Odindóttir escrita por Shalashaska


Capítulo 3
III




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This will never end 'cause I want more
More, give me more
Give me more

If I had a heart I could love you
If I had a voice I would sing
After the night when I wake up
I'll see what tomorrow brings

 

Fever Ray, "If I Had a Heart"

 

O som dos cascos de suas montarias era o prelúdio da Guerra. Eles cavalgavam com o ritmo displicente de reis, Odin com seu cavalo de oito patas e Hela ao seu lado, com um cervo de chifres de prata. Ao fundo, o exército dourado de Asgard marchava e nos céus, os barcos flutuantes com poder de fogo - os karves— e dois corvos.

De tempos em tempos, os Huggin e Munin sobrevoavam seus elmos, reconhecendo o ouro do par de chifres e de asas do capacete do Pai de Todos e as galhadas finas feito garras da Executora, de maneira a combinar com seu animal. Ela disse:

— Queria eu ter conquistado uma montaria especial feito a tua, meu pai. — Ela ajeitou a própria capa de tecido verde. — Sleipnir é mais veloz que raios, poderoso feito um trovão. Queria eu também ter armas tão sagradas quanto tua lança Gungnir.

— Oh, minha filha. És tua primeira guerra. Tuas lâminas serão então conhecidas por todas almas assim que alcançar a garganta de inimigos e a vitória. Quanto a tua montaria, não sei dizer. Existem muitos animais valorosos em nossas terras e bestas que esperam ser domadas lá fora. Mas dou minha palavra que seu nome será maior e mais sagrado que armas e bestas. Hela Odindóttir, a Executora de Asgard!

Os soldados urraram em sua homenagem. Hela pensava em qual criatura domaria em suas novas conquistas, já que as mais selvagens tivera o costume de abater para um farto banquete. Ela já provara do sabor da carne de um cervo na brasa e era tão bom. Agradou o pescoço de sua montaria, lembrando do gosto.

 

O Tesseract não foi utilizado para fazer a travessia dos mundos. Odin não se opôs a utilizar os poderes da Joia do Infinito contida na relíquia para abrir portais aos destinos de sua marcha, mas a filha requisitou ao pai que a conquista fosse feita sem o auxílio de tamanho poder sem ser o de suas mãos. Não precisavam disso. Eram fortes e valorosos sem a necessidade de tais poderes, que seriam utilizados assim que possuíssem todos os itens reunidos na Manopla.

O Pai de Todos sentiu admiração ao acatar o desejo da princesa. Seria uma caçada, uma guerra esplendorosa como aquelas que seus antepassados travaram ao expandir Asgard como era hoje. Não seria fácil, porém. Enfrentariam o clima inóspito e a escassez, o frio e a fome, além de oponentes valorosos.

A primeira batalha foi em Alfheim, a terra dos Elfos de Luz. Enquanto a maioria dos Elfos Negros, derrotados por Bor há séculos, eram todos pálidos em contraste às trevas em que viviam, os Elfos de Luz tinham a pele negra para suportar a tamanha claridade de seu reino. Eles eram habilidosos com arco e flecha, porém não tinham a cultura voltada para a guerra. Eram pacíficos, vulneráveis e ainda assim poderosos e, por conta disso, Odin acreditava que poderiam guardar uma das Joias. Não significou, no entanto, que desistiram facilmente. Elfos e elfas resistiram como puderam às investidas do exército asgardiano. A relação deles com a terra era tal que as plantas se alongavam para enforcar os soldados, o chão se abria engolindo fileiras do exército. Dúzias de asgardianos foram esmagados, outros envenenados por flores que subitamente desabrocharam com um aroma letal.

O cervo de Hela já estava agonizando no meio da campina, entre corpos e sangue. A guerreira lamentou pelo belo animal que perdera, mas acabou com seu sofrimento com uma única apunhalada e seguiu no combate, desviando dos golpes dos adversários e eliminando a maior quantidade de elfos que podia. Com o pai ela havia aprendido o sabor de uma difícil batalha, com a mãe ela aprendeu a arte da ilusão e truques de feitiçaria. Suas mãos magras invocavam espadas e punhais que ela jogava ao seu redor, uma dança de morte. Odin estava na frente e cavalgava veloz com Sleipnir, sua lança certeira no coração pulsante de seus adversários.

Tudo acabou em sangue luminoso derramado nos campos de Alfheim e o pedido de misericórdia entre os sobreviventes, uma cena bela de conquista a ser pintada em afrescos no teto do palácio. A Joia do Infinito que buscavam, porém, não estava lá.

— A marcha seguirá. — Odin disse. — E os soldados que aqui morreram irão se fartar em  Valhalla.

 

O Pai de Todos estava com a armadura suja e o elmo arranhado, sua lança ainda com sangue quente. Estava orgulhoso de seu exército, orgulhoso da Executora que fez tão bem a sua função. Era igual ou ainda mais letal que um raro guerreiro berserker, sem a parte insana embora ainda sanguinária. Muito calma.

Alfheim agora era um Estado subserviente à Asgard, mais um dos reinos de Odin. Eles comemoraram a vitória em honra dos mortos, se limparam e planejaram a próxima conquista.

Hela demorou a tirar o sangue dos dedos. Ela sentia a morte morna em sua pele fria e fechava os olhos em êxtase. Por um segundo, não achou que Valhalla era melhor do que o campo de batalha.

Antes de partirem, Hela voltou aos campos e viu o corpo em decomposição de seu cervo. Haviam se passado alguns dias, já era a nona noite em que passavam em Alfheim. O tórax do animal estava estufado, o pelo duro e certas partes manchadas ainda por sangue. Olhos opacos. Ela passou as mãos por seu dorso delicadamente, lembrando de seus momentos juntos. Foi uma morte honrada, ela pensou. Apenas precoce.

As narinas então soltaram um suspiro. Seus cílios longos piscaram.

Não estava vivo. Ainda havia o ferimento em seu torso, a flecha em seu pescoço. Os olhos jamais teriam de novo o brilho anterior.

Mas respirava.

Hela soltou um sorriso na noite. Bom garoto. Ela voltou para a companhia de seu rei. Sua figura nada mais que uma cena fantasmagórica no campo de batalha abandonado. Uma jovem de capa e elmo, montada num cervo morto - e andando.


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Notas finais do capítulo

*Sleipnir é o cavalo de oito patas de Odin, originalmente filho de Loki na mitologia.
*Karves são pequenas embarcações vikings.
*Huggin e Munin são os corvos de Odin. Dá para vê-los na cena da coroação no primeiro Thor, de 2011.
*Gungnir é a lança de Odin também na mitologia e muito presente nas primeiras aparições desse personagem nos filmes.
*Berserker eram os guerreiros muito violentos na cultura nórdica, acredita-se até que utilizavam algum tipo de droga pelo nível de frenesi.
Aqui foi mencionado o Tesseract e o Aether, duas relíquias que guardavam Joias do Infinito.
Achei também que seria muito ~aesthetic Hela montar um cervo, ao menos por um momento...