Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 5
Minha querida prova


Notas iniciais do capítulo

Volteeeei! Boa leitura, queridos.



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Seja você pobre, rico, um pequeno ser que apenas luta para sobreviver e comer bem ou apenas pertença a qualquer outra classe social a qual eu não tive criatividade suficiente para nomear, você provavelmente já assistiu ao Discovery Channel. Seguindo essa linha de raciocínio, eu posso afirmar também que você já assistiu àquela cena clássica de qualquer felino selvagem à espreita, esperando pacientemente para atacar sua presa no momento certo e, assim, conseguir encher a barriga pelo resto do dia. Se você nunca viu essa cena, bem, primeiramente deve haver alguma coisa muito errada na sua vida. Mas não se preocupe, porque, em segundo lugar, você poderá presenciá-la nesse exato momento. 

Isso mesmo. Bem aqui, na Minha Casa Channel. Se você tiver uma imaginação fértil o suficiente, leia com aquela voz grossa e que dá um pouco de medo em todo mundo do narrador o fato de que eu, a felina Jeon Soojin, estou assistindo pacientemente à minha caça, Park Jimin. 

E que hoje é o meu dia de encher a barriga. 

Eu sei que esse tipo de analogia soa um pouco como se eu fosse uma psicopata canibal, contudo, caro leitor, tente ver o meu lado nessa situação — o lado de quem passou uma madrugada inteira acordada espiando Jimin dormir tranquilamente no meu sofá e, enquanto isso, tentava decidir entre ignorá-lo ou matá-lo. No fim das contas, eu acabei caminhando de um lado para o outro pela minha sala de estar durante horas e mais horas, porque eu naturalmente não sabia o que fazer com aquele pequeno e abusado corpo sobre o meu sofá de camurça.  

Sempre com a minha frigideira em mãos, claro. 

Os primeiros raios de luz da manhã já iluminavam a minha sala quando o Park deu seu primeiro sinal de vida. Ele se remexeu no sofá e eu, quando percebi que ele poderia estar prestes a acordar, fiz o que qualquer pessoa normal faria na minha situação: me posicionei parcialmente escondida atrás do sofá, empunhando minha frigideira barra companheira de guerra (porque aqui tem coragem, óbvio, mas não tem burrice). Contudo, a cena que veio a seguir frustraria qualquer ser vivo do reino animal e suas expectativas selvagens.  

Provavelmente acostumado com uma cama muito maior do que o meu tímido sofá, Jimin rolou sobre o mesmo sem preocupações e, por isso, acabou caindo com tudo no chão. O barulho alto e oco do impacto me assustou e eu pulei de trás do sofá feito uma aranha gigante, enquanto ele acordava bruscamente e olhava ao seu redor assustado. Resultado: ele gritou quando se deparou comigo e eu, obviamente, gritei de volta. 

E foi assim que aquela cena de caça do reino animal se transformou numa competição entre gazelas para saber quem gritava mais alto. 

Novamente. 

— Por que diabos nós estamos gritando?! — ele perguntou, ainda aos berros. 

— Eu não sei! Você invadiu a minha casa, você responde! — eu respondi exatamente no mesmo tom.  

De repente, nós nos encaramos e percebemos o quão ridícula era aquela cena. Calamos nossas bocas e, enquanto recuperávamos o fôlego, eu fiquei me perguntando que tipo de laxante eu teria colocado no vinho da Santa Ceia na minha vida passada para merecer aquilo na atual. 

— Isso é uma frigideira? — ele indagou descrente, ainda um pouco sem ar e apontando para a arma letal na minha mão direita. — Por favor, não me diga que você pretendia usar isso em mim. 

— Você está duvidando do poder dessa belezinha? — eu rebati empunhando o objeto mais alto. 

Jimin, que até então se encontrava jogado no chão da minha sala, colocou-se de pé num único pulo e deu alguns bons passos para trás.  

— Não. Nunca. — respondeu, na defensiva. De repente, parecendo se dar conta do que estava realmente acontecendo, ele precisou respirar fundo antes de continuar sua fala. — Céus, como eu vim parar aqui?  

— Eu é que deveria estar lhe perguntando isso, Park Jimin. Você não tem amor pela sua própria vida? — nem eu tinha, aparentemente. — Eu avisei que ligaria para a polícia se você aparecesse aqui de novo.  

— Não! — ele exclamou e, no ápice do desespero, me segurou pela manga do meu robe azulado. Quando eu arregalei os olhos, surpresa, ele percebeu o pecado que havia cometido e me soltou no mesmo instante. — Por favor, não faça isso. Aquele Inspetor Kong rabugento está doido para me ver atrás das grades! Eu já lhe expliquei a situação, não foi? 

— E você acha mesmo que eu acreditei naquela sua história de sonambulismo? — indaguei, perplexa com o fato dele me achar idiota naquele nível. — Olha, eu não sei o que diabos você quer entrando na minha casa toda noite e, ainda por cima, me abraçando e me dizendo aquelas coisas, mas isso não vai... 

— Eu abracei você? — ele me interrompeu. Leitor, essa é a famosa boca grande de Jeon Soojin. Acredite, não é um prazer conhecê-la. — O que foi que eu disse? 

Eu confesso que Jimin parecia confuso o suficiente para conseguir me enganar naquele momento. Ele tinha uma expressão cansada, de quem aparentemente não aguentava mais aquela situação, e a pontada de desespero em sua voz me fez engolir uma quantidade de saliva considerável.  

Por um momento, eu vacilei. 

— Você não lembra? — perguntei, desconfiada. 

— Eu não consigo me lembrar de nada que faço enquanto estou dormindo, eu juro. — disse. — É também por isso que eu realmente nunca descobri como consigo entrar aqui.  

Diabos, por que ele estava parecendo tão sincero naquele momento? Aquela história era impossível, no mínimo. Era uma afronta à minha sanidade imaginar que, de todas as casas que eu poderia ter comprado na face Terra e de todos os problemas que essa daqui poderia ter, eu havia escolhido justamente aquela que vinha com um sonâmbulo surpresa de bônus, que não sabe como e nem o porquê de toda noite vir parar aqui.  

Eu não podia acreditar naquela história. 

— Você pode provar que está falando a verdade?  

Mas é uma pena que os meus neurônios não dão a mínima para a lógica e a razão, não é mesmo? 

— Posso. — ele respondeu, com firmeza. — Tem uma coisa que eu posso fazer para convencê-la de que eu não estou inventando essa história toda. 

Quando eu estava prestes a dar uma de gato — vulgo morrer pela minha curiosidade — e lhe perguntar o que era aquela tal coisa, nossa conversa foi interrompida pelo toque do meu celular. Não o toque comum de chamadas recebidas, mas sim o do meu alarme. 

Do meu segundo alarme, aquele cujo nome era “você já deveria estar correndo para o ponto de ônibus a essa altura do campeonato, querida”

— Céus, quando foi que o primeiro alarme tocou? — eu perguntei para mim mesma, como se aquilo fosse resolver alguma coisa. — Eu estou atrasada!  

— Você sabe que eu sou o seu chefe, não é? — Jimin indagou, parecendo estar segurando o riso. 

Ele estava rindo do meu desespero?  

Park Jimin, como ousa rir do desespero do proletariado?  

— Sim, sei. E isso significa que você está atrasado também. — reforcei. — O seu chefe é o seu pai, não é?  

Primeiro, Jimin franziu o cenho, parecendo confuso. Abriu a boca para dizer algo, mas, em seguida, a fechou e arregalou os olhos.  

Bem, alguns processos de aceitação são realmente lentos. 

— Droga! — exclamou, já começando a correr pela minha sala.  

Eu quis rir do estado dele, mas a minha situação não era muito diferente — inclusive a do meu cabelo que, olhando no espelho mais tarde, eu descobri que estava tão desgrenhado quanto o dele. Jimin enfiou os pés com pressa nas sandálias que havia largado na minha porta e a abriu sem nenhuma cerimônia, como se já estivesse em casa. 

— Você vai sair assim? — indaguei da sala, me referindo à camiseta amarrotada e ao short de pijamas que ele usava. 

Digamos que aquele não era o visual de quem gostaria de ser respeitado pelas ruas.  

— Eu tenho outra opção?  

Na verdade, ele até teria, se eu tivesse muita consideração pela sua figura e tempo suficiente para procurar algumas roupas amontoadas do meu irmão em alguma caixa no segundo andar para emprestá-las. 

Mas eu não tinha nenhum dos dois. 

— Não. — respondi, dando de ombros.  

Dito isso, o Park não pensou duas vezes em desaparecer da minha porta. Céus, eu acho que nem quando eu ameacei ligar para a polícia na outra manhã eu havia o visto correr tão rápido — e creio eu que nenhum dos meus vizinhos também.  

Mas o que diabos eu estava esperando? Quem deveria estar correndo assim era eu

 

*** 

 

Às vezes eu me pego na vida me perguntando o quanto o pobre coitado do meu anjo da guarda deve sofrer. Quero dizer, só me fazer chegar sempre pontualmente nos meus compromissos já deve ser um trabalho um tanto estressante, imagino fazer isso enquanto me impede de fazer uma dúzia de outras burradas no meio do caminho.  

Sim, eu cheguei no meu horário certo na Maximum; nem um minuto a mais e nem um a menos. Não me pergunte como isso aconteceu, pois você provavelmente não gostaria de saber que me foi necessário abandonar alguns hábitos de higiene pessoal para realizar essa façanha.  

Depois de entrar feito uma versão menos heroica do Flash no elevador, eu aproveitei os poucos segundos que me separavam do meu andar para ajeitar meu cabelo e disfarçar a minha cara de zumbi com um pouco de corretivo — quando já se é acostumada a estar sempre correndo, tarefas como essas podem ser feitas em um piscar de olhos. Havia mais uma funcionária de algum outro departamento dentro do elevador e, fitando-me de escanteio com o seu cabelo hidratado e seu terninho de grife, ela provavelmente estava percorrendo um rio de julgamentos em sua mente contra a minha pessoa naquele momento.  

Bem, dane-se ela, porque não é essa bonita quem paga o meu salário. 

Já havia um movimento considerável no meu andar, porém ninguém realmente notou a minha chegada. A secretária de Park Jimin e a do pai dele tomavam um café na sala dos funcionários um tanto despreocupadamente, o que indicava que nenhum dos dois estava na empresa naquele momento. Uma parte de mim se permitiu respirar aliviada e a outra, por sua vez, sentiu a revolta do proletariado que precisa ser sempre pontual para agradar chefes que chegam no mínimo com duas horas de atraso.  

Socorro, eu preciso parar de conviver com Naeun e sua estranha fixação por Karl Marx. 

E assim se seguiu a minha manhã, monótona e segura. Meus olhos passaram horas e mais horas fixados em planilhas e análises numéricas e, já na hora do almoço, eu juro que poderia atirar pela janela qualquer um que falasse sequer as horas do meu lado. Sabe, ver todos aquele milhões de wons de gastos e lucros na minha frente e não poder por sequer a unha do meu dedo mindinho neles era, no mínimo, um tanto frustrante.  

Ser honesta é uma verdadeira bosta

— Você é Jeon Soojin, certo?  

A voz feminina fez com que eu me desviasse dos meus pensamentos corruptos — brincadeira, gente — para direcionar meus olhos na direção de sua dona. Tratava-se da secretária de Jimin, uma mulher um pouco mais velha do que eu e umas dez vezes mais exuberante. Digo, eu sou muito bonita e adoro saber disso, mas devo reconhecer as outras belezas da vida também.  

Não que isso tenha alguma relevância para a história. 

— Sim. — respondi, cumprimentando-a com uma rápida reverência.  

Eu havia sido apresentada a todos os funcionários no dia anterior e meu nome estava escrito no crachá pendurado no meu pescoço, mas eu ainda assim fiz a cortesia de respondê-la educadamente.  

Já a mulher, por outro lado, me encarou dos pés à cabeça sem nenhuma cerimônia.  

— O vice-diretor Park gostaria de vê-la em sua sala. — ela basicamente me intimou e, em seguida, indicou com um gesto que eu deveria segui-la naquele exato momento.  

Quem não gosta de um pouco de autoritarismo no ambiente de trabalho, não é mesmo? 

Ergui meu traseiro que já estava pensando no horário de almoço que eu estava prestes a perder e comecei a caminhar atrás da tal secretária — Yon Jihae, o seu nome. Ela me guiou até a sala de Jimin, cuja eu já sabia a localização, e abriu a porta para que eu entrasse. De repente, por algum motivo idiota, eu senti um enorme frio na barriga. Pigarrei, limpando minha garganta para tentar me livrar daquele nervosismo sem sentido, e comecei a caminhar para dentro do escritório do Park. 

A porta atrás de mim foi fechada e eu logo avistei Jimin em sua mesa, no canto esquerdo da sala.  Ao contrário do que eu esperava, ele não parecia nem um pouco concentrado na pilha de papéis que deveria analisar e provavelmente assinar e, por isso, não demorou sequer um par de segundos para que notasse a minha presença e rapidamente se levantasse.  

Mas o que diabos ele queria comigo, afinal de contas? 

A minha curiosidade era tanta que eu acabei não dizendo nada, o que aparentemente o deixou nervoso. Bem, eu suponho que ser analisado em silêncio pelo meu olhar desconfiado realmente não deva ser algo muito confortável.  

— Você já almoçou? — ele iniciou, o que me fez arquear uma sobrancelha. — Quero dizer, você saiu daqui ontem sem nem provar a comida. 

Ah, o sushi. Só de lembrar daquele belo peixe cru que eu havia deixado para trás, eu tinha vontade de voltar no tempo e sacudir a Soojin de ontem até ela parar de palhaçada.  

— Não, eu ainda não almocei. — respondi, por fim. —  Mas fiz planos de almoçar com uma amiga, então... 

Então que Jeon Soojin nunca para de palhaçada, caro leitor

Não completei a frase, pois me doía rejeitar uma das minhas comidas favoritas por motivos de: seria extremamente desconfortável ter uma refeição com Park Jimin naquele momento. Se nós não caíssemos num enorme buraco negro de silêncio, terminaríamos conversando algo como “Então, você acha que invadiu a minha casa no meio da noite por uma porta ou uma janela?”

Não, aquilo seria o cúmulo. Eu havia comido sushi ontem de qualquer jeito, então aquela trágica conversa poderia ser evitada sem pesar tanto a consciência da minha barriga.  

— Entendo. — ele concordou, balançando a cabeça. Deu alguns passos para frente e, ainda a alguns bons metros de distância de mim, recostou-se na quina de sua mesa de madeira maciça. — Eu mandei chamar você aqui porque nós não terminamos a nossa conversa hoje de manhã. 

— Certo. Você disse que havia um jeito de provar que essa história de sonambulismo é verdade. — completei sua linha de raciocínio, pois aquela conversa precisava ser agilizada se eu quisesse saciar a minha curiosidade e almoçar ainda na próxima hora. — Que jeito é esse? 

Durante alguns instantes, Jimin encarou o carpete bem cuidado de seu escritório. Pareceu ponderar alguma coisa, contudo, logo voltou a me fitar. 

— Existe um exame chamado polissonografia, feito para estudar o sono de alguém. — respondeu. — Basicamente, a pessoa dorme em um laboratório de sono ligada a uma porção de fios e é observada a noite inteira. Esse exame é feito para diagnosticar muitos distúrbios do sono, inclusive casos mais graves de sonambulismo.  

— E você já fez esse exame? — indaguei, já imaginando que ele puxaria de alguma gaveta uma papelada cheia de gráficos sobre o seu sono, dos quais eu provavelmente não entenderia nenhum. 

Bem, já ter ouvido falar do tal exame uma vez não me tornava exatamente uma especialista no mesmo. 

Contudo, a resposta que recebi não foi exatamente a que eu esperava. 

— Não, nunca. — disse. — Mas eu marquei para fazer essa noite e, se você quiser mesmo ter certeza de que estou falando a verdade, pode me acompanhar.  

Espera aí um minutinho.  Se Park Jimin sofre mesmo de um caso tão peculiar de sonambulismo como ele tanto afirma, então por que diabos já não fez esse exame? Como ele sequer iniciou um tratamento médico sem ter começado pelo básico, que era o diagnóstico?  

Como diria uma falecida tinha minha, tinha um caroço muito cabeludo naquele angu.  

Durante um momento, eu pensei nas minhas opções — contudo, sinceramente, não havia muito a ser cogitado. Eu estava encurralada em um beco sem saída segurando nas minhas mãos um problema aparentemente sem uma solução rápida, era extremamente curiosa e, de bônus, adorava um angu

— Tudo bem, eu vou com você. — concordei, por fim. Ele pareceu surpreso por eu ter o feito sem nenhuma objeção, mas se conteve. — Você só precisa me dizer o endereço da clínica e o horário que eu posso chegar lá.  

Jimin rapidamente arranjou um pedaço de papel no meio do caos que era a sua mesa e começou a escrever alguma coisa ali. Caminhou até mim e estendeu a pequena folha na minha direção e, quando eu a alcancei, vi que ele havia colocado nela um tanto desajeitadamente as informações que eu havia pedido.  

— Você ainda não me contou o que eu disse quando lhe abracei. — falou de repente, sem soltar o pedaço de papel.  

Ele segurava em uma ponta da folha e eu na outra, como se estivéssemos fazendo um cabo de guerra mental com o papel. Bem maduros, obviamente. Naquele momento, eu tive que pensar bem em qual seria a minha resposta. Eu poderia mesmo confiar nele e contar aquela informação que ele parecia querer tanto saber?  

A resposta era um tanto simples, na verdade. 

Não, porque segurá-lo nas minhas mãos era o mais sábio a se fazer naquele momento. 

— Eu conto se você conseguir provar que a sua história de sonambulismo é verdadeira. — respondi.  

Ele bufou, deixando cair os ombros — compreensível, levando em consideração que não é nada fácil ter que lidar com a minha pessoa. 

— Tudo bem. — concordou, por fim. — Vejo você hoje à noite, Jeon Soojin.  

 


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Nos vemos em breve (nos comentários, eu espero inocentemente).

Até breve ♥