Another Tower escrita por Miss Angela


Capítulo 2
Esperando uma Tragédia


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Novo capítulo pra vocês, aproveitem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/767922/chapter/2

Me lembro de que quando eu era criança meus pais mal tinham tempo pra mim. Papai estava muito ocupado com os assuntos do reino, mamãe passava o dia todo mantendo o castelo em ordem e eu tinha que estudar para um dia me tornar rainha. Todos tínhamos um dever, pois nossa responsabilidade era imensa. Vivíamos para o reino e nada mais.

Sempre pensei que, mesmo tendo pouco tempo uns para os outros, nos amávamos muito e a família era importante. Se acontecesse algo com eles eu não saberia como funcionar. Claro, isso também vinha do fato de eu ter apenas sete anos, mas ainda sim, eles eram as coisas mais importantes do mundo, mais importantes que vestidos, brinquedos ou acessórios.

Eu sumi por quase uma década toda e eles nunca vieram...

Será que era mais fácil? Ter um filho para herdar o trono era melhor, ninguém se importa em ter um rei controlando a terra, mas uma rainha... Era um desafio. Isso garantiria que nenhum reino vizinho tentasse bancar o esperto e nossa família se manteria no poder - quase - tranquilamente.

Mas eu seria capaz de perdoá-los? A ideia de reencontrá-los me assusta. Do que serve uma princesa que perdeu anos de aulas sobre como ser uma rainha? Uma princesa fraca que implora por comida, que mal pode ficar de pé. Uma princesa que não manda em nada.

O ogro vem uma vez por semana para garantir que ainda estou aqui, deixa um pouco de comida e água e, se estiver de bom humor, vai embora. A coisa é que ele é mais esperto do que se esperaria de um ogro, ele sabe que, com o que me alimenta, não tenho muita energia e minha força se vai cada dia mais. Ele não me mata mas também não me deixa lutar.

— Ciao.

— AHHH!!!

É verdade, esse garoto existe.

Não pensei que iria realmente voltar, quer dizer, o que faria aqui? Eu não sou problema que valha muito a pena, pelo menos não pra ele. O garoto não ganharia nada, nem dos meus pais, nem do meu príncipe, Príncipe Cebola. Tudo estava encaminhado, ele não se encaixava na situação.

— Nossa, você tem uma garganta muito boa, hein? - gargalhou como se não tivesse acabado de subir metros e metros de uma torre super íngreme.

— Não é minha culpa que você não avisa quando vai subir. - dou de ombros e levanto do canto onde costumo a dormir.

— Sei, da próxima vez eu mando uma carta. - sorri sarcástico. - Que tipo de letra você quer que eu use, princesa?

— Ha! Ha! Muito engraçado. - reviro os olhos. - O que está fazendo aqui?

— Já disse, vou te fazer companhia até seu príncipe chegar.

— Por quê?

— Você parece precisar de alguém. - meu coração amolece um pouco, é fofo da parte dele se preocupar com minhas necessidades. - Além disso, não tenho nada melhor pra fazer. - e ele estraga tudo, de novo.

— Tá, que seja. Eu já tô vendo que não posso te fazer desistir, né? - acena uma negativa. - O que você quer fazer? - melhor entrar na loucura de uma vez.

— Na real, quero te dar umas coisas. - se vira pra sair antes que eu possa protestar.

Tem uma coisa que me intriga: como ele consegue subir e descer tão facilmente? Quando meu príncipe, Príncipe Cebola, veio, não parecia muito confiante em subir. Assegurei que era uma tarefa impossível de se completar e que não precisava subir, ao me responder quase soou agradecido. Mas esse garoto parecia até um gato vindo e indo habilidosamente.

— E aí? - me cumprimentou novamente. - Dá uma ajudinha aqui, sim? - pede esticando a mão que segurava um pacote.

Era morno em minhas mãos e estava manchado em alguns pontos. O garoto tomou o pacote de mim e me estendeu um cantil, arqueou as sobrancelhas como se dissesse "Vá em frente" e o abri. Água fresca e limpa. No pacote agora aberto algum tipo de torta.

Meu estômago se apertou dolorosamente, com o racionamento de comida mal posso aproveitar qualquer coisa. A torta parece ser recém feita e, fora do pacote, tem um cheiro que me faz salivar.

— Por que trouxe isso? - pergunto tentando manter minha compostura.

— Pra você, ué? - me devolve o pacote. - Você está muito magrinha, mulheres da nobreza precisam mostrar sua... Fartura.

Uma parte de mim quer reclamar com ele por causa desse comentário, a outra parte, bem mais forte, simplesmente quer que eu coma tudo aquilo imediatamente antes que ele tire de mim. Não perco tempo, coloco o máximo de comida na boca e quase me esqueço que preciso mastigar.

— Vai devagar! - o encaro e ele parece desesperado - Eu sei que você tá com fome mas assim vai passar mal.

Olho para a barra do meu vestido envergonhada. Ele tem razão. É estranho pensar que hoje de manhã eu o julguei por seu aparente status social e ainda assim ele é gentil e caridoso comigo, tomando muito cuidado com uma garota que mal conhece.

Engulo a massa da torta com dificuldade e tento pensar em uma forma de agradecê-lo por tudo que fez por mim em poucas horas. É muito mais do que estou acostumada, quando meu príncipe, Príncipe Cebola, e eu casarmos vou fazer com que ele e seus entes queridos sejam bem protegidos.

— Desculpa. - sorrio amarelo. - Olha, muito obrigada pelo que você está fazendo por mim, garoto...

— Do Contra. - corrige.

— Ah, sim. - 'Do Contra', que nome engraçado, mas não consigo pensar em nada melhor. - Obrigada, eu prometo que vou fazer algo em troca da sua gentileza.

— Nem. - responde indiferente. - Meu irmão diz que eu só vivo causando problema, nesse, pelo menos, eu posso ajudar alguém. - reclama, mas não parece ter qualquer tipo de ressentimento contra o irmão.

Do Contra tira um pacote de seu bolso, uma torta, e começa a comer. Lembro do meu próprio salgado e começo a tirar mordidas menos afobadas, me sento embaixo da janela e o convido pra sentar comigo, mas ele nega e fica de pé ao meu lado. É um momento quieto, sem gritos, preocupações ou promessas, sinto que quero fazer dessa calmaria (pela primeira vez sem solidão) um hábito.

Um zurro me traz de volta e pergunto algo que sempre quis saber dele:

— Como você sobe tão rápido?

— Quando eu era criança eu subia em tudo que é lugar pra fug... Evitar algumas pessoas que não eram muito pacientes com meu pensamento único. - concordo, tem que ter muita paciência mesmo. - Além disso, tem uma corda lá embaixo. - só não cuspo tudo por estar com muita fome.

— TEM UMA O QUE?! - indaguei depois de engolir minha comida de forma segura.

— Uma corda... - franze o cenho. - Você não sabia disso?

— ESSA É UMA REAÇÃO DE QUEM SABIA DE ALGUMA COISA?! - me levanto indignada, mas ainda carregando a torta comigo.

— Na verdade, pra mim, é uma reação bem inovadora pra essa situação e... - o interrompo dando um berro de raiva. - É óbvio que chegamos em um ponto que discordamos...

— Não me diga! - retruco sarcasticamente. - Eu não acredito! Anos achando que só aquele ogro nojento podia subir nessa torre horrível e aí chega você! - aponto para seu rosto inexpressível. - E me diz que tem uma CORDA lá embaixo!

— Escuta, não é minha culpa que... - seus olhos se arregalam com surpresa. - Peraí, ninguém nunca subiu aqui? E o seu príncipe?

— ...

— Ai, meu Odin! Ele é cego?! Como uma pessoa em plena funcionalidade de seus sentido pode não enxergar toda aquela terra mexida lá embaixo? Incompetência, eu digo! Não existem mais príncipes como antigamente! O grande Príncipe Licurgo estaria indignado se-

— Calma. - interrompo seu desvaneio raivoso. - 'Terra mexida'? Aonde? Me mostra. - pedi, já mais calma.

— Tá. - respira fundo. - Olha.

Ele guia meu olhar até um árvore que estava colada com a torre, aponta para um canto mais pra esquerda e, realmente, a terra está mexida. É quase imperceptível da altura em que estamos mas estou tão determinada que poderia enxergar uma formiga passeando por ali.

— Sabe esses tijolos que estão mais pra fora? - volta minha atenção para a lateral da torre. - É só prender a corda em um deles e subir. Bem, é assim que eu faço, não sei como um ogro consegue fazer o mesmo.

Sua forma de escalar faz sentido, mas ele tem razão, os tijolos parecem muito velhos e gastos para aguentar um ogro. Parando pra pensar, desde quando ogros constroem torres? É uma pergunta estúpida para se ter só agora, mas é altamente imprático que uma criatura daquele tamanho possua um lugar tão alto. Eles não são imortais, né? Ao menos se machucaria se caíssem.

— Mônica? - Do Contra me chama preocupado.

— Está tudo bem. - aperto meus dedos em volta da minha torta que já começando à esfriar. Não tenho tenho vontade de pensar sobre isso, então mudo de assunto. - Sua torta é de quê?

— Abacaxi com salsinha. - responde orgulhoso, inclinando-se para uma mordida.

— O que as tortas te fizeram pra receber uma afronta dessas?

— Ora! - exclama indignado com a boca cheia de comida. - Você nunca provou, como sabe que é ruim?

— Bom senso. - dou de ombros.

— Pois saiba que minha torta é muito melhor que a sua. - olha para o meu alimento "oh-tão-comum" e estremece. - Torta de frango, que coisa mais sem graça. - resmunga.

— É sem graça mas é comestível. - então, em uma demostração de maturidade, mostro a língua.

E ele ri. Ri da nossa discussão, ri das nossas reações infantis, ri dessa situação ridícula. Quer dizer, acho que está rindo por isso, sei que esses são meus motivos para o acompanhar.


                                   ~*~                    

 

Do Contra volta e continua trazendo comida, sempre mais do que no dia anterior, durante 3 dias. Passamos a maior parte do tempo conversando e discutindo por coisas bobas. Meu coração se contorce de maneira agradável ao pensar que agora tenho um amigo.

Meu estoque de comida aumentou consideravelmente e tenho o cuidado de esconder o que Do Contra me dá, não posso correr o risco de que o ogro descubra. Por mais que seja pouco, já não me sinto tão cansada e fraca como antes, com isso tento arrumar a torre o máximo que posso.

Aqui, o piso de madeira é escuro por causa da sujeira e meus pés parecem grudentos por isso. Há uma cozinha que um dia poderia ter sido... "usável", mas agora serve como criadouro de fungos, nunca me atrevi a tocar para saber como isso aconteceu.

Meu "banheiro" é um balde pregado ao chão e um lugarzinho especial para o banho. O balde não tem fundo e o piso que deveria estar ali não existe, é apenas um grande vazio. O outro componente do banheiro é um mistério ainda maior, cercado por 4 tábuas de madeira, o lugar nunca fica úmido, não importa quantas vezes me banhe (usando um balde completo, é claro) e um sabonete que nunca gasta.

Meu canto pra dormir - já que aquilo nunca poderá ser chamado de cama - têm trapos velhos imitando um colchão e vestidos que já não cabem mais em mim como travesseiro e cobertor. O ogro também me traz um vestido quando o que uso fica muito curto já que, segundo ele, não o interessa ver humanas nuas. Não protesto contra isso.

Claro que as respostas para os estranhos funcionamentos da casa é simples: magia. Pra mim o mistério é como ela funciona, nunca estive realmente perto de uma fada ou bruxa pra saber. Ogros são incapazes de produzir magia, mamãe me disse uma vez que apenas criaturas graciosas podem fazer, por isso acho minha conclusão lógica.

E isso me perturba, será que ele contratou uma fada ou bruxa para construir a torre? Criaturas que controlam a magia ao menos se interessam por dinheiro? Sinto que saber disso pode me servir de alguma forma,  sei que posso chegar a uma resposta agora que tenho o Do Contra para me ajudar a investigar.

A ideia de derrotar esse monstro é quase tão boa quanto a de liberdade.

Molho um trapo no balde que uso para tomar banho e começo a esfregar onde durmo, outro trapo para secar. Não é muito, mas é o que posso fazer. Isso me anima mais do que conseguiria imaginar, realizar uma tarefa como essa nunca me interessou, mas agora parece a melhor das coisas a se fazer.

Consigo me distrair até escutar barulho de passos. Não passos gentis como os do burrinho que sempre acompanha Do Contra nas tardes, não, esses passos são mais fortes e fazem meu coração acelerar para acompanhar minha ansiedade.

Meu ar parece ficar preso em minha garganta e lágrimas turvam minha visão. Tenho vontade de me enterrar na terra ou atravessar reinos para ficar longe daqui, longe dele. Mas não importa o que eu quero agora, nada vai mudar isso:

O ogro voltou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Se sintam à vontade para comentar.
Até o próximo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Another Tower" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.