O Lobo-homem e o Feiticeiro Mestiço escrita por Melvin


Capítulo 4
A falta da lua


Notas iniciais do capítulo

Olá.
Mais um episódio.
...
Boa leitura.



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O sol nascente demorou a jogar sua luz sobre os telhados das casas dos humanos vizinhas. Normalmente, acordaria na mata ainda escura e então já estaria caminhando atrás de algum alimento. Mas estava preso, literalmente. Preso na toca de um jovem feiticeiro que agia como um folgado, o que provavelmente seria motivo para ser expulso de uma alcateia. Então tudo que fiquei fazendo foi encarar a abertura translucida na parede, observando os pássaros voando na alvorada e pequenos felinos surgindo nos telhados e correndo, adoraria caça-los. De repente, ouvi um baque e olhei para a cama. O garoto tinha caído e resmungou, sentando-se. Descobri uma razão para ele não querer dormir em um lugar alto, mas não comentei. Logo os olhos dele se puseram contra os meus e sorriu.

— Não foi um sonho... — comentou e depois se pês de pé, preparando-se para o dia.

Em pouco tempo saímos da casa, eu na forma de homem e ele com suas vestes e algumas mochilas com seus pertences mais importantes e mantimentos para alguns dias. Caminhamos até a residência de seu mestre de feitiçaria, as pessoas nos olhavam, mais a mim, na verdade, talvez por ser forasteiro.

Esperei-o parado na cerca de entrada da casa. Luahn foi até a porta, pareceu por um segundo que ia bater, mas então tirou de algum bolso da veste um envelope e grudou na porta. Quando ia dar as costas, a porta se abriu e uma moça jovem e linda, de cabelos castanhos longos, o encarou.

— Onde você está indo, Lu?

Ele ficou surpreso, recuou um passo, com um sorriso afetado e coçou a nuca.

— Para outra cidade. — A expressão da menina ficou ofendida. — Sejamos honestos, Flora, a gente nem tem uma química juntos, somos mais como irmãos que vivem puxando o cabelo um do outro e coisas assim. Você merece alguém que cuide de você como deseja. Olha para mim, não tenho nada, e sendo sincero também não tenho nenhuma vontade de estar contigo para ter uma família.

— Luahn! Você sabe bem o que está acontecendo! Nós temos um dever. Era o combinado. Faríamos dar certo de algum jeito. É importante para meus pais.

— Para com isso garota! Eu estou dizendo: eu não faria dar certo! E se esta difícil entender: eu não quero que dê certo. Eu deixei os motivos na carta — e ele apontou com o cajado o papel na porta. — Estou indo! Não se preocupe comigo, vou me cuidar — deu as costas e vinha em minha direção.

— Seu ingrato! — a garota gritou e então soluçou, me pareceu que ia começar a chorar, seu rosto era triste, eu queria muito ir consolá-la e dar o que aquele idiota estava negando.

Luahn correu para a estrada, ignorando, eu não entendi a pressa, e fiquei ali, prestes a ir até a jovem.

— Fiel! — o feiticeiro chamou, irritado, mas não parando de se afastar. Só então optei por ir com ele e deixar a garota desconhecida para trás, com o meu coração apertado por ela.

— Porque fez aquilo? — perguntei.

Ele bufou, me encarando sério, continuava a andar com passos rápidos pela estrada principal que levava para fora do vilarejo.

— Não acredito que você estava mesmo caindo naquele encanto barato! — Fiquei confuso, mas depois vi que podia ser verdade, segundos depois eu já nem me importava com a garota. — Vou ter que te arrumar algumas proteções para você.

— O que mais estava acontecendo? Não entendi bem sua interação com fêmea.

Luahn suspirou, ajustando uma das mochilas no ombro:

— Para alguém preso por um encanto, você não sabe nada do que está acontecendo entre os feiticeiros... Estamos meio que vivendo uma escassez de feiticeiros. Há poucos garotos com habilidade magicas nascendo e muitas garotas, o que torna os filhos delas com simples humanos um tanto menos poderosos. Mejen é o meu mestre de feitiçaria, ele praticamente me criou e ensinou desde que eu tinha uns cinco anos, e Flora é a filha dele, sangue puro de feiticeira e um tanto arrogante, nós crescemos juntos. Além de mim, o mestre tem umas três ou quatro garotas que devia ensinar, mas ele me deu mais atenção porque sou o único rapaz e decidiu que eu seria o marido da filha dele depois que completasse meu treinamento.

— Era só dizer não.

Ele riu.

— Se eu tivesse dito não, ele não terminaria de me ensinar tudo. Alias, acho que ele ainda tinha coisa para me contar, mas agora vou ter que voltar só depois de um tempo para descobrir. Eu deixei uma boa carta explicando e deixando em aberto meu possível retorno.

De repente ele me entregou suas mochilas. Havíamos chego a estribaria, onde parei na entrada e o observei ir conversar com o homem que cuidava dos cavalos, e eles prepararam um dos animais para a viagem.

O rapaz loiro saiu puxando um cavalo castanho comum, e quando se aproximaram de mim o animal relinchou assustado, me encarando, e tentou manter-se afastado, mas sempre com a face na minha direção e com as orelhas atentas. Luahn tentou o controlar, parando, e depois me olhou bravo, mas eu não tinha culpa se o animal era medroso.

— Para com isso! — disse para mim.

— Não estou fazendo nada.

— Está a encarando e isso a assusta! — olhei para o feiticeiro e o animal parou de tentar escapar. Ele suspirou, ainda sustentando meu olhar. — De sua mão aqui, venha.

Hesitei, mas estiquei a mão, o cavalo deu passos para trás, atento a nós, e o garoto colocou uma bolota branca na minha palma.

— Agora dê para ela.

— Ela?

— É, o cavalo, mas não a olhe diretamente e vá devagar.

Achei ridículo, mas obedeci. Fiquei encarando ele, me esforçando muito para não olhar o animal... Seus olhos não eram castanhos como os da mãe, eram mais claros e sua pele era levemente dourada. Luahn ajustou a distancia até que senti uma coisa nojenta passar na minha palma e levar o açúcar. Eu quis trazer minha mão de volta, mas o garoto a segurou e passou naquela cara dura da égua, conversando com ela:

— Calma Cristal. Viu, é amigo. Amigo.

Assim que me soltou, limpei a mão na roupa, e olhei o animal que ficou atento a mim, mas não deu intenção de se afastar. Depois disso, ele ajustou suas mochilas no lombo dela e prosseguimos em direção aos campos abertos, em direção a algumas colinas que eu desconhecia, e quanto mais distante do vilarejo mais cheio de mato a estrada ficava. Enquanto ele cavalgava devagar, eu seguia a pé.

Ao meio dia, saímos da estrada para ir até a sombra de um carvalho enorme, não muito longe. Cheguei primeiro e, sem que eu desse muita atenção, assumi a forma de lobo. O cavalo onde o menino ainda estava montado se assustou com a mudança, relinchou e empinou, ele caiu, mas logo se pós de pé para controlá-la.

— Droga! Você não devia fazer isso assim! — brigou comigo. — Ela não entende o que você é. Alias, nem eu entendo direito.

Apenas o olhei e me joguei no chão frio, resfriando o corpo peludo. Vê-lo com dor no traseiro foi engraçado.

— Fiel? — farejei algo e vi que estendia um pão na minha direção. O encarei e ignorei. — O que é? Não está com fome? — O deixei sem resposta, era um lobo, nem ia dar nos comunicar. — Presta atenção, amigo. Nós vamos levar uns dias até chegar em Paramonte, então, por favor, não fique doente.

Eu tinha entendido e ele ficou quieto, arrumando sua própria comida. Após alguns instantes, de repente, o vi jogar uma migalha de pão para frente, no meio da camada de folhas mortas de baixo do carvalho, um pássaro surgiu em seguida, chamando minha atenção, e o levou embora. O olhei.

— O que foi? Você não quis — me levantei aborrecido com o desperdício e peguei o pão da mão dele. Luahn não fez nenhuma relutância e até sorriu, olhando-me deitar próximo para comer sua comida estranha

 

A égua pastava no mato ao redor, observei-a por um bom tempo até cair em um cochilo. Acordei com Luahn se pondo de pé, prendendo a mochila na montaria e subindo. Ele me olhou de uma forma travessa ao segurar o areio, depois atiçou o animal a partir aos galopes. O odiei, tive que acordar e correr atrás deles. Ouvi sua risada quando alcançou a estrada e avançou por ela, que se embrenhava cada vez em uma floresta. Enquanto corria, o notei olhar algumas vezes para trás até que o alcancei e tentei, só por raiva, mordiscar as pernas da égua, mas ele gritou um ‘não’ e parei imediatamente de tentar morde-la. Corremos lado a lado num ritmo mais devagar até ele acelerar de novo e a ganhar uma distância. Eu não queria deixa-lo ganhar então fui atrás, correndo mais do já fiz na minha vida. Em momento, o vi entrar na mata, e estranhei, o que estava divertido me deixou preocupado. Mas o alcancei nas sombras e ele trotou por alguns minutos por uma trilha que o levou até um riacho. Logo a égua foi tomar água e ele desceu com um sorriso largo.

Deitei na terra fria e levemente húmida das sombras da floresta, meu corpo estava quente com o exercido e minha língua pendia, não gostava muito daquela sensação, mas de alguma forma deixava meu corpo mais vivo.

— Foi divertido, não foi? — o garoto chegou até mim com um sorriso e esfregou o alto da minha cabeça, sentando-se do meu lado.

Podia notar que estava feliz, mas não entendi porque, já que não teve nenhum premio por aquilo tudo. Coloquei-me de pé e pensei ‘Lobo-homem’. Sentei-me ao lado dele na nova forma. Aquele corpo sem pelos poderia resfriar mais rápido, mas o tecido abafava, então puxei a barra da camisa e a tirei, depois me livrei das botas e parei nisso. Observei a égua ir até um tufo de grama novo e notei que ele ainda me olhava, o encarei, mas continuou me analisando.

— O que foi?

— Você tem cicatrizes no corpo.

— E dai?

— Quem você era? — perguntou intrigado.

— Ninguém. São cicatrizes de lutas com animais e outros lobos, porque dessa cara?

— Só sinto por você — seu tom de pena era sutil, como quando a mãe dele teve dó de mim. — Seus cabelos parecem macios e tem uma cor estranha... — comentou divertido e passou os dedos nos fios. — É cinza escuro, mas você não deve ter idade para ser velho. Não mesmo. Não parece ter mais que quatro ou cinco anos a mais que eu. É por isso que todo mundo te encara. Sem dizer do seu olhar — o encarei, sem conseguir evitar sentir-me estranho e exposto. — Seus olhos são claros e com pouco de azul, faz lembrar o brilho da lua. E você sempre observa tudo desconfiado e atento, como se quisesse dizer que é mal e que não devem mexer com você.

— Mas você é burro o bastante para não entender isso.

— Não! — riu. — Pelo contrario! Fui o único que soube que isso tudo é só pose.

— Seu idiota! — o empurrei aborrecido por ele não ver que eu era uma ameaça. Ele realmente caiu soltando um aí de dor, mas rindo. — Minha paciência com você pode acabar e eu vou ter prazer em fazer você ficar quieto!

— Calma. Eu sei disso. Só estou brincando.

***

Os dias se passaram mais lento, vivíamos cercados por arvores e colinas. Como não encontrávamos nenhum humano, passei a maior parte do tempo como lobo, mas o garoto sempre tinha seus monólogos de coisas aleatórias e até falava sozinho. Às vezes, quando o tedio o pegava, iniciava uma corrida, mas isso diminuiu como tempo.

As chamas crepitavam dentro de um círculo de pedra. Era noite sem lua, estávamos em uma clareira. O garoto estava sentado sobre sua capa, cuidando de algum tipo de sopa no fogo. Eu o observava do outro lado do calor. Ele me parecia triste, e como se uma voz sussurrasse muito baixo em minha orelha me mandando fazer algo, reagi. Assumi a forma humana, não o espantando muito.

— O que tem com você?

Olhou-me de forma apática.

— Não sei. As coisas estão meio chatas...

— Quer que eu converse mais com você?

Ele sorriu de leve.

— Não seria má ideia. O silencio me incomoda.

— Está bem — concordei, mas ele não falou mais nada para usufruir do momento.— Não gosto de você assim... — comentei e ele me olhou com sutil surpresa. — É porque essa sua sopa não tem nada? — engatinhei para olhar sobre a panela, ela não parecia apetitosa. Depois recuei e o encarei. O garoto não estava com vontade de conversar, não disse nada. — Vou trazer algo para você.

O olhar de Luahn se estreitou com estranheza. Assumi a forma de lobo e fui me embrenhar na floresta. Espreitei pela floresta até achar um rastro e encontrar uma toca debaixo de um arbusto. Comecei a cavar, podendo ouvir os guinchos no fundo, não demorou muito para uma lebre saltar e tentar proteger o ninho, a peguei pela cabeça em um bote e chacoalhei, ela parou quieta então levei-a para o garoto.

Quando retornei, com a presa na boca sai na luz da fogueira e parei de imediato. Luahn não estava sozinho, havia duas pessoas de vestes estranhas de couro de animais acomodados em torno das chamas. Um deles se levantou de súbito segurando um punhal, o encarei e meu coração bateu rápido.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler.
Deixa um comentário, vai me fazer acreditar na história...
Até um próximo.



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