Oclusiva escrita por S Q, WSU


Capítulo 5
Thunder


Notas iniciais do capítulo

Arte enviada por Adone Cabral ^^



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— Por que diabos nós estamos em São Paulo?! A sede da sua empresa é em Corsário que eu saiba! Só pode ter haver com aparelhos e testes que não tenham por lá! — Isabela, berrava transtornada para Ling. Ela não se importava mais com nada, parar ali depois de todos os anos se esforçando em não chamar atenção de nenhuma instituição aproveitadora tinha sido a gota d’água. O cientista acabara de lhe explicar sobre o alerta da antiga faxineira e que havia encontrado Isabela desmaiada quando chegou ao presídio, “não havendo condições de deixar alguém lá em tal estado” nas palavras dele. O descendente de asiáticos esperava qualquer coisa menos que a reação da moça fosse de tanto temor.

— C-calma menina! Eu acabei de te salvar e…

— Me salvar! Há! Se seu objetivo fosse esse mesmo não teria só ME trazido entre tantos outros feridos. E não seria justamente para a mais obscura das unidades do seu laboratório — observou Isabela.

Era uma cena no mínimo incomum: uma garota com os cabelos chamuscando numa roupa de hospital encarando ameaçadoramente um velho com um jaleco carbonizado. Ling naquele momento só tremia, nunca lidara de frente com uma cobaia com super poderes descontrolados, prestes a explodir. Percebia que precisava dar um jeito de contornar a situação rápido ou as coisas sairiam seriamente de controle. Foi aí, que seus olhos bateram numa cápsula prateada fechada próximo ao quarto onde Isabela tinha ficado esses dias.

— Ali está a prova de que eu queria te ajudar! — Ele disse efusivamente apontado para o objeto metálico.

Isabela correu, pegou a cápsula, e voltou para a posição em que estava um segundo atrás. Não iria dar nenhuma chance dele sair dali antes que algumas coisas fossem esclarecidas. Mesmo tendo que usar seus poderes para isso.

— O que tem essa coisa?! — falou, queimando com os olhos parte do sapato dele, dessa vez. Faíscas saiam de seu corpo como tiques, mas ela ainda não tinha perdido completamente o controle. A força de vontade ardia em si.

— Isabela, por favor, isso não precisa ser assim… eu passei os últimos anos desenvolvendo o que está aí dentro para te ajudar! — O homem disse com a voz falhando, ainda mais desesperado.

Num golpe de olhar, ela gerou uma abertura na superfície misteriosa. Depois, com pouco mais cuidado, gerado pela curiosidade, pôs as mãos na fenda, e puxou para que a cápsula abrisse por completo. Travou em descrença quando viu o que havia dentro: um traje todo formado por placas espelhadas, capaz de cobrir o corpo inteiro de uma pessoa. Após analisar tudo com cuidado, começou a se afastar, as narinas bufando.

— Não. — E riu meio por deboche, meio por nervoso — Eu não vou vestir esse troço e sair por aí salvando o dia em nome do seu laboratório. Espero que saiba disso.

— Eu projetei essa roupa para que conseguisse ter controle sobre seus poderes! — Ling explicou rápido. — As placas são formadas por elementos…

— Capazes de conter ondas eletromagnéticas humanas com amplitudes extremamente variáveis. Pois é, eu percebi. — cortou com um sorriso falso. — Sabe, ainda pré-adolescente minha cabeça me obrigou a entender quântica. Sempre que eu pensava sobre meus poderes as respostas vinham como flashs. Mas ao invés de resolver a situação ou me ajudar a controlar essa coisa, saber só me deixava cada vez mais… assustada. — E encarando Ling com expressão indecifrável, soltou — Como cientista, você deve me ver como um grande potencial desperdiçado. Porém, entender demais o que há por trás das coisas é também conhecer todas as verdades insólitas; e acredite isso é difícil de suportar. Precisamos nos alienar um pouco para respirar, nem que seja acreditar em algo irracional para tocarmos nossas vidas para frente sem surtar. E a pior parte disso tudo é que entender um problema nunca implica em conseguir resolvê-lo. Existe um abismo entre saber e fazer. — Enquanto falava, por mais que realmente quisesse assustar Ling, acabava declarando também para si mesma, palavras sufocadas e difíceis de aceitar por todos esses anos. Por isso, concluiu, olhando seu reflexo cansado nas peças do traje:

— Esse abismo é tudo que virei depois do acidente.

O chinês ficou sem reação. Não querendo que ele sentisse pena, levantou a cabeça e falou séria:

— Se eu fosse você sairia daqui agora.

Ele hesitou um pouco, mais brando que antes, embora ainda estivesse tremendo de pavor.

— Agora! — gritou mais forte.

 Ling, se afastou relutante. Mas não deixou de declarar, mesmo num volume baixo:

— Eu ainda vejo beleza no que você faz. Se aceitar minha ajuda, tenho certeza de que verá também.

— Argh! — berrou sem conseguir mais controlar seus poderes, chegou ao seu limite; Só que agora, novamente seu corpo assumiu a mesma forma do ataque à prisão.

Viu seu reflexo deformado no compartimento metálico, ainda em suas mãos. Tão belo quanto aterrorizante: poderoso. Iria bombardear a imagem, mas conforme a ira aumentava conseguiu ver seu poder aumentando também, as descontroladas labaredas azuis que eram seus cabelos; os espectros luminosos que seus olhos soltavam momentos antes de atirar. Parou. Mirou aquela imagem impactante de quase ataque por alguns segundos, então tudo voltou ao normal. Voltou a ver a mesma pálida e franzina Isabela de sempre, com seus negros cabelos escorridos. Sorriu. Apesar de tudo, ela tinha conseguido se manter no controle até o fim. Olhou de novo para o traje em suas mãos. Com desdém, puxou-o consigo.

— Por via das dúvidas.

 

 

 

Bahia - Guararé - Mesma Tarde

 

Carol se enfiava pelas ruínas do presídio atrás da antiga sala da direção. Como a maior parte do conflito se deu pela área das celas, a parte organizacional teria sido a menos atingida. Não foi muito difícil transitar pelas áreas isoladas com seu distintivo de agente. De fato, para sua sorte, a sala que procurava ainda estava até com uma placa indicando que ali era o centro de controle da cadeia. Ela não tardou a abrir a porta e já saiu catando onde estavam os arquivos com as informações das detentas. Já estava acostumada a invadir lugares em busca de informações, então foi direto à uma estante metálica. Socou uma das gavetas, fazendo assim, saltarem vários documentos.

— Porcaria! Odeio lidar com essa parte mais investigativa. Nessas horas até que um amigo detetive faz falta.

Colocou a música mais enfadonha que tinha no celular para tocar no viva-voz e começou a dar uma olhada nos arquivos. Depois de insuportáveis e infinitos cinco minutos, não aguentou mais e pegou o smartphone, mandando uma mensagem para um grupo que onde estavam os contatos de seus colegas em missões como aquela, Marcos, Karen, Jonas e companhia:

 “Algum de vocês não poderia vir aqui para me ajudar, seus imprestáveis?!”

Ninguém visualizava.

“ Ótimo! Foram todos para alguma esbórnia e ninguém me chamou! Não é possível! ” Pensou.

Então alguém girou a maçaneta. A antiga vigia entrava arrastando os pés, de mal-humor para recolher seus pertences remanescentes, já que ficaria afastada por tempo indeterminado. Ela estranhou a presença da outra mulher ali, mas Trap já havia erguido sua arma.

— Quem é você? — perguntou a agente.

— Ora, eu sou só a vigia. Vim aqui pegar minhas coisas e…

— Vigia? Hm, você pode me ser útil. — declarou, abaixando só um pouco a arma — Preciso que seja sincera, e me conte tudo que souber sobre qualquer coisa sobrenatural que tenha visto aqui.

— Moça, eu já fui chamada para depor, depois dessa confusão a justiça está investigando a mim e meus colegas, não piora minha situação!

Impassível, a agente Trap sibilou, girando livremente o revólver nas mãos:

— Fale.

 

 

São Paulo - Laboratório da MutaGenic - Gabinete Administrativo

 

Um enfermeiro entrou correndo à procura do chefe. Ling, havia ido para sua sala depois da conversa com Isabela, para se recuperar um pouco do pânico e pediu para que esse tal enfermeiro, um homem loiro corpulento chamado Félix, fosse atrás dela e vigiasse- a junto de outro assistente de enfermagem, Giovanni, um rapaz alto e que já havia feito cursos de luta.

Félix, mesmo armado com as armas tecnológicas mais fortes disponíveis no Brasil, entrou na sala arfando:

— Chefe… ela fugiu!

Se Ling tivesse poderes como os de Isabela, certamente teria já matado os dois funcionários. Tanto trabalho e tanto tempo para conseguir entrar em contato com a garota para simplesmente deixarem ela escapar assim? Contudo, precisava admitir que no fundo não acreditava que ela fosse ficar muito mais tempo lá. Principalmente depois da conversa que tiveram. De qualquer forma, acabou descontando a frustração no funcionário:

— Vocês têm ideia do que deixaram escapar? Ela talvez fosse a primeira pessoa que a MutaGenic iria ajudar de verdade! Nossa chance de limpar a imagem da empresa depois dos escândalos do Anthony! O pai dela é extremamente influente, sabiam?! Mas não; agora deixamos uma fugitiva descontrolada à solta! — Ele berrava apontando o dedo na cara de Félix.  Ele nunca viu o chefe tão alterado. Se fosse Anthony, o antigo presidente da MutaGenic, seria uma cena normal até... mas Ling?

O outro enfermeiro entrou assim que o chefe parou de falar: metade do rosto vermelha e inchada. Ling, perguntou ainda mais desesperado como a menina fez isso, se Giovanni nunca foi atacado nem pelos adolescentes modificados geneticamente por Anthony. E olha que muitos deles eram provavelmente bem mais fortes que Isabela.

— Vão atrás dela! Agora, mais do que nunca, sabemos que precisamos estudá-la e ajudá-la a controlar isso. — E completou para si, passando as mãos pelo rosto — Antes que seja tarde demais para ela mesma. Talvez Romário estivesse certo.

 

 

 

São Paulo - Avenida Paulista - 16:00

 

Ainda não era hora do rush, mas muitas pessoas já caminhavam pela calçada. O trânsito começava a engarrafar. De cima de um dos prédios, uma figura vestida como um paciente hospitalar observava a movimentação na avenida, os cabelos negros esvoaçando e um traje espelhado na mão. Avistava uma cidade muito maior que a sua, sem a menor sombra de natureza que estava acostumada a ver por Corsário. Uma quantidade muito maior de cidadãos atarefados passando de um lado para o outro vivendo suas vidas sem olhar para cima, todos no solo, bem afastados de Isabela.

Por que não podia ser como todo mundo e poder se juntar à vida banal das pessoas comuns? No seu íntimo não tinha nada contra uma rotina calma e regrada. Ainda lembrava da época em que tudo era mais fácil e era uma aluna exemplar que cumpria com todos os deveres, não fazia bagunça e sempre ajudava a mãe quando podia. Agora, a mesma menina-modelo, querida dos professores, aquela que todos diziam que teria um futuro brilhante estava fugindo de um laboratório, seria dada como foragida da polícia mais cedo ou mais tarde e estava numa lugar nem um pouco familiar para ela. Pior ainda: acabara de confirmar que seus riscos eram muito maiores do que aquilo que passou até agora.

 

 

 

Flashback

 

Assim que voltou ao normal, ela percebeu uma presença estranha vinda por trás da caçamba metálica. Se moveu rapidamente, por instinto, para longe do alto enfermeiro que se aproximava.  Outro apareceu por trás. Os dois vinham empunhando seringas que Isabela logo percebeu estarem carregadas de tranquilizante. Correu para a outra ponta do corredor não dando tempo de que mesmo os que estavam naquela direção lhe alcançassem.

— Se não me espetarem com nada, eu até penso em ficar. Mas drogada igual a um cavalo não vai rolar!

 Félix, correu enquanto ela terminava de falar e torceu seu braço direito com força. Isabela atirou um de seus raios para frente com a dor, queimando o rosto de Giovanni. O que estava atrás dela se assustou um pouco e a garota aproveitou para correr para longe deles, em qualquer direção. Virou para a direita no fim do corredor abrindo a primeira porta que viu, apenas para despistá-los.  Estava tudo escuro, mas sua visão avançada ainda permitia que enxergasse. Preferia não ter visto nada. Haviam colunas cilíndricas de vidro pelas paredes. Dentro de cada uma delas em um líquido conservante, adolescentes desacordados. Alguns com mais de 4 membros, outros com rostos disformes, e ainda alguns contorcidos. Isabela, percebeu que ali no canto havia um basculante. Segurando o traje que acabou não soltando do braço esquerdo durante esse tempo, tratou de correr na sua velocidade máxima em direção à pequena saída. Usou os olhos para derreter suas grades, e se espremendo, conseguiu passar pela abertura. Nunca se sentiu mais grata por ser tão magra. Para sua sorte, caiu na cobertura do prédio ao lado. Correu, então sem rumo, até chegar a uma distância segura da MutaGenic.

Nem com seu raciocínio anormal estava conseguindo achar alguma solução para a situação. Mas já sabia que não estava no seu máximo. E ficar invisível era melhor do que andar por aí com aquela camisola. Com uma forte bufada ela se concentrou e tentou explodir os poderes todos de uma vez como tinha acontecido das últimas vezes. Era a primeira tentativa consciente de assumir sua nova forma poderosa. O corpo só deu uma faiscada e voltou ao normal.

— Mas que droga! — exclamou, chutando uma das calhas do telhado. Pronto, com a raiva funcionou.

— Tá, o controle vem do descontrole. Super! — declarou girando os olhos. Ainda estava insegura, mas não tinha como voltar atrás, o corpo já estava espectral, meio translúcido. — Certo, para entrar em fusão com essas… coisas eu preciso me descontrolar. Sempre foi assim, sair do controle para o poder assumir. A diferença é que agora eu tô mais estressada do que nunca, então eles estão aparecendo bem mais, no limite, como uma bomba. Isso lembra tanto um certo monstro verde… — Deu uma bufada, impaciente. — Certo, chega, cabeça, concentra!

VUSH! O cabelo lhe envolveu toda, as labaredas aceleraram, mas rapidamente voltaram como espectros boreais para a ponta das madeixas, como se nada tivesse acontecido. Uma chamuscada.  Foi sem querer, mas arriscou fazer de novo. Dessa vez foi.

— Há! Consegui!

Como não podia ficar muito tempo ali, afinal a MutaGenic ainda estava atrás dela e aquela cobertura era perigosamente perto do laborátório, decidiu experimentar até onde ia sua super aceleração para calcular até onde poderia ir. Começou a correr livre, e foi acelerando aos poucos, 50, 100, 200, 400 km/h, estava começando a se empolgar. Até que perdeu o controle da aceleração, não conseguiu mais girar os pés e quase tombou da laje, conseguindo frear só bem na beirada.

Seu maior medo aconteceu: mais uma vez, com o susto, disparou um raio, só que dessa vez, ele foi tal qual uma descarga elétrica numa pessoa inocente que andava na rua.


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Notas finais do capítulo

O detetive mencionado por Carol pode ser encontrado em Karen Maximus.
Jonas é o protagonista de Aracnídeo.
Todas as referencias nesse e demais capítulos são do WSU ;)

Espero que tenham gostado. Aguardo as opiniões de vocês!!



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