O Lobo-homem e o Feiticeiro Mestiço escrita por Melvin


Capítulo 8
O cerco de lobos e a escolha da mestiça.


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Espero que gostem!



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Quando o homem abriu o pequeno porco para tirar as vísceras, o cheiro férreo do sangue contaminou o ar e resisti à queimação que ardeu em meu estomago vazio, permanecendo escondido, observando-o preparar partes da carne em uma pequena fogueira. Meu instinto dizia para atacá-lo e roubar o que era meu, mas ele não era simplesmente um arqueiro, possuía outras armas consigo e muita atenção a tudo que acontecia em volta, não se esquecia do lobo que viu e nem que estava na mata selvagem. Era esperto.

Ouvi um uivo rouco que chamou toda a minha atenção, apesar de significar apenas ‘lobos’, e isso não tinha sentido, mas me preocupei com Luahn e corri para encontrá-la. Não demorou muito e tive a sensação de estar sendo seguido, parei bruscamente e me virei, vendo um vulto sair de vista e parti para cima dele, que fugiu assustado. Fosse o plano de me seguir para levá-lo ao mestiço, iria interrompê-lo. Porém seu cheiro era familiar e despertou minha raiva, então corri mais rápido e o desequilibrei, saltando sobre seu flanco despenteado. Em seguida o cinzento levantou-se veloz e se esquivou de todos os meus botes contra seu corpo.

“Calma!” disse-me assustado, fugindo de minha ira. “Por favor, alfa! Espere!”

“Avisei que ia matá-lo!” Corri e mordi o ar novamente, infelizmente ele tinha movimentos mais rápidos que os meus. Era o mesmo lobo nômade cinza escuro e rajado que já havia encontrado antes.

“Eu sei, senhor! Mas ninguém saberá se não cumprir!”.

“Errado! Farei de você meu almoço!” o persegui e ele correu em círculos entre as árvores.

“Por favor! Preciso da sua ajuda!” Parou na minha frente quando me cansei de correr em vão.

“Esqueça! Enfrente-me como lobo!”

Ele riu e se prostrou no chão, deitando-se por completo, batendo a calda ao me olhar de baixo, submisso. Disse:

“Eles irão cercar você e sua humana em breve. São muitos”. Ouvi-o e a minha vontade de almoçá-lo diminuiu.

“Como sabe dela?”

“Estávamos atrás de você esse tempo todo. Farejamos que não estava sozinho quando chegamos ao monte de rochas, onde tinha uma energia forte e estranha...” Falou do castelo destruído.

“Não devem me seguir. Já avisei vocês antes. Irão morrer” dei uns passos para trás, pronto para ir até Luahn depois de saber da ameaça.

“Espere!” Ele se pôs de pé. “Eu preciso que me ajude! Minha irmã está numa armadilha. O senhor sobreviveu ao feiticeiro, é esperto e forte, pode nós ajudar antes que o caçador chegue até ela.”

“Estou mais preocupado com outra coisa”

 “Alfa, podemos ajudar na sua caça depois! Por favor!” ele me encarou, nervoso. “É perto!”

Parei. Talvez eu enxergasse nele o medo de se tornar solitário, não é uma vida fácil e nem muito longa, além da loucura sempre espreitar. Agora eu entendia como ter apenas uma companhia já fazia a diferença. Relutando internamente, concordei com seu pedido e ele logo correu desesperado para algum lugar, o segui.

“Você o trouxe!” se surpreendeu a loba branca quando chegamos. Ela estava com um laço no pescoço muito afundado em seus pelos ao ponto de estar manchada de sangue em algumas partes e permanecia deitada o mais distante que podia do ponto em que a armadilha estava amarrada, até respirar era algo difícil pelo ruído que fez antes de tossir meio engasgada.

“Eu não consegui pensar em outra coisa” argumentou ele, indo tocar o nariz nela para lhe dar um conforto.

“Isso é...” tossiu “vergonhoso”. Ouvi seu choramingo quando ela desviou o olhar para o chão.

Mentalmente, solicitei o corpo de homem e os dois recuaram assustados quando me transformei. O cinzento quase sumindo de ré em um arbusto próximo e a branca rosnou baixo com os olhos saltados, ambos com os pêlos eriçados.

— Que burrice! Como meteu a cabeça numa armadilha? — disse-lhes sério.

Os irmãos se entreolharam.

“Nós o entendemos” comentou a loba, espantada.

“Isso é feitiço” respondeu o outro, assombrado.

— Deixem de conversa! — irritado me aproximei da loba e ela esticou a corda, fazendo uma gota vermelha escorrer do laço que eu queria afrouxar. — Não faça isso, vai ser pior. E não me morda ou te mato! Mato vocês dois!

A loba com mancha preta sobre o olho direito parou imóvel, quase sem reação, igual ao outro que só assistia. Arrastando-a para mais perto da árvore onde a armadilha estava presa, afrouxei a corda e soltei sua cabeça. Observei ela ficar de pé e respirar algumas vezes aliviada, e o irmão, curioso, foi verificar se estava bem. Voltei à forma lupina, pois me parecia errado ficar como homem na frente deles.

“Ah! Alfa, os outros lobos vão cercá-los! A você e sua humana!” disse a loba querendo retribuir urgente.

“Eu sei. Seu irmão já disse”

Ela o olhou.

“Foi assim que o convenci a vir”, respondeu o cinzento.

“Agora, vocês devem ir e não me sigam mais” avisei.

“Mas não temos mais ninguém!” a loba branca abaixou-se ao nível do chão, arrastando-se para mais perto de mim, balançando a cauda e de orelhas baixas, querendo que eu a aceitasse. “O senhor é forte, é livre, é esperto, nós gostamos de você. Queremos que seja o nosso líder.”

“Não”

“Aah!” o cinzento também se abaixou no chão, ao lado da companheira. “Lutaremos pelo senhor, ajudaremos a conquistar o que quiser. Aceite, por favor!” Ambos choramingaram agitando as caudas, e aquilo era muito estranho.

“Não sejam burros!” rosnei. “Viram minha maldição, é uma péssima escolha” Recuei um passo. “Estou preso a mestiça de humano, não servirei para nada, serão apenas distração e morrerão.”

“Ainda sim, te admiramos” afirmou o cinzento. Os dois eram jovens demais para entender os riscos, sinceramente acreditava que ficariam melhores sem mim.

“Nossa vida teria algum propósito e tenho um divida com o senhor! Queremos estar com você”

“Não. Vocês não entendem...”

“Não importa! Faremos o possível para ajudá-lo” o macho se pôs de pé, agitando a cauda, conclusivo.

“Pense nisso, senhor! Tentaremos não entrar no seu caminho, mas chame-nos se precisar, não ficaremos longe de você”. A branca se levantou e ousou dar-me lambidas na face. Rosnei, apenas estranhando a aproximação de outro lobo, e ela fez de novo, balançando a cauda. O irmão se aproximou e fez o mesmo, me fazendo recuar e tentar me esquivar da saudação. Depois tentaram brincar comigo quando o cinzento abaixou a dianteira na minha frente, soltando um latido estranho e divertido. Não convivi com lobos adultos, era solitário quase minha vida toda, e a cena apenas fazia sentido na minha memória de filhote, não retribui.

“Não quero seguidores” disse inexpressivo. “Fiquem longe de nós”. Dei meia volta, lembrando que já tinha uma responsabilidade grande com Luahn.

“Espere!” Parei e olhei a loba. “Os lobos, nas conversas deles, não querem que vocês cheguem à cidade”.

Ouvi e voltei ao meu caminho, indo o mais rápido possível até a mestiça. Logo enxerguei uma lateral da floresta mais iluminada, onde a estrada era atingida pelo sol. Sai para a luz e continuei correndo pelo chão de terra, farejando a brisa morna que trazia o cheiro da garota. Ela tinha avançado bastante e parou de repente, olhando para trás tensa, até me reconhecer e continuar caminhando.  Assumi a forma humana ao chegar do seu lado.

— Tanto tempo e não conseguiu nada? — ela questionou distraída. Tinha um fruto nas mãos e o mordeu, seguindo em frente, apoiando o cajado no chão a cada novo passo.

— Um homem roubou meu filhote de porco.

Olhou-me desconfiada.

— Isso parece ao contrário. São os lobos que roubam dos homens. — Encarei-a, irritado. Desde sempre são os homens que caçam mais do comem, mais do que precisam, lobos caçam e comem o que precisam. — O que foi isso? — seus dedos finos vieram para meu rosto e, pelo suor salgado de sua mão, o corte na minha pele ardeu. Lembre-me dele e busquei saber a extensão, tinha um corte raso minha bochecha direita e uma segunda parte no meu pescoço.

— O maldito tinha flechas...  Não deu para enfrentá-lo.

— AH, que dó, deve estar com fome. — Luahn puxou o saco das costas, que levava como uma mochila, e pegou um novo fruto vermelho para mim.

— O que é isso?

 — Maça.

— Onde pegou? — perguntei e dei algumas mordidas pela fome. Apesar de preferir carne, aceitava frutos para forrar o estomago.

— Na floresta, quando fui aliviar a bexiga, tava no caminho. Aliás, sabia que o negocio é mais complicado sendo uma garota? — riu suave. — Tem meio que quase sentar no mato, mas acho que estou me acostumando com isso aos poucos, apesar de sentir falta do...

— Não pode ir à floresta sozinha.

— Como não? — olhou-me com estranheza e diversão. — Quer que te leve quando precisar fazer xixi? Que fetiche estranho. Além disso, eu fui obrigado a conhecer meu novo corpo nesses dias, mas não estou à vontade para mostrar para alguém.

— Não, sua tola! Não distorça as coisas. Há lobos se aproximando, evite ficar longe de mim, precisamos chegar à cidade o quanto antes, pois eles não entrarão nela pela quantidade de humanos.

Olhou-me mais séria, seus olhos ficavam mais dourados pela luz do sol.

— Eles ainda não desistiram? Eu nem matei um deles, só derrubei, qual o problema desses animais?!

Rosnei, mas fui ignorado.

 Passamos a caminhar mais rápidos, porém, em pouco tempo, ouvi um som metálico se aproximando com a corrida rápida de cavalo. Virei para a estrada que já havíamos percorrido, definindo melhor o som e buscando pistas no ar. Havia resquícios do cheiro de carne de porco selvagem assado, reconheci quem poderia ser.

— Você tem que sair da estrada! — avisei e empurrei a garota para a borda da mata que ladeava o caminho.

— Não, se você não se explicar! — ela resistiu. — ‘Não entre na floresta’, ‘Entre na floresta’, se decida Fiel!

— Há alguém vindo em nossa direção, a cavalo.

— Mesmo? — parou interessada. — Talvez possa nos informar se estamos longe da cidade!

— Ele não é confiável.

— Não, você que é traumatizado! Sei que os últimos não foram legais, mas nem todo mundo é mal, Fiel. Se estiver desconfortável em ter que encontrar algum humano, fique como lobo e vigie da floresta. Vou tentar descobrir se falta muito, ‘se’ essa pessoa me der atenção, porque pode muito bem passar reto por mim. — Não tive expressão alguma quando ela me observou por alguns segundos, parecia completamente decidida. Sorriu fino. — Não se preocupe, vou me cuidar!

Os trotes ficaram próximos, Luahn já podia ouvir, encarei seus olhos castanhos uma ultima vez e levei as mãos ao chão, assumindo a forma de lobo antes de ir para as sombras da floresta, seguindo caminhando ao lado dela, que ia sob o sol e na estrada.

O cavaleiro veio pelo lado oposto da via, aproximando-se rápido, atiçando o cavalo de pernas longas e musculoso, mas ao ver a garota na beira da estrada diminuiu o galope até chegar com trotes calmos. Luahn o olhou e seguiu caminhando, olhando a frente, e me parecia corada. A princípio, o rapaz de cabelos vermelhos escuros e com partes de armadura prata, observou-a em silêncio, fazendo sua montaria acompanhar a velocidade dela.

— O que uma jovem como você faz numa estrada vazia? — questionou.

Sua voz e rosto eram jovens, carregava o cheiro e o som de metal pela camisa de cota de malha, a espada longa no cinto e um elmo pendurado na cela com outros pacotes. Até seu cavalo parecia destemido. Não gostei dele, principalmente porque sorriu quando Luahn lhe deu atenção:

— Sabe se a cidade fica muito distante? — jogou uma mecha dos cabelos para trás do ombro ao olhá-lo.

Com um jeito simpático e um sorriso torto, o rapaz olhou a estrada à frente, longa, descampada e ladeada pelo verde:

— Estimo que se a senhorita for caminhando, chegará lá durante a noite.

Luahn parou, também parei na floresta e o desconhecido fez o mesmo, observando-a. Ouvi a garota murmurar pensativa:

— Andar na estrada depois do pôr do sol, tem lobos chegando... O que é mais perigoso?

— Se não estiver te atrapalhando a moça — o ruivo chamou a atenção dela, tinha tom cavalheiro — posso levá-la comigo. Garanto que chegará lá mais rapidamente e com segurança. Dou minha palavra de honra.

A mestiça olhou-o e depois se virou para a floresta, surrando:

— Pode ser uma boa ideia, Fiel.

Meu coração acelerou com aquelas palavras. Não podia deixá-la sozinha com o estranho, mesmo que ficasse em segurança mais rapidamente e eu soubesse que os lobos não estavam atrás de mim e sim dela, mas eu não queria ficar longe e nem deixá-la com aquele rapaz que eu sabia bem que a admirava por ser fêmea.

— Pode nos seguir, não? — seu tom estava preocupado e incerto. — Se ficarmos distantes, juro que vou esperá-lo na entrada da cidade, aonde essa estrada levar... E é melhor chegar rápido ou virei atrás de você! — finalizou mais uma vez decidida, depois puxou o saco que carregava, enfiou a mão dentro e jogou uma maça na mata, quase em mim, o que fez o cavaleiro lhe lançar um olha de estranhamento. — Para você ter energia — murmurou, dando um sorriso fraco, em seguida foi até homem.

Rosnei ao vê-lo abrir um sorriso largo por ter sua proposta aceita, estendo a mão para ajudá-la a subir na garupa de seu cavalo. Não sei ao certo como me senti, estava atordoado em ser abandonado, mesmo sabendo que ela ficaria segura e saberia se defender dele, já que estava com minha faca e espada e tinha seus feitiços.  Ao vê-los partir, corri atrás pela floresta e foi um esforço para não deixá-los ficar longe, apesar de o cavaleiro alternar entre corrida e trotes para que o seu cavalo não se cansasse tanto.

No meio da tarde, um esquilo correndo na mata e me distraiu, eu precisava comer, então, muito relutante, decidi caçá-lo para ter forças e os deixei sumir de minha vista. Foram mais rápidos do que imaginei e não voltei a alcançá-los. A noite chegou e eu, cansado, estava preferido viajar pela estrada plana ao invés da mata com obstáculos e arbustos. Em um momento pude farejar o odor mais concentrado de humanos no ar, junto com fumaça e outros aromas diversos e quase impossíveis de encontrar na floresta selvagem.

Assumi a forma humana quando fiquei próximo da cidade, pois a estrada de terra havia sido cercada por um longo campo sem árvores e sem esconderijo para qualquer animal que viesse da floresta. Ao seguir caminhando sozinho, pude definir os contornos dos vários telhados e casas se espalhando no horizonte noturno, de alguns pontos subia uma fina fumaça, e bem no centro da cidade havia uma estrutura maior, sobre uma colina. Era outro castelo, mas este estava vivo, alimentando e reunindo todos aqueles humanos do outro lado de seus muros de pedra.

A última fronteira entre a cidade e o nada era uma ponte grande e longa sobre um largo rio, era dali que se pisava numa das estradas principais que se embrenhava entre as casas. Antes que avançasse um passo, um uivo soou da mata perto, me fazendo parar e olhar para trás. Na noite escura, o brilho sutil da lua nova me permitiu ver na estrada a sombra de cinco lobos, olhando em minha direção, depois voltaram para mata e desapareceram.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler!
Passei quatro horas para revisar o capitulo e encontrar alguma imagem legal (e que fizesse sentido com o capitulo), espero que tenham apreciado! Foi feito com amor!

*leiam e comentem, cheguem ao capítulo 12! Garanto que ele será marcante!

Até os comentário!

Notas de esclarecimentos:
¹Aspas são lobos falando, tipo conversa mental, e travessão conversa humana, falada.
² O cavaleiro é o mesmo que pegou a caça do fiel, não tenham impressões erradas dele.
³ A historia tem/é yaoi (porém antes disso é uma aventura), desculpem mudar as aparências, mas vão descobrir mais para frente na história porque fiz isso com Luahn e o que significa.



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