Jeller escrita por Lucca


Capítulo 3
Despertar


Notas iniciais do capítulo

Quando eu comecei a escrever, ainda era 25 de dezembro. Mas o dia acabou e não consegui finalizar. Enfim, queria fazer algo especial para o Natal. Infelizmente não sei escrever histórias românticas e carregadas de cenas lindas e felizes como outras autoras que publicam aqui fazem tão bem. Mesmo assim, espero que a leitura valha à pena.



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Foram mais de vinte dias em coma com duas paradas cardiorrespiratórias. Dias longos em meio a um mar de dúvidas. Ela estaria se curando ou seria apenas o ZIP consumindo o resto de vida que ainda existia nela? Era tarde demais para esperar que ela sobrevivesse sem sequelas? Se ela acordasse, seria Jane ou Remi? Se ela acordasse, como lidar com as consequências de todos os problemas que Remi criou?

Kurt não tinha respostas, mas tinha algo mais precioso: esperança. Foi isso que lhe deu forças para sobreviver através de tudo. Enquanto existisse meio porcento de chance dela sobreviver e voltar a ser Jane, ele não desanimaria.

Então ela acordou e ele foi para o hospital o mais rápido que pode. Os médicos o alertaram das sequelas: ela não conseguia falar e sua coordenação motora também estava muito debilitada. Ainda era cedo para precisar o tempo de reabilitação ou se seu restabelecimento seria total. Esses detalhes importavam tão pouco para ele agora. Ela estava aqui. E ele só precisava de um olhar para se reabastecer de fé para tudo um futuro que teriam pela frente.

Kurt não precisou se aproximar totalmente da cama para entender quem estava ali. Ela fixou o olhar nele assim que ele entrou e, depois de acompanhá-lo caminhando em sua direção, desviou de forma rápida e agressiva. Remi. Ele se manteve firme, aberto, amável, compreensivo. Colocou-a a par das informações que os médicos lhe passaram. A cada curta interação a verdade era mais evidente: Jane não retornou após a cura do envenenamento por ZIP.

Ao final da visita, os amigos lhe esperavam animados e ansiosos por mais notícias. Trocaram abraços e ele desabou numa das cadeiras da sala de Reade. Ali, cara a cara com eles, Kurt decidiu expor a verdade:

— É Remi.

— Ela disse isso? – Reade questionou.

— Ela não disse. – Weller respondeu – Ela ainda não consegue falar. Mas também não tentou disfarçar. Sei ler o olhar e as reações dela.

— Talvez ela só esteja confusa depois de tudo. Ainda é cedo para fecharmos uma conclusão, não? – Rich tentou amenizar.

— Não, Rich. Eu tenho certeza e teremos que lidar com isso. – Kurt não estava disposto a se deixar iludir. Seus instintos gritavam para protegê-la, mas sua integridade exigia que suas decisões não se baseassem apenas no emocional. Não dessa vez.

— Ela tem as recordações de Jane? – Patterson perguntou após se deslocar para o lado do amigo e colocar a mão no seu ombro.

— Não perguntei sobre isso. Ela parecia ainda muito debilitada. Mas se existe alguma recordação lá, com certeza não têm qualquer significado para ela. – a firmeza com a qual Kurt pronunciou a resposta escondia a turbulência emocional dessa sua conclusão.

— Bom, então temos um problema. A única coisa que deixaria a CIA e a ASN longe dela seria se a cura neutralizasse Remi e trouxesse Jane de volta. Não há uma justificativa para mantê-los afastados agora. – Reade dimensionou a situação.

— Mas ela está muito debilitada. Que chance terá nas mãos deles? Desculpe, pessoal, eu ainda não sou capaz de pensar nisso sem associar uma punição à Jane.  – Patterson deixou clara sua percepção.

— Podemos manter a identidade dela como indefinida até que ela se recupere... – Reade sugeriu. – Ela acabou de acordar. Não será difícil ganhar algum tempo.

— Se for possível darmos algum tempo pra ela se recuperar, eu agradeço. – Kurt disse, transparecendo um pouco do quão afetado por tudo aquilo ele estava.

— A questão é: ela é Remi. Quais as chances de não cairmos em mais uma de suas armadilhas? – Rich se achou de dever de levantar a questão.

— Ela sempre jogou com a nossa ignorância sobre sua identidade, Rich. Claro que seremos capazes de mantê-la sob controle agora que sabemos de tudo e estamos atentos à tudo que ela fizer. – Patterson estava determinada a vê-la recuperada antes de sofrer as consequências de seus atos.

— Então, está decidido. Por enquanto vamos alegar que ela não foi capaz de passar qualquer informação e que precisamos de tempo para averiguar a extensão das sequelas e se são permanentes. – Reade concluiu.

Decidida a estratégia, Kurt informou discretamente Remi na próxima visita sobre a decisão do team. Ela pareceu surpresa com a decisão deles, mas acenou concordando em fazer sua parte.

Em poucos dias, ela foi liberada para ir pra casa. Ainda precisava de ajuda para as tarefas mais simples, mas se empenhava de forma admirável na fisioterapia.  

A convivência no apartamento se desenrolou com a cumplicidade de um acordo não verbalizado, mas desejado pelos dois: viver um dia de cada vez, sem esperar nada do futuro ou um do outro. Distância e impessoalidade marcaram a relação dos dois.

Remi conheceu um novo lado de Kurt. Ele continiuou ali por ela em todos os momentos que precisasse de sua ajuda sem, entretanto, transparecer aquela paixão de tempos atrás quando achava que ela era Jane.  Reconhecia no seu olhar todas as suas necessidade, era incrível como ele era capaz de ser tão gentil e, ao mesmo tempo, não ultrapassar qualquer espaço necessário à ela. Nem nos momentos mais delicados nos quais ela precisou contar com o toque dele, ele deixou de colocar o respeito à ela em primeiro lugar.

Os dias passaram. A melhora progressiva na fisioterapia contrastava com nenhum avanço na fala. A fonoaudióloga relatava o empenho dela durante as sessões e sua dificuldade em verbalizar até mesmo sons simples.

Enquanto Remi estava numa dessas sessões, Kurt se reuniu com os amigos para um café.

— Você acha que ela pode estar fingindo? – Reade foi direto ao ponto.

— Talvez. Não é só uma questão de verbalizar palavras. Ela parece ter dificuldade em fazer qualquer forma de contato. Pode ser uma estratégia. Isso a afasta de um interrogatório. – Weller tentou ser racional.

— Realmente, se os exames neurológicos não apontam nenhuma área comprometida no cérebro, temos que considerar que nossa terrorista favorita encontrou uma forma bem peculiar de se proteger. – Rich comentou com um breve sorriso de admiração ao final da fala.

— E se não for apenas fingimento e estratégia? Pode ser uma sequela real. Não sabemos quase nada sobre os efeitos do ZIP. – Patterson se sentiu no dever de dar a Remi o benefício da dúvida.

— Eu a escuto tentando fazer os exercícios recomendados, mas sempre termina com uma explosão de irritação como se tivesse fracassado.  Infelizmente, pelo pouco que conheço de Remi posso garantir que até isso pode fazer parte de suas estratégias para me manipular a seu favor.

Sem chegarem a alguma conclusão, os amigos voltaram aos assuntos triviais e logo se despediram. Antes de se afastar, Patterson quis fazer uma última colocação:

— Kurt, sei o quanto é difícil ser usado pela pessoa em quem você mais confia, mas tem algo que não sei explicar que está me impelindo a te dizer o que vou falar agora. Talvez Remi não fale não por motivos físicos, mas psicológicos.  Nos poucos diálogos que vocês dois tiveram, foram capazes de selecionar exatamente  o que machucava o outro. Não falar evitaria novas feridas. Eu não consigo deixar de pensar em Jane agindo através disso para te poupar.

Kurt não respondeu. Apenas torceu levemente a cabeça para o lado tentando não se apegar à teoria da loura.

Mais alguns dias se passaram. Dezembro chegou e o Natal se aproximava. Kurt se empenhou nos preparativos: presentes, comidas. Remi manteve a distância como se nada daquilo tivesse qualquer significado para ela. Excepcionalmente, no momento da compra do presente de Patterson, ele a pegou observando-o atentamente, mas foi apenas isso.

Na manhã da véspera de Natal, Kurt estava atarefado na cozinha. Os amigos viriam à noite. Várias vezes, Remi veio até a sala, o observou e depois se afastou parecendo incomodada.

Já era perto da hora do almoço quando ela fez uma nova aparição do outro lado do balcão da cozinha. Dessa vez, Kurt quis demonstrar que tinha percebido sua presença:

— Você está com fome?

Ela balançou rapidamente a cabeça de forma negativa.

— Sede ou alguma dor?

Outra negativação. Mas ela se manteve olhando firme pra ele e abriu a boca como quem iria dizer algo. Após duas tentativas, ela baixou a cabeça.

Kurt contornou o balcão se aproximou dela, levou a mão até seu queixou levantando suavemente seu rosto até seus olhares se cruzarem.  Ele decidiu também não dizer nada. Apenas olhou para ela incentivando-a a tentar novamente. Ela atendeu:

— Kur... Kurt ...eller... _ disse sem pronunciar o nome corretamente e respirou fundo, mantendo o olhar fixo nele para depois, esboçar um sorriso inocente.

Ele sentiu seus olhos se enchendo de lágrimas. Ouvi-la dizer seu nome depois de tanto tempo e ainda aquele sorriso no final... Era como ter Jane ali novamente por alguns segundos.

Então, rapidamente ele fechou os olhos  e seu coração.

— É um bom começo, Remi. Muito bom. – disse sem demonstrar emoção.

Deu às costas pra ela e voltou para perto do fogão. Observando-a de relance, percebeu que ela continuou parada e tinha os olhos fixos nele. Então, disse:

— Você pode trabalhar em novas palavras agora. Água, fome, dor podem ser muito úteis. – ainda sem se virar, ele percebeu que ela manteve-se firme na posição e no olhar, esperando algo dele. Dando-se por vencido, ele ficou de frente para ela.

Remi assentiu rapidamente com a cabeça e, depois, um gesto mais longo e calmo, voltou a inclinar a cabeça para a frente.  Era um gesto claro de agradecimento. Dizer o nome dele foi a forma que ela encontrou de agradecê-lo por tudo.

— Sim, eu entedi. – Kurt disse ainda tentando deixar a emoção fora do jogo.

Claro que ele entendeu. Ele só não sabia se podia acreditar que essa não era apenas mais uma estratégia dela para envolvê-lo nos seus planos futuros.

Remi voltou para o quarto.

Ele tentou focar na comida. O rosto de Remi e som de sua voz não saíam de sua cabeça. As palavras de Patterson dias atrás se repetiam pedindo à ele que se permitisse acreditar na sua esposa mais uma vez. Sentindo-se sufocado, ele desligou o fogo e saiu do apartamento. Ele precisava de ar, precisava caminhar.

Minutos depois, Kurt estava de volta em casa e à porta do quarto que um dia foi deles. Bateu suavemente e pediu para entrar.  Sem resposta, insistiu uma segunda vez. Nada. Quando estava pronto pra iniciar a terceira tentativa, a porta se abriu e Remi passou por ela pisando firme e foi em direção à sala. Aquilo não era um bom sinal. Ele a seguiu. Ela parou perto à árvore de Natal. Apontou agressivamente para a decoração e os presentes e depois para ele. Kurt não conseguiu evitar o sorriso. Ela estava se comunicando com ele de uma forma totalmente clara e contínua. E estava muito brava com suas reações.

— Era o meu presente de Natal? Eu sinto muito. Você tem toda razão de estar muito brava comigo. Eu... Foi lindo, Remi. Foi um dos melhores presentes que já ganhei.  Obrigado. – então ele mostrou a mão que mantinha para trás e o ramalhete de flores que estava nela – espero que você possa me perdoar por ter agido assim.

Ela pegou as flores da mão dele e quebrou o contato visual entre os dois.

— Não sei porque disse pra você se concentrar em outras palavras, se apenas dizendo “Kurt” você já conseguiria garantir água, comida e tudo que precisar. – ele brincou.

Ela voltou a olhar pra ele e sorriu de forma maliciosa entrando na brincadeira.

Ele se aproximou e tocou devagar as mãos dela que envolviam o ramalhete. Sentiu quando ela estremeceu ao mesmo tempo que ele àquele toque.

Inesperadamente, ela se jogou nos seus braços e fechou os olhos. Ele a envolveu com todo carinho que não queria mais esconder e depositou um beijo nos seus cabelos.  Eles se entregaram àquela sensação de pertencimento e deixaram fluir o sentimento que nutriam um pelo outro.  Os dois estavam tão cansados de negar isso.

Quando já parecia possível viver fora daquele abraço, Kurt a levou até a árvore, se sentou no chão e pegou uma pequena caixa de presente. Remi sentou-se à sua frente.

— Esse presente é pra você.

Ela depositou o ramalhete de flores ao lado e pegou o pequeno pacote já rasgando o embrulho. Era um porta-retrado. Nele havia um desenho de Jane: ela e Roman abraçados e sorrindo. As lágrimas correram pelo rosto dela. Reunindo toda força que tinha, Remi disse:

— Jane... – e balançou a cabeça negativamente.

— Eu sei que você não é Jane. Mas eu quis te dar esse desenho que você fez enquanto era ela para mostrar que se existe uma coisa em comum entre vocês é o amor imenso que sentiam por Roman.

Ela fixou o olhar nele de uma forma que só Remi fazia. Era intimidador e tão forte.  Então apontou para Roman no desenho e depois para Kurt, estabelecendo uma conexão entre os dois e disse:

— Kurt W...eller.

Kurt sorriu enquanto as lágrimas escapavam de seus olhos. Só ela, a sua esposa, para encontrar uma forma tão peculiar de presente. Era o seu nome KURT WELLER que um dia a colocou em sua vida com aquela tatuagem nas costas dela. E KURT WELLER foram as primeiras palavras que ela  pronunciou como um presente para ele naquela noite de natal. Agora, KURT WELLER, se transformou n uma nova forma de Remi declarar seu amor por ele.

— Eu também te amo, Remi...

Ele não pode terminar a frase, os lábios dela se juntaram aos dele num beijo que exigia tudo dos dois. A partir daquele momento, até o Natal podia esperar.


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Notas finais do capítulo

Gostaram?
Muito obrigada pela leitura.



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