Cara ou Coroa escrita por Phanieste


Capítulo 2
Dépaysement


Notas iniciais do capítulo

Dépaysement: sensação de não pertencer daquele país, de ser um estrangeiro, um imigrante; quando alguém é tirado de um mundo e colocado em outro; mudança de cenário.



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CAPÍTULO 1

 

— A senhorita sente-se bem? Aparentemente está tudo certo, mas pode você pode estar sentindo algum incômodo.

Hermione estava na enfermaria de Hogwarts. Uma garota de rosto redondo a atendia. Novamente, teve uma sensação de familiaridade, como se seu cérebro tentasse sobrepor a imagem dela com outra. Ela pegou o copo que a menina ofereceu e tomou o conteúdo com goles lentos, com medo de passar mal novamente. A menina também se ofereceu para ajudá-la a tomar uma sopa sem cor definida e, estranhamente, também sem cheiro, que Hermione aceitou, mas decidiu tomar sem auxílio. Quando terminou, agradeceu à menina por toda ajuda.   

— Papoula, você poderia nos dar licença por um momento?

Hermione reconheceu a voz calma dessa vez e quando viu quem passava pela porta da enfermaria soltou um resmungo involuntário. Era ninguém menos que o Professor Dumbledore, só que seu cabelo não estava branco, nem sua barba tão longa como seria de esperar. Mais que tudo, ele estava vivo e as lembranças que ela possuía não confirmavam esse fato. Ela, afinal, tinha estado no seu funeral e lembrava-se das longas semanas de luto que tinha tido pela morte dele. Se aquele era Dumbledore… Papoula era a Madame Pomfrey, jovem daquele modo! A sopa revirou em seu estômago enquanto via Papoula Pomfrey se dirigir à sala ao lado.

— Não creio que ninguém jamais teve esta reação ao me conhecer. É claro que depois de um tempo de convivência alguns se cansam da minha presença e também soltam alguns resmungos quando eu chego nas reuniões. — Ele não parecia ofendido, o que a tranquilizou.

— Desculpe senhor, estou tendo um dia confuso. Minha cabeça não está das melhores — falou com cautela, trocando o involuntário “Professor” por um pronome mais generalista.

— Entendo, eu mesmo tenho que me esforçar para ter alguns dias em que posso dizer que minha mente está funcionando direito. Raros dias, mas quando chegam… — Ele sorriu, mas sua expressão logo ficou séria.— Creio que, se possível, eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas. Está tudo bem? — Ela acenou, concordando. — Qual é o seu nome?

— Hermione Granger. — Ela resolveu não mentir sobre seu próprio nome para ele, seja lá qual for o tempo ou realidade que estivesse.

 — Seria parente dos Dagworth-Granger?

          — Não senhor, meu pai era trouxa.

          — É preciso muita coragem para admitir isso a um desconhecido, nos dias de hoje. — Ele sorriu.— Não que seja lá o mais sensato… De onde a senhorita vem? Digo, a qual escola você pertence?

          — Meus pais viajavam muito, minha mãe era bruxa, me mantiveram com eles e ela própria me ensinou o que pôde.

          — E a senhorita está aqui pois…

          — Eles morreram, senhor. Fomos atacados, a nossa casa foi  incendiada. Perdi o que tinha, todas as minhas coisas e documentos…

Se tinha uma habilidade útil que não lhe trazia orgulho, era justamente a de inventar desculpas. Em algumas ocasiões nem percebia o que fazia até que metade da estória estivesse contada. Quando criança, chegava a chorar para corroborar a mentira. Também não tinha orgulho disso.

          — Imagino que isso seja obra dos seguidores de Grindelwald. A senhorita deseja buscar refúgio em Hogwarts? — Ele demonstrou pesar. Hermione acenou, ainda digerindo a informação de que tinha voltado mais de cinquenta anos no tempo. — Não se incomode, eu mesmo falarei com Dippet. Quantos anos a senhorita tem?

         — Dezessete, senhor.

         — Vamos ter que aplicar algumas provas para verificar se poderá entrar direto no sétimo ano, e sortear você numa das quatro casas… Mas, de qualquer modo, a senhorita pode me chamar de Professor. Agora durma, já está tarde da noite e a senhorita amanhã terá um dia particularmente cheio. — Ele se levantou, mas antes de chegar à porta hesitou e voltou-se para ela.— Desculpe minha falta de modos, eu não reparei que esqueci de me apresentar. Eu sou Albus Dumbledore.

          Saiu com sua capa dançando atrás de si. Hermione se perguntou se havia algum feitiço para dar a sensação de que a capa balançava com a brisa, pois não tinha nenhuma corrente de vento ali.

         Reclinou-se no travesseiro, permitindo que a mente assimilasse tudo o que tinha acontecido no dia. A última coisa que ela lembrava antes de cair era estar se dirigindo ao lago, agora nem se lembrava do porquê, quando se viu caindo para esta nova realidade.

Se Grindelwald estava vivo, ela terminou uma Guerra Bruxa para cair em outra. Merlin! Será que não teria um único ano letivo sem algum desastre na sua educação? Justamente agora em seu sétimo ano, único pós-Voldemort, teria se emaranhado em outra confusão? E nem teria Ron e Harry, pensou, apavorada ao contemplar a hipótese ter que enfrentar tudo sozinha…

Apenas percebeu que tinha caído em um sono leve quando alguém começou a andar na enfermaria e remexer em certas prateleiras. Ela esperou um tempo de olhos fechados, mas logo incomodada, levantou-se para ver o que estava acontecendo. Surpreendeu-se ao ver, não alguém que trabalhasse na enfermaria, mas um aluno fuçando nos suprimentos “médicos”, iluminado à meia luz constante do recinto.

— Com licença, suponho que se você tem autorização para pegar o que precisa, poderia pedir para alguém encontrá-los para você. — Hermione tentou sorrir polidamente, para disfarçar a alfinetada que não pode se impedir de soltar. — Pois isso aqui é uma enfermaria, quem está aqui precisa de repouso…

O aluno virou-se para ela sem expressão alguma no rosto. O ambiente nem claro, nem escuro, deixava ainda mais aparente as olheiras abaixo de seus olhos, olhos esses que, ao vê-la, brilharam com desdém.

— E você seria…

— Hermione Granger — respondeu o nome, esperando que ele fizesse o mesmo. Porém ele apenas levantou as sobrancelhas e voltou a procurar o que quer que fosse na prateleira. — Sabe, a educação dita que quando alguém se apresente, você faça o mesmo.

— Não creio que seja necessário você saber meu nome.

Bufando, Hermione se levantou e atravessou a sala até onde o menino estava.

— O que você está procurando? Eu posso ajudar.

— Eu não preciso de ajuda, obrigado. Volte para seu repouso. — Algo no ritmo de fala dele não a agradou. Não tinha um tom de deboche escancarado, mas ainda assim soava como se a frase neutra que ele tinha lançado fosse extremamente rude.

— Quanto mais cedo você sair daqui, mais cedo poderei repousar.

— Poção para dormir. A versão leve, não a forte. Ela está em um frasco translúcido azul.

Ela virou seu olhar para a sala. Um pequeno armário no meio da sala chamou sua atenção. Quando Harry e Ron se machucavam no quadribol a Madame Pomfrey costumava pegar as poções mais simples dali. É claro que poderiam ter mudado de lugar em mais de cinquenta anos, mas valia a pena tentar. Dito e feito, dentre vários recipientes coloridos havia uma dúzia de azuis claros. Hermione reparou que provavelmente havia algum feitiço de extensão no móvel, pois este era cerca de três vezes maior por dentro do que aparentava.

Aproximou-se sem falar nada do menino hostil com um sorriso falsamente simpático, oferecendo a poção. Se ele ficou agradecido ou surpreso por ela ter encontrado o que precisava, não pareceu demonstrar. Quando ele estendeu sua mão para alcançar o produto ela deu um passo para trás.

— Como irei saber se você não irá usar isso para prejudicar outro aluno? Parece um pouco suspeito entrar aqui no meio da madrugada.

— Eu não sei se você concorda comigo, mas não creio que uma boa noite de sono seja prejudicial para ninguém. — Inclinou-se para pegar o frasco da mão dela, um tanto abruptamente. — Pelas vestes de Morgana! Eu tive que escrever quase meio metro de pergaminho depois da aula de astronomia. Sabe que horas ela começava? Meia noite! Amanhã eu tenho teste de poções na primeira aula e estou com dificuldades para dormir. Será que não posso descansar?!

— Não há descanso para os perversos.

Nisso o garoto sorriu.

— Não posso discordar. — Ele passeou o olhar pela sala cheia de armários. — Onde você conseguiu? Desde que eles reorganizaram a sala eu não consigo encontrar mais nada.

— Você sabe que é só pedir um estoque para a semana, não é? — ela disse, apontando para o armário de onde tinha conseguido a poção. — Daí você não precisa vir aqui no meio da noite.

— Em qual momento eu disse que tinha autorização?— disse saindo.

Ela amaldiçoou o desconhecido de todas as formas que conhecia por atrapalhar seu sono e dormiu embalada na raiva simples que era desgostar de alguém, sem pensar no que faria da vida pela manhã.





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Notas finais do capítulo

Como mencionei nas notas do capítulo anterior, a viagem não foi intencional, por isso Hermione está estranhando tanto. Eu particularmente gosto de ver esse momento de confusão após a personagem perceber que está em uma outra realidade temporal, espero que vocês também tenham gostado. Sobre a Papoula Pomfrey já na enfermaria, não vi em lugar algum a data em que ela começa os trabalhos em Hogwarts, mas no meu Headcanon ela começa por volta dos anos quarenta, bem jovem. Durante a fic usarei apenas personagens já existentes no universo canônico, mas farei algumas adaptações para evidenciar as pessoas mais conhecidas do fandom, mesmo que originalmente elas não tinham a idade apresentada.



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