uma xícara de silêncio - quadragésimo primeiro capítulo 

uma casa de estrelas, por lyn black 

A noite está caindo sobre seus cabelos umidos após banhos perfumados na Mui Antiga e Nobre Casa dos Black e elas estão afundadas em poças de chuva enquanto a água para o chá esquenta. Existe um vácuo entre elas, um breu estranho e reconfortante, como uma cantiga da infância. Andrômeda balança a varinha, aquecendo a água em uma panela acobreada enquanto Bella folheia um livro de capa verde musgo sobre poções que, antes, descansava sobre a mesa da cozinha.

As luzes iluminadas magicamente produzem uma sombra amarelada sobre seus corpos. Andie espia por entre as grossas sobrancelhas da irmã mais velha, que apresenta um vinco na testa enquanto passa o dedo por uma das receitas. A água começa a borbulhar e um cheiro de terra molhada invade as narinas das duas. Está chovendo lá fora desde cedo e, embora estejam no meio de Londres, algum feitiço antigo impregnado nas paredes escuras parece trazer um ar fresco de terra pós-chuva para o ambiente.

A cozinha dos Black é o cômodo mais aconchegante, na opinião de Andrômeda, com a mesa amadeirada e as várias plantas, raízes e folhas secando. Os elfos domésticos são responsáveis por quase toda a comida, entretanto, algumas receitas são somente feitas pelas mãos de Druella. Andie também dispensa elfos para o preparo do chá que costuma fazer para a mãe e para a irmã. Embora use magia, acalma-se quando prepara aquilo, quase como se fosse uma poção calmante. De pé, então, observa a água atravessando suas fases.

Bellatrix, por outro lado, não tem muita inclinação para preparos e misturas. Isso não a impede, porém, de acompanhar a garota em uma xícara da bebida. Está com a cabeça em outro lugar, é percetível, e parcamente nota os olhos da mais nova sobre si. Está saindo de Hogwarts, e sua barriga revira-se levemente em nervoso ao pensar  no ano seguinte. Pode não parecer, mas Bella tem seus receios, e sua mão treme diante de jogadas de xadrez arriscadas. 

Logo, a água está pronta. Sem usar a varinha, afinal, a finalização é sua parte favorita, Andie enche ambas as refinadas xícaras com a água e coloca os sachês de chá. O líquido vai tomando cor lentamente, e Bella finalmente retira os olhos do livro, fechando a obra com um pesado baque. 

— Obrigada, 'Drômeda - fala, antes de conjurar o açucareiro. 

A mais nova sorri minimamente.

— Disponha - responde.

Existe uma paz entre elas, uma sincronia enquanto bebericam a bebida e observam a chuva torrencial através da janela. Elas têm gostos parecidos para roupas, mas enquanto Bella usa cores mais escuras e vivas, a paleta de Andrômeda é mais pastel e fugaz. Elas se complementam, entre uma assombrosa escuridão e um cinzento nevoeiro.

— Narcisa cortou seu cabelo de novo? - questiona Bella, entre goles, enrolando um fio de seu longo cabelo.

A outra balança a cabeça.

— Dessa vez fiz sozinha, Cissy não tem costume com cabelos cacheados. 

— Ficou bem melhor assim, natural - comenta Bella.

Elas continuam a beber aos pouquinhos o chá, num estado impressionante de pacificidade. Cygnus está no Ministério resolvendo pendências e Druella não está em casa, havia saído há pouco com Narcisa para um encontro com a Senhora Malfoy. Coitada da caçula, pensam ambas, em tons diferentes. Para Bella, o tom é quase jocoso por conhecer bem o rapaz arrogante que é pretendente dela. Já a irmã do meio solidariaza-se mais com a situação de Cissy, ela mesma tendo um encontro arranjado com Rabastan na próxima semana.

Andrômeda é a primeira a terminar o chá, e após fazer a xícara flutuar até a pia, recosta a cabeça na parede estampa em flores sóbrias. Com olhos fechados, murmura uma música. Ainda com as pálpebras repousando, escuta a movimentação de Bella, reparando em como os sons de seus pés têm um ritmo acelerado. 

A irmã mais velha logo abandona a calmaria de estar com Andrômeda e, em passos largos, atravessa o corredor e veste uma longa capa preta, cobrindo sua cabeça com o capuz. Andie ainda está de olhos fechados na cozinha, Bella repara quando mira a porta aberta da cozinha. Seu rosto é tão calmo, nota, antes de virar a sua própria face em direção à porta de saída da casa da família. O gosto do chá ainda faz sua língua formigar, e ela lamenta saber que logo esse sabor será dissipado pelo álcool da reunião de sangues-puros. Um suspiro é retido em sua respiração agitada, entretanto ela segue em frente, esmagando a hesitação com suas pesadas botas.

Do outro lado do corredor, Andrômeda abre os olhos o suficiente para ver a capa esvoaçante de Bella, e começa a elaborar a desculpa evasiva e generalista que inventará para o sumiço da garota. Bellatrix deixou a xícara de chá na mesa, e ela pensa em analisar as formas dos restos do chá da irmã, como aprendeu nas aulas de Adivinhação, mas deixa a ideia de lado, considerando a privacidade da outra, e levita a xícara para pia.