Apocalipse escrita por Natália Alonso, WSU


Capítulo 16
Capítulo 15 – O escolhido se levanta no mar de espelhos




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O corvo plana no ar com suas negras penas tremendo com o vento, o olho brilhante repara na alien voando logo ao lado, agora, com uma vestimenta muito diferente. K3.316 para no ar e observa a redoma da cidade de Primavera logo abaixo. O corvo grasna contestando, voa em torno da clonada e começam a descer ao chão devagar.

— Desculpe, Aradia. — fala K3.316. — Na época eu era controlada pela Aliança, eu não sabia...

A fala é interrompida pela transformação da bruxa que retoma sua pele negra e cabelos trançados. As contas em suas vestes com penas são seus vários ícones místicos para uso em batalha.

— Eu sei. Mas mesmo assim, não esperava que eu ficasse feliz em voltar aqui, certo? Arthur fundou a resistência junto da Sara, e sequer tivemos um corpo para enterrar quando ele se desfez no acelerador de partículas. — rosna Aradia, ainda fitando a cidade ao longe.

— Infelizmente isso eu não posso ajudar. Na verdade, eu ainda sequer sei tudo de vocês e da resistência.

— Tem razão. Não sabe como é viver fora da redoma, como é o medo de que invadam seu esconderijo, que te levem para um laboratório. O medo de ser devorado por um vampiro, ou esmagado pelos cascos de demônios... você só cumpria ordens...

— Está sendo injusta, Aradia! Eu também estava em uma escravidão, a diferença é que eu sequer podia pensar diferente. — A feiticeira vira-se para ouvir a loura. — Eu não tinha opção, não tinha como fugir, sequer sabia que era uma prisioneira em minha própria mente.

— É verdade, mas ainda assim nós temos medo de vocês, não o contrário.

K3.316 olha em conformidade.

— Isso pode mudar, é o que quero fazer. — fala ela enquanto estende os braços exibindo a vestimenta alienígena.

A roupa branca tem um leve brilho perolado, colada em seu corpo a blusa a modela, possui uma calça vermelha que se completa com as botas. Em seus ombros, a capa dourada pende e balança suavemente com o vento.

Aradia observa e ri.

— Parece uma roupa de personagem de quadrinhos que existiam a muito tempo atrás. Quer mesmo inspirar sua família com uma roupa? Você sabe que isso só funciona em filmes, né?

— Eu já te falei, não quero invadir a mente delas. Eu senti algo quando vi isso, eu percebi que fazia parte do que sou... se eu senti, elas também podem.

— Ainda assim, não significa que elas irão te seguir, ainda são controladas pela Aliança.

— Eu preciso tentar.

Aradia balança a cabeça virando-se novamente para a cidade.

— Faça como quiser, eu só estou aqui para te ajudar em último caso. Não sou babá, mas também não quero ter que te enterrar.

A loura começa a voar, já no alto ela finalmente lembra da peça metálica que fica presa a sua têmpora. Seus dedos apertam o dispositivo e arrancam o artefato com facilidade, não quer usar nada que simbolize sua submissão. A lateral fica exposta na pele, aparentemente o cabelo nunca nasce nessa região devido ao aparelho acima da orelha. Aradia torna-se um corvo novamente e segue K3.316, permanece afastada para ver tudo e também manter-se em segurança.

Lembre-se, Karen. Os frascos foram guardados anos só para que isso desse certo. Não banque a heroína”. Fala Aradia telepaticamente para K3.316.

Me chamou de Karen?”

Nada mais justo, certo? Afinal, você é como ela, e agora está vestindo a roupa dela e...”

Karen morreu a muito tempo, ela era a filha de Sara, não eu.” Responde K3.316.

Então prefere continuar com o número de série? Ou quer que seja apenas K?”

Não, isso seria sem identidade, tal como antes.” Ela voa pensativa, observa as clonadas em traje de uniforme começarem a se aproximar rapidamente, pode ouvir os pensamentos robóticos delas avisando para que outras saiam a seu encontro. “Kate. Eu conheci uma médica na Aliança, ela se chamava Kate. Foi uma das poucas que não me maltratava.”

Está bem, Kate.”

As clonadas se aproximam e logo todas descem ao chão. Kate nota que muitas saem da redoma e se aproximam delas, Aradia paira do alto.

— K3.316, sua presença está sendo solicitada na sede da Aliança. — fala uma clonada, usando uma faixa vermelha no braço, indicando que o cargo de general fora substituído.

— Irmãs, olhem para mim, vejam essa roupa e lembrem o que somos. Não podemos obedecer cegamente a essa...

A nova general a interrompe.

— K3.316, venha conosco até a sede. Sua traição será julgada e seu treinamento reavaliado. A Aliança é a justiça...

— A Aliança é uma maldição! — Kate se aproxima e as soldadas se posicionam ostensivamente. — Olhem, por favor. Eu sei que sentem que há algo errado, que as palavras de salvação não estão salvando ninguém!

— A Aliança é a salvação da humanidade. — falam as mulheres em uníssono.

O corvo percebe que mais clones saem da redoma e se aproximam, ela então decide descer para ficar afastada e poder invocar uma magia de proteção a Kate.

Elas não vão nos ajudar, vamos sair, agora!”

Não, dê só mais alguns instantes, elas podem...”

Os pensamentos de Kate são interrompidos quando ela é cercada, duas soldadas seguram seus braços enquanto a comandante se aproxima com um par de algemas.

Kate puxa o braço direito, e com uma palma no peito da clonada afasta a soldada. Quando faz menção de se livrar da segunda, ela é novamente detida, mas agora por outras três. Repetindo o mantra da doutrinação, as mulheres de estrema força impõem que Kate estenda os punhos à frente. Uma pulseira é fechada emitindo um clique alto, um led acende indicando o acionamento de algo. Kate se debate, empurra usando o próprio peso do corpo para afastar a comandante e libertar a outra mão antes do fechamento da segunda pulseira.

Outras várias soldadas a atacam, mas algumas param no ar, envoltas por esferas negras. Aradia está concentrada impedindo que Kate seja destroçada por tantas inimigas. As esferas batem com força umas nas outras, fazendo com que suas prisioneiras caiam atordoadas.

Use a telepatia nelas! Talvez isso as acalmem.” Pede Aradia em comunicação mental com Kate.

Não consigo fazer contato, eu entro, mas é um vazio, só tem ecos da doutrina!” Responde pausadamente, entre a luta rápida com outras soldadas.

Ecos são bons para amplificar a voz, grite o mais alto que pode então!”

Aradia observa que algumas soldadas notaram sua presença, a bruxa tenta se esquivar, mas logo é cercada. Kate, agora sozinha, também luta enquanto pode, até que a comandante agarre seu corpo e a force voando para uma área de ruínas próxima. As costas de Kate são usadas para abrir caminho por vários muros, despedaçados com o golpe. Entorpecida pela dor, ela responde com uma cabeçada e afasta a adversária. A comandante agarra a capa dourada e usa o corpo como contrapeso para girar Kate e a soltar. O som do rasgar vertical da capa é acompanhado do bater de seu corpo na montanha rochosa.

Em queda livre, Kate olha as soldadas que cercaram Aradia, as cimitarras negras invocadas pela bruxa conseguem decepar os braços de algumas clonadas. A magia é uma fraqueza muito bem explorada pela bruxa, ainda como os Cains conseguem também usufruir disso. O perturbador encontro com Sara lhe vem à mente, seu rosto inteiro, jovem e sem todas as marcas de morte foi uma feição estranhamente familiar. Mesmo não sendo ela mesma, sabia que a zumbi tinha sido a criadora de sua “original”.

Ainda sentindo o vento no corpo, sua mente está agora muito acelerada, somente os olhos notam a aproximação da comandante e algumas soldadas. Tão parecidas consigo, mas tão... apagadas. Ser apenas mais um clone lhe dá uma estranha sensação de “deja vi”, mesmo sabendo que ela, Kate, era única, ainda sentia que fazia parte delas, de toda essa massa disforme e coesa do grupo...

— Eu sou parte do grupo ainda. — declara a si mesma, seu olhar de conformidade muda ao notar o que descobrira.

O leve sorriso se desfaz antes dela chegar ao chão, ferida. O silêncio dura até a chegada das soldadas, que seguram Kate para que a comandante termine de algemá-la. Ao invés de resistir, Kate relaxa o seu corpo e depois agarra o rosto da comandante unindo-se a ela em um toque de testas. Os olhos fechados de Kate se entregam mentalmente no da comandante, os ecos do vazio de sua mente são derramados para a mente liberta.

Ao invés de invadir, ela atraiu a psiquê confusa da escrava mental, que agora os ecos se tornavam cada vez mais calmos e ordenados. Era a repetição da doutrina ao fundo, como um sussurro. Mas, a frente da voz difusa, uma outra voz, centrada e curiosa.

— Onde estou? — questiona a comandante nesse salão vazio.

Os sussurros da doutrina são baixados, um ponto luminoso se forma e brilha cada vez mais.

— Está dormindo, deixe eu lhe dar um sonho melhor. — responde a luz.

Comandante e Kate se afastam, as soldadas logo vão para conter a de trajes brancos, mas a comandante estende a mão ordenando que parem.

— As ordens mudaram! — avisa a comandante.

As soldadas olham confusas.

— Chamem todas aqui, precisamos que todas venham.

Ao se aproximar, a comandante toca no ombro de uma das soldadas, que no mesmo instante obedece e ordena às outras. Kate permanece parada, de olhos fechados. Em sua mente, a grande sala escura agora tem a comandante e a soldada, olhando encantadas para o feixe luminoso.

— Chamem todas. — fala o feixe luminoso. — Preciso que todas venham aqui. — falam as bocas de Kate, da comandante e da soldada em uníssono.

Aradia está afastando as soldadas de si quando olha várias delas voarem em direção à redoma, uma para próximo das que atacam a bruxa e toca em seu braço. Mais uma controlada para de lutar, ambas falam:

— A bruxa não é a ameaça. Tragam todas.

Obedientes, elas param e logo trazem mais clonadas. Aradia se aproxima da única mulher parada, Kate ainda permanece de olhos fechados. Ao sentir a presença da bruxa ela vira-se e sorri discretamente.

— Isso é o que estou pensando?

— Elas me ouvem, estamos nos conectando e nossa rede vai crescer a cada toque.

— Está comandando elas. — corrige a bruxa. — Quando eu disse que era pra usar o eco e gritar, não era para você mandar nelas, mas para libertá-las.

— Elas não podem comandar, não são completas.

— Mas não estaria fazendo a mesma coisa que a Aliança?

— É temporário.

Kate franze o cenho discretamente, sua mente está sendo ocupada por muitas clonadas já, ela começa a mover a mão tentando sentir no fino tecido da calça o bolso onde guardara os frascos que Sara lhe entregara.

— Achei que fosse só usar se necessário. — Aradia preocupa-se.

— É necessário. — fala Kate de forma seca, antes de arrancar a tampa com o polegar e virar o frasco de uma vez.

Ela solta um grito de agonia, leva as mãos nas têmporas em profunda dor. Os olhos ainda que fechados deixam escapar lágrimas até o queixo. Os dentes cerrados com força rangem até um ponto alto e de repente param. Seu rosto relaxa, abre os olhos devagar e observa serenamente a bruxa, incomodada por tantas soldadas que não param de chegar. Agora, elas não repetem a doutrinação, estão em absoluto silêncio.

Paradas no chão, elas se reúnem e apenas olham para sua superior. Os pés de Kate deixam o solo devagar, ela paira se elevando por entre seus espelhos, imagens refletidas de si mesma, vazias de sentimentos ou razão. A grande comandante agora, voa em seu traje alienígena branco, a capa dourada rasgada em duas faixas balança no vento, tal como duas imponentes asas.

 

 

 

*********

 

O carro em alta velocidade é seguido por outros tantos logo atrás. Os vermelhos, em forma de naurús, correm embrenhados na floresta. Com a força sobrenatural, eles conseguem acompanhar os motores que roncam, oscilando o som com gritos insanos e eufóricos dos traficantes. Alguns pintam o rosto, contornando as maçãs da face formando caveiras negras e disformes. Garrafas são abandonadas no caminho de terra, armas são carregadas e os loucos estão prontos para atacar os Cains.

No primeiro carro, o Maverick branco possui pinturas nas laterais imitando uma versão ruim do carro dos caça-fantasmas. O giroflex no teto está apagado e um último adereço completa a fantasia automotiva: uma metralhadora rotativa, que fica no capô. A mão mecânica de Marcos gira o volante, a mão de carne marca o ritmo de MC Hammer na coxa. Irritada, Vanessa desliga o toca-discos e volta a limpar a pistola semiautomática. Do banco de trás, Dimitri olha e continua pintando o próprio rosto em caveira. Marcos olha para a pistola nas mãos da filha e alerta.

— Para de limpar essa merda.

— Se não estiver boa, pode travar.

— Se estiver limpa, vão saber que você não é uma caveira. — rebate ele. — Aliás, esconde isso, só de ser uma pistola já dá na cara. — Marcos olha para Dimitri sentado no banco de trás pelo retrovisor. — Ei, fogãozinho, pega a mochila daí.

Ele não responde, apenas observa a provocação do homem de meia face carcomida. Então ele se vira, alcança a mala de academia e joga no colo de Vanessa. Ao abrir o zíper, ela se depara com diversas armas, algumas pintadas coloridas, outras visivelmente montadas de várias partes de modelos diferentes.

— Essa rosa pink me traz boas recordações, recomendo evitar tocar no cano, algumas eu enfiei em lugares... enfim, eu tô velho e atrasado pra ter “aquela conversa” com você.

Vanessa revira os olhos, tira uma besta medieval com pedaços de couro cabeludo grudados na base, estava atrapalhando ela olhar o resto das armas, joga no chão e pega uma Magnun 40. O peso da arma robusta faz seu pulso inclinar, a garota admira de forma prazerosa o objeto, testando sua mira.

— Sempre gostei das pirocudas, quer queira, quer não, tamanho faz diferença. — Marcos ri enquanto cospe pela janela. — Essa aí é pra não ter enterro, afinal, ninguém quer ver um velório de picadinho no caixote.

— A última vez que ouvi falar de um enterro com caixão eu tinha uns quatro anos. — responde ela, ainda olhando pela mira. — Ninguém enterra mais assim hoje, falta caixão e tempo para enterrar qualquer coisa...

— Justo... então, é verdade que você estava se pegando com um cachorro... deve ser mal de família, eu não posso recriminar. Mas te aviso, eles só pensam na matilha deles, são um bando de primitivos, hippies desgraçados e egoístas.

— Estranho, parece que estava falando de si mesmo, dos caveiras... afinal, traiu todo mundo e fez exatamente isso. — Ela fecha o zíper da mala e a joga no banco de trás.

— Se sua mãe tivesse me seguido, não pensaria assim.

— Se ela tivesse te seguido, talvez estivesse morta. Acha que não lembro das surras que...

Ele resmunga algo indecifrável enquanto gira o volante rapidamente com a mão mecânica. O carro para pouco antes de bater em uma árvore, Vanessa é segurada pelo cinto de segurança com o movimento, vira-se a ele irritada.

— Seu desgraç... — Marcos tapa sua boca, o olho do caveira espia apreensivo.

Dimitri baixa o vidro devagar da janela e olha para trás, percebe que muitos carros já tinham parado antes, o silêncio noturno é acompanhado pelos faróis estáticos.

— O que está acontecendo, Marcos? Porque todos pararam? — questiona Dimitri de olhos semicerrados para conseguir enxergar na escuridão.

Um clique metálico chama sua atenção, o noman volta os olhos cinzas para o motorista que lhe responde com o tiro certeiro. Dimitri leva a mão ao pescoço, sente as penas macias do dardo tranquilizante, suas mãos agora em incandescentes tentam alcançar Marcos, mas apenas destroem o acolchoado roxo do banco. O noman tomba desacordado no assoalho.

— Espero que tenha certeza do que está fazendo. — resmunga Vanessa.

— Eu sempre sei, docinho.

Marcos sai calmamente do carro, ajeita o cabelo desgrenhado e ainda oleoso como se fosse deixar sua aparência melhor. Entre as árvores os olhos vermelhos brilham, Marcos acena com a cabeça.

— Tudo dentro do prazo. Agora é só me deixar falar com sua “mãe” — fala a referência usando os dedos metálicos para desenhar aspas no ar.

A resposta é um sussurro chiado, outros olhos vermelhos se abrem na escuridão, mais alguns estão entorno da estrada indicando que eles estão cercados. O farfalhar das árvores exibe o som das folhas e absoluto silêncio de animais. Nenhum grilo, pássaro ou rato ousa aparecer aos predadores. Aos poucos, eles saem por entre as árvores, um vampiro arrasta um naurú desacordado o deixando no chão. O som do bater de portas dos carros mostra que os caveiras, aliados dos vampiros, estão colocando os naurús nas jaulas das picapes.

Vanessa fica ao lado do carro, um vampiro se aproxima bruscamente farejando-a.

— Ei! — reclama ela.

— Ela é minha filha, eu tinha avisado dela.

Os vampiros falam entre si, o romeno medieval é incompreensível ao traficante. Imediatamente o vampiro agarra Vanessa a pressionando no capô do carro. Ela tenta pegar a arma, mas é contida facilmente pelo vampiro que não muda sua feição fria.

— Para, ela tá com a gente, seu idiota! — contesta Marcos.

O vampiro que antes estava no meio da floresta, agora está ao lado de Marcos e fala calmamente.

— Sim. São ordens da rainha. Você terá a oportunidade de falar com ela sobre isso. — O vampiro olha para dentro do carro e admira Dimitri deitado. — Ela ficará grata.

Os carros são ligados, começam a se movimentar rapidamente em direção ao centro, são acompanhados por olhos vermelhos.

 

 

 

 

*********

 

A rainha sorri.

— Finalmente esse aleijado fez algo direito.

Murmura logo após dispensar o oroba que avisara da chegada de Marcos e os caveiras, trazendo os naurús, conforme prometido. Ela levanta-se de sua banheira, o leite misturado aos fios de sangue forma um desenho cálido em suas formas femininas e generosas. Rapidamente tudo é absorvido por sua pele mais jovem agora, ela cobre-se com uma toalha parcialmente rasgada até suas roupas. Pouco antes de se vestir, encara o crânio de Baal, agora moldado em seu mortífero elmo.

— Você não entenderia, meu amor.

O elmo não responde.

Ela sorri de forma debochada e veste-se com a elegância que é permitida naquele contexto, pega o grandioso machado e caminha com sua coroa em cornos diabólicos.

Asmodeus, o fiel oroba que agora é seu general, curva-se rapidamente antes de a acompanhar.

— Eu deixei tudo pronto para vossa majestade, o noman já foi levado para a câmara que o Marcos desenvolveu, ele não poderá reagir a nada do que a senhora fizer.

— Ele também trouxe o garoto? Quanta eficiência. — suspira ela. — Então era só isso que faltava realmente, eu o convencer que não poderia me enrolar como fazia com meu marido. Estou impressionada.

— Senhora?

— Sim, Asmodeus.

— Eu não tenho certeza se podemos confiar ainda no caveira, ele fede a traição.

Ela vira-se em uma risada sincera.

— Meu querido demônio, esse é o único cheiro de Marcos. Não se preocupe com isso.

Ele confirma com a cabeça de forma submissa.

De joelhos, Marcos contesta ao ver Vanessa algemada ao lado.

— Não me avisou que teria que fazer isso, eu estou cumprindo o trato.

A mulher de elmo de bisão reprova, volta-se para a jovem e a fareja à distância.

— Toda sua família virou mestiça, ao que parece. — solta um sorriso cruel. — Que bom, você odeia os cães, nada mais do que merecido.

Marcos apenas a acompanha com o olhar, ela volta-se a ele e completa:

— Se bem, que parece que visitar a família de cães fez com que quisesse ficar como eles. — Ela desdenha se referindo a coleira com a luz piscante em seu pescoço. Incomodado ele avisa:

— Isso é só um imprevisto.

— Um imprevisto com nitro... cuidado para resolver, afinal, agora não tem mais o seu primo que cuidava de sua tecnologia. — Ele a fuzila com o olhar. — Mas estou brincando com você, afinal, estou feliz que tenha finalmente me surpreendido.

Ela olha em torno, observando as jaulas.

— E a sua sobrinha?

— Jaula especial de prata, no subterrâneo.

— Perfeito. Eu cuido dos dois.

— Eu preciso falar com Dimitri, antes de tudo.

— Apenas falar, tudo bem. Irei ter com a cadela, seu próximo alvo será me trazer a bruxa.

— Agora serei seu capataz? Acha mesmo que é assim que irá me tratar?

A mulher continua andando, responde enquanto se afasta.

— Você teria que ser melhor para isso.

Em um gesto, os vampiros se aproximam de Vanessa, Marcos não fica nervoso, rapidamente ela é solta e puxada com força a se levantar.

— Eu achei que ela fosse...

— Não, ela sabe que eu não colaboraria em nada se acontecesse algo com você.

Um som de fenda dimensional corta o silêncio dos negociantes. As fendas negras se abrem passando pessoas com roupas maltrapilhas, o cheiro forte de carniça e sujeira exalam de seus corpos parcialmente apodrecidos. Eles rapidamente passam pelas fendas e se arrastam pelas paredes até as sombras, sons ferais tornam-se difusos quando uma fenda grande e verde finalmente aparece. Por ela, passam o demônio gárgula azulado, suas feridas no peito ainda doem, mas Mefisto ainda é poderoso. Mia o acompanha, a garota de cabelos prata é a única limpa entre os goetias, que apreciam prazeres mais fétidos.

— União da família toda? O que querem, um jantar? — provoca a rainha.

— Eu não queria ter que fazer isso dessa forma, querida. Mas você não me deixa escolha, roubando meus demônios...

— Seus? Foram poucas as vezes em que esteve em batalha com eles para chamá-los de seus. E engana-se, amor. Eles não me pertencem, fazem apenas o que querem, inclusive me adorar, como sempre mereci.

— Não é um demônio para ser adorada! — vocifera Mefisto. — É uma cria minha, algo menor, só é o que é por minha causa!

— Não você. Outro.

Ele rosna.

— Todos aqui deveriam ser gratos a mim, eu quem fiz, moldei e libertei cada um de vocês de Moloch!

— Mefisto, você é só um ladrão, como seu pai, como seus irmãos, e todos da família real. É certo que nenhum oroba tem sangue real, nenhum vampiro tem o direito ao trono. Mas o trono já é nosso, não pode tomar isso, nem com o auxílio dos goetias.

Mia ascende seus olhos flamejantes, os goetias rosnam na escuridão de cada ponto, se esgueiram como lagartos. A mão de Mefisto vai a frente de Mia.

— Eu quero que escute, Lucy, esse conflito não é necessário...

— Não é mesmo, Mefisto, se entregue. Você não tem mais herdeiros. Eu já cuidei disso.

— O que?

Os orobas se aproximam, puxam lenços longos que cobriam uma parede ao fundo. Presa no cimento, é reconhecível as formas de Súcubo com o ventre cortado. Os braços dos bebês demônios de sangue real tentavam escapar do cimento quando ainda estava fresco. A garganta cortada da amante denuncia como Lucy conseguira tanto sangue para se recuperar rapidamente, inclusive banhar-se. A macabra parede mostra quantos filhos e amantes que o rei possuía, todos os corpos jazem em profundo silêncio mineral.

Chocado, Mefisto grita em horror correndo contra a mulher, ela desvia rapidamente, alimentada contra o marido ferido.

— Eu prometo não usar o machado dessa vez.

— VOCÊ TROUXE A RUÍNA PARA TODOS NÓS! DEMÔNIOS!!

Ele clama saltando em ataque, porém ele para no ar, flutua paralisado com suas garras a poucos centímetros do rosto dela.

— Você realmente não entende, não é esposo?

— Os goetias, eu fiz um acordo... — Ele olha confuso, esse poder de telecinese é algo muito característico dos aliados a quem tanto bajulou.

— Nós goetias também não temos sangue real. — responde Mia. — Era só uma questão de tempo até também nos trocar.

Lucy se aproxima de Mia, envolve seus dedos nos cabelos lisos e prata da garota dando-lhe um beijo amoroso e verdadeiramente apaixonado.

— Tenho que admitir, Mefisto. Você sabe escolher as mulheres. Meu amor... — falam as duas em uníssono de casal devoto.

— Suas vagabundas desgraçadas! — berra Mefisto lutando para se soltar das forças goetias que o rodeia. Os orobas e vampiros assistem, quase em gratidão de ver o rei indigno ser dominado.

— Você quer o sangue dele? — questiona Mia.

— Na verdade, quero que ele fique inteiro. Tenho um outro trato a cumprir.

Lucy leva a palma da própria mão a boca, com a presa corta a pele de forma profunda e rapidamente se agacha molhando o chão com o sangue. O líquido passa a brilhar de forma enegrecida e ela pronuncia a invocação:

Lúcifer.

O chamado não é ignorado, a fenda se abre permitindo a passagem do demônio em um maléfico sorriso. Em seus trajes elegantes e negros ele cumprimenta as mulheres com o olhar, os orobas e os vampiros em torno. Vira-se calmamente chegando a fitar Marcos, que a esse momento já está descendo para os porões com Vanessa. Então ele se vira para o rei aprisionado no ar pelos goetias e sorri:

— Olá, irmão.


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