Do amor ao oceano escrita por Miss Koroleva


Capítulo 5
Céu Estrelado




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Marinette passou o primeiro dia de sábado dentro do esperado para a normalidade,ajudando seus pais na padaria e,próximo ao final da tarde,deu uma desculpa de que iria dar uma volta pela cidade. Precisava espairecer antes de revê-lo.
Nice começava a apresentar os primeiros sinais da chegada do outono,ornando toda a cidade com o desfolhar de milhares de árvores pelos caminhos. Chutou algumas folhas coloridas que caíam na rua aonde passava,um pouco pensativa.
— "Será que isso tudo é verdade?…"
Parou por algum tempo numa rua menos movimentada,deixando a cabeça pender para trás tentando olhar o céu ensolarado,mas que não conseguia efetivamente aquecer a localidade. - Por quê justo agora essa desconfiança?… Você já ouviu história de pescador bem mais absurda que isso! - Por alguns instantes fechou os olhos, sentindo a tensão se dissipar,permitindo-se respirar devagar,seu coração voltar ao compasso.
Precisava encontrá-lo antes que enchesse a cabeça com teorias absurdas.
Tão logo abriu os olhos,prosseguiu rápida na caminhada,em direção á região costeira da cidade. A baía do entorno estava completamente vazia, permitindo-se contemplar ainda mais a ornamentação das rochas em meio água azul esverdeada do mar,o qual se mesclava em alguns pontos com a luz direta do sol,gerando um reflexo forte,como se incidisse em um espelho. Uma vista para poucos dias,há de se dizer.
Quando chegou ao cais,no mesmo local combinado anteriormente,resolveu se sentar no chão,esperando-o emergir,enquanto observava o local. Não muito diferente do restante do local que passara, exibia um horizonte bem mais próximo,com a água inteiramente translúcida, tanto que sequer conseguia observar o próprio reflexo sem vislumbrar imediatamente sua sombra se formar ao fundo,desenhada em meio a alguns peixes que nadavam fora do cardume.
— Você veio…! - A voz de Adrien se fez presente,causando uma reação imediata da mestiça,que virou rápido a cabeça na direção. - Desculpa,não queria te assustar!
— Relaxa,tá tudo bem! Eu só não te vi chegando… - O tritão se aproximou de onde ela se encontrava - Pensou que eu ia esquecer?
— Na verdade sim… Achei que… Não fosse voltar mais…
A jovem desviou o olhar,sorrateira,sorrindo discretamente. - Eu sempre mantenho minha palavra… Além do mais, você está me devendo uma resposta!
— Eu? Te devendo uma resposta? - Riu. - Sobre o quê,M'lady?
— Sobre você ter conseguido queimar a rede… Como fez aquilo? - Lançou-lhe um olhar inquisitivo.
— Te respondo se você puder responder uma pergunta minha depois. - Sorriu ladino.
— Por mim tudo bem! Questione o que quiser.
— Certo… Pra sua pergunta,a resposta é bem simples: Magia! - Ele deu uma curta pausa,esperando pela reação confusa da ouvinte. - Magia existe,tanto quanto você consiga imaginar, Marinette.
— Uau… Tá,essa era a última coisa que eu estava esperando ouvir hoje,mas… Como isso funciona,afinal?
Ele abnuiu, travesso. - Eu já lhe dei a sua resposta,agora é a minha vez! - Marinette acabou concordando,em certo desagrado pela réplica incompleta. - O que estava fazendo no meio do mar aquele dia ?
Pensara um pouco e decidiu dar o troco na mesma moeda. - Estava salvando animais,oras.
O rapaz riu. - Só isso? Estava lá de curiosa?
— Não,eu estava á trabalho. Mas você vai ter que me responder direito,se quiser a informação inteira!
Ele bufou,contrariado. - Tá bem,me pegou! Eu controlo essa magia e canalizo ela quando preciso utilizar. Posso destruir qualquer coisa que tocar quando chegar ao limite da energia!
Ela voltou o restante do corpo em sua direção
— Qualquer coisa mesmo?
— Sim,qualquer coisa! - Resolveu usar o espanto da mesma como brecha. - Agora que eu respondi, você pode me explicar melhor?
— Justo... Eu trabalho num centro de preservação ambiental,sou uma oceanógrafa. E aquele navio estava pescando numa das regiões que cercamos,ou seja,era um infrator. Eu só o fiz pagar do jeito certo.
Ele arqueou a sobrancelha. - Você é uma o quê?
— Oceanógrafa. Alguém que estuda e cuida da preservação dos mares,rios,lagoas e regiões costeiras. Digamos que eu conheço de tudo!
Adrien havia se mostrado surpreso com sua resposta. - Eu não sabia que os humanos também protegiam… Sempre ouvi que vocês detinham uma crueldade massiva e destruíam tudo por onde pisavam.
Marinette acabou fechando a expressão, melancólica. - Infelizmente não posso discordar de você,a maior parte dos seres humanos realmente não se importa… Mas existem exceções,há muita gente preocupada com a natureza e com o equilíbrio desse bem estar. E eu faço parte disso! Quero acreditar que estou fazendo meu máximo para salvar algo tão precioso… - Ela inspirou profundamente,sentindo o cheiro da brisa marítima. - Sempre tive um encanto extraordinário pelo mar,não posso deixar a ganância vencer assim ...
Adrien fitava a moça de cabelos escuros,impressionado por tudo que ouvira. - Eu realmente não me enganei sobre você,Marinette. Deve ser alguém muito sensata. E proteger todos esses locais,como você me disse,parece ser difícil!
Ela sorriu. - Difícil sempre será,mas se eu puder fazer a diferença, já é o suficiente. Eu também sei muito sobre navegação, então aprendi umas técnicas práticas e bem legais. - Baixou as costas em direção ao estrado da construção,deitando e apoiando a cabeça com um dos antebraços,estendendo o outro direção ao sol poente. - Chega mais perto,vou te ensinar a ver as horas. - Adrien se aproximou do braço esticado da mestiça,observando-a ao fundo dos olhos,que,num único momento de relaxamento,notou como seu brilho parecia refletir a luz da lua no mar durante a noite. Com certeza,era a primeira vez que via olhos tão bonitos assim. Parou de divagar quando a escutou falando novamente. - Certo,primeiro se coloca o dedo indicador na posição da linha do horizonte,alinhando a sua mão até que o último dedo atinja o sol. Cada um deles vale quinze minutos,então,como agora temos dois dedos de distância entre os dois,eu estimo que ele vai se pôr em trinta minutos. Fácil,não?
O tritão encostou os ombros no cais,ficando de frente para o céu alaranjado,repetindo o processo com a mão direita. Parecia simples,mas não entendia como era possível que ela soubesse com tanta precisão quando ia escurecer. - Isso funciona?
— Normalmente,sim. Mas em meia hora a gente vai descobrir se eu estava certa. - Emitiu uma risada descontraída,apoiando o braço que usara sob a barriga. - Não tem problema você ficar depois que escurece?
Tomou alguns segundos em silêncio - Não. Por que teria?
— Não sei,talvez sua família fique preocupada. A minha ficaria se eu fosse mais nova!
Ele franziu o cenho,levemente desconfortável. - Eu não acredito que meu pai se importe com algo assim…
Marinette notou a voz destoante do rapaz. - Vocês não se dão bem?…
O loiro a olhou de soslaio,apoiando a cabeça entre os braços - Não exatamente… Ele quase não fala comigo,pra ser sincero. Eu me sinto sozinho mesmo com ele ao lado,é uma relação muito fria… - Descansou a cabeça sob o antebraço esquerdo, olhando diretamente para a jovem. - Muita coisa mudou desde que a minha mãe sumiu…
Marinette engoliu em seco,voltando a se sentar,causando uma pequena quietude entre os dois. Estava pensando na coisa certa a se dizer. - Sinto muito… Sei que não é a mesma coisa,mas também entendo o quanto a dor da perda tumultua a cabeça de alguém. Talvez seja apenas o jeito dele de lidar com isso…
— Afastar o próprio filho não é a melhor coisa que ele poderia fazer… - Ele se remexeu desconfortável,ainda observando-a. - Mas e você? O que houve contigo para que me dissesse algo assim?
Ela devolveu o olhar amuado ao tritão. - Eu perdi minha avó faz algum tempo… Ela morreu num acidente estranho de barco. - Adrien abriu os olhos,espantado. - Foi ela quem me fez descobrir todas as minhas paixões,uma das pessoas mais importantes da minha vida… Tudo foi muito súbito... Até hoje ninguém consegue explicar direito o que houve,é sempre cheio de controvérsias…
Ele baixou o olhar. - Meus pêsames… Mas sei que ela se orgulharia de quem você se tornou,se me permite dizer. Você parece ser muito gentil.
— Obrigada,Adrien… - Ela sorriu de canto,aguardando alguns instantes para prosseguir. - Posso te fazer outra pergunta?
— Ás ordens, M'lady!
— O que você quis dizer com "Eu não estava errado sobre você"?
— A-ah,bem… Eu tive um pressentimento á seu respeito… Mais precisamente no dia que nos encontramos pela primeira vez. E ele me dizia que você não era alguém ruim. Eu não sei explicar,na verdade… Era apenas uma intuição,mas eu queria tentar... - Marinette ouvia atenta,ainda segurando a vontade de dizer que aquela era a segunda vez que o via. A primeira havia sido em seu sonho,mesmo que ainda não soubesse. - E eu não tenho muitas pessoas para conversar assim… Então não havia muito o que perder. - Ele coçava a nuca,sentindo seu rosto se aquecer.
— Isso é realmente triste,se quer saber. Digo, você deve levar uma vida incrível e ela é solitária deste modo… Mas fico feliz por saber que me acha uma boa pessoa!
— Difícil não achar depois de hoje. Mas talvez sua vida deva ser mais incrível do que a minha,afinal,eu não transito entre o mar e a terra… É algo certamente indescritível ! - Ela lhe devolveu um sorriso,complacente. Quando notou que a luz natural começava a se esvair, observou deslumbrada a mistura de cores no horizonte,que trazia consigo a lua e a noite. - Acho que você acertou a sua previsão,Marinette.
A jovem olhou no pequeno relógio que trazia em seu pulso - Sim… E agora que eu já te ensinei, você também vai saber quando a noite chegará!
Ele anuiu com a cabeça,observando os jogos de luzes refletirem no cabelo dela,que transitava entre o castanho escuro e algumas tonalidades de preto azulado,sendo penteados pela leve brisa da região. Detinha certa curiosidade de saber se eram parecidos com os seus ou mesmo se tinha uma textura diferente. - E como faria para ver as horas durante a noite, M'lady?
— Sem o sol ou um relógio mesmo,estimar o horário preciso é complicado… Mas,eu pelo menos,sei de dois jeitos: Com as estrelas e com a lua. Particularmente,não gosto do último,pois em período de lua nova não tem serventia,já que o céu fica limpo. Mas no método das estrelas é algo mais simples. - Ela procurou em um dos bolsos de sua calça um objeto,retirando-o de dentro com o seu punho fechado. Espalmou a própria mão, mostrando-o ao rapaz com olhar curioso. - Isto é uma bússola, Adrien. É um item que ajuda a me localizar em qualquer ponto do planeta Terra.
Ele tocou a superfície de vidro com a ponta dos dedos,observando a agulha se mover devagar,levando um pequeno susto. - Tem uma coisa viva aí dentro! Está se movendo,Marinette!
Ela riu com gosto, deixando-o com a expressão ainda mais confusa. - Não é isso,Adrien. Não há nada vivo dentro! Isso aqui é uma agulha. Ela sofre ação do campo magnético terrestre. Daí,conforme eu me mexo no espaço - Começou a mover a mão que a segurava,intentando mostrar os giros. - Essa agulha vai localizar o pólo sul magnético e apontar o norte geográfico. E com base nisso,eu posso me orientar.
Os olhos verdes do tritão ganharam um brilho distinto - Que incrível!… Isso é… Surreal… - Ele pegou o objeto com as mãos em concha,girando-o em torno do próprio eixo,enquanto olhava a rotação sob a mira divertida da oceanógrafa. Virou-se novamente na direção dela,entregando com cuidado o pequeno item. - Como vocês rastreiam algo que não dá pra ver?
— Nós não enxergamos,mas o magnetismo tem uma percepção razoavelmente forte em quase tudo. Nós só aprendemos como usar e aprimoramos em artefatos. Quer que eu te ensine a ver nas estrelas?
De repente,Adrien apoiou ambas as mãos no chão de madeira e,com certa força,ergueu o corpo,de modo que pudesse se sentar ao lado da mestiça,deixando apenas a parte inferior da cauda imersa na água. O visível ganhava agora um brilho sumptuoso,completamente negra refletindo a luz da lua,já alta no céu, com as barbatanas laterais e algumas escamas pouco abaixo do abdome ganhando um brilho verde contrastante. - Claro! Acho que… Desse jeito eu consigo ver melhor o infinito… - Disse,voltando o rosto para o céu.
Marinette estava pasmem,jamais tinha visto algo tão bonito,pois debaixo d'água parecia visualmente diferente. Já sob a luz pareciam pequenas pedras de Turmalina,reluzindo em diversos tons,conforme a intensidade. - Certo… - A um leve chacoalhar da própria cabeça,despertou de seu transe,voltando a deter a típica atenção. - Pra começar,olhe para o norte da bússola,aqui á frente. - Disse,esticando o braço á frente,levemente inclinado para cima. - Precisa achar uma constelação chamada de Ursa Maior. É aquela,feita por sete estrelas, com um formato quadrado e uma pequena linha ligando pelo lado esquerdo. Encontrou? - Ele respondeu que sim,apontando a mesma formação. - Ótimo! Agora nesse lado direito,a partir da última estrela da ponta,conta cinco estrelas,subindo. A última,bem brilhante e visível,é a chamada Estrela do Norte. É aquela que vamos usar. Segura! - Ela passou a bússola para as mãos do loiro,enquanto retirava de seu pulso esquerdo um relógio com mostrador analógico,mostrando-o em sequência com um dos dedos. - Isto é um relógio. A princípio,eles servem para mostrar as horas sem depender de tudo que estamos fazendo. Vê que tem doze números aqui? São as doze divisões da hora,de meia-noite até meio-dia e depois de novo,do meio-dia até meia-noite. - Estava atento a todas as instruções,interessado em cada palavra que ela lhe ditava. - Sabendo disso,podemos transformar o céu num enorme relógio!
— Mas como?!
— Precisa ser criativo,Adrien. A Estrela do Norte é o ponto de partida desse relógio,ou seja,o número doze. A partir daqui,em círculo,precisa dividir em mais onze partes e depois saber que dia é hoje. Daí em diante teríamos que fazer uma pequena conta pra achar a hora,mas não acho que seja útil eu te ensinar isso nesse momento. - Ela riu,emitindo um pequeno bocejo e tampando a boca na sequência. - Se você souber usar o truque da mão durante um dia de sol,já resolve.
— Entendo… Mas,de qualquer forma,gostei de saber que algo assim existe. E melhor de tudo,de ver o quão inteligente você é! - Lhe deu uma breve piscadela,causando um leve rubor na de cabelos escuros. - Acho que já está cansada,não?
— Acertou,estou sim. Fiquei quase o dia inteiro ajudando meus pais no trabalho deles e ainda vim correndo pra cá. Fora que explicar tudo isso pra você foi cansativo,eu não costumo usar muito essas táticas... Mas é sempre legal aprender algo novo,não?
— Com certeza. Eu...Posso fazer uma última pergunta? - A mestiça assentiu. - Você e a sua família se dão bem?
— Muito. Meus pais são carinhosos e bastante atenciosos… Mas sempre que preciso resolver algo sozinha,eles me dão espaço para tomar minhas próprias decisões... Por quê essa pergunta agora?
— Nada,só curiosidade… Queria saber como é ter uma família unida,mesmo que apenas por um relato. - Marinette sentiu pena. No fim,ele só gostaria de conversar com alguém,tentar fugir da infelicidade que a solidão podia ocasionar. - Bom,talvez seja melhor você ir… Não quero te segurar aqui e imagino que você precise descansar. Volte bem para casa, M'lady. E obrigada por ter vindo me ver… - Ele sorriu em gratidão,seus lábios tomando boa parte do rosto em um arqueamento.
— Eu gostei de ter vindo. Você é uma ótima companhia,Adrien... - Ela se levantou,enquanto o tritão voltava para a água. - Então… Nos vemos amanhã?
Ele pareceu se assustar com as palavras. - É sério? Você voltaria mais uma vez?!
Devolveu o sorriso,empolgada. - É claro… Ainda é domingo,posso tentar chegar mais cedo,se for melhor. Só não poderei ficar até muito tarde,porque tenho que trabalhar na segunda!
— Como quiser!
— Perfeito. Vou estar aqui faltando dois palmos entre o sol e o horizonte então! - Movimentou as mãos,unindo-as lado a lado,em demonstração.
Adrien estendeu a mão em sua direção e,quando ela ofertou uma para cumprimentar,ele a segurou com leveza,dando-lhe um pequeno beijo nas costas de sua mão, soltando-a logo após. - Nos vemos amanhã então, Marinette… Tenha uma boa noite!
— Boa noite para você também,Adrien!
E então,como num piscar de olhos,com o mesmo barulho de uma onda quebrando nas rochas próximas,ele desapareceu,voltando para um lugar que Marinette nem sequer fazia ideia da existência.
Recolocou o relógio novamente: 20h00. Todo seu cansaço diminuiu durante o trajeto,em que pensava sobre os pequenos detalhes: As reações,ora contidas,ora exacerbadas,do rapaz,alguns assuntos de sua conversa,o interesse com coisas que,para ela,eram considerados banais…

Ele era complexo. E,talvez,mais cativante do que ela previa a princípio.

 


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