O Lobo-homem e o Feiticeiro Mestiço escrita por Melvin


Capítulo 5
O matador.


Notas iniciais do capítulo

Olá! Mais um capítulo!



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Eram uma mulher e um homem mais velhos e robustos, de cabelos emaranhados e pele sutilmente castanha junto do feiticeiro ao redor da fogueira. Pude sentir cheiro de sangue nas roupas deles, não apenas de animais, mas de humanos também. Encarei um de cada vez, principalmente o homem que tinha uma arma pronta para usar contra mim.

— Não! Espere — Luahn disse ficando de pé. — Este é Fiel, meu lobo companheiro de viajem.

Os estranhos de entreolharam com suspeita e o de pé abaixou o punhal. Atento a eles e com passos calculados, cheguei até o mestiço feiticeiro e lhe deixei a lebre.

— Viu que bonzinho — o garoto esfregou entre minhas orelhas, mas permaneci de olho nos dois. — Trouxe um pouco de carne. A sopa ficará melhor!

Deitei-me ao lado dele, não ligando estar sobre sua coberta. O garoto estava amigável com os desconhecidos, o que tive que ignorar porque ele era imprudente. Luahn segurou o animal abatido, olhou-o de alguns lados e um minuto de silencio passou.

— Eu posso limpá-lo, se quiser — a mulher ofereceu. E, para minha surpresa, Luahn assentiu e entregou a lebre.

Observei-a se afastar até um canto distante da clareira e lidar com o bicho longe de nós. O homem lançou alguns olhares para mim ao voltar a se sentar no chão.

— Então está sempre em viagem? — conversou o homem, com um olho em mim, e me distrai com ele.

— É o que pretendo — disse o garoto, cutucando a fogueira ao se sentar. — Conhecer lugares, ajudar as pessoas, arrumar alguns trabalhos e conseguir coisas que ninguém consegue.

— E tem algum destino em mente?

Ouvi um assobio baixo seguido de estalar de língua. A mulher estendia algo para mim, nenhum dos outros a percebeu, senti o cheiro forte do sangue do animal e salivei. Ela chamou de novo, indicando que me entregaria se eu fosse até lá, mas eu não podia confiar nela mesmo desejando experimentar a carne antes que qualquer um. Resisti, levei o rosto para baixo, apoiando o queixo no chão e fiquei no meu lugar.

— Paramonte — respondeu Luahn. — Quero ver se tem algum serviço por lá e conhecer a biblioteca.

— Mesmo? É de onde viemos! — o homem falou empolgado. — Que saber... Em gratidão por dividir seu alimento, vou te contar o assunto mais falado de lá — ele se aproximou um pouco, fazendo a luz da fogueira iluminar mais seu rosto. — É sobre um dragão.

— Dragão?

— Sim! Dizem que um dragão tomou uma montanha para si ao leste, aterroriza os arredores com suas chamas, come as criações e as pessoas que fogem de suas terras são perseguidas e mortas. Muitos guerreiros partiram para matá-lo, mas até agora não tiveram noticias de algum sucesso. Até um lorde de lá está oferecendo a mão de sua filha para aquele que vencer o animal.

— Já imaginou isso? — intrometeu-se a mulher, trazendo as partes da lebre fatiada. — Começar sua vida com a cabeça de um dragão e herdeiro de posses?

O garoto sorriu, pude notar um brilho de imaginação em seus olhos. Era uma péssima ideia, enfrentar um dragão sem nem ter muita experiência? Nós dois iriamos morrer.

— Seria maravilhoso! — Luahn respondeu. — Mas... Eu não poderia ir até lá sozinho, sem apoio, seria loucura.
Fiquei mais aliviado.

— Quem disse que iria sozinho? — o homem disse. — Vimos seu cajado e as coisas que trás, sabemos que é um feiticeiro jovem, mas seria útil se fosse conosco.

Minha vontade foi levantar e arrastar o mestiço para longe deles, mas era bem capaz daqueles dois jogarem suas armas em mim ao ver-me fazer isso. O garoto me olhou e sorriu de leve. Ao menos a apatia dele naquela noite sem lua tinha se amenizado:

—... Se acham que poderei ajudar, eu posso ir.

O casal continuou concordaram com sorrisos, depois continuaram conversando com Luahn e todos comeram da sopa com carne.

Quando a noite estava silenciosa e a fogueira já diminuía em brasas, os dois avisaram que iriam dormir e se acomodaram com suas coisas em um canto. O mestiço me fez levantar da coberta no chão, para batê-la da terra, e voltou a estendê-la, onde se deitou cobrindo-se com sua túnica.

Por um tempo, fiquei sentado observando todos. A noite estava escura sem a lua, porém eu enxergava e não poderia deixar que o filho da feiticeira ficasse desprotegido na companhia dos dois estranhos. Contudo, também não poderia vigiar todos durante a noite toda, precisava muito dormir. Caminhei até Luahn, que mais parecia um monte marrom, e me deitei encostado nele. O ouvi rir, virar o rosto contra mim e jogar um dos braços sobre meu corpo, puxando-me levemente para mais perto e fechando a mão nos meus pelos por um segundo, depois se silenciou nessa posição. Aos poucos meus olhos ficaram pesados e dormi.

No dia seguinte, fomos levados pelo casal através da floresta, sem seguir uma trilha ou estrada. Eles diziam que sabiam o caminho e volta e meia um deles tentava se aproximar de mim, mas nunca deixei. Teve até um momento que, por pouco, não consegui morder a mão da mulher, o marido dela até ficou pronto para pegar seu punhal com o que viu, e o feiticeiro brigou comigo, mas também avisou para que eles ficassem longe de mim.

Quando a noite chegou, eles arrumaram um acampamento em uma nova clareira à beira de um riacho. Fiquei deitado próximo de uma raiz de arvore, observando a movimentação dos humanos. Luahn se aproximou de mim quando terminaram de acender a fogueira e casal preparava um jantar.

— Eu... preparei isso — mostrou um feio cordão com alguns rolinhos de papel enrolados e logo o pôs em volta de meu pescoço. — É para evitar que seja afetado por encantos simples e bobos. Quando der, arrumo um melhor para você.

Sorriu-me e passou a mão na lateral do minha cara sutilmente, me olhando de uma forma estranha, então suspirou e ficou de pé. Reagi logo, mordisquei a manga do garoto e puxei. Ele estranhou, mas acabou entendendo que precisava de um momento com ele. Seguiu-me em direção a sombras das árvores, inventando uma desculpa que deixasse o casal lá.

— Tem que se livrar deles — avisei, assumindo a forma humana e observando-o vagar o olhar incerto pelo meu rosto.

— Nossa. É meio assustador como seus olhos tem um brilho nessa escuridão... — encarou-me por um tempo até se concentrar no assunto. — Não dá Fiel. Nós vamos vencer o dragão e faremos algum dinheiro e um pouco de fama para nossa reputação.

— Eles não são confiáveis como estão fazendo você pensar. Os dois têm cheiros de animais e humanos.

— Claro, são caçadores e são humanos.

— Não, garoto bobo! Digo, cheiro de morte, Luahn, de sangue de muitos. Não confio neles nem um pouco.

Ele me observou por um momento, pareceu entender a seriedade da minha voz.

— Não podemos simplesmente ir embora ainda. Vamos ficar atentos, se realmente estão nos enganando vamos descobrir logo.

Fiquei em silencio, um pouco contrariado.

Após a nossa conversa, pude notar que o casal murmurava entre eles com mais frequência, principalmente depois que diziam que iam dormir e o menino deitava-se enroscado em mim.

Alguns dias depois, estávamos do outro lado de uma das montanhas que havíamos subido, onde um vale se estendia a nossa frente. Passamos a caminhar por uma mata cada vez mais fechada e estranhei, não dava para acreditar que era por ali que se chegava a algum lugar. Andávamos ao ponto de ter que seguir um atrás do outro, e infelizmente eu fiquei logo depois da égua de Luahn, que a puxava pelo arreio. Tive que manter o rosto baixo, protegendo um pouco minha face e focinho dos arbustos baixos, e piscando quando alguma folha surgia me agredindo.

De repente, notei pelo faro que a mulher parou no canto da trilha e deixou-nos passar seguindo o marido dela que ia à frente. Em seguida, trombei nos ossos das patas traseiras da égua. Estranhando a parada, apenas vi Luahn desmaiar e o homem o segurar com um movimento rapido, depois os olhos dele veio diretamente para mim. Rosnei, compreendendo a frieza e ameaça de sua ação, e avancei, mas a mulher agarrou minha calda e puxou-me para trás. Virei-me pronto para mordê-la, mas ela segurou o couro da minha nuca e logo senti uma perfuração enquanto ela me jogava para cima de um arbusto no lado. Meu corpo amoleceu em segundos.

Droga! Eu avisei para não confiar neles.

Vi o homem deixar o feiticeiro desacordado no chão da floresta, havia um filete de sangue no canto da boca, onde ele foi acertado por um soco. Rosnei, mas meu corpo não me obedecia. A mulher agachou-se perto de mim e amarrou meu focinho, depois minhas patas e corpo com mais cordas, afastou-se para o homem levantar-me e jogar sobre a égua, que relinchou e deu uns passos recuando, confusa. Logo começamos a nos afastar do mestiço feiticeiro, largado sem nada no meio da mata selvagem onde não era caminho de ninguém. Minha visão falhou e apaguei.

Acordei e estava de noite. Levantei-me agitado, sentindo um incomodo ao redor da minha garganta, e vi os dois perto de uma fogueira pequena. Ia correr até eles e matá-los, mas a corda em meu pescoço me estrangulou e nem consegui abrir as mandíbulas pelo largo tecido enfaixado. Eles riram, olhando-me.

— Ele é feroz, mas não deve ser selvagem — comentou a mulher.

— Vamos dizer que é mestiço de cão para entrar nas rinhas. Faremos muito dinheiro até que ele não aguente mais! — havia grande ganancia em sua fala e expressão.

Enraiveci! Levantei-me nas patas traseiras e usei a oportuna feitiçaria de ‘Lobo-homem’. Com o susto pela minha transformação, a mulher caiu da pedra em que estava sentada com um berro. Soltei a corda de meu pescoço e joguei o tecido que prendia meu focinho para longe. O homem se pós de pé, puxando seu punhal, mas minha raiva era tanta que mesmo assim corri para ele, me tornando lobo antes de chegar e a lamina passou por cima de mim, ataquei diretamente sua barriga macia, o derrubando e fazendo perder sua arma na queda. O couro de sua roupa dificultou, mas consegui arrancando um bife de carne e gordura. Mordi-o mais duas vezes em botes, no corpo e uma no pescoço, enquanto ele tentava segurar minha cabeça e acertar algum soco. Subitamente fui atingido por uma pancada nas costelas, então sai de cima dele e correndo para as sombras com a boca e parte dos pelos ensanguentados. Ao ver meus movimentos e sentindo o aroma do sangue fresco, a égua conseguiu se soltar e saiu correndo para a floresta, desaparecendo. Não fui embora, apenas dei a volta, observando a mulher com uma tora de madeira em mãos e assustada, tentando saber aonde eu fui.

O homem permaneceu no chão, segurando seus ferimentos até ficar quieto. Fui atrás dela. Corri, surgindo de um ponto inesperado, ela balançou seu bastão improvisado e desviei, para logo em seguida dar um novo bote diretamente para seu rosto. Ela não caiu com meu peso, gritou entre meus dentes, tentando me afastar, então dei uns passos para trás, puxando-a comigo, e ela caiu para frente, mas não a soltei. Infelizmente não estava conseguido esmagar seu crânio, enquanto sentia as unhas pequenas tentando me arranhar, tive que solta-la e peguei sua garganta. Ouvi-a tossir e um crack que logo a deixou imóvel.

Afastei-me um pouco ao larga-la no chão, próximo da fogueira. Ambos estavam banhados em sangue e mortos, a luz laranja das chamas diminuía pelos poucos galhos já estarem sendo consumidos. Pensei o que poderia fazer agora, mas ouvi um distante uivo ecoar pelo vale. Meu coração disparou novamente, me lembrando de que havia perdido Luahn e que ele estava sozinho em algum lugar! A toda velocidade sai correndo, invadindo a floresta escura e buscando farejar algo além do sangue humano que me sujava. A lua crescente estava fina para me ajudar a ver bem, então bati em alguns troncos e arbustos, mas estava determinado a encontrá-lo.


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Notas finais do capítulo

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