Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 6
Minha querida boca de praga


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus queridos! Espero que gostem do capítulo, muito obrigada por todo o carinho e apoio ♥

Boa leitura.



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Sabe, eu nunca fui uma pessoa ansiosa.  

Não muito

Bem, não exatamente

Só às vezes. 

Diabos, quem eu estou tentando enganar? Eu sou uma das criaturas mais ansiosas da face da Terra. E, caso eu realmente fosse tentar negar esse fato comprovado até mesmo pela Science Magazine, o ato de eu ter passado todo o restante daquele dia pensando sobre o tal exame de Jimin estaria aí para desmentir a minha cara de pau mal lustrada.  

Agora, sentada sobre o meu amado sofá de camurça — uma das poucas coisas que já está no seu devido lugar nessa casa, eu infelizmente devo admitir — eu encaro o relógio enquanto bato nervosamente o peito do meu pé direito contra o tapete da sala. Ainda faltavam três longas e malditas horas para as onze da noite, horário no qual Jimin havia me dito que começaria o tal exame. Eu confesso que quando ele veio com aquela conversa de ser um exame que você precisa fazer dormindo, eu inocentemente imaginei que poderia ser feito durante um cochilo pós-almoço ou algo do tipo.  

Mas não, a tal poli-alguma-coisa (não me culpem, é um nome complexo demais para a minha memória) se estendia madrugada adentro. 

Eu cheguei a pensar em desistir disso tudo quando fui informada sobre esse pequeno adendo. Sabe, boas horas de sono são uma raridade na minha atual vida de proletariado (ou em qualquer outra vida que eu já tive e venha a ter, na verdade), então a ideia de ter de gastá-las assistindo ao homem que já invadiu a minha casa um par de vezes durante a noite dormindo era, no mínimo, uma afronta ao meu sono da beleza. Contudo, curiosa como sou, eu passaria a noite inteira em claro me perguntando o que uma porção de fios ligados a Jimin denunciariam sobre ele.  

Se toda aquela história era mesmo verdade. 

Por isso, eu engoli chorosa a minha enorme vontade de ficar em casa dormindo naquela noite — sozinha, de preferência — e aceitei a ideia de que precisaria assistir ao sono de Jimin como se estivesse vendo um longa-metragem absurdamente longo. Eu já havia arrumado uma pequena bolsa com alguns itens, os quais eram basicamente alguns lanches e um corretivo camarada para cobrir as minhas futuras olheiras de zumbi, e agora estava plantada em meu sofá encarando o relógio feito uma psicopata.  

Bem, a minha descrição da minha atual situação pode até ser um pouco dramática, mas serve para vocês já irem se acostumando com o meu super convencional ritmo de vida e outras coisinhas mais.  

Voltemos à história, então.  

Em algum momento entre o meu problema em lidar com a minha ansiedade e o completo tédio que tomou conta da minha pessoa depois que eu consegui fazê-lo, eu decidi tentar fazer algo produtivo para matar o tempo. Pensei em ligar a televisão, mas além de não haver nada de realmente produtivo nisso, o aparelho não estava sequer instalado ainda. Talvez fazer uma caminhada fosse uma boa ideia, mas eu era muito preguiçosa para tal coisa.  

Cozinhar. 

Uma súbita vontade de preparar qualquer coisa deliciosa me veio quando fitei minha cozinha novinha em folha, toda decorada em mármore branco e com um enorme fogão inox que eu havia comprado parcelado em vezes suficientes para não saber em quantos anos aquilo totalizava. Ele era tão lindo e estava lá na vitrine, me cumprimentando, e eu simplesmente não pude resistir. Lembro-me de que adorava cozinhar para o meu irmão quando erámos mais novos, mas infelizmente as oportunidades eram meio raras — parando para pensar bem, aquele era o nosso primeiro fogão. Com esse pensamento em mente, mesmo que eu já estivesse mais do que enferrujada na cozinha, eu me levantei animada do sofá e fui em direção ao meu precioso fogão comprado no crediário.  

Notaram a palavra enferrujada ali no meio da última sentença, certo? Pois então... 

A receita escolhida por mim havia sido de um bolo de beterraba com morangos e, antes que vocês me olhem com cara de nojo, eu não o faria depois de séculos sem cozinhar se o doce não fosse realmente uma delícia. Cheguei na cozinha com a animação de uma adolescente apaixonada — que eu nunca tive, porque eu nunca fui uma, mas eu imagino como deva ser através de uma manipuladora ferramenta da atualidade chamada doramas — e abri a minha dispensa atrás dos ingredientes.  

E, então, me veio a surpresa: não havia nenhum dos dois ingredientes principais lá. Na verdade, não havia sequer os ingredientes secundários, apenas algumas comidas instantâneas e um tufo monstruoso de poeira.  

Céus, era assim que eu estava vivendo? 

Revoltada por ter uma alimentação pior do que a do meu irmão, um universitário viciado em estudos sem dinheiro ou tempo, eu resolvi que já havia passado da hora de fazer algumas compras para encher os meus mais novos armários de cozinha. Ainda me restavam longas duas horas e meia, então eu tinha tempo suficiente para fingir que sou uma adulta extremamente bem resolvida e fazer algumas comprinhas.  

Tudo bem que eu estava indo gastar o aumento que eu nem recebi ainda, mas prioridades são prioridades. 

Desliguei o forno que eu havia colocado para pré-aquecer, pois precauções também são precauções, e parti para o mercado mais próximo. Por sorte o estabelecimento era realmente próximo da minha casa, pois eu havia esquecido que usava o meu conjunto de pijamas de moletom antes de sair de casa e, bem, acabei indo com a peça da década passada mesmo.  

Assim, eu cheguei ao auge da maturidade: fazer compras saudáveis para encher a dispensa da minha casa própria, isso tudo patrocinado pelo aumento resultante da minha promoção. Senhores, eu estou nas nuvens e nem o rei Arthur me tira daqui. Acabei me empolgando um pouco (lê-se muito) e adicionando ao carrinho alguns produtos os quais eu nem sabia da existência antes de vê-los hoje, mas coisas assim acontecem e felizmente já estavam dentro da minha programação.  

Eu estava empurrando o meu carrinho elegantemente pela seção de limpeza quando, de repente, um número desconhecido fez o meu celular vibrar no meu bolso. Saquei o aparelho do meu moletom e já atendi desconfiada, pois eram raras as vezes que alguém fora da minha lista de contatos me ligava. 

— Alô. — atendi, adicionando ao carrinho o lava-roupas da promoção. 

— Jeon Soojin? — perguntou a voz masculina do outro lado da linha. 

De algum modo eu já conhecia aquela voz, apesar da mesma não estar gritando feito uma gazela no meu ouvido naquele momento ou me desafiando com suas sobrancelhas arqueadas.  

— Park Jimin? — indaguei, levemente confusa. Não esperei pela resposta antes de emendar a próxima pergunta. — Como você conseguiu o meu número? 

— Está na sua ficha pessoal, oras. — ah, sim, ele era o meu maldito chefe. — Mas isso colocaria o pessoal do RH em apuros, então vamos fingir que eu não lhe contei isso. Você já está chegando? 

— Como assim “chegando”? Ainda são... — pausei, afastando o celular do meu rosto para poder checar as horas. — Onze e vinte, então porque você já está... 

Ai. Meu. Deus.  

E todos os seus compadres angelicais também. 

Para não dizer nada indelicado, claro.  

Primeiramente, se eu ganhasse um real cada vez que uma terceira pessoa me fizesse perceber que estou loucamente atrasada, eu atualmente estaria me atrasando horrores nas Ilhas Maldivas. Segundo, como diabos eu havia passado praticamente três horas dentro de um mercado? Céus, agora eu sei o porquê de os funcionários estarem me olhando como se quisessem jantar o meu coração com uma saladinha de acompanhamento — nem era por causa do meu pijama de guerra, mas sim porque eles próprios já deveriam estar de pijamas em suas respectivas casas. 

— Meu Deus, eu estou muito atrasada. — sussurrei, tentando não dar na telha de que eu havia percebido que estava atrasando a vida daquelas pessoas. 

Nossa, às vezes eu me pergunto como consigo alcançar conclusão tão geniais.  

— O que disse? — Jimin perguntou, interrompendo o meu momento sarcástico com a minha própria pessoa.  

— Que já estou chegando. — respondi rapidamente. Pois bem, tentem entender que eu jamais poderia estragar a minha imagem de mulher decidida e responsável, de pessoa que está acusando Park Jimin de ser um criminoso invasor de casas alheias, e pôr no lugar da mesma o retrato de uma doida que sequer consegue olhar para o relógio de vez em quando. — Estou presa em um engarrafamento horrível.  

— Às onze da noite de uma quarta-feira? — questionou, confuso. — De onde diabos você está vindo? 

— De longe, Jimin. — rebati, me perguntando quando ele havia começado a raciocinar tão rapidamente. — Já estou chegando, espere só mais um pouco.  

Encerrei a ligação sem esperar mais nenhuma resposta de Jimin — antes que ele descobrisse que não havia nada de chegando onde eu estou — e fitei meu carrinho cheio de comidinhas saudáveis com muita tristeza. Diabos, eu não tinha tempo para passar tudo aquilo no caixa e ainda voltar em casa para deixar as sacolas, o que significava que eu teria que abandonar minhas compras ali mesmo e, com elas, a minha aspiração de ser uma adulta responsável.  

— Foi bom enquanto durou, minhas queridas. — murmurei, acariciando o carrinho.  

Em seguida, infelizmente fui obrigada a fazer (mais uma vez, como de costume) o que qualquer ser humano normal faria naquela situação: começar a correr feito a melhor aprendiz do Flash. 

 

*** 

 

Sabe para que serve ser uma pessoa que antecipa por horas e mais horas algum acontecimento, e que por isso se roí de ansiedade, quando você sequer consegue checar aquela famosa invenção do homem chamada “relógio” de vez em quando? 

Isso mesmo, para absolutamente nada. 

Eu só consegui chegar na tal clínica que realizaria o exame meia hora depois de falar com Jimin, uma bonificação que apenas pessoas que dependem do transporte público recebem — sério, se um dia você tiver planos de conhecer a Coréia do Sul, apenas venha para cá e pegue o primeiro ônibus que vir pela frente, porque ele com certeza rodará por metade do país. O segurança do prédio estranhou uma louca apressada e de pijamas tentando entrar no edifício àquela hora da noite e, se eu não tivesse um poder de fala extremamente bom, com certeza teria ficado barrada na portaria.  

O lugar era enorme e seria muito aconchegante, caso não cheirasse a dentista — nada contra, mas, sabe, motorzinhos que fazem barulhos agonizantes para o lado de lá e eu do de cá, bem quietinha. A recepcionista aparentemente já estava à minha espera, pois eu não precisei dizer muita coisa para que ela me levasse até a sala certa. O cômodo era enorme e parecia uma daquelas salas de interrogatório dos filmes de investigação: uma janela de vidro enorme separava três médicos e seus maquinários de uma cama com lençóis brancos, onde Jimin dormia sozinho. Antes dos homens de jaleco notarem a minha presença, eu pude perceber que uma porção de fios coloridos estavam ligados à cabeça do Park, o que eu devo confessar que me deu uma agonia sem descrições. 

— Boa noite, Soojin-ssi. — disse o médico mais alto, aproximando-se de mim e me cumprimentando com aquela aura óbvia que todo médico tem. — Eu sou o Dr. Yoon, responsável pela polissonografia de Park Jimin.  

— Boa noite, doutor. — eu o cumprimentei de volta. — Desculpe-me pelo atraso, eu tive um pequeno imprevisto.  

Vulgo uma tentativa falha de ser uma adulta. 

— Tudo bem. O paciente estava esperando pela senhorita, pois queria que você pudesse acompanhar todo o processo que envolve o exame, mas nós realmente precisávamos iniciar o procedimento no horário marcado. — ele explicou, ainda que, sinceramente, eu não quisesse assistir fio por fio sendo ligado na cabeça do Park. 

Eu concordei firmemente com a cabeça e comecei a olhar ao meu redor, tentando decidir se seria viável entender porque diabos aqueles computadores mostravam linhas tortas e mais uma porção de informações que eu não sabia decifrar. Encarei o médico, enviando mentalmente um sinal de que eu não estava entendendo absolutamente nada que estava se passando naquele cômodo. 

Por sorte, o homem entendeu o meu sinal médium. Talvez fosse por causa do meu olhar desesperado também, mas isso não vem ao caso. Começou a me explicar qual era a função daquele exame, como o mesmo funcionava, o que significava cada linha daquela e também as outras informações. Sinceramente, eu gostaria muito de repassar todo esse conhecimento para vocês, mas eu segui não entendendo muita coisa de todos aqueles termos técnicos, então irei contar apenas a essência da coisa: aquele exame era um enorme pé no saco.  

Talvez até mesmo logo dois de uma única vez. 

Tudo até estava fluindo bem, mas isso somente durante a minha primeira meia hora naquele cômodo. Depois disso, atualmente após duas horas escutando nada além da respiração de Jimin do outro lado do vidro, a minha cabeça inconscientemente começou a pender de sono. De bônus, eu não tive tempo de passar em casa para buscar a minha bolsa com lanches, então eu estava passando por um combo de fome grande, frio médio e um tédio que parecia querer me engolir.  

Sério, por que eu aceitei fazer parte disso? Já ficou mais do que provado que montar vigílias não é o meu forte. 

Como se a minha boca fosse capaz de lançar pragas ao vento, a resposta para a minha pergunta deu as caras assim que eu a fiz mentalmente. A tela que exibia as tais linhas tortas começou a emitir um som estranho, algo como um alerta, e eu pude concluir que aquilo não deveria ser nada bom através das reações tensas dos médicos. Aquele que se apresentara primeiro para mim, Dr. Yoon, levantou-se para observar mais de perto as linhas tornando-se cada vez mais irregulares. Ajeitou os óculos, parecendo preocupado.  

— O que está acontecendo? — perguntei, sendo a única leiga do cômodo.  

— O sono dele está cada vez mais agitado. — respondeu o Dr. Yoon. — É como se ele estivesse tendo um pesadelo muito vívido.  

Confusa, eu também me levantei — não que isso fosse fazer alguma diferença naquele momento, era apenas um instinto. Os médicos continuavam observando a máquina e aquele seu sinal irritante, enquanto eu caminhei até o vidro. Quando alcancei o material transparente, fui surpreendida por um Park Jimin sentando-se sobre a cama, porém ainda de olhos fechados. Eu conseguia resistir facilmente a filmes de terror, mas devo confessar que aquela cena me causou arrepios pela minha espinha e por alguns outros lugares indelicados demais para serem citados.  

— O que ele está fazendo?! — indagou surpreso um outro médico, o qual eu não sabia o nome, apontando na direção de Jimin.  

O Park havia começado a caminhar e, por isso, os fios ligados a ele começavam a se desprender de seu cabelo despenteado um por um. As telas das máquinas foram se apagando, tudo isso enquanto Jimin seguia caminhando na direção do vidro que nos separava. Assustada, eu dei um par de passos para trás, mas a coisa piorou quando o corpo do Park foi impedido pela janela de continuar o seu caminho.  

Tudo bem, alguém pare esse homem. Agora, de preferência.  

Dessa vez nenhum doutor ouviu meu chamado mental porque, infelizmente, nenhum deles fazia nada além de observar aquela cena com muita atenção. Quando Jimin bateu a palma da mão direita com força contra o vidro da janela, eu agradeci aos céus por aquele ser um material muito resistente, qualquer que ele fosse. Em seguida, bateu a palma esquerda com ainda mais força, o que me fez dar um pequeno e um tanto ridículo pulinho de susto.  

— O que ele está fazendo? — repeti a pergunta do médico, espantada. 

— Ele parece estar querendo ir a algum lugar. — o Dr. Yoon constatou. — Você tem ideia de que lugar possa ser? 

Infelizmente, sim. 

Jimin continuava deferindo tapas contra o vidro e, sinceramente, eu estava com medo daquela janela não aguentar a força que ele parecia estar descarregando nela.  

— Eu preciso passar! — ele exclamou, e eu pude perceber que foi a vez dos médicos pularem de susto. — Eu preciso salvá-los

Salvar?  

Ligando isso às palavras que ele havia me dito na noite passada, não era difícil de chegar à conclusão de que, talvez, Jimin pudesse ter sofrido uma espécie de trauma suficientemente marcante para perturbar seu sono daquele jeito — e não era necessário que um médico me dissesse aquilo, pois estava bem ali, diante dos meus olhos. Ele parecia realmente desesperado, mesmo ainda mantendo seus olhos fechados. 

Talvez ele fosse mesmo sonâmbulo.

— Façam alguma coisa antes que ele se machuque! — eu gritei para os médicos, mas a minha boca de praga resolveu atacar novamente. 

Mesmo inconsciente, Jimin pareceu perceber que apenas tapas não estavam adiantando — então, ele tentou um soco. A janela acabou por não aguentar o impacto e, por fim, estilhaçou-se em pedaços sobre o Park. O estrondo fora monstruosamente alto e eu instintivamente cobri o rosto para não ser atingida por algum caco.  

Mas será que Jimin havia tido o mesmo instinto? 


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Sim, titia má acabou o capítulo na melhor (ou seria pior?) parte e ainda nem fez vocês rirem tanto dessa vez.
Sim, acontece.

Até a próxima ♥