O Lobo-homem e o Feiticeiro Mestiço escrita por Melvin


Capítulo 10
Habilidades ocultas.


Notas iniciais do capítulo

Oi.
Boa leitura, vamos nos divertir.



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Os humanos não se calavam. Ainda havia os cavalos passando nas ruelas, os cachorros vadios, os pássaros nos telhados e o estridente som de gaita vindo do salão abaixo.

Depois que acordei do sonho, assumi a forma humana e acabei deitando na cama vazia, virado para a parede e de costas para o mundo barulhento, consegui pegar no sono, mas depois de ouvir Luahn sair e não voltar comecei a ficar preocupado. E pensar em atravessar sozinho o térreo cheio de humanos, só me fazia imaginar calando-os com selvageria e matança por estresse. Eu entendia porque nenhum animal livre gostaria dali.

— FIEL! — e a porta chocou-se na parede com a grande entrada, mas já havia farejado sua aproximação no corredor. Não me movi, mesmo assim a mestiça chegou sentando-se próximo de minha costa. — Olha o que ganhei! — enfiou um livro na minha frente e parecia feliz com o item de capa vermelha, folhas amareladas e um sutil cheiro de mofo. Não era nada de mais até ela explicar: — É um livro de feitiços e poções!

Estranhei e virei o corpo para cima, olhando-a:

— Onde arrumou isso?

Ela sorriu fino, jogando uma longa mecha loira ondulada para trás do ombro:

— Alguém me deu. — Estreitei os olhos, o jeito que não me olhava, fingindo interesse no livro, tencionando o maxilar sem ter nada na boca e começando a corar, era suspeito. Então se agitou antes que eu insistisse em saber a verdade. — Ah, está bem! Foi o Octavian! Ele que me deu. Ontem acabei dizendo que sou feiticeiro e hoje ele me trouxe isso e isto — puxou da barra baixa do colete um bracelete maleável e largo, prata brilhante, entregou-me e observei.

— Ele deve gostar mesmo de você... — murmurei e estendi o presente de volta, sem expressão, apesar da vontade de dizer para ela parar de criar intimidade com cavaleiro.  — Mas o valor de um homem está no que ele faz por você, não no que lhe dá.

Luahn me olhou e sustentei, então ela sorriu:

 — Que bonitinho. Vou lembrar-me disso! — riu. — Mas! Isso é perfeito! Vou ficar com o livro para estudar e posso vender esta jóia e comprar algumas coisas que precisamos. Aliás, que sair comigo? Pode ser perigoso eu continuar andando por aí sozinho com esse corpo.

Não dava para deixá-la sem companhia sabendo que dava conversa para qualquer um, então nós exploramos a cidade. A mestiça se divertia em conhecer as coisas e aceitava quase todos os conselhos de onde seria um bom lugar de visitar. Quando teve fome, bastou se afastar de mim um pouco e conseguia alguma coisa de graça de humanos idiotas em barracas.

...

Estávamos em uma das ruas de comércios, Luahn pechinchava uma mochila de couro com uma velha senhora sentada em uma pequena tenda, apesar de ainda não ter nenhuma moeda. Eu apenas a observava quando notei alguém parar do meu lado. Octavian sorriu, lançando-me um breve olhar de cumprimento, depois assistiu um pouco da discussão da loira com a viúva que mostrava uma mochila menor. Os cabelos ruivos escuros dele refletindo o sol da tarde, fazia-o parecer um cabeça de brasa.

— Ela é uma negociante — ele comentou achando graça. — Uma mulher que dá valor ao seu dinheiro, isso é bem interessante. — De repente, Luahn se calou e virou-se para mim, parando de súbito o que fosse me dizer ao notar o rapaz do meu lado, e ele avançou até elas: — Se permitir-me, lhe dou a mochila Luahna.

A mestiça ainda estava surpresa de ele ter aparecido, então sorriu, assumindo seu ar feminino:

— Ah, Octavian, não precisa. Estou quase conseguindo um bom valor.

O ruivo riu:

— Não seja difícil, mulher. Certamente essa senhora teve trabalho para ter esse produto. — Em seguida, ele questionou o valor e pagou, apanhando a bolsa de couro e entregando para Luahn. — Espero que seja útil.

— Vai ser sim! Obrigada!

Ela sorriu, abraçando o novo presente, e revirei os olhos com a cena deles se olhando felizes. Mas não deu para ignorar mais quando ele acariciou o rosto dela, se aproximando devagar e dando um beijo leve em sua boca, logo afastando. Meu corpo aqueceu-se irritado, sei que ela não me pertencia daquela forma e nem tinha motivos para isso, mas a idéia de ter que suportá-lo cada vez mais próximo me alterava.

 Octavian a pegou pela mão com um sorriso maroto:

— Venham comigo, vou ensinar algo para ele — olhou para mim sem nenhuma preocupação. Rosnei baixo.

No caminho, quando o rapaz foi distraído por dois guardas que andavam entre as pessoas, puxei a mestiça para um canto:

 — E quando ele descobrir que você não é uma garota?

— Ahn? — me observou boba até lembra-se do que me referia. — Ah, o beijo!... Olha Fiel — apoiou as mãos nos meus ombros e fitou meus olhos seriamente: — Aceite que talvez eu não volte a ser como era. Já passou um bom tempo depois da poção e não aconteceu nada, então ele não iria descobrir tão cedo e espero que guarde o segredo... Mas não se preocupe, ciumento, — sorriu torto e divertida — eu não sinto nada por ele.

Riu e se afastou, seguindo um chamado do rapaz.

Octavian nos levou para um pátio estreito entre um complexo de casas iguais que era vazio e sem movimento.

— Pegue sua espada — mandou, afastando-se e tirando a sua da bainha antes de virar para mim. — Vou lhe dar as primeiras lições.

Luahn sorriu para a postura de luta dele e saiu do meu lado, indo para um dos cantos para assistir.

Ao puxar minha espada, ela travou na metade e com um pouco de força arrastou-se toda para fora. Empunhei-a, compreendendo seu peso em minha mão esquerda e cortei o ar, considerando seu funcionamento.

— Hum, é canhoto? — Octavian estranhou e sua expressão dizia que pensava em algo com incomodo. — Deve ser a mesma coisa. Não conheci muitos. Coloque o pé oposto a frente, mantenha os joelhos flexionados e segure-a como eu.

Observei a pose dele e troquei de mão, copiando sua postura.

— Não! Se você utiliza a esquerda apenas faz o contrario — disse corrigindo-me e rindo.

— Dã, não precisa ser exatamente igual. Você não é como Octavian — colaborou Luahn, sorrindo e encostada em uma parede.

Em resposta a eles, cortei o ar empunhando-a com a mão direta e foi exatamente igual, mesma velocidade, mesmo movimento e mesmo peso.

— Nossa — o ruivo me encarou surpreso. — Então você usa os dois? Isso é raro e útil em batalha — desfez a postura com a espada, assumindo interesse. — Talvez eu possa levá-lo para ser soldado do castelo, seria um ótimo guerreiro para legião e teria todo o treinamento necessário. — Não lhe disse nada, apenas nos encaramos, e ele desistiu. — Ah, certo. Eu vou atacar, defenda-se como puder, não tenho intenção verdadeira de feri-lo. Pronto?

Assenti e ele logo deu um passo largo em minha direção, desferindo um corte vertical no meio de meu corpo, bloqueei com a lâmina, jogando a dele para cima, e um estridente som ecoou do encontro dos ferros. Em seguida, ele já partiu num corte diagonal, contra minhas costelas esquerdas desprotegidas. Recuei para trás, buscando a espada com a mão esquerda e logo cortando na direção de seu braço esticado e exposto, foi a vez dele recuar para trás, fazendo uma curta pausa.

O cavaleiro ruivo ajeitou a espada na mão com um sorriso de divertimento, seu olhar passou rapidamente por Luahn, e então avançou de novo contra mim, buscando outro corte no meio do meu corpo. Segurando minha espada com as duas mãos, o bloqueei deixando a lamina da horizontal, um pouco acima da altura de meu rosto. Nossas espadas colidiram e acabaram cruzadas.  Octavian forçou o peso da sua para baixo, na tentativa de ferir-me sobre a cabeça. Ele era forte, mas entendi que avaliava minha força, então ri e forcei meu golpe contra o dele. Apesar de sua determinação, o fiz ceder seu avanço até que grunhiu e recuou de súbito.

Assumi a postura empunhando a espada e observei-o pronto para a próxima. Ele avançou novamente com um corte diagonal com alvo no meu ombro esquerdo, bloqueei igualmente na horizontal, mas ele se desvencilhou rápido, deslizando sua lamina até a ponta da minha e logo cortando para baixo, rasgando minha camisa de cima para baixo, depois se afastou. Senti um ardor fraco de um arranhão na pele. O cavaleiro riu, desfrutando do acerto, enfureci.

Ataquei contra seu peito, dando um passo rápido e largo. Ele recuou, bloqueando meu golpe e jogando minha lamina para o alto. Seu contra golpe havia deixado seu braço para cima e seu peito aberto ao ataque, então rapidamente voltei a abaixar minha espada, num novo corte. Ele afastou-se preocupado pela velocidade, mas não o atingi. Não lhe dei mais tempo, em seguida girei a espada e golpeei de baixo pra cima, ele teve que recuar novamente, mas também bloqueou, colidindo sua espada contra a minha, o que deu um pouco errado, pois fui mais forte e sua arma vibrou em sua mão e ele fez uma careta.

Não lhe dei espaço, afastei a lamina e rapidamente cortei o ar na linha de seu pescoço. Ele arcou para trás e recuou outro passo, optei para atingi-lo em seguida nas costelas e Octavian se defendeu, impactando as duas laminas entre nós. Sustentou o duelo das espadas bem determinado. Então, rápido e forte, girei a minha lamina ao redor da dele, fazendo-a balançar na empunhadura, o cavaleiro afrouxou o aperto e logo em seguida forcei-a para cima. A espada brilhante voou no ar, virou o punho para mim e caiu no chão próximo. Busquei-a e, com uma espada em cada mão, golpeei fazendo um X diante do corpo dele, por pouco não o cortei se ele não tivesse recuado mais para trás.

Avancei, movendo as duas laminas juntas e em sincronia no espaço que ele dava a cada passo para trás. Com ele fugindo, recuei a da espada esquerda por um momento e usei só a da direita, partindo num corte do ombro dele para baixo, ele esquivou-se do golpe e distraiu-se. Nesse breve momento, tracei a da esquerda contra seu abdômen. O cavaleiro percebeu tarde meu truque, o couro de seu colete protegeu-o do pior, mas recebeu um talho que o deixava bem menos perfeito. Enquanto ele se surpreendia com aquilo, voltei às lâminas juntas e, fazendo uma tesoura, mirei cortar seu pescoço fora com um simples puxar para os lados, puder ver seu olhar instantaneamente tenso ao notar, e ia se fácil, mas...

 — FIEL PARA! — meu corpo congelou, continuei o encarando e desejando seu sangue. Octavian me olhava de volta, suor havia surgido em seu rosto corado. Então ele deu uns passos para longe, encontrando a parede logo atrás e foi para o lado. Apenas quando Luahn voltou a falar algo, meu corpo se soltou. — Octavian, você está bem?

Abaixei as laminas enquanto a mestiça ajudava o cavaleiro a verificar o colete rasgado e uma fina linha de sangue no pescoço.

A verdade era que a feiticeira da noite havia me dado conhecimentos que não confiei muito até me empolgar em dar um jeito no ruivo.

— Você é bom! — Octavian disse, menos tenso. — Não imaginei que soubesse tanto. Desculpe por julgá-lo mal. Agora, pode devolver minha espada?

Entreguei-lhe e notei que a mestiça me encarava um pouco séria.

— Então, já que sabe manejá-la bem, deixe-me ver a sua espada um pouco — hesitei, mas entreguei. Ele analisou-a de algumas formas e raspou uma pequena parte do metal. — Hum... Não é uma espada qualquer. Essa flor da empunhadura, o fato de ser feito de uma prata variante e forte... — disse admirado-a. — Precisa de uma limpeza para ficar bonita, mas tenho certeza que foi feita por um povo que se extinguiu, chamados de Atroês.

— E quem são esses? — Luahn perguntou interessado.

— Uma ordem de guerreiros de armaduras rosa e púrpura, personagens de lendas contra as piores criaturas que viveram no mundo antes que a humanidade ganhasse espaço. É realmente rara e única. Apesar de que... — sua admiração desapareceu. — Dizem que as coisas deles são amaldiçoadas, que atraem os piores seres que ainda se escondem no mundo. Tem que ter muita coragem para ficar com ela, mas é inegável que será sempre afiada.

...

Voltamos durante a noite para a hospedaria, comemos e suportei a agitação toda novamente por um longo tempo. Ao irmos dormir, deitei em uma das camas enquanto Luahn livrava-se do colete que apertava seu busto, reclamando que não conseguiu vender a prata porque Octavian ficou conosco. De repente, ela parou no meio do quarto e olhou para mim:

— Como você quase o venceu?

— Eu não sei — menti. — Talvez ele não seja bom como imagina.

— Foi uma pergunta séria! — reclamou, se aproximando cama aborrecida. — E você ainda estava com ciúmes, por isso queria matá-lo?

— Porque insiste nisso? Não tenho ciúmes de você.

— Sei. Só tem orgulho demais para admitir — deitou-se do meu lado, empurrando-me para o canto e ficou olhando o teto, refletindo em voz: — Tem que ter um motivo para você estar comigo, Fiel. Só te trago problemas. O que será que te move a ficar?

Fiquei em silêncio e por um tempo, permanecemos apenas deitados juntos, lado a lado.

— Faz tempo que não os ouvimos — falei.

— Quem?

— A alcatéia. Eles estão pertos, mas não dá para saber nada.

— Ah, tinha me esquecido disso... E também de Mejem. Como será que aquele velho feiticeiro está depois que fugi? — ficou quieto e de repente sorriu e virou-se para mim. — Ele estava preocupado com minha virada de ano. Que é amanhã!

Ficou me olhando com um sorriso fino. Meu coração bateu mais forte, aquilo me lembrou que o momento que a feiticeira mãe avisou, ia chegar naquele dia e eu teria que dar um jeito de tirar Luahn da cidade, mas teríamos uma barreira de lobos nos esperando. Ambos os destinos me davam medo.

— Você podia me dar um presente — a mestiça apoiou-se no cotovelo,  sustentando a lateral da cabeça na mão,  e distraiu-me, estava próxima demais, analisando-me com certo atrevimento.

— Está ficando mal acostumado.

Riu:

— Talvez — e levou a outra mão para meu rosto, estranhei e encarei-a. —... Você é bonito — sorriu doce. Não reagi, lembrando-me de sua outra versão dizendo a mesma coisa —... Quando nos conhecemos você disse que um homem não podia dizer isso para você, mas, sabe... — desviou o olhar para minha camisa, emanava uma energia gradativamente quente e envolvente que me absorvia — sou uma mulher agora.

Seu toque desceu, fazendo o mesmo caminho de quando descobriu as runas de corrente no meu corpo, deslizando abaixo da clavícula e depois indo pelo centro de meu tórax. A feiticeira mãe disse para ser forte, mas a necessidade parecia tornar-se maior do que minha resistência. Consegui agir no impulso: empurrei-a contra a cama pelos ombros, surpreendendo-a, e encarei seu rosto corado e esperançoso por um segundo. Passei por cima dela e sai dali, finalmente inspirando um ar fresco ao andar no quarto e sentar na outra cama.

— Nem assim Fiel?! — ouvi Luahn dizer frustrado, jogando-se na cama.  — Você é difícil — e riu fraco. Mas eu notava seu desgosto.

Ficamos em silencio por um longo momento até que senti algo novo no ambiente. Uma energia tornando-se forte e parecendo aproximar-se. Achei que vinha do lado de fora então levantei e observei através da janela, logo notando uma lua cheia e brilhante no céu, era bem tarde da noite. Luahn também percebeu algo e sentou-se, estranhando, mas ela apoiava as mãos em sua barriga, depois me encarou perturbada:

— Tem algo estranho em mim, Fiel... — Agarrou o próprio corpo e me preocupei com sua súbita expressão de desconforto, depois ela levantou-se agoniada. Apoiei-a sem saber o que fazer. — É... Como quando... o feiticeiro.... — grunhiu, suportando alguma pontada de dor — me transformou.  — De repente, abraçou-me com força, escondendo o rosto em mim. Estava completamente rígida, quase me esmagando ao apertar-me com força. — Não me deixe... Por favor. — Abracei-a de volta e em minutos seu corpo todo amoleceu.

— Luahn? — perguntei. Não tive resposta, ela estava desacordada. Peguei-a no colo e deixei na cama, esperando alguma reação.

Levou um tempo para algo acontecer. Seu corpo foi envolvido por uma tênue luz pálida e branca, atrativa a ser tocada, mas logo brilhou tão forte que me afastei, fechando os olhos e sentindo minhas runas reagindo, arderam fazendo-me ir até o lado mais distante do quarto. Quando esse brilho sumiu, tudo parecia calmo e eu estava um pouco cego na escuridão do cômodo. Levei uns instantes para definir a transformação reversa do mestiço feiticeiro. O garoto loiro havia voltado, apesar de usar vestido justo no novo corpo e permanecer desacordado.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler.
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Até ;D



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