Apocalipse escrita por Natália Alonso, WSU


Capítulo 3
Capítulo 2 – A perda de esperança


Notas iniciais do capítulo

Segue uma tabela com os personagens para que possam se guiar.

Resistência

Vermelhos
Daniele – líder dos vermelhos, naurú, sobrinha de Marcos
Sara – profetiza zumbi que criou Karem, vive com Daniele


Saqueadores
Henrique – líder do grupo dos saqueadores, metamorfo
Arthur – Herói a muito tempo, no auge do poder, velocista
Dominique Belikov – gêmeo mecânico, falador corrompido com poderes pirotécnicos
Dimitri Belikov – gêmeo programador, mudo corrompido com poderes pirotécnicos
Jonas – Aracnídeo, corrompido com habilidades de combate


Liga dos assassinos
Soldado Fantasma – líder da Liga dos Assassinos
Aradia Deveraux – feiticeira, caçadora de sobrenaturais
Azathoth – pistoleiro e detetive


Demônios
Lúcifer – herdeiro do trono infernal, irmão de Mefisto


CAINS
Lucy Iordache – líder dos vampiros, esposa de Mesfistófeles, atual Drácula Mefistófeles – Líder dos demônios, irmão de Lúcifer, rei dos infernos
Baal – Líder dos orobas, braço direito de Mefisto.

Caveiras
Marcos – Líder dos Caveiras, traficante de escravos.
Matheus – primo e braço direito de Marcos

Aliança
Manson – Major líder das forças militares da Aliança.
Karen – Alien clonada em centenas pela Aliança.




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São Paulo

 

Henrique dorme profundamente na cama grande montada dentro de um carro cortado ao meio. Quando Dominique chega e segura no braço dele, o líder desperta rapidamente com os olhos brilhando em um cinza claro.

— Achamos um Cain. Vem comigo.

— Oroba ou vampiro?

— Vampiro. — responde o rapaz de traje de motociclista já se distanciando.

Henrique rapidamente se veste e vai com ele, ambos saem e vão sorrateiros pela área em torno. Sobem até uma área de vigilância onde Dimitri já observa a aproximação do vampiro.

— Quando o encontraram?

— Dimitri me avisou que chegou a uma hora. — sussurra Dominique.

Dimitri acena com a cabeça para que o líder observe pela fenda. Ele o faz, acompanha o dedo de Dimitri que aponta para o canto, próximo a um dos carros destruídos no asfalto. Em volta há muita terra, o excesso de entulho e lixo para todos os lados não facilita a identificação. Tudo é ainda pela poeira acinzentada, radioativa, é claro, a mesma que se acumula nos pulmões de todos. Então, Henrique força os olhos e finalmente algo se move.

Um nariz se aproxima do chão, sente o cheiro residual da pegada de Henrique que fora deixada para trás. O homem magro se apoia com as duas mãos na terra e abre aos olhos Vermelhos brilhantes, buscando a visão de algum sangue-quente. Os vampiros podem sentir, farejar e como que ver o pulsar do coração e sistema circulatório das pessoas. É assim que sabem onde estão, é assim que a Drácula dificilmente é enganada.

— Por que diabos ele está sozinho aí? — questiona Dominique.

— Não faço ideia. Ele deveria estar com um grupo, não costumam mandar exploradores assim. Isso é um rastreador.

— Acha que ele pode nos descobrir? — fala Dominique, já fechando o punho a frente de Henrique.

— Precisamos de cuidado. Se outros vampiros souberem que ele sumiu, podem vir atrás. Ainda temos daquelas balas amaldiçoadas? — Henrique fala já encaixando uma garrafa plástica na pistola, improvisando um silenciador.

— Eu posso queimá-lo! Vai desperdiçar munição a pouca munição que temos. — Dominique fala, segurando o pequeno pacote de balas que foram banhadas no sangue de um padre excomungado, ele era um bom homem, até virar vampiro também. Mas o seu sangue se tornou mais útil ainda.

— Não posso arriscar de outros vampiros...

— Queimar é garantido, não vai sobrar corpo...

— Mas o som, se estiverem por perto... — Dimitri cutuca o ombro de Henrique. — Espera! A fumaça também pode...

Dimitri pega a arma da mão de Henrique e atira na cabeça do vampiro que estava na fenda, rosnando para eles. O tiro é certeiro e a cabeça solta grande quantidade de sangue do lado de fora. Ambos param de discutir com o som do vampiro rolando no entulho.

— Estava carregada com bala maldita?

Os três olham pela fenda e veem o vampiro se levantar.

— Merda. — pragueja Dominique.

Quando Dimitri se prepara para atirar novamente algo arranca a parte superior da torre de vigilância, expondo os três para o vento gelado. Cinco vampiros estão acima deles, Henrique rapidamente brilha os seus olhos acinzentados enquanto pula para eles. O líder dos saqueadores cai em cima de alguns vampiros já transformado em um gigantesco urso pardo. Ele os morde e ataca com as patas no peito dos vampiros. Dominique sai e forma duas bolas de fogo nas mãos.

— Eu falei que era para queimar logo! — reclama o corrompido para o noman que ainda rasga o pescoço de outro.

Dominique lança bolas de fogo nos vampiros que se aproximavam de Dimitri, que pega o saco de balas malditas do irmão para poder matar em definitivo os Cains.

— Calma, Dimitri, não precisa ficar nervoso.

Dimitri derruba as balas comuns no chão e carrega com as amaldiçoadas, bem a tempo de atirar na cabeça de um vampiro que o tinha agarrado pelo ombro. Agora sem a garrafa, o estrondo é alto e causa um zumbido no ouvido do rapaz de mesma aparência e vestimenta do irmão.

Estranhamente Dimitri tem personalidade completamente oposta do irmão, silencioso, mas muito efetivo. Ele se levanta no alto e olha em torno, para chocado com a visão de vários vampiros se aproximando. O som dos tiros realmente atraiu mais deles.

Os vampiros se aproximam subindo a torre, com suas presas aparentes, os olhos Vermelhos miram os três no alto da torre. Henrique transforma-se em um urso se vira quando ouve os pequenos rosnados dispersos em torno. O metamorfo pode adquirir qualquer forma animal.

— Dimitri! — grita Dominique.

Dimitri atira mais oito vezes de forma certeira, mas foram poucos vampiros abatidos diante dos que estão ali. Dominique molda lanças de fogo nas mãos e começa a atravessar os vampiros que pode, prendendo eles no chão. Henrique toma forma de um elefante e corre descendo a torre, é agarrado mas atropela vários vampiros que saltam em suas costas, ele toma a forma de uma águia para escapar. Quando está no alto, vê um corvo se aproximando e depois não o vê mais. Fica confuso antes de voltar ao chão como um rinoceronte, usando o chifre para acertar mais dos cains.

Dimitri desce a torre pelo outro lado, corre fazendo lança-chamas com as mãos contra os vampiros que continuam chegando. Outros se regeneram rapidamente.

— Dimitri! Sai daí! — berra do alto o irmão.

Dimitri para quando avista uma garota de manto de penas negras. Sua pele negra retinta é adornada pelos cabelos trançados e longos, ela e o olha com a mesma tranquilidade que ele. Parece inerte a tudo aquilo, quando um vampiro salta para ataca-la por trás ele atravessa o seu corpo que se tornara quase uma penumbra negra. A mulher se move rapidamente, Dimitri fica tentando acompanhar o movimento das mãos que faz vampiros voarem no ar.

Seus lábios delicados pronunciam palavras muito baixo. Seus dedos se movimentam lançando feixes de energia que quando chegam ao corpo dos vampiros os faz serem contaminados em linhas negras e depois se despedaçarem no chão.

O rapaz de cabelos espetados cor de chumbo fica surpreso quando ouve um novo tiro. Então reconhece Azatoth andando em um dos corredores com duas pistolas de balas malditas. Os tiros certeiros dele derrubam os cains, ele se move rápido como um pistoleiro em seu sobretudo, chapéu e máscara de gás que lhe cobre inteiramente o rosto. É esse gás que o mantém vivo, a poeira radioativa teve um efeito muito profundo em seus pulmões.

O rinoceronte, líder dos saqueadores, prensa um vampiro em uma parede, quando para com o chifre preso na estrutura da construção sente a aproximação de um vampiro lateralmente. Mas antes que o cain o alcance com suas garras, o Soldado atravessa a sua espada em suas costas, o ergue por um instante para depois tirar a lâmina brilhante e decapitar o vampiro.

Henrique retoma sua forma humana e olha para o líder da Liga dos Assassinos. O soldado usa uma farda semelhante ao que se usavam na guerra de farrapos, mais semelhante ainda por estar toda maltrapilha. Ele olha em torno e vê que a garota já despedaçou no ar o último vampiro, e agora, o silêncio impera novamente.

— Parece que chegamos em boa hora. — fala o Soldado em tom sério, baixando o lenço escuro do rosto deixando apenas a parte de cima do rosto ainda com a pintura escura como se camuflasse na poeira atômica paulista.

Henrique bufa cansado, olha para o soldado tenso. Eles param se cumprimentam com uma palma companheira.

— É, dessa vez estou te devendo, milico.

Henrique ri enquanto aponta para a farda com bordados de patente no peito do Soldado. Ele se vira para o melhor rastreador da Liga dos Assassinos com sua máscara de gás e o cumprimenta cordialmente.

— Azatoth... quanto tempo que não te vejo.

— Não começa com sentimentalismo. — fala Azatoth em uma voz abafada pela máscara.

— E os gêmeos, quem são? — questiona o soldado, abrindo dois botões da farda tentando se refrescar.

— Ah sim. — fala Henrique enquanto os gêmeos se aproximam. Um ao lado do outro fica ainda mais desconcertante sua semelhança. Mesmas roupas, altura, cabelo e tez clara.

— De repente achei que era um cara rápido como o Arthur.

Dominique ri alto, Dimitri sorri.

— Dominique e Dimitri, são ótimos para consertos metalúrgicos e automotivos.

O Soldado estende a mão de forma cordial.

— É um prazer.

Depois se inclina para Henrique e sussurra.

— Tem alguma forma de eu saber quem é quem, só pra não cometer uma besteira?

Henrique franze a testa.

— Isso é fácil, o tagarela é o Dominique, o Dimitri não fala.

O Soldado olha surpreso, Azatoth faz um gesto com a mão na garganta.

— Nunca?

— É mudo, acho que foi quando estavam em posse na Aliança, eu não perguntei... — Henrique olha ao longe, Dominique se aproximando da mulher e ela desviando dele rapidamente. — E a garota, é nova no grupo?

Aradia Deveraux, ela é nossa nova fonte de armas amaldiçoadas. Além de ser muito habilidosa.

— Deu pra notar. — completa Herique. Ele observa Aradia se aproximar rapidamente, quase como se surgisse no ar.

— Vamos ficar aqui fora, a noite toda? — fala ela.

Seus vários colares de miçangas, conchas, runas pendem no colo. Além dos adornos com penas nos cabelos.

— É claro que não, venham, estou ansioso para falarmos. — responde Henrique, os convidando para entrar no abrigo.

 

 

 

Cáceres, Mato Grosso

 

Ofegante, a licantropa caminha para casa, os cortes e tiros que levara sangram deixando para trás uma trilha rósea que tinge a relva amarelada. Aos poucos, Daniele vai diminuindo o seu tamanho, sua mão esquerda ainda quebrada tem os dedos azulados. Os pelos caem do dorso e encorpam a trilha de dor, ela olha para o começo do pântano a frente, suspira aliviada. Nua, com o corpo marcado, mas livre, ela cai de joelhos no solo quando vê se aproximarem. Rapidamente quatro homens saem da selva e a seguram para que não vá ao chão.

Eles vestem trajes tribais, feitos de couro artesanal, contas, penas e alguns possuem tranças longas nos cabelos lisos em negros. Um deles tira uma capa de pele de cervo e veste a licantropa.

— Rainha... a zumbi avisou que viria hoje. — fala ele em tom respeitoso.

Ela olha com pesar.

— Ela disse que...

— Disse que seu pai está morto, o Caveira... ela disse que voltaria hoje, renascida em sangue na forma de rainha.

Ela para, observa a si mesma, nua e ensanguentada. De fato, ela estava mudada, não era mais a princesa guerreira dos Vermelhos. Agora, era a sua líder e queria vingança. Um dos homens olha a sua mão quebrada, os dedos retorcidos e azulados.

— Arrume. — ordena ela, estendendo a mão.

— Espere, vou lhe trazer cogumelos para a dor...

— Arrume, agora.

Um dos homens a segura por trás, ela faz um gesto dispensando-o. O rapaz que segura delicadamente os dedos fica apreensivo, mas fita os olhos negros e profundos dela.

Ele puxa rapidamente o mindinho, o som dos ossos sendo quebrados e assentados dentro da carne é muito definido. Ela não tem nenhuma reação. O dedo anelar, e ela só nota o vento passar na relva. Dedo médio e finalmente um grilo volta a cantar. Indicador e ela fecha os olhos. Polegar e na sua mente ela vê o rosto do Caveira, em como quer o matar. Quando segura o pulso, o rapaz treme, ele está inseguro por achar que pode causar alguma dor a ela e ser punido por isso.

Ela nota, levanta-se tira a mão dele e segura o próprio pulso, o puxa reencaixando no lugar, produzindo um som oco, mas ainda sem expressar nenhuma reação. Se vira para o mais alto que chegara a pouco.

— Caíque.

— Minha rainha.

Ele é mais robusto e chefe dos guerreiros Vermelhos, os cabelos longos estão presos em algumas tiras de couro e carrega um lança adornada de contas e penas. Entrega a lança a ela e ruboriza quando nota que ela não veste nada embaixo da pequena capa de cervo. Os outros homens se afastam e todos começam a caminhar em direção ao pântano.

— Então, Sara está falante?

— Sim, disse que você irá vê-la hoje.

Daniele sorri, se apoia na lança mirando o pântano iluminado pela lua.

— Essa morta sempre fala demais.

 

 

 

Ceará, Cidade do Sol Nascente

 

Arthur coloca os últimos mantimentos na longa estante, para ao lado olhando a quantidade de enlatados. Nota que algumas latas estão com prazo de validade vencida, em alguns meses. Ele vira a lata.

— Tenho certeza que isso é o menos perigoso para eles do que essa droga de poeira. — murmura para si mesmo.

Ele se vira ao ouvir com Jonas ao lado.

— Eu só posso agradecer. Se precisar, pode ficar um tempo conosco para descansar antes de voltar aos saqueadores.

— Descansar... tá aí uma coisa que não faço a algum tempo.

Ele alcança o cantil de água mas Jonas lhe entrega outro.

— Toma, essa é limpa. É a primeira filtragem de suas cisternas, nada mais justo do que você estrear.

Arthur sorri, pega a garrafa e sente alívio com a água dignamente pura em sua garganta.

— Eu não sei o que é pior, o calor do dia daqui, ou o gelo da noite de São Paulo. — fala Arthur olhando para o fundo da garrafa.

— Esse é o único problema de São Paulo? Acho que os Cains e a Aliança incomodam mais.

— A Aliança não tem feito nada lá, mas estou preocupado com Serena. Eles tomaram toda Minas Gerais, incluindo Primavera.

— Eu fiquei sabendo da Serena. A propósito — Jonas se vira para um cumprimento cordial. —, parabéns. Já escolheram um nome para o rebento?

— Eu não... Acho que Serena já. Faz tempo que não a vejo.

— Ocupado com os saqueadores?

— Sim, e com vocês também.

Jonas arqueia as sobrancelhas.

— A tempos atrás, você diria “não tem problema, é um prazer ajudar a todos...”.

— A tempos atrás cada um cuidava de si, eu só estava cuidando de mim mesmo! A Aliança propôs uma paz aceitável, era possível de viver sem ser atacado por um maldito Cain! — vocifera Arthur.

— E quanto a liberdade?

— De que adianta a liberdade dessa forma? — Arthur aponta para a parede de mantimentos vencidos. — Valeu a pena? Agora somos caçados por ambos os lados!

— Diz isso por que você ganhou uma roupa tecnológica, foi eleito o soldado querido deles, e quanto aos que forma para os laboratórios? Não tem a decência... Karen era bebê quando chegou aqui, você e Sara a criaram praticamente, ela te tratava como se fosse pai dela! — Jonas aponta para o traje prata do velocista.

— Eu não sou pai dela! Eu tinha quinze anos quando ela chegou!

— E tinha trinta quando ela morreu! Me diga, sentiu alguma coisa quando isso aconteceu?

Arthur franze o rosto, agarra Jonas pelo pescoço e o ergue na estante de mantimentos. Algumas latas caem com o solavanco e o aracnídeo faz um gesto como se fosse reagir.

— Eu tentei salvá-la! — rosna Arthur, muito próximo do rosto dele.

O aracnídeo baixa as mãos, mostra que não irá revidar.

— Sara tentou, você a levou para a Aliança. Achou mesmo que eles a salvariam?

Arthur está irado, mas solta repentinamente Jonas quando uma dor aguda está em sua mente. Ele geme de dor com as mãos nas têmporas se afastando curvado, ele volta a abrir os olhos e vê turvamente que as famílias daquele galpão olhavam os dois. Ele se sente enjoado e sai do galpão para o lado de fora.

Jonas passa a mão no pescoço, se Arthur quisesse, o teria matado sem que ninguém pudesse fazer nada. Ele sabe que há tempos Arthur tem essa oscilação de humor, uma hora está tranquilo, na outra tenta lhe matar. Ele vá viu isso acontecer com Serena, pensa que provavelmente é por esse motivo que ele passa tanto tempo longe dela. Andressa se aproxima e questiona.

— Não se preocupe, eu bem. — responde ele

Jonas vê uma mulher acenar que havia lhe pedido um pacote de biscoitos, ele se vira pegando o pacote levando até ela. Quando senta na cama da mulher e lhe entrega o pacote, tenta tranquilizar.

— Com esse novo galpão, não ficaremos tão apertados, Dona Teresa.

— Sim, obrigada, filho. Eu agradeceria ao ligeirinho, mas ele estava ocupado ficando nervoso de novo.

— Sim... é, desculpe por isso.

— Se ele tem tantas dores de cabeça, devia tomar alguns remédios, não acha?

— Ele não toma remédios. Não fazem efeito o suficiente para ele... espera. Tantas?

— Ele estava assim ontem também. Eu vi quando estava fazendo o galpão. — responde a mulher senil. — Mas agora, quem precisa dos meus remédios, sou eu.

— Ah! Sim, é claro.

Jonas estende ao braço para a mesa com os comprimidos da mulher, então para observando o seu copo d´água. A superfície líquida treme, Jonas se aproxima observando melhor. Ele leva a mão até o vidro da janela e sente.

— Não...

Pálido, ele sai rapidamente do galpão, encontra Arthur vomitando no chão ao lado.

— Se você quer falar...

— Shiu! — Jonas para e olha ao longe, a mancha no horizonte é o suficiente. Ele corre até a área central e toca o sino com força. — CAINNNS!!!

A mancha no horizonte são centenas de orobas, correndo em seus cascos de cavalo, cabeças de touro e com muitas lanças, em busca de novos escravos. Sedentos, eles atravessaram o sertão, suas bocas de touro, bisões, cabra e cavalos deixam escorrer a saliva densa que cai no chão arenoso. O som é como de uma manada, de fato, não deixa de ser, a mancha negra se aproxima e circunda o refúgio com berrantes sendo ecoados ao longe, chamando mais e mais demônios.

Jonas ainda batia no sino, mas o som é abafado pelos cascos próximos, o chão vibra e as pessoas começam a correr dentro dos galpões. Alçapões são abertos e elas vão às pressas para dentro, fechando a dura porta de aço com barras e pegando as poucas munições e armas disponíveis. Os porões são pequenos, apertados, poucos mantimentos e eles ficam no escuro com uma bateria cinética. A mulher gira a manivela da bateria e ilumina os rostos apavorados, a luz vai perdendo força aos poucos com o som dos cascos cada vez mais próximos.

Apenas alguns vão para os porões, os jovens, os nomans e corrompidos podem lutar e é o que farão para proteger seu novo lar. Cada um à sua habilidade, eles pegam armas e o que possuem de seus corpos para isso. Uma fileira de atiradores fica atrás de um carro, eles precisam usar miras a distância, para acertar cabeça e pescoço. A grossa pele dos demônios não permite nada entrar no peito. Um demônio joga uma lança que arqueia no ar antes de atingir no peito de um refugiado.

Um homem corre com uma pá, com sua enorme força de corrompido atinge um oroba o lançando ao longe. Os demônios o cercam e são acertados pelos tiros dos que se protegem, um deles acertaria o homem pelas costas, mas uma teia prende a sua mão e é brutalmente puxado por Jonas. O aracnídeo gira o enorme oroba rente ao chão arenoso antes de o soltar derrubando outros demônios.

Um dos refugiados corrompidos dá um grito sônico, outro salta e soca o chão com os punhos cerrados, eles fazem muitos orobas caírem. Os que se escondem nos carros e sacos de sementes jogam granadas, vários demônios se espalham com as bolas de fogo das explosões. Mais cains se aproximam pela plantação pisoteada, os animais usam espadas curvas e foices atingindo os refugiados, alguns que caem no chão são presos pelo pescoço.

Um berrante reverbera no ar enquanto demônios dão um urro e param. Eles se curvam para trás parando em um segundo berro prontos em seus arcos. O berrante ecoa e centenas de flechas são lançadas, tornam o céu amarelo cheio de riscos negros. Os atiradores atrás do carro se protegem descendo para de baixo do veículo, um deles tem o crânio atravessado por duas flechas que prendem a cabeça dele no chão.

Jonas é acertado por uma na perna, corre com outros para atrás de um dos tanques d’água. O garoto de grito sônico tentou correr, mas uma flecha atravessara a sua garganta. Ele anda devagar, cambaleante, depois outra se finca em suas costas e finalmente uma terceira acerta sua cabeça, saindo a ponta pela frente do rosto. Quando as flechas param Jonas sobe no tanque prendendo um demônio pelas pernas, o puxa para lança-lo ao longe.

Então um feixe azul passa em sua frente, derruba diversos monstros no chão, Jonas olha para trás e vê que Arthur derrubara muitos que estavam do outro lado. O rastro luminoso para em frente aos atiradores, coloca mais granadas e munição a eles, e depois retoma a corrida, sempre em meia lua. Circunda a área acertando demônios com uma barra de ferro, correndo de um lado a outro. Por vezes ele precisa desviar de uma bala, de uma teia, de uma flama de explosão. Só gasta a energia necessária, o que já lhe é bastante cansativo.

De cima pode-se ver como uma lua crescente azul, derrubando monstros de um lado a outro, esse bonito desenho se repete por mais algumas vezes até parar. Os monstros pararam de avançar, ficam parados em torno do refúgio, com as armas levantadas, ainda em posição. Arthur finalmente para, ofegante ele olha para Jonas que quebra a flecha presa na coxa.

— Eles vão recuar? — questiona o grande senhor corrompido com a pá. Ela está suja de sangue demoníaco.

— Eu não sei, Carlos. — fala o aracnídeo.

Então um vulto passa pelo homem robusto, Carlos olha lateralmente, para e solta a pá no chão. O sangue escorre pela garganta do senhor, que cai de joelhos tossindo e depois fica com o rosto no solo amarelado. O vermelho tinge o mostarda a sua volta.

— Juntos! — grita Jonas, correndo para o outro carro. — Saiam das pontas!

Jonas se aproxima do carro, correndo mancando, quando sente o chão tremer, muito mais forte agora. Arthur o segura e o joga para o chão quando um gigantesco réptil sai do solo, engolindo o carro com alguns dos atiradores que estavam no local. O Leviatã é uma grotesca forma de dragão que sai pisando em um dos galpões, para urrando de forma bestial antes de cuspir fogo para o outro galpão ao lado.

— Não!!! — berra em desespero Jonas, sendo contido por Arthur.

— Para, tem que ficar abaixado, eu vou te levar para...

— Os porões, são feitos de metal!

— Ô, Merda.

Arthur entende e corre quebrando o reservatório d’água no chão, na área atingida pelo fogo. Jonas joga uma teia em uma perna do dragão, mas antes de atingir com uma segunda teia sente um golpe forte em suas costas, ele cai no chão. Mal sente o movimento de uma mão se aproximar novamente e ele gira o corpo para escapar, quando olha vê finalmente o rosto da vampira. Lucy fita em seus olhos verdes antes de sorrir, ela vira o braço em golpes, as garras atingem seu peito cortando a sua carne com facilidade.

Tiros são disparados, os outros refugiados usam as armas para permitir Jonas se afastar, mas ela desaparece na frente dos olhos e surge em cima do carro. Mesmo com os tiros em seu rosto, ela sangra, mas parece não ligar para os ferimentos. Seus olhos tornam-se negros e ela salta contra eles. Jonas corre de lá, se abaixa bem no momento em que o carro fora lançado com um soco da vampira. O veículo capotou esmagando outros refugiados que atiravam nela. Jonas volta a acertar as pernas do dragão para afastá-lo do galpão em chamas. O monstro gigante tenta desvencilhar a pata das amarras de teia, e o faz queimando-as.

O berrante toca e os orobas retornam a correr e atacar. Arthur tenta a todo custo abrir a pesada porta de ferro do porão, já brilhando avermelhado pelo calor, ele pode ouvir os gritos de horror dentro do local. Quando ouve outro som que o apavora, o voo rápido que se aproxima e começa a lutar com orobas.

— Não... não... agora não!

Ele precisa sair de lá e correr para Jonas que já está sendo brutalmente espancado, não por Lucy, mas por duas garotas louras em um traje militar. As centenas de Karens clonadas estão já por todos os lados, elas são réplicas da alien que ele resgatara bebê de uma nave a anos atrás. Agora, todas comandadas pelo Governo das Américas elas cercam a vampira que tem que se usar todo o seu poder contra as várias garotas de superforça, habilidade de voar e grande agilidade.

A vampira usa um corset preto em cima da camisa branca. O traje social não tem nada preparado para combate, isso justamente por ela não se importar muito quando é ferida, a regeneração mal a deixa sangrar. Ela é segurada por uma alien pelo braço, então o puxa jogando a clone no chão que responde com chutes no rosto da vampira. Apesar de ser visível os ossos dela se quebrarem, também é visível sua reconstrução da face monstruosa e dá golpes na alien com a mesma força de quebrar o crânio em um só golpe. Outras garotas seguram os refugiados, ficam repetindo a mesma frase:

— A Aliança é a justiça. A Aliança é a salvação da humanidade.

Uma delas prende o grande corrompido.

— A Aliança é a justiça. — fala em tom calmo a alien.

— Vá se foder! — vocifera o homem.

A soldada de uniforme pardo quebra o braço do homem torcendo-o como se fosse um papel.

— A Aliança é a salvação da humanidade.

Arthur corre para Jonas, consegue golpear as duas apenas as afastando, não dá para lutar com tantas ao mesmo tempo, pega o aracnídeo e corre de lá. Deixa para trás o exército que luta cruelmente com os cains, assim que se afasta o suficiente ele coloca o aracnídeo no chão.

— Como a Aliança chegou aqui? Como descobriram ao mesmo tempo. — questiona Jonas, seu rosto está indecifrável, os punhos poderosos das Karens provocam grande dano, muitas vezes são o suficiente para matar.

— Eu disse que elas sabem quando o Leviatã vem, toda vez que ele aparece elas surgem rapidamente. Eu não sei como fazem isso, mas...

— As pessoas! Eu só te tirei de lá, eu vou voltar...

Antes que possa se virar, uma gigantesca explosão toma o local, o impulso empurra os dois para trás.


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