Morte no Espelho escrita por LudmilaH


Capítulo 3
Capítulo 3 – Flagrante




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— A ficha de Fernanda Gonçalo é limpa como água – disse Jéssica, de pé ao lado da mesa do delegado. – E como esperávamos, ninguém da família tem ficha na polícia também. Eu esperava pelo menos alguns boletins por agressão, mas não achei nada.

Emílio assentiu.

— Acho que todas as queixas foram retiradas, como você deve imaginar – disse ele. – Dos empregados mais próximos, achou algum suspeito?

— Nada muito relevante. – disse ela. – A fazenda tem muitos empregados, mas os homens de confiança dos Gonçalo também devem saber cobrir seus rastros muito bem, se é que estão mesmo fazendo alguma coisa de errado. Eu fui lá sondar alguma coisa...

— Esteve na fazenda dos Gonçalo? – perguntou ele.

— Sim, mas não se preocupe, disse que queria ver como a sra. Gonçalo estava e aproveitei pra fazer umas perguntas. Nada demais, não se preocupe.

Emílio olhou-a novamente, um olhar entre descrente e desconfiado.

— Me disseram que não havia nada de errado acontecendo, nem nada de incomum – ela continuou. – Disseram que o motorista de Fernanda foi substituído no mês passado por causa de um acidente de carro que sofreu e que o novato era meio calado, mas não chamaram atenção pra isso. Pedi a ficha dele mesmo assim.

Ela colocou a folha sobre a mesa. O homem aparentava ter cerca de 30 anos, os cabelos lisos lhe escorriam pretos ao lado do rosto e paravam na altura do queixo. Os olhos revelavam traços orientais, mas não tinha nada de muito especial.

— Ele é daqui? – perguntou-a o delegado.

— Não, é de Rios Verdes – respondeu ela. – Disseram que ele é muito tranquilo, mas não conversa muito e nem se abre com ninguém. Mora na fazenda, mas ninguém sabe se tem filhos, e nem nada do tipo.

— Qual o nome do sujeito?

— Carlos Oliveira, divorciado, 37, sem antecedentes. Também acha que pode ser o suspeito que estamos procurando? – perguntou a moça.

— Acho que todos podem ser o suspeito que estamos procurando. – disse ele. Observou com cuidado a reação da detetive, mas ela não pareceu se abalar com a afirmação. – Procure o nome dele nos registros da cidade, vamos ver se esse cara já esteve por aqui antes ou não.

— Ok – assentiu ela.

— Os resultados sobre a causa mortis do cara já chegaram? – perguntou ele.

— Ainda não – respondeu a moça. – Mas o responsável disse que nos entregaria até amanhã no início do dia.

— Alguma novidade sobre a identidade dele?

— Mandamos os dados para a capital, mas eles também só devem enviar os resultados amanhã. Vou dar uma cobrada ainda hoje.

— Ótimo – disse o delegado. – Continue nessa linha, Jéssica, acho que podemos ter algum avanço com relação a este motorista novato da sra. Gonçalo. Eu vou ter que sair, mas me avise se tivermos algum avanço.

Jéssica o observou pegar o casaco, e juntou os papeis que tinha espalhado sobre sua mesa.

— Quer que eu vá com você? – perguntou ela. – Ou podemos pedir um dos agentes pra te acompanhar...

— Nada vai acontecer à luz do dia, Jéssica – disse ele. – Quando escurecer, eu vou pra casa, pode deixar, mãe.

Jéssica respondeu seu sorriso pequeno com um outro, e seu olhar sério acompanhou o homem até que a porta da delegacia se fechasse à sua passagem.

Jéssica voltou para a repartição ainda encarando a porta com o cenho franzido. Jonathan, que mexia em alguns arquivos por ali, notou.

— Algum problema, detetive? – perguntou ele, ao que Jéssica se sobressaltou ao ouvi-lo. Recompôs-se enquanto o agente a observava, bastante sério.

— Não, Jonathan, não é nada. – disse ela. – Só estou preocupada com Emílio. Você sabe, e você mesmo disse que ele também está preocupado com essa situação.

Jonathan franziu o cenho.

— Aham – concordou ele. – Bem, eu faço uma ideia – disse. – Quero dizer, quem não estaria preocupado?

Jéssica acenou com a cabeça, o olhar ainda perdido em algum ponto na saída do lugar enquanto mordia o canto da boca com ansiedade.

— Sabe aonde ele foi? – perguntou ela ao agente. – Você chegou a falar com ele hoje à tarde, talvez ele tenha te dito alguma coisa.

Jonathan olhou pra ela, desconfiado.

— Por que, detetive? – perguntou ele. – Algum problema?

Jéssica virou-se para olhá-lo e pareceu ponderar a resposta por um segundo antes de dizê-la.

— Por nada – respondeu por fim. – Jonathan, me desculpe, eu vou ter que dar um telefonema. Preciso ver se os dados que foram pra capital já foram processados.

Jonathan sorriu de volta pra ela enquanto ela se afastava em direção aos fundos da delegacia.

O celular do delegado vibrou em seu bolso e ele o pegou para ver a mensagem.

"Ela perguntou onde o senhor tinha ido. Disse que não sabia. Foi fazer uma ligação nos fundos. Melhor tomar cuidado."

O delegado suspirou, colocando o aparelho de volta no bolso. Seria realmente melhor que tomasse providências, e a primeira delas seria não aparecer em casa tão cedo. O celular vibrou novamente, e Emílio praguejou uma vez antes de pegá-lo no bolso.

"Descobriram a causa mortis do cara. Você volta ainda hoje? Não acho seguro falarmos por aqui."

Jéssica podia estar tentando atraí-lo de volta para a delegacia ou mesmo querendo ter uma desculpa pra saber onde ele estava.

"Amanhã vemos com calma" Respondeu ele, simplesmente. Jéssica demorou alguns segundos para responder com um "Ok", e Emílio guardou o telefone no bolso novamente.

Sempre amara a tecnologia, principalmente porque ela ajudava muito em investigações. Mas, naquele momento, sentia-se vigiado. Por que todos tinham que ter o acesso tão fácil a todo mundo?

Quando o celular vibrou uma terceira vez, o homem quase praguejou alto. Mas o pegou para ver a mensagem mesmo assim.

"A casa é sua", dizia simplesmente. Emílio sorriu.

***

— Obrigado por me ceder a edícula – disse o homem, sorrindo, apertando a mão do outro.

— Vai ser um prazer recebê-lo, delegado – respondeu Bruno Ferreira, devolvendo o aperto de mão. – Principalmente depois do que fez por Pedro. Ficamos sabendo da conversa na delegacia.

Pedro Ferreira, do alto de seus 18 anos, abaixou o rosto moreno. Bruno, seu pai, tinha sido colega de escola de Emílio e Gustavo, mas preferira a vida na fazenda aos desafios dos trabalhos investigativos dos dois amigos. Trabalhara durante quase a vida inteira na fazenda dos Gonçalo, e há poucos anos, conseguira comprar um pedaço de terra que vizinhava a dos antigos patrões.

Emílio sorriu, olhando o garoto, e em seguida voltou-se para o amigo novamente.

— Não foi nada. Há tempos procuro uma desculpa pra negar os caprichos dessa gente. – respondeu ele. – E ainda estou me perguntando por que diabos você e Gato só me chamam de delegado desde que voltei.

Bruno sorriu.

— Porque é isso o que você é, não é? – riu-se. – Afinal de contas, um cara importante como o delegado de uma grande capital que volta pra casa depois de anos deve ser tratado com o devido respeito.

Bruno gargalhou enquanto Emílio rolava os olhos, embora sorrisse.

— Só espero que negar os caprichos dessa gente, como você disse, não te traga problemas. – continuou o homem, voltando a ficar sério.

Emílio abaixou o rosto, sorrindo, e enfiou as mãos nos bolsos.

— Eu mesmo caço as confusões em que me meto, Bruno – disse ele, rindo, e o amigo o acompanhou. – Pode deixar que eu deixo seu garoto caçar as dele na próxima.

Pedro sorriu, acompanhando o delegado, e seu pai bagunçou seu cabelo, brincando.

— Mas bem, pode ficar à vontade, Emílio. – disse Bruno. – Se quiser jantar conosco, será muito bem vindo. A edícula estava vazia há alguns meses, então não deve ter nada além de insetos nos armários.

Emílio riu.

— Eu estou sem fome, Bruno, mas obrigado de novo. – respondeu. – Diga à Júlia que eu vou perder a oportunidade de comer da comida dela desta vez.

— Pode deixar que eu digo – disse Bruno. – Mesmo porque, se ela me ouvir falando de insetos depois da faxina que deu aqui quando você disse que vinha, acho que a próxima autópsia de Gato vai ser a minha.

Os três riram.

— Pode apostar que sim – disse Pedro, e Emílio riu mais ainda.

— Mães não mudam, certo? Só de endereço – e riu-se outra vez.

— Bom, então vamos deixá-lo à vontade. – Bruno deu um passo atrás, afastando-se em direção à porta. – Se precisar de alguma coisa é só gritar, estaremos logo aqui do lado.

Emílio sorriu para ele.

— Pode deixar. – respondeu. – E obrigado de novo.

— Eu que agradeço, delegado – respondeu Pedro. Os três sorriram, Bruno e o filho se retiraram e fecharam a porta ao passar.

Emílio olhou para os lados, avaliando o lugar. A edícula do sítio dos Ferreira era confortável, tinha um cômodo grande que se dividia em sala de estar, de jantar e cozinha, e uma suíte com cama de casal e banheiro. Júlia tinha realmente caprichado naquela faxina às pressas, pensou ele. Sentou-se no sofá, tirando as poucas coisas que tinha comprado na cidade da sacola que trouxera. Uma muda de roupa e um pijama, escova e pasta de dentes, um chinelo. Tirou a arma que trazia presa na parte de trás do cós das calças, e checou o pente. Cheio, como todas as outras vezes. Jamais precisara usá-la em Laranjal. Esperava não precisar fazê-lo agora.

Recostou a cabeça no encosto do sofá, sentindo-se confuso e cansado. Não acreditava que Fernanda Gonçalo estaria atrás de sua cabeça, e preferia pensar que Jéssica não estava mesmo tentando tirá-lo do cargo. Mas que outra explicação teria? Aquele homem era quase uma cópia sua, e que outra pessoa teria o trabalho de matar um sósia seu para assustá-lo? Seria aquilo realmente só um susto ou um aviso? Um arrepio percorreu sua espinha, e Emílio balançou a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos. Resistira bravamente a comprar uma cerveja ou um maço de cigarros, e não seria agora que sucumbiria à tentação de ficar pensando daquela forma. Se fosse um susto ou um aviso, ele lidaria com aquilo da forma como pudesse. E que Deus os ajudasse se eles fossem realmente atrás dele.

Emílio levantou-se, pegando suas coisas, e levou-as todas para o quarto. Entrou para o banheiro, louco por um banho, e só então se deu conta de que tinha esquecido de comprar um sabonete. Praguejou baixo, lavou-se como pode, vestiu o pijama novo e foi para a cama. Não se dera conta do quão tarde estava até olhar no relógio de pulso e ver que já passavam das 23h. Deixou-o na cabeceira, junto com a arma, e sentou-se, verificando o celular.

Não havia mais nenhuma mensagem de Jonathan, Jéssica ou de Gato, e a última ligação que fizera tinha o registro do número da mãe. Pensou em ligar pra ela, sentindo-se estupidamente velho pra ter medo do escuro. Desistiu da ideia e deitou-se, deixando o celular ao lado das outras coisas ao lado da cama, e esticou-se para apagar a luz.

Então, ouviu um barulho.

Emilio abriu os olhos para a escuridão de breu, assustado com a rapidez com que seu coração acelerara as batidas. O assoalho amadeirado da edícula era um ótimo delator de intrusos, pensou ele. Por um instante, ponderou se não podia ser fruto da sua imaginação, e acalmou-se um pouco.

Então, ouviu outra vez.

Tomando cuidado para não fazer barulho, Emílio livrou-se das cobertas, pegando a arma e apontando-a em direção à porta. Seus olhos tinham começado a se acostumar com a escuridão, e ele conseguia já distinguir as formas das paredes e móveis. Deixou o chinelo embaixo da cama e dirigiu-se pé-ante-pé para a saída do quarto.

Ao passar pela porta, virou-se para os dois lados na sala, checando se o ambiente estava livre. Não viu nada.

— Bruno? – chamou, incerto do que estava fazendo, pensando que o amigo talvez quisesse lhe pregar uma peça. – Júlia? – chamou outra vez.

Então, quando se virou para trás, um vulto pulou em suas costas, dando-lhe uma chave de braço. O agressor era mais baixo que Emílio, que curvou-se para trás com o golpe. Sentiu o outro pressionar um pano molhado sobre seu nariz e boca.

Envenenamento por vias aéreas, lembrou-se de Gato falando. Prendeu a respiração e deu uma cotovelada no corpo atrás de si, ouvindo-o soltar uma bufada. O aperto no pescoço afrouxou-se apenas o suficiente, e Emílio impulsionou seu corpo para baixo, apoiando o estranho em suas costas, para em seguida curvar-se, derrubando-o no chão.

Ele apontou a arma para o outro, mas não teve tempo de atirar. Com um chute, foi desarmado, e com outro, foi acertado no rosto e em seguida, no pescoço. Emílio cambaleou para trás, dando alguns passos, tentando recobrar a respiração, e depois abriu os olhos novamente, se esforçando para enxergar. Não conseguiu ver o agressor, e virou-se para o lado. Teve tempo apenas de vê-lo, antes que ele desse com a arma na parte de trás de sua cabeça e Emílio não visse mais nada.

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Notas finais do capítulo

Ixi! Será que deu ruim pro Emílio?
Aproveitando para agradecer à maravilhosa Rain, que me acompanha desde os primórdios dessa história hahaha Obrigada, obrigada, obrigada! ♥
Deixe um comentário também, falando o que achou!
Obrigada por estar aqui :)



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