. O Doutor, Zebediah e eu. E nesse momento, eu estava com o pior dos dois.

A luz tinha apagado, mas eu ainda conseguia ver alguma coisa. Me movi para a direita, fazendo Zebediah se mexer para me pegar, então girei para a esquerda e saí correndo para fora da sala de controle.

—Jessica!

Continuei correndo, passando por algumas portas e entrando em uma delas sem ver. Era a cozinha. Fechei a porta e me afastei até a parede oposta, pegando o celular.

O número do Mestre estava salvo como um contato de emergência. Iniciei a ligação, as mãos tremendo toda vez que Zebediah chutava a porta pelo lado de fora.

—Jess...

—Não tenho muito tempo. Estou na TARDIS. Não sei a localização, você precisa nos achar. Zebediah está aqui. Ele nunca se foi de verdade. Eu não sei o que fazer.

—Eu vou encontrá-la.

—Se eu não estiver aqui quando chegar, se eu estiver... –Não consegui terminar. -Salve o Doutor. Salve-o de Zebediah. -A porta abriu com tudo, fazendo um som alto. -Salve-o...


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Notas finais do capítulo

Será que o Mestre vai voltar dessa vez para ajudar Jessica e o Doutor? Como foi a convivência deles após Jess ser deixada em casa?
Até mais.



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