O Lobo-homem e o Feiticeiro Mestiço escrita por Melvin


Capítulo 9
Onde vivem os humanos.


Notas iniciais do capítulo

Gosto desse capitulo porque tem coisas *--* espero que vejam

A imagem do começo faz referência ao fim do capitulo.

Enfim! Boa leitura!



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Era noite e pouco antes de chegar ao fim da ponte notei que havia duas pessoas junto do brilho de um lampião. Uma delas correu na minha direção, não me espantei ao reconhecer Luahn, que realmente havia me esperado como tinha dito. A garota me alcançou, envolvendo os braços em meu pescoço, colidindo seu corpo ao meu e me apertando com um inspirar forte.

— Finalmente! — disse ela contra meu ombro. Estranhei que ela não tivesse suas coisas consigo. Murmurou: — Não estrague a cena, Fiel, abrace-me de volta, ele está olhando! — Obedeci, envolvendo-a e levando os olhos para a pessoa com a luz que começou a se aproximar. Pude farejar seu cheiro, era o mesmo cavaleiro que a trouxe para a cidade.

— Porque ainda está com ele? — questionei sem soltá-la.

— Ah, eu tentei me livrar dele, mas... — seu tom era aborrecido e aninhou-se, deixando seu abraço menos estrangulado — ele disse que se procurava comigo e que não podia me deixar sozinha aqui. E eu acho que — riu — está apaixonado por mim.

Apertei a mestiça contra mim quando ele parou ao nosso lado, nos olhando, não podia deixá-lo roubá-la de mim novamente... E Luahn me soltou e empurrou.

— Irmão, este é Octavian — ela sorriu ao apontar o cavaleiro ruivo que estava com vestes comuns.  Olhei-a quando me chamou de irmão e depois rapaz falou comigo:

— É um prazer conhecê-lo! — estendeu a mão para mim, num cumprimento que já vi antes, e apertei-a. — Sua adorável irmã disse-me que se separaram no caminho para Prata Leal. Deixa-me feliz saber que chegou bem.

Ele sorria simpático, analisando-me, talvez visse que nós não nos parecíamos muito para sermos irmãos.

— Ah! Aqui estão suas coisas — Luahn distraiu-me de afrontar o olhar dele, soltando o cinto com espada e faca e me entregando. — Octavian arrumou um lugar para passarmos essa noite na cidade apesar de eu ter dito que não era necessário.  — informou-me e olhou para o rapaz, o mesmo sorriso de antes para ele, como se o admirasse.

— Não é nenhum esforço para mim — ele sorriu de volta. — Descansarei melhor sabendo que serão bem tratados na cidade.

Passei a crer que o rapaz apreciava qualquer oportunidade de ter atenção da mestiça e que, na verdade, não era o cavaleiro, mas Luahn que deixava abertura para ele ser iludido de ter alguma chance intima com ela.

Após isso fomos guiados pelas ruas de pedras da cidade populosa chamada Prata Leal, onde Octavian havia crescido e sabia dos detalhes dos melhores lugares, tanto que não parou de conversar com Luahn, comentando como as terras eram valiosas pelo metal que era extraído nas minas e pela população que gerou homens de nome famosos por seus conhecimentos e feitos no mundo.

Ali a noite era diferente da do vilarejo onde encontrei o mestiço, não havia ruas desertas e nem o silencio de paz, as pessoas estavam em todos os cantos, surgindo de becos e até correndo, os lampiões espalhados no alto das vias mais importantes criavam uma confusão de sombra e luz dourada para meus olhos, me deixando em alerta e tenso, e os sons às vezes eram súbitos, conversas altas, xingamentos e coisas assim, até mesmo um gato caiu de um telhado e saiu correndo, e eu jamais poderia definir um cheiro para seguir no meio daquela confusão.

Em um dos cruzamentos de ruas, onde as casas costumavam ser altas, havia mulheres paradas que observavam as pessoas. Um delas, de cabelos longos, negros e com cachos, analisou Luahn e Octavian que caminhavam alguns passos na minha frente; ela sorria de leve, balançando o corpo como se ouvisse uma musica que não havia no local e nem eu podia ouvir. Quando passei por ela, a mulher me parou, estendendo a mão e tocando meu tórax. Olhei-a e ela abriu um sorriso mais largo.

— Talvez, o senhor também deseje uma companhia para essa noite — disse-me com charme, olhando em direção ao meu pescoço, onde estava cordão que Luahn me deu contra feitiços baixos, mas ignorando-o. — Serei a melhor que terá essa noite.

— Ele não tem dinheiro! — assustamo-nos com o grito da mestiça, virada para nós.

A mulher olhou dela para mim, tranquila:

— Tudo bem, fica para próxima — piscou, soltando-me e se afastou sem interesse.

— É melhor tomar cuidado, amigo — disse-me Octavian com um sorriso maroto. — As moças daqui são boas e sabem quanto valem.

Notei Luahn encarando-me, mas logo ela desviou quando a olhei.

O rapaz levou-nos até uma grande casa de uma esquina que possuía três andares e diversas janelas acesas e apagadas, uma coluna de fumaça subia do telhado de uma chaminé grande. A mestiça parecia já conhecer o local e seguiu o nosso guia assim que ele abriu a porta e um volumoso som de conversa e musica saiu para a rua junto com um ar abafado e tão diverso e intenso de cheiros que parei atordoado. Luahn notou e me puxou para dentro forçadamente. Quase todo o andar de baixo era um salão cheio de mesas e pessoas, com uma lareira grande em um canto. Octavian sumiu entre as pessoas, deixando-nos parado em meio aos cheiros de comida e bebida, conversas altas, brigas, música, cantoria e estranhos trombando em mim. Meu estomago começou a revirar enquanto não sabia o que olhar, ouvir ou que cheiro definir, era estressante.

— Você está bem? — Luahn perguntou, olhando-me séria. Mas em seguida o rapaz apareceu:

— Pessoal esse é Gil, um antigo amigo meu. Ele irá acomodá-los e tratá-los bem. Não é mesmo?

Observei aquele que estava ao lado de Octavian, era um homem baixo, de cabelos ralos, expressão gentil e uma boa camada de gordura no corpo, fazia-me lembrar dos leitões domésticos dos humanos.

— Claro patrão! E o senhor, não vai ficar?

— Não, tenho que retornar ao castelo para resolver uns assuntos e vou ficar por lá. Aliás, eu tenho que ir indo — virou-se para Luahn e sorriu: — Foi um prazer conhecê-la hoje, Luahna.

Olhei-a, não era o nome dele, mas ela sorriu:

— Igualmente. E muito obrigada pela hospitalidade.

— Oh, não se preocupe com isso. Teremos mais tempo juntos em breve, se os deuses permitirem. — Gil estava com um sorrisinho entre as bochechas rosadas, o encarei sério, ao ponto dele notar e parar. Em seguida, Octavian se voltou a mim: — Quanto ao senhor, foi muito oportuno. Distingui que carrega espada e faca, contudo não parece ter intimidade com as laminas, elas estão... sujas e mal cuidadas. Se lhe interessar, posso ensinar algo, seria útil para que possa proteger sua linda irmã — os olhos castanhos dele foram novamente para Luahn.

— Pensarei na proposta — falar chamou atenção da mestiça e do ruivo para mim. Eram minhas primeiras palavras direcionadas a ele.

Após Octavian partir, Gil bateu as palmas, animado:

— Temos banhos prontos para vocês! Vamos?

Luahn assentiu, parecendo empolgada. Nós o seguimos através de uma passagem no salão que nos levou a um corredor onde havia algumas portas. Gil abriu uma delas e entramos os três. No estreito cômodo não havia mais que um banco com um monte de roupas e um tonel largo, cheio até a metade de água. O homem buscou parte das roupas e entregou à mestiça:

 — Esse é para a senhorita, e aquele para o senhor — apontou para os tecidos que ficaram no banco. Duas mulheres entram no com um balde de água quente e o derramaram na banheira, depois saíram. — Este está pronto. Você quer ir aqui? — perguntou para Luahn, e a feiticeira mestiça logo olhou para mim, divertida:

— Não, ele vai primeiro, precisa mais que eu.

Gil riu com ela ao me olharem.

— Certo. Temos sabão ali e tecido para se enxugar — apontou os dois. — Agora, vou levá-la ao seu banho, é aqui do lado.

Ele saiu e segurei o braço da garota:

— O que eu faço? — questionei baixo, confuso de ter ficar ali sozinho.

Luahn sorriu fino:

— É um banho normal — sussurrou de volta — Só não use sua forma de lobo ou vão suspeitar da água cheia de pelos. Então, ouça-me: tire a roupa, entre na água, se esfregue todo, use o sabão também, não é fácil achar, depois saia, enxugue-se, vista as roupas limpas e me espere no corredor. Só isso. Entendeu?

Assenti e ela foi atrás de Gil fechando a porta. Fiz exatamente o que Luahn instruiu, estranhando ter que ser com aquele corpo, mas só assim descobri como a água tocava de forma diferente a pele quando não havia o casaco de pelos absorvendo-a antes dela me tocar de fato, e era prazeroso sentir-se aconchegado naquele calor liquido.

Minha nova roupa incluía um casaco de couro castanho, camisa sem botões, calças grossas cor de café e usei as mesmas botas. Enquanto esperava Luahn no corredor, Gil apareceu para informar que as antigas roupas seriam lavadas e devolvidas e que poderíamos ir jantar no salão, em seguida me deixou novamente sozinho. De repente, a mestiça abriu a porta e saiu. Ela sorria me olhando de cima a baixo e depois balançou o tecido de sobra que escondia suas pernas.

— Estou de vestido — disse com gozação. Além dos cabelos úmidos, sua pele parecia mais clara e seu aroma mais definido e doce, tive uma ligeira tentação de farejá-la, mas resisti, engolindo em seco. — Minhas pernas estão tão livres, Fiel! É estranho. Mas aqui está preso — pressionou as mãos no busto, onde um tipo de colete tinha amarras na frente e era justo. E eu não tinha idéia de como ele sabia vestir aquelas camadas de roupas de mulher.

No salão, jantamos com fartura. Alguns gostos eram intensos demais no meu paladar, mas com a fome e a ajuda de uma caneca grande de água estranha preenchi o estômago. Luahn continuava sua mentira de que éramos irmãos e que seu nome era Luahna, se divertindo, tirando histórias de desconhecidos a nossa volta e de Gil que nos servia. Ela ria e eu a observava, pois não a havia visto assim antes. Normalmente, durante a viagem, ela ria de suas próprias conversas, mas seu riso sumia, enquanto ali sua alegria parecia ser crescente e fazê-la brilhar, lançando breves olhares para mim.

...

— A acomodações de vocês — Gil abriu a porta de um quarto do último andar, era um lugar pequeno, com um par de camas, uma mesa diante da janela com uma lamparina acesa e um baú em um canto. — A senhorita pediu para não ficarem separados, esse é o quarto que temos para dois — ele falou com Luahn.

— Ah, está ótimo, Gil! Obrigado! — sorriu.

— Relembro a vocês que o senhor Octavian havia reservado os melhores quartos para vocês. Ficariam muito mais confortáveis.

— Sei disso. Estou grata demais já! Sei que ele entenderia a troca.

Após isso o rapaz desejou boa noite e saiu. Luahn trancou a porta e suspirou pesado, relaxando.

— Que noite difícil — falou, indo até o baú onde notei que ela havia guardado suas coisas e que seu cajado estava encostado no canto do cômodo. Certamente, já esteve na estalagem antes.

— Por quê? Parecia que estava à vontade o tempo todo... Com todo mundo. — caminhei para conferir a vista da janela e ouvi-a rir.

— Eu não sou uma garota, isso é difícil, e enganei todo mundo, até mesmo Octavian — olhei-a ao mencionar o nome com leve tristeza. — Ele é legal e estou me aproveitando, isso parece errado... Ao menos vamos ter uma boa noite.

Suspirei, cansado, e observei a janela novamente. Os lobos jamais invadiriam aquele lugar, tão cheio de gente e com um castelo onde um rei ficaria feliz em caçar algum dos animais que invadissem suas terras. Estávamos seguros.

— Fiel? — chamou e a olhei, estava sentada sobre uma das camas. — Estou feliz que tenha chego bem. De verdade. Não saberia o que fazer sem você e com o Octavian fazendo de tudo por mim. — Encarei-a, devia agradecer ou dizer que era verdade? De repente, ela sorriu: — Ele é soldado do castelo, sabia? Por isso quer te ensinar algo com as espadas. Além disso, ele usa arco e flecha, apesar de não ser tão bom de mira, segundo ele mesmo, lança e outras armas! Também me contou que estava em uma missão fora e voltou para casa hoje, tem até umas cicatrizes novas. Ele também disse que investiu seu ganho nesse lugar, principalmente pelo amigo dele, o Gil. Ele já fez tanta coisa, é corajoso e gentil ao mesmo tempo! Nem acredito que ele...

— Dá para não falar dele? — me aborreci com a descarga de informações. Caminhei para a cama destina a mim e encarei as cobertas. Era bom saber que estávamos nos aproveitando daquele bastardo, afinal, Octavian tinha roubado meu almoço, tinha que haver vingança.

— Você tem ciúmes? — ouvi e me virei. Luahn estava soltando as amarrações do colete justo, mas parou, me olhando curiosa. Um conhecido sorriso divertido e torto surgiu em seu rosto.

— Não! Só estou bem cansado, me deixe dormir em paz hoje.

— Nossa, como se eu o perturbasse todas as noites — soltou o colete, tirou-o e jogou sobre sua cama.

Assumi a forma de lobo e subi no colchão de palha.

— Não! Lobo mal! — Ela gritou comigo e desci, olhando-a confuso. Algum cão da vizinhança começou a latir distante e abafado pela janela fechada. — É o mesmo que a água do banho, Fiel. Se notarem alguma pista de pelos na coberta, vão estranhar e seremos suspeitos.

A encarei meio descrente de suas afirmações, então deitei no chão, bem na lateral da cama, largando meu corpo de lado, relaxando e desejando dormir logo para recuperar as energias. Luahn tirou seus sapatos e vi seus pés descalços se aproximarem quando veio apagar a lamparina da mesa. A escuridão ficou densa quando fechei os olhos, mas pressenti que a mestiça pulou sobre mim e deitou na beirada da cama que devia ser minha. Sua respiração estava bem acima da minha cabeça, dava para saber que estava me olhando. Em poucos minutos de silencio, a mão de Luahn veio ao meu pescoço, acariciando devagar e conseguindo ajudar-me a encontrar o sono, sentir o afago era a prova de que estávamos juntos e que estava cumprindo a missão dada pela feiticeira, seria uma noite de paz.

~

Com um solavanco, abri meus olhos e no mesmo susto vacilei sobre a mureta de um poço. Estranhei estar com o corpo de homem e mais ainda estar em um lugar da cidade, longe de onde havia adormecido.  Ainda era noite, o ambiente parecia incerto, oscilante como um sonho. A lua nova brilhava maior no céu pontilhado por estrelas e não havia nenhum sinal de humanos, nem sons, nem cheiros.

Estava sozinho em uma praça pela qual passamos. Era cercada pelas paredes dos prédios e todo pátio era de pedras gastas, onde num canto havia o poço aonde, arriscadamente, eu estava de pé na mureta. Desci num salto e caminhei desconfiado até uma estrutura de madeira no centro, algum tipo de tablado com laços de enforcar no alto.

— Vocês não podem ficar aqui — a voz feminina e aveludada interrompeu meus passos, virei-me e lá estava ela de novo: a feiticeira. Seu rosto estava sério e seu olhar incisivo contra o meu. Tremi receber alguma punição por ter perdido o mestiço e deixa-los na mãos de um feiticeiro com intenções ruins, mas seu assunto era outro. — Tem que sair o quanto antes da cidade Lobo, ou haverá mortes nas ruas.

— Não. Aqui é seguro. A matilha está próxima, mas não...

Ela balançou a cabeça como se eu fosse ingênuo.

— Saiam — repetiu séria, como aviso. — E fique atento, pois depois da próxima meia noite será o dia de Luahn. O primeiro de um novo ano de vida aonde ele vai descobrira sobre si mesmo e você terá suas provações. — Senti-me tenso. — Quando o momento chegar, lembre-se de que gosta de estar vivo, do que ama e de que Luahn estará com mais medo que você.

— Mas ele é corajoso — comentei. — Um pouco imprudente, mas destemido.

Ela apenas sorriu me observando, depois ia dar as costas e pude sentir que partiria.

 — Senhora! — chamei ansioso e ela olhou-me. — O mestiço foi transformado em garota por outro feiticeiro — sua expressão ficou atenta e controlada —, ele tentou reverter, mas não conseguiu. Talvez você possa ajudá-lo.

— Como pode deixar isso acontecer? — estranhei a rispidez e raiva contra mim, recuei um passo. Então ela ponderou e suspirou: — Escute, não caia na tentação da minha criança, não enquanto ele não souber de onde origina e quem é. Entendeu?

— S-sim, senhora. Mas... — ri, nervoso — não há essa possibilidade.

— Ah, inocente lobo solitário — sorriu fino. — Você é animal homem e ela mulher fêmea. Seu instinto e uma lua cheia poderão criar artifícios que nem imaginam se os corações baterem iguais e aquecidos. Esquece-se fácil que Luahn tem poder de feiticeiro, e ainda nem mesmo está com acesso a toda sua magia... Terão provações, meu querido, como lhe disse, seja forte.

De repente, toda a imagem nítida ficou turva e desapareceu. Acordei  com solavanco e agora estava como lobo, deitado sobre o piso do quarto iluminado pelo sol da manhã. Havia sido um sonho, ou uma visão, e a feiticeira deu um aviso que me perturbou. Estaria ela querendo dificultar a minha missão ou havia uma razão para mandar-nos sair da cidade.


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Notas finais do capítulo



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