Undercover escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 9
Capítulo 8




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Uma criança estava encolhida perto da mãe, que cobria os ouvidos dela, enquanto cantarolava, tentando distraí-la do som dos tiros e de metais batendo nos andares superiores.

Era a primeira criança que Jane via no castelo e não na melhor situação.

Como se ficar esperando quietos, como se um suspiro mais alto fosse chamar a atenção dos rebeldes lá de cima, não fosse o suficiente, o que realmente estava desconfortando-a naquela situação era ter que ficar perto do guarda Vance. A cozinha era grande, mas não estava acostumada a abrigar tantas pessoas ao mesmo tempo, então todos os criados e guardas estavam lado a lado, próximos, esperando pelo silêncio.

— Jane...

Ela tentou afastar-se, sacudindo o braço que tinha sido agarrado com força.

— Eu não te dei essa intimidade — Jane retrucou — É senhorita Mirren e não toque no meu braço.

Hope levantou o olhar, ao lado de Reyna, desconfiada para Vance. Ele pareceu notar que estava sendo observado, então se recompôs.

— Senhorita Mirren, eu gostaria de pedir desculpas por meu comportamento da última vez que nos vimos.

Continuou desconfiada e olhando para a frente, mas assentiu.

— Está desculpado, senhor Vance.

Um último som de metal ecoou, uma das criadas tinha esbarrado em uma panela e derrubado-a no chão. E então veio o silêncio. Esperaram por mais algum tempo, antes de Vance e outros guardas se moverem.

— Fiquem aqui — um deles disse, antes de decidirem verificar.

— Ah não — a criança lamentou, como se a falta de guardas os condenasse nas mãos dos rebeldes.

Permaneceram esperando que os sons voltassem, se entreolhando na mesma tensão de momentos antes. Alguns se tensionaram mais quando voltaram a escutar passos descendo as escadas, mas eram de apenas uma pessoa e calmos demais para serem de um rebelde querendo ferir alguém.

— Os rebeldes foram embora — McKinnon surgiu no campo de visão, indo na direção delas, parecendo muito irritado — Vamos, senhoritas.

Hope deu um leve empurrão em Reyna, fazendo-a seguir Jane para fora das cozinhas.

— No que estavam pensando? — perguntou McKinnon, sibilando — Apesar de estarem em um castelo vigiado, ainda somos atacados por rebeldes. Não dá para ficarem se isolando, se vestindo de empregadas toda hora.

— Empregadas passam despercebidas, selecionadas não — retrucou Jane, cruzando os braços — O que garante que eles não queriam atacar a uma de nós?

Reyna parou de caminhar, olhando para a parede do castelo.

Tinha uma caveira e uma cobra pichadas em verde e preto.

— Vamos — McKinnon puxou-as delicadamente pelos braços, parecendo tão incomodado por aquela marca quanto Reyna.

— Alguém morreu? — ela perguntou, parecendo arrependida.

Morrer? Do que eles estavam falando?

— Ainda não terminamos de revistar o castelo — disse McKinnon.

— O quê? E o que garante que ainda não estão aqui? — perguntou Reyna, espantada.

— Talvez por isso seria bom que déssemos pressa, não crê? Achei que o príncipe talvez não tentasse me esganar, caso acreditasse que protegi as senhoritas em seus quartos, em vez de tê-las perdido nas cozinhas.

A visão de Liam partindo para a violência não condizia muito com o que Jane conhecia dele.

— E por que ele faria isso? — perguntou Jane.

McKinnon não respondeu.

Assim que chegaram no corredor dos quartos, ele as encaminhou para o quarto de Jane.

— Tranque a porta — ele indicou, ficando do lado de fora.

Ignorou o que ele disse, indo direto para a cama e a amiga não fez diferente.

— Espero que elas estejam bem — disse Reyna.

Jane a olhou sem entender, então ela esclareceu:

— As nossas empregadas. Eu não vi as minhas lá na cozinha.

— Talvez estejam em algum outro esconderijo — sugeriu.

— Sim, provavelmente.

A porta abriu-se bruscamente e Sirena quase pulou em cima delas.

— Onde vocês estavam? Nós ficamos tão preocupados — ela disse.

— Estávamos aqui — respondeu Jane com naturalidade.

— Deveriam ter ido até o abrigo da realeza.

— Era arriscado — mentiu Reyna — De qualquer forma, estamos bem. Eles não tocaram nos quartos.

Sirena assentiu, parecendo mais calma por isso.

— Bom, o príncipe quer todas uma hora antes na Sala de Jantar — ela avisou — Eu acho que nós deveríamos ir para os nossos quartos, Reyna.

Sem muita discrição ou explicação, ela puxou a amiga pelo braço para fora do quarto, sem se despedir.

Jane deitou na cama, fechando os olhos. O quarto ficava realmente vazio sem a presença de Pomona e Myrtle.

Escutou a porta se abrir e logo ficou em alerta. Seria algum rebelde que ainda estaria no castelo, apesar de todas as buscas? Ele conseguiria passar por McKinnon?

— Senhorita Mirren?

Ela abriu os olhos, sem a menor vontade de levantar-se.

— Olá — respondeu.

Liam parecia bem perdido, medindo as suas palavras com cuidado, como se esperasse que ela tivesse adormecido.

— Posso me sentar? — ele perguntou.

— Claro — respondeu Jane.

Ele aproximou-se, ainda pensativo.

— Certo — disse, por fim, após sentar-se do lado oposto da cama — Senhorita...

— Liam — Jane interrompeu-o — Nós ainda não passamos dessa fase?

— O quê? — ele perguntou, sem entender.

— Ainda não passamos dessa fase de nos chamar de senhor e senhorita?

Liam ficou em silêncio por um tempo, antes de soltar uma risada leve.

— Você me deu um grande susto, — ele disse — quando percebi que você não estava lá no abrigo.

— Sinto muito — ela respondeu — Não sabia que isso ia acontecer.

— Não tem como prever. Nós tentamos, mas não é como os terremotos...

— Terremotos?

— Tem uma placa tectônica do lado de Angeles e Likely, bem na fronteira das províncias. Acho que são as que mais sofrem com isso.

Jane assentiu.

— Rebeldes, terremotos... Mais alguma coisa sobre esse castelo que eu deveria saber? — tentou brincar, mas a expressão no rosto de Liam não mostrava que tinha dado muito certo.

— Eu vou entender se quiser ir embora. Petya pediu para sair, está apavorada com o ataque de hoje. Parece que nem a comida a mantém aqui mais.

Ela levantou-se preguiçosamente, sentando-se.

— Eu não vou a lugar algum — ousou pousar a mão em cima da dele — Não até você me dispensar.

— Isso é um desafio? Temo não poder corresponder às suas expectativas — Liam brincou, olhando para baixo.

— Nem ouse tentar.

McKinnon bateu na porta semiaberta com um sorriso estúpido.

— Está na hora de falar com as selecionadas, príncipe.

Liam logo fechou a cara, olhando para ele.

— Estou seguindo suas ordens — o guarda justificou-se.

Jane levantou-se da cama, indo em direção a McKinnon.

— Espera! Você vai assim? — ele perguntou, indicando o vestido de empregada.

— Não gosto de me atrasar por futilidades — ela virou-se, dando uma piscadela para o príncipe — Vamos, Alteza?

— O quê? Não passamos dessa fase ainda? — Liam resmungou, indo atrás dela.

♛♛♛

Com exceção de Petya, todas as selecionadas pareciam estar recuperadas do susto do ataque. Algumas olharam estranho para Jane e Reyna, que ainda usavam os vestidos das empregadas. Se sentiu melhor ao saber que a amiga não tinha trocado de roupa, pelo menos não estava diferente sozinha.

Assim que Liam certificou-se de que todas estavam realmente bem e que nenhuma mais planejava sair da Seleção por causa do incidente, o jantar foi servido sem a presença do rei e da rainha. Ele parecia um pouco solitário na mesa dos monarcas, observando as interações delas, parecendo pensativo.

— É, eu preciso admitir — disse Sirena — Essas garotas estão com as mãos bem apertadas na coroa, ou em outra coisa, porque as chances de alguém ter morrido nesse ataque...

— Vamos ter uma conversa agradável, Sirena — pediu Reyna.

— Mas o que eu disse demais? — ela perguntou, parecendo exasperada.

— Pode ser que algumas sejam mais firmes para aguentar esse tipo de situação — disse Jane — Não sabemos se elas já não enfrentaram algum ataque.

— Vejamos, temos sete selecionadas abaixo da casta 4 aqui, as outras dezenove provavelmente nunca enfrentaram um ataque rebelde na vida — Sirena analisou — Acho que não é fibra moral não.

— Acontece que não houve um ataque na seleção do príncipe Petuel — Chavelle intrometeu-se no assunto delas — Esse é o primeiro a acontecer na seleção do príncipe Liam, provavelmente o único, e ninguém saiu ferida.

— Isso faz mais sentido — Reyna concordou, encerrando o assunto, olhando superiora para Sirena.

— Vocês ficam encantadoras com essa roupa — comentou Lucy, dando um sorriso debochado, antes de beber um gole de seu copo — Já estão planejando um modo de ficar no castelo, quando perderem a Seleção?

— Tenho certeza de que qualquer uma preferia morrer do que servir a você — retrucou Sirena.

— Me sinto honrada por saber que eu serei a próxima rainha.

Jane soltou uma risada, sem poder evitar.

A ideia de que Liam escolhesse uma mulher como Lucy era hilária.

— Do que você está...?

Liam levantou-se de seu lugar, depois de limpar a boca com o guardanapo de pano.

— Senhorita Mirren, poderia me acompanhar?

Sirena soltou um sorrisinho e Reyna abaixou a cabeça para disfarçar o dela.

— É claro, Alteza — Jane frisou a última palavra, antes de levantar-se.

Não precisava olhar para trás para saber que algumas meninas a olhavam com inveja dissimulada, nem mesmo uma tola pensaria que ela tinha sido chamada para receber uma bronca, já que a sua discussão com Lucy não tinha sido unilateral e nem mesmo séria o suficiente para isso.

— Perdão, eu não podia esperar pelo final do jantar — disse Liam — Não consegui te dizer tudo o que gostaria mais cedo, antes de sermos interrompidos pelo seu guarda.

— E não podia esperar pelo fim do jantar para continuar a nossa conversa — Jane sorriu — Sinto-me lisonjeada, Alteza.

— Enquanto estava no abrigo, eu só consegui pensar que não conversamos sobre o que aconteceu ontem.

Lembrou-se de Sirena dizendo, durante o almoço, que ele não parava de observá-la.

— Sobre o quê? — perguntou, sem entender.

— Sobre as entrevistas — respondeu Liam, como se estivesse óbvio — Sobre o que Valerie disse.

— Você não tem que se explicar. Essa é a sua Seleção.

— Você disse que não conseguia me ver tomando uma atitude precipitada. Ou vai me dizer que isso não afetou o seu julgamento?

Jane não conseguia olhar para o rosto dele, determinada em não deixar transparecer nada em sua expressão facial.

— Eu tenho que me acostumar com o fato de que eu não sou a única — ela disse, odiando como não conseguiu soar tão casual quanto quis.

— Olhe para mim.

Liam pôs a mão dele em seu queixo, levantando o seu rosto.

Esperou que ele dissesse qualquer coisa, mas ele aproximou-se.

— Tinha razão, eu não tomo atitudes precipitadas.

Fechou os olhos quando ele selou os seus lábios.

Aquela pequena pressão foi o suficiente para que o seu coração batesse forte, como se quisesse sair do peito.

— Nos vemos amanhã, senhorita — Liam sussurrou, antes de afastar-se.

Jane permaneceu encostada a parede de pedras por um tempo, tentando controlar as batidas do coração e o estremecimento.

Chegou a conclusão de que “senhorita” não tinha nada a ver com intimidade.

♛♛♛

— Ele te beijou?

— Como assim você nunca tinha beijado?

Jane e Reyna viraram-se para Sirena, incrédulas.

— O quê? As leis falam de não poder transar, não sobre beijar — ela defendeu-se.

— Eu também nunca beijei — Reyna apoiou Jane — Uma vez o filho do patrão tentou me agarrar a força, mas ele não conseguiu...

— Amiga, isso foi praticamente uma declaração de amor — disse Sirena, interrompendo o que ela estava dizendo — Toda essa história de que estava pensando em você no abrigo. Ele não se justificou com mais ninguém.

— Justificou sim. Você me contou. Ele disse que tinha expulsado a Valerie da Seleção — replicou Jane.

— É diferente. Foi impessoal, ele falou pessoalmente com você. Ele demonstrou preocupação pelo que você pensava dele. No nosso caso, ele só deu o recado de que não admitiria mais mentiras como essa.

Reyna acenou com a cabeça, concordando com o que ela disse, o que era um pouco raro de acontecer.

— Pelo que você descreveu, eu aposto que não foi só você quem deu o seu primeiro beijo essa noite — disse Sirena, resoluta.

— É, mas você sabe... Os príncipes não costumam ter uma relação como acontece com vocês — Jane disse, sem pensar.

— Viu? Ela já está até se vendo como rainha já — ela brincou, olhando para Reyna.

— Não foi o que eu quis dizer — tentou explicar-se, amaldiçoando-se por ter escolhido mal as palavras.

— De qualquer forma, rainha só quando Petuel e Veta morrerem sem deixar herdeiros — disse Reyna, sem muita sensibilidade, era difícil ter alguma quando se tratava daqueles dois.

— Vamos em partes. Primeiro ela é escolhida e depois ela cuida deles.

Jane ajeitou-se na cama.

— Ser escolhida? Mas quem disse que ele vai me escolher? — ela perguntou — Ainda tem muitas garotas e muito tempo. Tudo pode mudar.

— Ele só está protelando. Se a Seleção acabar rápido, ele vai virar chacota tanto quanto o irmão já é — explicou Sirena — Eles estão tentando agradar a população, não piorar as coisas.

— No dia que houver um plebiscito e mudarem a ordem da sucessão ao trono, aí sim a população vai agradecer. Por que Liam não nasceu antes? — Reyna lamentou-se.

— Eu não posso dizer que sentirei falta de Petya. Eu tentei me aproximar dela, mas aquela ali... Não sei como ela não foi eliminada de cara junto com Igone e as outras.

— Não seja cruel.

Jane encontrava difícil prestar atenção na conversa delas e pensar em Liam ao mesmo tempo. Puxou o edredom para baixo, escondendo as suas pernas embaixo do tecido.

— Eu não sei porque trazermos as nossas roupas se nem chegamos a usá-las — disse Sirena — Exceto a Reyna e os seus pijamas.

— Eu não gosto de camisola. Já estou usando saia o dia inteiro — ela respondeu a mais uma provocação e então olhou para Jane — Acho que deveríamos sair agora. Ela parece cansada com tantas emoções.

— Vamos deixá-la com os seus sonhos — deu uma piscadela, levantando-se.

— Boa noite para vocês também — resmungou Jane.

Reyna desligou a luz.

♛♛♛

— O aniversário de Illéa se aproxima. Essa será a tarefa mais difícil que caberá a vocês até então — disse McGonagall — Os países aliados enviarão seus representantes para a confraternização. É claro que estamos organizando essa reunião há meses, ainda não é hora de vocês cuidarem dos preparativos, mas terão que estudar muito.

Então a professora pegou algumas pastas com anotações e entregou a cada uma delas.

— Aí estão tudo o que precisam saber sobre os países aliados e os representantes que serão encaminhados. Eu estarei nessa festa especialmente para supervisioná-las, então nada de priorizar uma delegação acima de outra — McGonagall continuou — As nossas aulas a partir de agora serão especificamente para esse momento. Alguns professores de idiomas estarão disponíveis, caso precisem de aulas extras.

Jane abriu a sua pasta, que não tinha elásticos para fechá-la, parecendo mais um fichário, dando de cara com o representante designado da Nova Germânia.

— Deckshaufen — sussurrou.

Sirena levantou uma sobrancelha para ela.

— O nome do cara é Deckshaufen? — ela perguntou.

— O quê? — Jane virou-se — Não! 

McGonagall olhava para ela, enquanto as outras selecionadas olhavam as suas pastas com atenção, parecendo querer passar algum recado apenas com sua expressão facial.

— O primeiro professor será o de germano. Tentem gravar alguma coisa — ela sugeriu, antes de levantar-se.

Aquelas aulas de idiomas seriam um completo tédio.

♛♛♛

— O professor de francês é um charme, vai — Fran deu uma cotovelada de leve em Stelle.

— Prefiro os fardados — ela confessou.

— Vocês se contentam com tão pouco — disse Lucy, depreciativa.

Elas calaram as conversas quando a rainha Doralice entrou no salão e sentou-se na cadeira dela, silenciosa.

— Não deveríamos... — antes que Cara pudesse completar sua frase, Lucy e Chavelle levantaram-se e foram conversar com a rainha — Deixa pra lá.

— É uma pena que nenhuma cinco selecionada seja música — comentou Sirena — Eu adoraria escutar alguém tocando.

— Mas não são apenas os cinco que tocam — disse Jane — Só que eles vivem disso.

— Você sabe tocar alguma coisa, não sabe? — ela perguntou, perspicaz.

— O quê? Eu não disse nada disso! 

— Oh! Por favor! Você tem cara de quem sabe tocar piano.

— É verdade? — Edge mostrou interesse — Por que você não toca algo para nós? 

— Porque estamos estudando — Jane tentou frisar o que disse, erguendo a apostila — Temos apenas algumas semanas antes do aniversário...

— Estamos lendo essas anotações desde que acordamos. Eu não aguento mais — reclamou Fabiane.

— Não conseguimos prestar atenção. Cérebro cansado demais — justificou Benny.

— É, você vai ter que tocar — disse Edelweiss.

Até mesmo Queensley deu um sorrisinho, soltando suas anotações.

— Tem um piano bem ali — Deina apontou para o canto da sala.

Sem opções, Jane levantou-se. Sirena era uma maldita e ela ainda faria a amiga pagar por essas situações que ela a colocava.

Assim que sentou no banco e abriu a tampa do piano, refletiu sobre as músicas que conhecia. Podia tocar Tchaikovsky, que era seu compositor favorito, ou Beethoven, que era mais conhecido, mas preferiu pegar uma melodia mais calma e curta, composta por Hurwitz.

Começou a deslizar os dedos pelas teclas, visualizando perfeitamente a música, mesmo sem a partitura. Lucy e Chavelle pararam de conversar com a rainha, também prestando atenção na melodia que Jane tocava. Fazia um tempo que não chegava perto de um piano, era difícil de aprender e as coisas que exigiam muito dela, ela não tinha muita paciência para aperfeiçoar.

Depois de pouco mais de um minuto, ela deslizou os dedos pela direita das teclas, finalizando a música. Apesar de não ter sido um compositor germano, era uma das suas músicas favoritas.

— Por que você escolheu ser fotógrafa mesmo? — Sirena interrompeu o silêncio que se seguiu.

— Bom, ela ganha mais dinheiro como fotógrafa do que como pianista — disse Fabiane — Deve ser por isso.

— E quanto você ganha fazendo as pessoas rirem? 

— Sorrisos.

Queensley voltou o olhar para a sua pasta.

— Você bem que podia tocar enquanto nós estamos aqui entediadas — ela comentou.

— Deve ser cansativo — disse Cara.

— Nem tanto — respondeu Jane.

Ela estava para se levantar quando o príncipe Liam parou à porta.

— Mãe — ele chamou a rainha, os olhos em Jane e no piano.

Doralice dispersou Lucy e Chavelle delicadamente, antes de sair do Salão das Mulheres. Ela poderia simplesmente ter permitido que ele entrasse, mas Jane desconfiava que ela apenas não queria continuar aquela conversa, só era educada demais para deixar isso claro.

— Você devia tocar para ele — disse Sirena, assim que Jane voltou a sentar-se ao seu lado.

— Dê um tempo — ela pediu.

— É sério!

Sirena olhou para Reyna, como que pedindo o seu apoio, mas ela evitou o olhar.

— A aula de italiano é daqui a pouco, eu acho — comentou Benny.

— Tenho aula extra de francês porque eu não entendi nada — disse Fran, fechando a sua pasta e levantando-se.

— Estava distraída demais prestando atenção no professor — provocou Artemisa.

Fran apenas caminhou mais depressa para a porta e elas podiam jurar tê-la visto corar.

— Eu nunca tinha escutado essa música. É linda — Chavelle murmurou para Jane — Qual é o nome dela?

— Prologue.

Ela assentiu.

— O começo das coisas. Bem apropriado — sorriu e voltou a estudar a tabela de verbos germânicos.

♛♛♛

Considerando que Jane sabia o básico de todos os idiomas dos aliados de Illéa, que eram os mesmos da Nova Germânia, ela não precisou assistir às aulas extras, apenas deu uma revisada antes de se ver sem ter o que fazer.

Aproveitou o vazio do Salão das Mulheres para tocar o piano mais um pouco. Dessa vez, decidiu tentar um pouco de “Goldberg Variations” de Bach.

Liam sentou-se ao seu lado no banco, assim que começou a tocar, mas não parou mesmo assim.

— Sirena tem razão, você é muito boa — ele elogiou-a, depois que a música terminou.

— Exagero. Há músicas muito mais difíceis do que essa — Jane respondeu prontamente.

— Mas você não é uma pianista profissional. Vamos, aceite o elogio.

Ela riu, desistindo.

— Muito bem, então, obrigada.

— Disponha — ele respondeu prontamente.

— Veio aqui por um motivo específico?

— Te ouvir tocar não é um bom motivo?

Ele teria ouvido-a tocar antes? Ou teria sido apenas uma coincidência do momento?

— Suponho — Jane respondeu, tentando não demonstrar estar tão desanimada quanto realmente estava.

— Na verdade, estava pensando que talvez pudéssemos dar um passeio — Liam sugeriu, animando-a outra vez — Todas as garotas estão em aula. Curiosamente, você é a única com tempo livre por aqui.

— Ah! Eu acho que já estou preparada — sorriu — Talvez eu seja um pouco autodidata.

— Não tenho dúvidas disso.

Realmente não havia uma garota que não estivesse ocupada com os preparativos para o aniversário de Illéa e a chegada dos convidados. Algumas tinham ido um pouco mais longe, como no caso de Lucy, e perguntaram a Minerva se poderiam ajudar em algo a mais além de decorar as informações e aprender idiomas.

Os corredores só eram ocupados pelos guardas e por ocasionais empregados, que carregavam mesas e outros objetos para dentro do Grande Salão, guiados por McGonagall. Os preparativos eram praticamente sigilosos, já que nem Skeeter tinha podido dar uma olhada no aspecto que estava tomando, pouco a pouco, o salão.

— A minha mãe ama organizar essas coisas — comentou Liam — Meu pai tem que deixar tudo nas mãos de Minerva, senão a rainha mesmo quer resolver.

— E qual o problema nisso? — perguntou Jane.

— Não, nenhum — ele não soube responder a pergunta, ou apenas não quis — Tem algum lugar em específico que você queira ir?

— Ah! Tanto faz! Quero dizer, tenho aula de etiqueta daqui a alguns minutos, mas eu sinceramente não me importo.

— Você não precisa.

Ela nunca tinha comentado com Sirena ou Reyna, mas o que realmente a incomodava era a sua aparente incapacidade de manter uma conversa com Liam. Nunca conseguia encontrar algum assunto interessante para ficarem conversando por horas, isso só parecia acontecer quando algo acontecia no castelo.

— Eu fico feliz que não a assustei — Liam disse, depois de alguns minutos.

Por sorte, geralmente era ele quem puxava a conversa. Só esperava que essa sua timidez mudasse com o tempo, era bem frustrante.

— Me assustou? — perguntou Jane — Mas por qual motivo me assustaria?

— Por causa de ontem... Do beijo — ele explicou-se.

— Você sempre sente necessidade de se explicar? — ela riu.

— Só para você e para a minha mãe, eu acho.

Continuou rindo, até ver os guardas reunidos à frente. Quando passaram, eles fizeram uma reverência ao príncipe. Jane procurou ignorar a presença de Vance, continuando o seu caminho.

— Algum problema? — perguntou Liam, perceptivo como sempre.

— De forma alguma — ela respondeu — Como foram as buscas no castelo? Houve alguma baixa?

— Algumas, mas acho que foi o menor ataque que já tivemos. Eles não se demoraram, talvez só quisessem assustar.

— Quem são eles?

Liam olhou ao redor, pelo corredor vazio, certificando-se de que estavam sozinhos.

— São um grupo de rebeldes, eles estão instalados mais para as áreas vazias das províncias do norte. Eles se autodenominam Death Eaters. Começaram a surgir de uns tempos para cá — ele respondeu — Escutei que eles atacam a outros países também, não sei o que pretendem.

Todesser.

— E aquele símbolo da cobra e da caveira? Significa alguma coisa? Eles sempre picham aquilo? — Jane perguntou.

Liam olhou-a nos olhos por alguns momentos.

— É claro que você viu... — ele resmungou — Eu não sei, é o símbolo deles. Uma vez conseguimos capturar um desses, ele tinha uma tatuagem com esse mesmo símbolo. É a marca registrada deles, já foram encontradas por toda a cidade.

— Sim, eu já tinha visto isso antes — Jane concordou.

Não em Angeles.

Não em Illéa.

— Eu tenho que ir — ela disse repentinamente.

— Certo, nos vemos mais tarde — Liam despediu-se.

Não soube o que fazer, se deveria dá-lo algum beijo ou abraço, então apenas assentiu, afastando-se.

Escutou o som dos saltos altos acompanhando-a pelo corredor, junto com o vestido arrastando pelo chão. Suas mãos foram para as laterais da saia, para não fazê-la tropeçar, apressando a sua caminhada e mantendo-as ocupadas.

Desde quando os Todesser tinham saído da Nova Germânia?

Estava atacando a outros países? Que países eram esses? Qual era o objetivo deles?

Assim que chegou ao quarto, abriu a gaveta que tinha estipulada como “proibida” para qualquer um que não fosse ela. Deixando a foto que tinha tirado de Liam de lado, puxou um envelope lá de dentro, junto com os papéis de cartas que ela nunca tinha usado.

Olhou fixamente para a caligrafia no envelope, ignorando o seu conteúdo e olhando para o endereço escrito atrás dele. Copiou o endereço no topo do papel de carta, antes de voltar a guardar o envelope.

Estava sentada na escrivaninha do quarto, escrevendo uma carta, quando Pomona entrou no quarto, segurando alguns tecidos para costurar. Ela não interrompeu o seu raciocínio, procurando a maleta com agulhas e linhas que deixava embaixo da cama de Jane.

Quando ela levantou-se, Pomona estava preparando a linha.

— Vai a algum lugar? — ela perguntou.

— Tenho aula — respondeu Jane, escondendo a carta em suas costas.

Nessas horas, seria bom ter bolso no vestido, como Reyna fazia. Caminhou para fora do quarto, tomando cuidado para que ela não visse a carta em suas mãos.

— Precisa de ajuda? — perguntou McKinnon.

— Sim — respondeu, depois de ponderar um pouco — Eu preciso que leve isso para onde as cartas ficam antes de serem enviadas.

— É, se chama correio — o guarda retrucou, rindo e pegando o envelope que ela estendeu a ele — Não é porque está no castelo que muda de nome.

— Tanto faz — respondeu, cruzando os braços e afastando-se.

— De nada — escutou-o resmungar e viu-o guardar o envelope no bolso da carta.

É, ela com certeza pediria para que Hope fizesse o favor de acrescentar algum bolso nos vestidos diários.


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