a poética morreu - quadragésimo capítulo 

uma casa de estrelas, por lyn black

A poética morreu, pensa Cissy enquanto coloca um par de saltos altos desconfortáveis e ajeita seus cabelos loiros. Mentira, ela rebate para a voz na sua mente, a poética nunca existiu. Recentemente, após a ânsia do casamento ter passado, a vida monótona com Lucius tinge seu dia a dia com tintas opacas. 

Com seu batom rosa, os cabelos lisos batendo no queixo e um vestido preto, Narcisa parece ser a boneca artificial que Lucius adora exibir. Ela detesta um pouco o homem, irrita-se com como gosta da clavícula dele, ou mesmo por ainda reparar nos cabelos do marido. Aquilo é um contrato, sempre esteve claro na sua mente, algo que assinou ciente de cláusulas e benefícios, contudo Cissy vai criando ceticismo para com Lucius.

Em algum nível, ela ama estar ali. É estranho, pois não é apaixonada por ele, nem mesmo por ser uma Malfoy - as Blacks, na sua ignorada opinião, são muito mais interessantes -, então a grande pergunta ronda a sua cabeça: qual é seu vínculo real com aquela vidinha sem graça de Cissy Malfoy?

Logo será cobrada a ser mãe, logo terá de assumir papéis que parecem ter sido predestinados e, logo, Narcisa deixará cair algumas gotas de veneno na xícara de chá de Lucius. Oh não, mas que decepção, ela se censurará no momento da queda do líquido e tomará a bebida para si, num gesto de contenção de desejos.

Narcisa gosta de como Lucius segura a sua cintura, olha nos seus olhos, delirando já de tão bêbado de seus beijos, e tenta seduzir a garota. Ela tem tesão na versão desmontada do rapaz com quem é casada. Ele é menos pedante assim, quando beija seu pescoço e fala que Narcisa é uma pocionista exímia. A Black bem sabe que é só mais uma manipulação pouco elaborada, afinal, ele pede para que ela o ajude a conseguir a herança dos pais. Um crime desses envergonharia seus ancestrais, mas Cissy liga o fogão, corta os ingredientes e apaga o sorriso desconfiado de Abraxas Malfoy de sua mente. 

Acho que é isso que selará o matrimônio. Não a perda da primeira gravidez, muito menos as fodas desorganizadas e atropeladas que levarão Narcisa à eventual conclusão de que antes as discretas amantes do que ela. Lucius é arrogante e autocentrado demais para amar e cultuar uma mulher, percebeu anos depois.

A primeira, e única, diga-se de passagem, morte em conjunto, ficará marcada nas mãos da loira. Ela não tinha nada profundo contra a pai dele, o pobre Abraxas, e ela odiará ainda mais Lucius por ter cedido e ajudado o homem em seus planos. Depois do assassinato, tudo desandará mesmo, e rapidamente ficará grávida e se sentirá ainda mais sujeita às vontades de família Malfoy. Ela não tinha como saber, não é? E ter Draco será, ao mesmo tempo, uma sentença final e uma dádiva.

Acho engraçado, entretanto, como Narcisa beijará a poética de sua vida costurada em desafetos constantemente. E, ora, ela sabe muito bem como mexer em um caldeirão de poções, portanto, que fique claro como Lucius passará longe de levá-la à loucura. Ele tem medo de Narcisa e do sorriso sardônico dela, ele morre de medo de ter se casado com uma Bellatrix travestida em boneca de porcelana. Reagirá à esse temor com violência e falta de escrúpulos, verdade, mas não deixará de olhar duvidoso para seu chá por bons anos. 

Cissy, um dia, bebendo uma garrafa de Firewhisky, percebe que a poética não está simplesmente morta. Ela que foi a responsável pelo seu assassinato. Seus espinhos mataram essa beleza sórdida lentamente, e ela bebeu do sangue que saiu do que havia de poesia em seu corpo. Narcisa também conclui que tem uma veia dramática latente e, após um último gole, volta para uma vida irriquieta, moldada e cheia de falsas simetrias que a entediarão ainda mais.