O IMPÉRIO DOS DRAGÕES escrita por GONGSUN QIAN


Capítulo 2
{Capítulo I}


Notas iniciais do capítulo

Notas do capítulo:

O símbolo do sol a da lua era muito comum nas dinastias, o símbolo da força do rei. O sol e a lua abraçados significa claridade imperial, ou seja, o império justo e forte, abençoado pelos deuses. Por isso a família real bordava esse símbolo em suas roupas, assim como o dragão, que era o símbolo máximo do poder do imperador.
Dianxia: alteza
Yang 'Er: Apelido de Mei Yang.



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— Há deuses entre nós. Há muito tempo eles vagavam pela terra em uma forma humana buscando corpos para possuírem. Alguns diziam que eles se alimentavam da energia vital dos mortais para ficarem mais fortes e subirem de nível como deuses. Mas, a verdade é que eles vinham a terra para adquirir conhecimento dos nossos sofrimentos. Eles assumiam a forma humana por um tempo e andavam pela esfera mortal passando pelas sete provações mundanas. Os deuses eram seres que não conheciam a dor da morte, nem da perda, tampouco da fome ou miséria, logo as dores para eles eram meras futilidades da vida, contudo quando assumiam a nossa forma e passavam pelo escárnio mortal, os deuses absorviam para si o caráter humano, bondade, sabedoria e mais energia espiritual, e no fim voltavam vitoriosos aos céus elevando sua posição hierárquica. Agora mesmo, qualquer um de vocês podem ser um deles, com poderes e memórias seladas...

— Tolices! — falou a Jovem princesa herdeira já cansada daquele discurso de Mi Gu, seu tutor. A princesa era uma jovem impaciente, rebelde e com a cabeça de uma menina iniciando sua juventude à espera de um bom casamento. Ela parecia ignorar o fato de carregar o trono de Naran nas costas e um dia, se o atual rei faltar, ela ter que assumir a responsabilidade para com o povo. Entretanto, para o total desespero de seu jovem tutor e todos os seis Estados, Mei Yang era uma cabeça de vento.

— Por que diz que é Tolices, Dianxia*? Os conhecimentos dos antepassados são preciosos.

—— Não existe deuses, nem espírito. Somos todos carne! Meu pai diz que essas histórias que estão escritas nos velhos livros dos antepassados de Naran são tolices para enganar homens de mente fraca. — Mi Gu fechou os olhos por um breve momento e esfregou sua têmpora procurando palavras certas para não ferir o ego inflado e sensível da princesa.

— São apenas histórias, Dianxia*. Saber sobre seus antepassados é crucial para seu desenvolvimento como futura rainha de Naran. Terá que governar com bondade, sinceridade, imparcialidade. Todos esperam muito do seu reinado. — Mei Yang rolou os olhos e dobrou seu pergaminho já cansada da aula e de todo esse peso que sempre colocaram em suas costas.

— Ela não precisa saber dessas falácias de deuses. Isso são lendas idiotas que os povos antigos, que não tinham o que fazer, inventavam. A princesa irá herdar o trono e precisa estar a par dos assuntos do Estado. Ou ela irá governar Naran com um livro de mitos nas mãos? — Amon, o filho mais velho do rei que quase nunca falava durante as aulas, finalmente se pronunciou. Ele estava sentado em uma esteira trançada com uma mesa de colo onde estava seus pergaminhos e pincéis que raramente usava. Amon sempre ignorava os ensinamentos de Mi Gu de propósito, era uma forma de mostrar seu desdém pelas aulas ministradas por alguém da mesma idade que ele. Afinal, Mi Gu, apesar da pouca idade, era um homem estudioso e reconhecido pelo próprio rei de Naran como um grande sábio e isso era suficiente para com que muitos jovens, inclusive o príncipe Amon lhe desprezasse.

— Os antepassados de Naran tinham muita sabedoria para passar. A princesa vai precisar de todo conhecimento para ser uma gentil e sincera governante, quem sabe assim ela possa desatar os olhos e enxergar que há inimigos bem ao lado dela. — Mi Gu sustentou o olhar frívolo do primeiro príncipe. Aquelas palavras foram totalmente direcionadas a ele.

— Aprender com os mesmos antepassados que acreditavam que existiam dragões espirituais, deuses que vagavam pela terra, fadas... — Amon soltou um riso debochado e bebeu um gole da sua água e voltou ao seu antigo estado nas aulas, total inércia e desinteresse. Mi Gu respirou fundou e olhou para os outros dois filhos mais novos do rei e sorriu para eles. Amon, de todos os três era o mais problemático, e sempre trouxe uma certa desonra para sua casa, vagando de Estado em Estado como um moribundo a procura de casas noturnas sustentando seu prazer no vício e sempre negando as ordens do rei. Era uma sorte que ainda estivesse vivo e sorrindo como um ar zombeteiro para aqueles que viviam a sua volta, como se todos fossem meros serviçais que deviam lamber seus pés e lavar suas costas quando bem lhe aprouver.

Depois da leve insinuação de Amon, a aula correu rapidamente para o fim. O dia estava calmo, o que foi perfeito para ministrar a aula, que geralmente são dentro de um salão quente e apertado. Ao lado de fora, sobre a Ponte do rio Pu xiang, que saía de dentro dos muros do Palácio para toda Naran trazia de certa forma uma leveza e reflexão aos ensinamentos. Aquela atmosfera primaveril carregada de cerejeiras cercando toda a magnífica construção de madeira escura, opaca e muito bem conservada que formava o enorme Palácio de Naran era uma forma de amenizar suas aulas que parecia maçante para os três jovens. A água correndo calmamente embaixo da ponte fazendo um som baixo e melódico de harmonia com os cantos dos pássaros nativos da região dava paz ao coração do jovem tutor. Aquilo era alegre, quente como um sol ameno no dia de inverno rigoroso.

Mi Gu viu quando Mei Yang jogou suas coisas de lado, ajeitou seu vestido de seda rosa com pequenos bordados de flores do vale e em suas costas ostentava o bordado do sol e da lua*, símbolo da claridade imperial, e ajeitou sua vara de madeira com pequenas pedras vermelhas que sustentava parcialmente seus longos cabelos negros escorridos, e se preparou para sair, mas antes ele a segurou.

— Onde pensa que Vai, dianxia? — a princesa bufou para o jovem tutor — Seu pai deu ordens expressas para que participasse da reunião do conselho. O Estado de Naran é o mais forte, destemido, mais rico e poderoso entre todos os seis. Como pretende governar se não sabe sobre os assuntos do governo?

— Vou governar com bondade e gentileza no coração, agora me deixe ir?

— Claro que não! Qualquer coisa que vá fazer agora pode esperar. A reunião já vai começar.

— Por que eu tenho que ser a princesa herdeira? Amon é o mais velho, ele pode governar...

— Você é a princesa, o seu sangue é o escolhido pelos deuses, sabe o que isso significa? Sua mente tem que estar voltada para o seu dever. Naran não é o único Estado que dependerá de você. Assim que assumir o trono saberá o peso das suas responsabilidades e me agradecerá por estar lhe arrastando para a reunião do conselho. Sabe que estamos a ponto de uma guerra? E Naran é o principal poder militar nisso tudo? — Mei Yang arregalou os olhos ao ouvir a palavra "guerra". Se o exército de Naran estava caminhando para um possível confronto, isso queria dizer que...

— Mi Gu, com quem Naran irá lutar? — o jovem rapaz estreitou os olhos para a princesa e seu repentino interesse nos assuntos do governo.

— Não existe exatamente o  "com quem vamos lutar", lembre-se de que Naran é uma nação com um grande exército, poderia eliminar muitos se quisesse. No entanto, nossa função é manter o equilíbrio caso haja uma guerra.

— Isso quer dizer que nenhuma guerra haverá no palácio caso seja evitada?

— O Estado de Naki é nosso vizinho e parceiro comercial, fornecemos o nosso plantio e em troca eles nos fornecem ferro para a produção das nossas armas. Porém, o Estado de Naki é fraco, seu poder militar e econômico é muito inferior a outros Estados, como Kase, que é grande e forte e acometem ataques constantes ao pequeno pedaço de terra vizinho. Então, além de trocar nosso cultivo, damos também suporte militar para guardar as fronteiras de Naki.

— Onde se encaixa a guerra em tudo isso? — Mei Yang parecia aflita e ávida por respostas.

— Lembra o que te ensinei nas nossas últimas aulas, sobre a desunião dos povos? — a princesa rolou os olhos e cruzou os braços num gesto de impaciência. Mi Gu estava enrolando demais aquela história e precisava saber rapidamente sobre essa possível guerra. — A desunião traz ataques, cada Estado está por si só, mesmo Naran tendo a maior parte dos Estados como aliados, Sunri, Kase e Yate são inimigos e estão se unindo contra nós e o principal alvo no momento é Naki. O objetivo desses três Estados é retirar o máximo de força de Naran para então enfraquecer nossas tropas e o nosso tesouro. Se esse conflito não puder ser resolvido de forma pacífica, iremos entrar em guerra juntamente com Naki.

— Não! — Mei Yang exclamou estarrecida. Se houvesse uma guerra todos iriam para o campo de batalha e poderiam não retornar. — Não pode haver uma guerra! O que posso fazer para que não aconteça isso? — Mi Gu por um momento sorriu pela determinação da princesa em querer parar uma guerra, porém aquele confronto estava longe de qualquer alcance de suas mãos. Era um conflito entre Estados que se odiavam muito antes dela nascer e possivelmente aquele confronto não poderia ser parado, e na visão sábia do tutor, tudo aquilo geraria outra guerra e poderia levar toda pacificidade que viveram pelos últimos vinte anos, pelos escombros.

— Você é a futura rainha de Naran, procure respostas aqui — Mi Gu apontou o dedo para a cabeça da princesa — Não há nada melhor que uma boa mente pensante, mas nunca se esqueça do coração.

Sons de risadas chamaram a atenção de Mei Yang. A princesa sentiu seu coração saltar dentro do peito de uma forma descomunal. Aquela risada grossa e bela que ecoava como cantos mui belos poderia ser facilmente reconhecida em qualquer canto no mundo. Era ele, era ele...

— Mi Gu — a figura forte e sorridente do general Qiang Mao surgiu de repente entre o tutor e Mei Yang fazendo uma breve reverência de chegada, deixando a princesa completamente abalada.

Qiang Mao ainda era o mesmo depois de três anos guardando a fronteira de Naran. Seu sorriso fácil e sua personalidade invasiva agradava todos onde chegava. Aqueles olhos negros, que brilhavam a cada palavra proferida parecia resplandecer seu rosto másculo e calmo, suas formas leves, como seu porte elegante parecia desenhar perfeitamente com seus cabelos lisos longos presos num coque com um grampo de ouro formando um dragão, símbolo da soberania de Naran. Qiang Mao era um homem de elite e demasiadamente desejado pelas mais belas damas de todos os Estados. E isso não era diferente com Mei Yang. Apenas com a forma que encarava o general deixava claro seu intenso amor.

— Qiang Mao, quanto tempo... Não me diga que está aqui apenas pelas festividades de encerramento?

— Digamos que estou aqui por isso e algumas coisas à mais. — Qiang Mao sorriu desconcertado e ajeitou sua capa preta presa em seus ombros pela armadura dourada e fez um breve aceno de cabeça para Mi Gu antes de partir, mas uma mão segurou a ponta da sua capa o fazendo estagnar no caminho. Quando o general se virou e percebeu que a pessoa que puxava sua capa era uma criança bem vestida com uma beleza extremamente delicada e mãos leves, sorriu verdadeiramente deixando suas formas mais belas que o normal.  Então, seus olhos se atentaram ao desenho bordado em suas vestes, o sol enrolado na lua quase se fundindo em um. Qiang Mao soube no mesmo instante que era aquela criança, a princesa Herdeira. — Yang'Er, quanto tempo, estás crescida...

— Mesmo? — o rosto de Mei Yang queimou na hora, a simples presença de Qiang Mao a fazia suspirar. Agora que ele estava de volta ela não sabia reagir diante de sua presença.

— Sim, mas agora eu tenho que ir, mais tarde eu brinco com você. — Qiang Mao apertou as bochechas da princesa de forma cômica e sorriu se afastando com sua tropa. Com certeza estava caminhando em direção a reunião do conselho para notificar o rei pessoalmente os acontecimentos nas fronteira nos últimos três anos em que ficou longe.

Mei Yang ficou parada como uma estátua encarando a figura alta e forte de Qiang Mao sumir pelas portas do palácio. Seu coração ainda palpitava de desespero pelo retorno do seu amor de infância, contudo, para sua eterna vergonha, ele só a via como uma criança tola.

— Agora entendi suas preocupações com a guerra — Mi Gu se abaixou um pouco até ficar cara a cara com ela e sorriu de canto revelando covinhas que ela nunca tinha reparado. — Dianxia está apaixonada pelo general.

— E-eu? N-não! Nunca! — Mei Yang balançava a mão no ar num gesto de desconforto. Estava óbvio suas intensões para com o general, porém estava mais claro ainda as intenções dele para com ela.

— Dianxia, foque apenas no seu dever com o trono, isso é o mais importante no momento. — Mei Yang encarou Mi Gu andar lentamente em direção a salão do conselho e o seguiu. Ela tinha que focar em seu dever, mas ela não queria o trono. Era injusto com ela, fazê-la ter algo que não queria!

Assim que os dois atravessaram o pátio florido com o lago cheio de patos que saía ao lado do palácio dando uma visão estarrecedora pela manhã ensolarada, Mei Yang suspirou e subiu as longas escadas de madeira com leves detalhes vermelhos que combinavam perfeitamente com o telhado, as cores do império de Naran, o simbolo do Dragão vermelho da honra e virtude. E quando parou de frente a porta dourada do salão, um guarda vestido de preto segurando uma lança abriu anunciando a sua presença.

— É a primeira vez que você vem a uma reunião. Então, faça tudo que eu fizer — a princesa assentiu para as palavras de Mi Gu e em passos tímidos pela presença de vários nobres de Naran, Mei Yang entrou.

De longe, acima de um árvore de cerejeira, uma outra figura assistia a cena sorrindo. Era anormal ver a princesa do reino fantasma ter pavor de meros mortais. Mas, agora essa era a vida de Mei Yang na terra.

Passara tanto tempo assistindo sua vida terrena, desde seu nascimento há treze anos mortais, até sua entrada amedrontada pelas portas do salão do conselho a poucos segundos, que até esqueceu que a menina era sua amiga que estava passando por uma provação.

— Até quando irás proteger essa assassina? — a deusa da terra se aproximou com sua presença doce e vívida trazendo um pouco de calma para a mente pertubada de Ch'eng Huang.

— Ela não é uma assassina, e eu vou provar sua inocência.

— Já se passaram treze anos terrenos, treze dias no céu, e nada da provação da jovem deusa começar. Afinal, quando irá iniciar seu tormento?

— Em breve, e acho que hoje é a faísca inicial para começar sua provação. — Ch'eng Huang pegou uma pequena garrafa feita de barro com vinho e deu um gole voltando a encarar a porta do salão. 

— Porque não retorna aos céus? Admirar a vida humana de uma degenerada não deve ser nada agradável. — a deusa se aproximou sorrateiramente e o abraçou por trás. Ch'eng sentiu seu corpo vibrar como se tivesse recebido uma enorme carga, porém ele se afastou.

— Gosto de admirar a inocência de Yang'Er, vê-la em um estado puramente humano como se tudo que tivesse vivido fosse apenas um terrível pesadelo... É fascinante. Me lembra da garotinha boba e feliz que ela fora um dia.

A deusa da terra deu pequenos passos para trás sem acreditar que estava sendo rejeitada. Logo ela!

Ch'eng Huang ouviu a mulher atrás de si bufar e antes de sair como uma nuvem de fumaça, lhe deu um empurrão quase o desequilibrando. Ch'eng Huang olhou irritado para trás, mas a deusa já não estava mais lá.  Agora estava só, podia respirar aliviado e concentrar no seu dever. Manter Yang'Er segura.

Porém, a provação dela estava se aproximando e ele poderia mantê-la segura dos perigos ao redor, todavia não podia mantê-la segura dos seus próprios pensamentos futuros.


 


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Notas finais do capítulo

Obrigada pelo apoio e leitura até aqui. Bjssss e até a próxima!! :)



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