Zeros e Uns escrita por Creeper


Capítulo 4
Capítulo 3: O jogo e suas extensões


Notas iniciais do capítulo

Decidi postar na quinta-feira ao invés de sábado, espero que gostem!
P.S.: Sendo assim, sábado não tem capítulo.
Boa leitura!
P.S.: Caraaaaa, que sono!!!! E que chuva, meu Deus!



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21hrs42 de 2 de agosto

 

A primeira rodada foi extremamente fácil, permitindo que eu respirasse calmamente.

— Finalmente uma pausa. – impulsionei a cadeira para trás, arrastando as rodinhas pelo chão até prenderem no tapete.

— Vamos assaltar a geladeira? – André sorriu empolgado.

— Você é um buraco sem fundo, só sabe comer! – revirei os olhos. – Vai lá. – me debrucei sobre a escrivaninha, um tanto cansado.

Ele me xingou antes de sair e deixar-me sozinho.

Escutei um baixo som de notificação, ergui meus olhos para conferir e era um pedido de amizade de um jogador chamado “Zero,”. Por algum motivo, nossos nomes reais não apareciam em nossos perfis.

Não aceitei e nem excluí, apenas o deixei ali, realmente não estava a fim de fazer amizades.

Pensei seriamente sobre desistir do jogo, sabe, perder de propósito. Continuar com aquilo apenas iria me esgotar. Não estava interessado nos tais prêmios que André citou, afinal, acreditava firmemente que aquilo não passava de um bait... Porém... Quod Creature havia provado que estávamos sendo observad...

Arregalei os olhos automaticamente e cobri a webcam do computador com a mão aberta. Como não havia pensado naquilo antes?! Percorri meu olhar pela escrivaninha e encontrei uma luva velha de lã.

Vai ter que servir.”, pensei enquanto envolvia a webcam com a luva.

Levantei-me um tanto desajeitado e cambaleei até a janela aberta, dei uma olhada do lado fora antes de fechá-la e cobri-la com a cortina. Não havia ninguém na rua. Respirei fundo e encostei as costas na parede.

Quase pulei de susto ao ver o reflexo de André adentrando o quarto carregando alguns pacotes de salgadinho.

— Menino, não faz isso... – coloquei a mão sobre o peito, o coração acelerado.

— Ué, tá devendo? – ele arqueou uma sobrancelha. – Por que fechou a janela? Tá um forno aqui dentro! – veio em minha direção e fez menção de afastar as cortinas, porém, o impedi.

— Vamos perder no jogo. – falei.

— Que? Tá louco? – André fez uma careta e tentou abrir a janela.

— André, isso é sério. – entrei na frente do vidro e afastei suas mãos.

Ele suspirou e revirou os olhos.

— Cara, você está cansado. O sono está fazendo seu cérebro pifar. – André encarou-me.

Pisquei os olhos várias vezes, parecia ter acordado de uma espécie de transe. Dei leves batidinhas em minhas bochechas e inspirei.

— Você deve estar certo... – falei com incerteza. – Eu vou ir lavar o rosto. – afastei os fios de cabelo que caíam sobre os meus olhos.

— Acho que você devia tentar cochilar nesses vinte minutos de intervalo, vai te fazer bem. – André deu tapinhas amigáveis em meu ombro.

Lhe dei um sorriso fraco e fui até o banheiro jogar uma água na cara. Será que eu estava ficando maluco? De qualquer forma, era improvável que eu conseguisse dormir durante o intervalo, então iria apenas ingerir mais cafeína.

Ao voltar para o quarto, encontrei André em frente ao meu computador com um sorriso sapeca.

— Ora, ora, o senhor “não estou interessado em fazer amigos” tem uma solicitação de amizade! – ele debochou.

— Vai cuidar da sua vida. – revirei os olhos.

— É um garoto. – André já fuçava o perfil do tal “Zero,”. – E tem a nossa idade! – aumentou ainda mais o sorriso. – Eu te fiz o favor de aceitar a solicitação e de até mandar um “oizinho” para ele, de nada. – contou satisfeito.

O fitei com indignação.

— Você não pode sair mandando mensagens para os outros no meu perfil, mané! Vaza daqui! – o empurrei da cadeira giratória e retomei meu lugar.

— Ai, credo, só estava tentando te tornar mais sociável, moleque chato.  – ele fez bico.

Após tanta conversa jogada fora, a segunda rodada iniciou-se, a qual validava a rapidez em responder as questões corretamente. Para o azar de André, caíram alguns cálculos, eu não era um matemático nato, mas não perdi muito tempo fazendo contas.

— Até que não está sendo tão difícil. – André comentou. – Uma garota respondeu minha mensagem, acredita?! – sorriu empolgado. Meu irmão era um otaku antissocial, acho que dava para entender a sua euforia.

Em contrapartida, “Zero,” não havia respondido a mensagem enviada por André e eu não achei isso nem um pouco ruim.

 

23hrs07

 

— Certo, hora de colocar o nosso plano em prática. – falei enquanto pegava uma grande tira de elástico de pano e enrolava na mão.

— Parece que tá tudo limpo... – André espiava pela fresta da porta do nosso quarto. – Temos três minutos até a terceira rodada começar. – avisou e agarrou as pelúcias.

Saímos do nosso quarto, descalços e nas pontas dos pés, mantendo a maior cautela para não denunciar nossa presença. Prendemos o elástico de parede a parede na altura dos calcanhares e na frente colocamos as pelúcias sobre o colchão (não tão) inflável (assim).

— Perfeito. – sussurramos um para o outro e fizemos sinal de positivo.

Voltamos para nossos aposentos e infelizmente a terceira partida já havia começado, entretanto, não perdemos muito tempo nos lamentando, pois nos determinamos a montar o quebra-cabeça virtual de 60 peças em 32 minutos.

Durante o intervalo entre a terceira e a quarta partida, ficamos atentos, esperando qualquer som vindo do quarto de nossas mães, mas não escutamos nada.

André continuou a tagarelar sobre as garotas com quem estava conversando e eu apenas mantinha os olhos fechados para conseguir o mínimo de descanso.

A quarta partida de “certo ou errado” trazia datas, locais e detalhes sobre acontecimentos recentes. Nada que não pudesse ser cumprido.

O que realmente despertou minha atenção foi a pergunta da última rodada. Era uma única questão acima de um campo em branco para a nossa resposta.

 

Quem é você?

 

— Temos quarenta minutos para responder isso? – André debochou.

Franzi as sobrancelhas e fixei meu olhar naquelas três palavras. Talvez quarenta minutos fossem poucos para responder aquilo.

Quem é você? Essa pergunta parecia mais fácil quando eu tinha menos de 10 anos. Talvez eu ainda não tivesse me encontrado, talvez eu tivesse me perdido em meio às visões que os outros tinham de mim ou talvez eu estivesse simplesmente me escondendo de mim mesmo.

Respirei fundo e depois de alguns minutos agilmente digitei minha resposta: “pensei que vocês já soubessem”. Afinal, se era assim que Quod Creature queria jogar, era assim que jogaríamos. Se as próximas questões dissertativas fossem como aquela, faria de tudo para desviar o foco.

Após poucos segundos de carregamento, a tela passou de cinza à branca, com um comunicado:

 

Você nos pegou, Sem Saída. Ótima resposta.

 

Parabéns, você acaba de desbloquear as ferramentas “Forúm” e “Minha pontuação”!

 

Agradecemos por jogar hoje!

 

Levantei as sobrancelhas, um tanto surpreso. Cliquei na aba de “Minha pontuação” e conferi quantos pontos havia feito em cada partida, totalizando 860/1000. Havia uma nota dizendo que em breve receberíamos nossa colocação no ranking, mas essa era outra coisa que eu não estava interessado.

— Ufa, finalmente consegui! – André suspirou aliviado.

Até havia me esquecido da presença do garoto de tão silencioso que ele estava, virei-me para encará-lo.

— O que você respondeu? – curvei-me um pouco, a fim de refrescar minhas costas suadas depois de tanto tempo grudadas ao encosto da cadeira.

— Mandei um “migué” filosófico e tal. Mas eu já estava na minha terceira tentativa, mais duas e eu estaria fora. – abanou-se com a mão. – Uau, consegui setecentos e dez pontos! – comemorou.

— O que vai fazer agora? – voltei minha atenção para o computador, eu pretendia desligá-lo e tentar cochilar.

— Bater um papo com as gatas virtuais, claro. – André sorriu malicioso.

Cheguei a pensar que meu irmão só estava insistindo tanto naquele maldito jogo por causa do chat.

Rolei os olhos e os fixei em uma notificação de mensagem do Quod Creature. Curioso, a abri.

 

Zero: “Quem é você?” Essa pergunta foi barra.

 

Imaginei que ele era um sujeito bem solitário ou extremamente extrovertido, todavia, apostava na primeira alternativa já que aparentemente ele não havia solicitado a amizade de mais ninguém.

Fiquei com pena de não o responder, mas de verdade, eu NÃO QUERIA respondê-lo, por isso fingi que não vi e desliguei o computador.

 

04hrs51 de 3 de agosto

 

Acordei assustado ao escutar um grande estrondo, seguido de um grito feminino e uma música chata da Xuxa.

Levantei-me automaticamente, os olhos arregalados buscando por André, o qual estava com os dentes cerrados enquanto tentava enfiar o notebook debaixo da cama.

— A mãe deve ter acordado. – ele sussurrou aflito.

Minha cabeça deu um estalo ao lembrar-me da nossa armadilha no corredor. Voltei a jogar-me onde estava deitado e acabei caindo no chão coberto por pacotes de salgadinhos e garrafas de café. Murmurei alguns xingamentos de dor e massageei minhas costas.

— O que eu tô fazendo aqui? – pisquei várias vezes, o ambiente sendo parcialmente iluminado pelos fracos raios de luz que atravessavam as frestas da porta e janela.

— Isso é interessante, sabe, eu descobri que você dorme melhor em lugares “estranhos”. – André comentou.

Fiquei um tempinho tentando raciocinar, extremamente perdido. Era verdade que eu dormia na carteira da escola, na escrivaninha e havia chegado a dormir até em cima do balcão da cozinha. Como eu fui parar lá, eu não sei.

Antes que eu pudesse pronunciar algo, a porta foi aberta de repente, revelando uma Marta de roupão e cabelos desgrenhados. Foram inevitáveis os gritinhos agudos que escaparam das nossas bocas.

— O que isso estava fazendo no corredor?! – ela perguntou nos mostrando uma das pelúcias. – E por que vocês não estão dormindo?!

— E por que você está acordada? – André rebateu.

— Eu sempre acordo à essa hora para preparar o café, filhote de cruz credo. – Marta bateu um dos pés impacientemente. De manhã ela costumava ter esse humor.

— Tá se xingando ou xingando ao meu pai? – ele riu nervosamente.

— Tô xingando quem colocou um elástico no corredor! – ela exclamou.

Eu e André nos entreolhamos e fingimos desmaio (nossa técnica infantil e infalível). Marta continuou a falar, porém, a ignoramos até que ela desistisse e fosse embora.

Quando tivemos certeza de que ela havia nos deixado em paz, falei baixinho:

— André, acho que somos meio burros.

— Por quê? – André puxou seu notebook.

— A mãe Rita tem um sono pesado para caramba, ela nunca viria nos supervisionar. – bati com a mão na testa.

Minha mãe dormia tão profundamente que não importava o que estava acontecendo ao redor dela, ela não acordava por nada. Uma vez foram trocar a cama de dona Rita por outra e ela ficou dormindo o processo inteiro, quase que levaram ela embora junto com o antigo colchão.

— Setecentos e dez. – ele riu e deitou-se.

 

xXx

 

Passamos o café da manhã inteiro tentando fugir do assunto das pelúcias, tanto que saímos bem cedo de casa para evitar mais perguntas.

— Olá, garotos! – Paula nos cumprimentou em frente ao portão do colégio. – Pelo visto, nós três tivemos a mesma ideia de chegar cedo hoje. – deu um risinho contido.

Aquele risinho que eu sabia o efeito que causava em André: ele ficava todo bobão e vermelho.

— Ou... Não só nós três. – ela murmurou, olhando de soslaio para um canto.

Segui seu olhar, encontrando Matheus arrastando sua bicicleta pela calçada, ele parecia todo mole e sonolento. Ele nos fitou por alguns segundos, sem nenhuma expressão. Pensei que ele me odiaria ainda mais por causa do ocorrido no mercado.

— André, você dormiu direito? Parece meio pálido. – Paula comentou, aproximando-se um passo de meu irmão.

— E-Eu... Eu... C-Claro que eu dormi direito, o que eu p-poderia estar fazendo acordado?! Conversando com g-garotas? Claro que não... – ele balbuciou, abaixando a cabeça. – Afinal, a única com quem eu quero conversar, é v-você. – essa última frase saiu quase inaudível.

André e sua (não tão) secreta paixão por Paulinha. Ele perdia a pose do lado dela e nunca conseguia tomar uma atitude.

— O que ele disse? – Paula me fitou com os olhos semicerrados. Ela me perguntava isso toda vez que André lhe direcionava a palavra, o guri falava tão baixo e embaraçado que ela não conseguia entender nada.

Somente dei de ombros e coloquei as mãos nos bolsos do casaco preto que eu insistia em usar mesmo com o calor de fritar ovo no asfalto.

 

xXx

 

10hrs40 de 3 de agosto

 

Ao adentrar a sala de aula logo após o intervalo, além de encontrar André dormindo sobre sua mesa, também encontrei um pacote de absorvente em minha cadeira, igual ao que eu havia comprado para as minhas mães no dia anterior.

Respirei fundo ao agarrar o pacote e olhar ao redor para procurar o responsável pela “brincadeira”.

— Sua maturidade me surpreende. – exclamei, direcionando meu olhar para a última carteira da segunda fileira, uma das poucas preenchidas.

Observei Matheus revirar os olhos e virar o rosto em minha direção.

— Pensei que você estivesse precisando de mais, mocinha. – ele riu. – Só quis ajudar.

— Ah, sabe como você pode me ajudar? – aproximei-me cautelosamente, a essa altura alguns alunos já enchiam a sala.

Matheus arqueou uma sobrancelha e ergueu o queixo.

Normalmente, eu não partiria para a agressividade, eu era super da paz, mas algo estranho percorreu meu corpo. Eu sempre quis dar uma lição naquele cara. Vou fingir que ele maltratando a irmã foi a gota d’agua.

— Engolindo essa joça! – atirei o pacote direto na cara de Matheus, o atingindo em cheio.

Não pensei que fôssemos parar na diretoria, afinal, os valentões viviam jogando bolinhas de papel no André (uma vez eles jogaram um caderno inteiro) e nenhum adulto fazia nada.

Devo dizer que eu me senti muito bem fazendo o que fiz, mas me arrependi depois que meus 8 segundos de coragem passaram.

— Por que você fez isso, Lucas? – o diretor perguntou.

— Eu só estava devolvendo a ele o que ele deixou na minha cadeira. – respondi, procurando manter a calma.

Eu já conhecia a diretoria, claro, era a primeira vez que eu era mandado para lá por ter sido “agressivo”, mas havia sido chamado muitas vezes por causa das minhas retrucas aos babacões que perturbavam o André.

— E como você pode saber que fui eu? – Matheus cruzou os braços e me fuzilou com o olhar.

— Você poderia ao menos assumir as suas ações. – cerrei os dentes.

— Lucas, calado. – o diretor mandou.

— Quer que eu assuma? Ah, okay, fui eu, mas isso não lhe dá o direito de me acertar. – ele franziu as sobrancelhas.

Fiquei incrédulo com o que ouvi. Aquela coisa sabia argumentar? Aquela coisa estava assumindo o que fez? E o pior... Eu estava errado?

— E que direito você tem de ficar implicando comigo?! – foi minha vez de fuzilá-lo com o olhar.

Eu estava tão nervoso que tudo o que saía da minha boca parecia ser dito por uma criança e minha voz esganiçada não ajudava em nada.

— É inofensivo. – Matheus disse.

— Inofensivo? Você abala a minha integridade e a do meu irmão com suas ofensas! – arregalei os olhos.

— Que tipo de ofensas? – o diretor perguntou sem interesse.

— Ele... Ele me chamou de mocinha agora há pouco. – diminui o tom de voz, um tanto constrangido.

— Rapaz, o que você tem entre as pernas? A não ser que você queira discutir identidade de gênero, já sabemos da resposta. – ele suspirou cansado.

Não consegui evitar o rubor em minhas bochechas e o desvio de meus olhos para os meus tênis pretos.

— Eu não estou com cabeça para essa história agora, tenho assuntos mais importantes para resolver, então vou deixá-los passar, cada um com uma advertência. – o mais velho começou a rabiscar em alguns papéis. – Ah, e mais uma ligação para a dona Rita, senhor Lucas.

Encolhi os ombros e mordi o lábio inferior. Ela ia surtar ao saber que eu joguei um pacote de absorvente na cara de alguém.

— Dispensados, esperem até o horário da quarta aula começar para que possam entrar na sala. – o diretor ditou.

Por um momento, eu me senti mal. Será que eu havia feito uma tempestade em um copo d’agua? Não... Eu só estava querendo um pouco de respeito. Talvez eu não devesse dar tanta bola para o Matheus, afinal, ele tinha aquele jeito esquisito, aquela variação de humor. Foi como a Fernanda me aconselhou, eu não deveria ter medo dele, entretanto, também não deveria enfrentá-lo a todo momento.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo som de algo pesado acertando o chão, arregalei os olhos ao fitar um Matheus inconsciente e caído. Céus, aquilo era sono?!


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Comentem o que acharam, seus reviews me motivam a continuar e me deixam muito feliz (de verdade!!!)!
Até a próxima, pedacinhos de queijo!
Abraços.
—Tia Creeper.