Undercover escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 8
Capítulo 7




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Estavam no meio da aula de história com a professora McGonagall quando os guardas interromperam, avisando que o correio tinha chegado.

Em qualquer outra situação, a instrutora ficaria estressadíssima, mas a ansiedade no rosto das selecionadas fez com que ela desistisse de concluir o seu raciocínio sobre a rivalidade entre a Irlanda Oriental e a Irlanda Ocidental.

Jane, Sirena e Severina foram as únicas a ficarem sentadas, sem a menor ansiedade para irem atrás de cartas para elas, talvez porque soubessem que não as receberiam.

— Deve ser por isso que os diplomatas estavam aqui no sábado — disse Sirena, sabiamente — Illéa é uma intermediária no conflito.

— Eu espero que eles consigam — comentou Jane — Essa situação é bem inconveniente.

— Querem um chá para continuar discutindo a geopolítica mundial? — perguntou Reyna, debochada, guardando um envelope em um bolso que as suas criadas devem ter costurado a seu pedido.

Provavelmente, uma carta vinda de seu pai. Ou será que ela tinha irmãos? Não, se tivesse um provavelmente já teria mencionado, como Sirena já tinha feito.

— Oh, por favor! O meu com gengibre — brincou Sirena.

— Odeio chá — respondeu Jane.

Elas pareciam surpresas por sua revelação.

— Não sabia que futuras princesas odiavam chá — disse Sirena.

— E o que você gosta de beber? — perguntou Reyna, levantando uma sobrancelha.

— Cerveja — respondeu Jane, sem hesitar.

A professora McGonagall engasgou, enquanto as outras duas começaram a rir.

— Você é uma caixinha de surpresas, Jane — comentou Reyna, solene.

Abriu a boca para perguntar qual era o problema de gostar de cerveja, confusa, antes que as outras meninas voltassem a seus lugares, sorrisos saudosos e empolgados nos rostos após conseguirem notícias de seus familiares.

— Sexta-feira vocês estarão no Jornal Oficial de Illéa para uma entrevista com a jornalista — McGonagall voltou a falar, depois que todas pareciam mais calmas e centradas — Se quiserem alguma ajuda para enfrentar essa situação, podem me procurar.

— Seria de grande ajuda se pegasse emprestada a pauta de perguntas da Rita Skeeter — Fabiane brincou.

— A surpresa é a graça da entrevista — retrucou Stelle — Imagina que chato seria se todas soubessem exatamente o que falar. Seria tudo apenas respostas decoradas.

— Não é como se a rainha pudesse fazer isso sempre, em reuniões diplomáticas — acrescentou Chavelle.

— Bom, exceto invasão de estúdio e furto de materiais jornalísticos, — disse McGonagall, fazendo-as rir da brincadeira — podem pedir a minha ajuda para o que precisarem.

Jane questionou-se se ela estava comentando aquilo por causa da pequena aula de etiqueta que deu para Artemisa e algumas outras selecionadas e quase sentiu-se mal, mas a leveza em sua voz não dava a entender isso.

Lembrou-se do brilho nos olhos de Liam e sentiu o coração aquecer-se por um momento. Ele teria contado a alguém o que viu? Gostaria de saber o que tinham feito para causar aquela expressão tão tenra, apenas para repetir e poder vê-lo assim mais vezes.

— Eu gostaria que você voltasse a falar sobre a Irlanda Oriental e sua relação com Illéa — pediu Queensley, recebendo a concordância de várias outras garotas.

McGonagall sorriu, antes de continuar com a sua aula.

♛♛♛

Myrtle, Hope e Pomona estavam estranhas.

Elas fofocavam por suas costas, sempre parando de conversar nada naturalmente e super suspeitosamente quando entrava em seu quarto. Elas não eram muito boas em disfarçar que estavam escondendo um segredo dela.

Jane não gostava de sair pressionando as pessoas, mas a curiosidade começava a consumi-la. O que elas estavam escondendo tinha relação com ela? Com o príncipe? Com a seleção? Ou era um problema entre elas? Por que não confiavam nela?

Então, quando sexta-feira chegou, ela descobriu que elas não estavam escondendo um segredo, elas estavam conspirando contra ela — sua convivência com Sirena estava começando a afetar na sua personalidade.

Tudo começou quando ela estava sentada na cama, lendo um livro em irlandês. Se Illéa estava tão próxima das negociações entre a Irlanda Oriental e Ocidental, seria sábio considerar que talvez as selecionadas pudessem enfrentar aquela situação uma hora ou outra, e estar preparada era praticamente um dever seu como princesa, mesmo que ela não fosse princesa de Illéa. Estava ajudando a um aliado, apenas isso.

Então as três criadas confabuladoras entraram silenciosamente no quarto, Pomona segurando um cabide que estava com um tecido ao redor para esconder o seu conteúdo. Todas com sorrisos muito suspeitos.

— Podem começar — ela deixou o livro de lado, cruzando os braços — O que significa isso?

Hope desceu o zíper, mostrando um vestido azul de tirar o fôlego.

As mangas eram soltas, abaixo dos ombros, como se estivessem flutuando, de um azul transparente. Ela não sabia o nome do tecido, mas conseguia comparar ao véu de uma noiva. Na curva da cintura, pedrinhas brancas estavam costuradas juntas para demarcar. Cintura alta, não cintura baixa. Ela não conseguia ver alças nem um tecido transparente que tornasse possível aquela construção, e isso só o tornava mais perfeito ainda: a sensação de que as coisas estavam em seu lugar apenas por mágica. No início das mangas transparentes e da gola tomara que caia do vestido, as pedrinhas brancas também faziam presença, junto com desenhos florais.

— Não acha exagerado para uma entrevista? — perguntou Jane, encantada.

— Nada que você vista fica exagerado — respondeu Pomona.

— Já está na hora — disse Hope.

Então elas começaram a arrumá-la.

Não é que Jane não gostasse dos momentos em que era mimada e tinha a sua pele cuidada pelas loções e maquiagens, é só que ela não tinha o que fazer nesses momentos, além de ficar encarando o teto, esperando para acabar. Queria chamar Sirena para conversarem, mas ela também devia estar se arrumando para a entrevista, assim como Reyna e todas as outras garotas.

Encostou a cabeça em um dos braços, cheirando a loção que elas passaram.

— Esse cheiro é novo — ela notou — Pensei que todas éramos obrigadas a usar a mesma loção porque é o cheiro favorito do príncipe?

— Não combina com você — foi apenas o que Pomona respondeu — Macadâmia é bem melhor.

— Além do mais, você tem que se destacar, não é? — Hope deu uma piscadela discreta.

— Tem um gosto muito bom — disse Myrtle, parecendo distraída.

As outras duas pararam de passar a loção por suas pernas, olhando para a terceira criada.

— Macadâmia tem um gosto muito bom — Myrtle tentou explicar-se, envergonhada — É uma noz.

— Você não é alérgica, certo? — perguntou Hope, parecendo preocupada — Tem uma selecionada que é alérgica a nozes.

— Não, eu só tenho alergia a frutos do mar — respondeu Jane.

— Eu não tenho alergias, deve ser horrível — comentou Myrtle.

Pomona deu uma cotovelada nela, como que dizendo que deveriam se concentrar em arrumá-la, em vez de ficarem conversando.

♛♛♛

— Jane, estamos atrasadas!

Sirena batia na porta do seu quarto, parecendo nervosa por sua demora. Assim que Jane saiu, viu-a encarando a madeira de braços cruzados e uma expressão entediada. McKinnon olhava de soslaio para ela, mas disfarçou quando notou que estava sendo observado.

— Vamos — disse Sirena, puxando-a pelo braço, antes que ela pudesse implicar com o guarda ou despedir-se das empregadas.

— O quê? Sem comitê do príncipe dessa vez? — Reyna provocou, acompanhando-as a partir das escadas.

— Muito engraçado — resmungou Jane.

Elas caminharam até a sala onde o Jornal Oficial era gravado e transmitido.

— Quando eu era criança, pensava que o Jornal era toda uma empresa na cidade — disse Reyna.

— Você achou mesmo que a realeza ia se deslocar toda sexta para a cidade? — debochou Sirena.

— Isso parece muito solitário.

Como em toda a transmissão, os jornalistas e técnicos das câmeras corriam de um lado para o outro. Assim que pisaram dentro do estúdio, um assistente foi guiar as três para onde as cadeiras de sempre estavam.

Se Jane achava que as suas criadas tinham exagerado no seu vestido, embora com estilo, não se comparava a alguns outros. Tanto brilho e tantas cores brilhantes chegavam a cegar os olhos. Se Murissa ainda estivesse lá, ela seria a razão principal da enxaqueca de muitas pessoas.

— Somos exibidas que nem troféus — resmungou Barbara, ajeitando o seu vestido à frente.

Ela não parecia ter mais paciência que Igone para questões diplomáticas.

A rainha Doralice estava ajeitando a gravata de Liam, e Jane ficou feliz por poder captar uma cena tão cotidiana entre eles. Era o tipo de coisa que os fazia ter certeza de que eram reais.

— Em seus lugares!

— Onde está Stelle? — perguntou Queensley.

Benny apenas deu de ombros, quando olharam para ela.

— Amizade é outro nível, não é, amores? — brincou Sirena, passando os braços pelos ombros de Reyna e Jane.

A assistente mandou Lucy guardar o espelho, argumentando que atrapalhava o foco das câmeras, o que desencadeou em reclamações por parte da loira.

— Ela está atrasada — Fabiane reclamou.

Todas acabaram se vendo preocupadas pela demora, quando todo o set já estava arrumado e começou a contagem regressiva para o começo do Jornal Oficial. Jane não conseguiu concentrar-se nas palavras de Rita Skeeter, olhando de tempos em tempos para a porta.

— Será que aconteceu alguma coisa? — perguntou Reyna, preocupada.

 Estavam comentando sobre alguma revolta quando Stelle finalmente apareceu, tentando entrar o mais discreta possível.

— Onde você esteve? — perguntou Benny, em voz baixa.

Antes que conseguissem manter uma conversa, Rita decidiu dar início às entrevistas, começando por Lucy, que parecia ter esquecido das reclamações sobre a assistente, o seu ego inchado por ter sido a primeira a ser chamada.

— Bom, teremos um descanso — comentou Fabiane.

— Ou não. Talvez ela fique se gabando — contradisse Sirena.

— Eu espero que tenhamos um descanso — apoiou Jane.

Rita agradeceu pelas respostas de Lucy, chamando Queensley, que era excelente com as palavras. Não era de se espantar que estivesse em uma alta estima pelo povo.

Todas as vezes em que Fabiane ou Stelle abriam a boca, faziam o público rir pelas piadas improvisadas. Provavelmente todos que assistiram aos cinco minutos de fala de Chernobyl, concluíram que ela era completamente pirada. Jane não estranharia se alguns psiquiatras da Casta 3 resolvessem fazer uma visita ao castelo, demonstrando preocupação por sua saúde mental. Severina era calada e só respondia monossilabicamente e esporadicamente às perguntas feitas por Rita, dificilmente alguém simpatizaria com ela. Gintare parecia querer gastar todo o seu tempo na televisão divulgando as suas obras e falando sobre situações que ela já passou dentro e fora da Seleção.

Sirena deu uma piscadela para Jane, antes de ser entrevistada e fazer a todas que a conheciam ficarem de boca aberta. Talvez para escandalizar e desagradar a família, ela tentou imitar as tentativas de Lucy de ser sedutora — ou vulgar, dependendo do ponto de vista. Reyna apenas negou com a cabeça, sorrindo, antes de ser chamada para substituí-la.

— Você não vale nada — Jane murmurou.

A morena aumentou o sorriso em seu rosto, provavelmente pensando nos frutos da sua rebeldia.

— Janeth Mirren, de Angeles.

Sirena deu um tapa de leve no seu ombro, apoiando-a.

— Janeth — Rita deu um sorriso, quando ela sentou-se à sua frente — O que você mais gosta de fotografar?

— Eu não tenho uma preferência. Pego a minha câmera fotográfica e tiro fotos de ambientes, pessoas, objetos, o que os meus olhos enxergarem como belo e que merece ser retratado — Jane respondeu.

— Estava hospedada em um hotel de Angeles quando recebeu a notícia de que foi selecionada. Como foi isso? Você esperava ser selecionada?

Ela era uma jornalista muito bem informada. Ela sabia sobre a verdadeira Jane?

— Apesar de ter nascido aqui em Angeles, eu passo muito tempo em outras províncias e às vezes em outros países fotografando. Eu sempre tive curiosidade para conhecer o castelo, aqui é realmente muito lindo. Nenhuma fotografia que eu tenha tirado antes se compara as que tirei aqui. Eu não sei o que esperava, só tentei, como muitas garotas aqui fizeram. Foi um pouco estranho porque eu estava jantando e todo mundo do hotel parou para me olhar, foi bem constrangedor.

— Agora você já deve estar um pouco acostumada com os olhos voltados para você, não é mesmo? — Rita riu — Você foi a primeira colocada nas listas de várias revistas como a favorita do povo para ganhar a Seleção. Por que você acha que recebeu tanta simpatia?

Ela tinha sido treinada para ser uma princesa.

— Sinceramente, eu não sei. Não tenho feito nada de diferente ou extraordinário — respondeu Jane.

Olhando para trás, ela pôde ver Sirena revirando os olhos e Reyna rindo.

O quê? Ela não tinha feito nada!

— Sei — Rita disse vagamente, voltando a olhar para suas fichas de apresentação — Como tem sido a sua relação com o príncipe? Vocês saíram muito? Já se beijaram?

— O quê? Não! — Jane respondeu, pega de surpresa pela pergunta, não se lembrava das outras selecionadas terem sido perguntadas sobre isso.

— Não saíram ainda? — a jornalista parecia surpresa.

— Não, não é isso o que eu quis dizer. Nós saímos, é claro, todas já saíram com o príncipe...

— Mas nenhuma o beijou, certo?

Jane ficou sem saber o que responder.

— Eu não posso dizer pelas outras — disse, por fim, antes que a sua demora ficasse constrangedora — Nós nunca nos beijamos.

— Isso não te incomoda? — Rita perguntou.

Ela parecia bem confortável em confrontá-la. Na verdade, a cada momento em que ela se enrolava, Rita parecia mais contente. Viu pelo canto do olho, Liam se mexer na cadeira, como que querendo intrometer-se na entrevista.

— Estamos há apenas algumas semanas no castelo — disse Jane — Se alguém já o beijou, essa pessoa tem muita sorte porque eu não consigo ver o príncipe tomando uma atitude precipitada.

Aplaudiu-se internamente por ter conseguido não chamá-lo pelo nome na frente de todos, isso seria bem mais constrangedor do que chamá-lo pelo nome na frente de suas amigas.

— Essa é a sua opinião sobre ele? Se pudesse classificá-lo em uma palavra, qual seria?

Essa pergunta sim ela tinha escutado as outras responderem.

— Uma palavra só? — Jane riu — Ah! Não dá!

— Tudo bem, não precisa corar — Rita deu uma piscadela — Obrigada por sua companhia, senhorita Mirren.

Respirou aliviada pelo fim da entrevista, mas só conseguiu relaxar totalmente quando voltou a se sentar. As câmeras deviam ter acompanhado-a até que a jornalista chamou Valerie.

Uma palavra só? — repetiu Sirena, dando uma risada debochada.

Ah! Não dá! — completou Reyna, também debochada.

— Calem a boca — resmungou Jane, olhando para a frente.

McGonagall lançou um olhar para ela, repreendendo-a por sua posição: as costas curvadas longe do encosto da cadeira, enquanto ela apoiava os cotovelos nos joelhos e o queixo em uma das mãos.

— Jane virou da plebe agora — comentou Sirena — Não notou? Toda certinha quando a gente entrou na Seleção, e agora ela senta assim.

— Uma palavra que você definiria o príncipe Liam? — Rita perguntava.

Só naquele momento Jane percebeu como Valerie parecia frustrada com alguma coisa, não estava sorrindo nem fazendo seus joguinhos. Ela estava tão apática quanto Severina, e não poderia imaginar a garota que fez um escândalo com as criadas por causa de pulseira agir desse jeito em frente às câmeras, em frente à realeza.

— Cavalheiro — respondeu Valerie — Ele é muito cavalheiro.

— Vocês já tiveram um encontro, certo? Como foi? Vocês se beijaram?

— Sim, nós já nos beijamos.

Sirena, ao lado de Jane, arregalou os olhos, assim como várias outras garotas, que pareceram completamente espantadas com a notícia. Reyna, ao contrário delas, apenas franziu o cenho, parecendo pensar em alguma coisa. Jane não estava conseguindo expressar nenhuma reação, nem escutar o que estava acontecendo ao seu redor.

Assim que as luzes das câmeras se apagaram, levantou-se de sua cadeira, saindo o mais apressada que podia.

— Jane!

Tirou os sapatos de salto, apenas alguns corredores depois do estúdio, antes de subir correndo as escadas.

— Jane, o que houve? — McKinnon perguntou, preocupado.

Ela não conseguiu responder, sentindo um nó enorme na garganta, então apenas deu de ombros, abrindo a porta do quarto e trancando-a.

Encostou a testa na porta, sentindo aquele aperto no peito aumentar e a pressão em seus olhos, derrubando algumas lágrimas.

— Jane, abre a porta! — escutou a voz de Sirena do outro lado.

Estamos há apenas algumas semanas no castelo. Se alguém já o beijou, essa pessoa tem muita sorte”.

Ela era uma idiota.

Sentou-se no chão à frente da porta, jogando os sapatos o mais longe que conseguiu, com raiva, antes de encolher-se, encostando a testa nos joelhos.

Escutou as portas da sacada baterem, provavelmente pela força do vento. Ou foi o que pensou, antes de sentir uma mão na sua testa. Bateu as costas na porta, assustada, pensando se o assassino de seu pai tinha vindo atrás dela.

— Ei! Calma! — disse Sirena, sentando-se ao seu lado — Está tudo bem.

— Como você entrou? — Jane perguntou, contendo um soluço.

— Pela janela — ela apontou para as portas da sacada — Você não me deu muitas opções, não é? Pulei da minha sacada para a sua. Fácil.

Considerando que ela ainda usava o vestido longo, era uma proeza realmente admirável.

— Acho que você ainda não estava preparada para isso — comentou Sirena.

Jane passou as mãos pelo rosto, secando-o das lágrimas.

— É, eu acho que não — ela respondeu.

— Eu vi muitas reações. De todas, você foi a única a chorar.

McKinnon voltou a bater na porta, preocupado. Sirena respondeu também dando umas batidas e Jane perguntou-se se estariam falando em código Morse.

— Não quero falar sobre isso — respondeu.

— Tudo bem, mas você vai ficar bem?

— Eu sempre fico.

♛♛♛

Já era de tarde, mas aos sábados não havia uma exigência de seguir rotinas, como era durante a semana. Por isso, Jane estava encolhida debaixo das cobertas, tentando aquecer-se do frio. Talvez alguma mudança de estação estivesse próxima de acontecer.

As criadas teriam que arrumar vestidos mais quentes, não que ela fosse reclamar. Era mais condizente com os tipos de roupa que estava acostumada a usar na Nova Germânia, apenas algumas semanas em Illéa não mudariam isso.

— Jane, você não vai acreditar — Sirena fechou a porta do quarto, deitando-se ao lado dela.

Ela não parecia sentir muito frio, já que ainda usava os vestidos de manga curta usuais.

— A essa altura, eu acredito em tudo — murmurou Jane.

— Valerie foi expulsa da Seleção.

Ela sentou-se na cama, segurando o edredom consigo, para cobrir o seu tronco desprotegido.

— Expulsa? Como assim? — perguntou.

Era difícil de acreditar que o príncipe expulsaria uma garota com quem trocou saliva.

— A Valerie nunca teve um encontro com ele — disse Sirena — Ou seja, eles nunca se beijaram. Ela mentiu para toda a nação. Ele ficou furioso! Disse no café da manhã que não admitiria esse tipo de coisa novamente. Pensando bem, foi a primeira vez que ele nos deu satisfações sobre uma eliminação.

De toda a mensagem, a única coisa que Jane ouviu foi...

— Eles nunca se beijaram? — perguntou para confirmar.

Sirena revirou os olhos, rindo. Ela pôs as mãos em um dos travesseiros de Jane, mas pareceu desistir da ideia de causar uma guerra de travesseiros.

— Foi o que eu disse — implicou — Ninguém realmente lamentou. Ela era uma chata. As empregadas com certeza fizeram uma festa. Então, nos dará a honra de sua presença no almoço?

— Só se você me arrumar um vestido de manga comprida — Jane respondeu, ainda encolhida sob as cobertas.

— Hope! — Sirena gritou.

Resmungou, encolhendo-se mais na cama, sentindo que tinha ficado surda com o grito da amiga. Qual era a necessidade daquilo, afinal?

Precisou arrumar-se com as reclamações de Sirena, que dizia que elas iam se atrasar para o almoço. Se dependesse dela, nem estaria saindo do quarto, aos sábados não eram obrigadas, tanto que a realeza muitas vezes nem estava lá.

Apreciou a lareira acesa, assim que pisaram na Sala de Jantar. O calor da lareira e o tecido pesado do vestido foram uma boa combinação para aquecê-la daquele tempo.

— Sortudas — Reyna reclamou, indicando as que estavam mais afastadas na mesa e, portanto, ao lado do fogo.

— O clima daqui não se compara ao de Whites — comentou Evanna.

— Mas não deixa de ser mais frio do que Panama.

Jane só podia concluir com aquelas conversas que Illéa era um país enorme.

— Ele não para de olhar para você — Sirena sussurrou.

Tentou não ficar muito nervosa com essa informação, concentrando-se apenas na sua refeição.

— Algum plano para essa tarde? — perguntou Reyna.

— Eu vou tirar um cochilo — respondeu Sirena — Estou me sentindo particularmente preguiçosa hoje.

— Eu dormi a manhã inteira, queria alguma coisa para fazer — disse Jane, sorrindo.

— O que acha de irmos até as cozinhas do castelo? — Reyna sugeriu, em uma voz mais baixa para que não fossem escutadas.

— Querendo apresentá-la o futuro lar dela? — perguntou Sirena.

— Estava pensando em cozinhar alguma coisa. É bem relaxante.

Jane pousou o garfo no prato.

— Eu gostei da sua ideia.

Reyna olhou para a frente.

— Deveríamos chamar mais alguém? — parecia estar pensando em voz alta.

— Não, vamos só nós mesmo... Um grupo muito grande chamaria a atenção — respondeu Jane.

Sirena tinha se desligado da conversa, parecendo muito mais interessada em observar a sobremesa.

— Ele ainda está te observando — ela comentou, os olhos ainda fixos na torta.

— Pare com isso — reclamou Jane.

Só como vingança, ela cortou um pedaço da torta, pondo-a em seu prato, fazendo Sirena olhá-la chocada.

— Ah! Que se dane! — ela resmungou, antes de também pegar um generoso pedaço.

Reyna apenas revirou os olhos para as duas.

♛♛♛

Jane não deveria estar acostumada a se esgueirar pelos corredores do castelo, mas a verdade é que já tinha tido muitas oportunidades para fazer isso e era sempre surpreendente como os guardas não pareciam se importar com isso.

— O castelo tem muitas passagens secretas — disse Hope, antes de empurrar alguma pedra de uma parede qualquer, que deu espaço para uma porta de madeira — A maioria são abrigos criados para o caso de um ataque rebelde, mas muitos são atalhos para o subsolo e outras áreas inacessíveis.

— Como a cozinha — completou Reyna, maravilhada.

Jane lembrou-se da passagem secreta perto da biblioteca que dava para aquele depósito de quadros e fotografias antigas. Realmente, era um enorme palácio cheio de segredos, imaginava como seria divertido passar a infância desvendando as passagens, como tinha feito em sua casa. Não tinha passado muito tempo em outros castelos, só lembrava-se de ter vindo a Illéa uma vez quando criança. Isso com certeza era algo que ela gostaria de mudar nas relações entre as monarquias.

— Com cuidado — disse Hope, indo à frente.

Uma enorme escadaria curva e estreita abria-se à visão, apenas algumas luzes presas à parede permitiam que vissem o caminho e bem pouco.

— É, fazia algum tempo que eu não descia aqui — comentou Hope — Geralmente, as criadas dormem aí. Ah! Os guardas também! Tem uma passagem do outro extremo que dá para o lado de fora, nas rondas que eles dão pela propriedade.

Jane parou de caminhar, assustada.

— Os guardas? — ela perguntou.

— Eles não irão questionar — Reyna empurrou-a de leve, para que ela voltasse a caminhar — Ainda mais com a minha mãe aqui. Talvez se estivéssemos sozinhas...

Depois de mais alguns degraus, a passagem parou de ser estreita para desembocar em uma enorme cozinha, que dava para um corredor mais à frente, onde Jane supunha que ficavam os quartos. Ao lado, mesas extensas de madeira e bancos tão longos quanto deviam servir para as refeições dos criados. Apesar de ser um lugar tão oculto, era muito agradável.

— Você sabe, as casas normais não são assim — Reyna brincou — Quero dizer, não costumam ser. Eu não sei como é a casa da Sirena.

— Reyna — uma das criadas aproximou-se, pegando nas suas mãos — É tão bom te ver!

— Olá, Papoula. Está esquentando algumas folhas?

— Eu acho que Charity está ficando doente outra vez. Se ela for demitida, o que será de sua família?

— Não acho que o príncipe deixaria que fizessem isso com ela.

Papoula sorriu, como se Reyna fosse ingênua demais para entender.

— A monarquia não pode se importar com os empregados enquanto tem um país inteiro para governar — ela respondeu — E uma bela moça para escolher.

— Dessa vez esperemos que seja uma bela moça mesmo — disse Hope, pegando uma das panelas.

Jane cobriu a boca com as mãos, tentando não gargalhar.

— Mamãe! — exclamou Reyna, fingindo estar surpresa — Você falando mal de alguém?

— Eu não disse nada! — ela deu uma piscadela — Venha, Jane, vou te ensinar a fazer um bom brigadeiro. Está se sentindo bem hoje, não é?

— Ela tem que provar o de morango.

Colocar as mãos nos ingredientes e ver como tudo era feito era uma experiência completamente diferente das que Jane estava acostumada a vivenciar. Reyna tinha toda a razão, cozinhar era relaxante.

♛♛♛

— Deveríamos levar para a Sirena — sugeriu Jane, conforme elas subiam as escadas.

Hope tinha ficado para trás para visitar Charity e ajudar Papoula.

— Ela não quis vir, perdeu — Reyna deu de ombros — Quem sabe da próxima vez...

Elas calaram-se, ao escutar gritos e correria do outro lado da porta. Jane aproximou-se para abri-la, quando Reyna puxou a sua mão para impedi-la.

— Vamos voltar — ela disse, séria.

Voltaram a descer as escadas, apressadas. A cozinha parecia bem menor dessa vez, várias criadas que não estavam lá antes e muitos guardas também.

— Pensei que tivessem subido — disse Hope, parecendo aliviada por estarem ali — Vamos para dentro.

A empregada puxou as duas pela mão, levand-os para o corredor onde ficava os quartos dos criados do castelo.

— O que está acontecendo? — Jane atreveu-se a perguntar, assim que Hope abriu a porta de um dos quartos, que supôs ser dela.

— Os rebeldes estão no castelo.


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