Morte no Espelho escrita por LudmilaH


Capítulo 4
Capítulo 4 – Causa Mortis




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/763015/chapter/4

Jéssica martelava a mesa com a borracha do lápis pelo que lhe parecia uma eternidade. Todas as pistas que tinha sobre Fernanda Gonçalo tinham dado contra a parede, e entre os casos investigados por Emílio em Laranjal, não havia ninguém que pudesse parecer ao menos suspeito. A detetive apoiava a testa em uma das mãos, encarando os papeis sobre a mesa, procurando ver algo que ainda não notara. O que poderia estar por trás de todos aqueles aspectos que não pareciam sequer ligados entre si?

— Trabalhando até tarde, detetive? – a voz de Jonathan soou de algum lugar no escuro da sala, sobressaltando a moça. Jéssica pulou na cadeira antes de ver o agente surgir das sombras, perto da porta da sala de Emílio.

— Você me deu um susto, Jonathan – disse ela. O homem a encarou, chegando mais perto.

— Com medo de algo? – perguntou ele.

Jéssica levantou os olhos, franzindo o cenho.

— Não. – disse ela. – Deveria?

O agente estreitou os olhos, depois caminhou até ela e sentou-se ao seu lado.

— Nessas situações, sempre estamos com medo de alguma coisa.

Jéssica assentiu, voltando os olhos para os papeis novamente.

— Sim – concordou ela. – e o pior é não saber o que temer.

Jonathan continuava sério, encarando agora os papéis sob a luminária na mesa da detetive. Todos os outros já tinham ido pra casa, e aquele lugar vazio parecia mais sombrio do que nunca.

— O que temos até agora? – perguntou ele.

Jéssica suspirou antes de responder.

— Basicamente nada. – respondeu. – Sabemos que um cara foi torturado depois de morto, que ele veio de um presídio a milhas daqui, que aparentemente não tem nada que o ligue a Emílio e que Fernanda Gonçalo não tem nada a ver com o caso.

A detetive jogou o lápis sobre os papéis que estivera encarando, parecendo frustrada, e Jonathan franziu o cenho, estranhando. Se ela estava mesmo por trás de tudo, por que estaria tão nervosa por não conseguir descobrir nada? Será que precisava tanto assim de um álibi para caso Emílio a denunciasse?

— Você disse que o homem não tem nada a ver com o delegado Carvalho. – testou ele. – Já sabemos qual a identidade dele?

— O resultado chegou há umas duas horas – disse ela, colocando uma das folhas por cima das outras. – Patrício Vargas, 47 anos, preso há dois anos por estupro. Patrício veio transferido de um presídio de outro estado por ter sido ameaçado por outros internos, e aqui não parece ter se dado melhor, visto que morreu envenenado. A família o abandonou depois da condenação, e continua na cidade onde ele foi preso, muito longe daqui. Não vi nada que o ligasse a Emílio a não ser a aparência.

— Tem certeza de que não são parentes? – perguntou o agente.

— A única maneira de saber por certo seria mapeamento genético, e isso demoraria dias – respondeu a moça. – E ainda assim, acho que não a informação seja pertinente para o que estamos procurando.

Jonathan franziu o cenho mais uma vez.

— Como assim? – perguntou.

— Acho que a morte de Patrício está ligada a Emílio, não necessariamente a vida. – respondeu Jéssica. – Quem o matou não o deixou na nossa porta por acaso, você também deve pensar o mesmo. – Jonathan hesitou, mas concordou em seguida. – Aparentemente, Emílio é o único que não enxerga essa possibilidade.

O agente se mexeu, desconfortável.

— Ele talvez tenha uma suspeita. – tentou ele.

— Se ele desconfia de Fernanda Gonçalo, não me deu pistas o suficiente para perseguir, e com certeza não tomou as devidas precauções. Saiu e não disse aonde ia, e nem quis levar ninguém para acompanhá-lo. – disse a detetive. – Alguém mais paranoico poderia dizer que ele está desconfiando de alguém da delegacia, pra fazer assim tanto mistério.

Jonathan novamente se mexeu desconfortável, pigarreou e aprumou-se na cadeira.

— Entendi. – disse, simplesmente. – Mas então, você disse que Fernanda Gonçalo realmente não tem nada a ver com o crime. – disse ele, tentando mudar de assunto. A essa altura, desconfiava que as suspeitas do delegado tivessem qualquer fundamento, mas não ia simplesmente entregar o jogo para Jéssica.

A detetive negou com a cabeça.

— Desde o começo, eu achei que matar uma pessoa para assustar Emílio seria uma reação muito exagerada para alguém que se sentiu ofendida por causa do filho. – começou. – Fora que a linha do tempo estaria desajustada, já que Patrício foi morto há semanas, e Emílio só ameaçou prender o garoto há alguns dias, não faria nenhum sentido. Nenhum dos capangas dela me pareceu suspeito, mesmo quando eu fui lá e me receberam com aqueles olhares que você já deve conhecer.

Jonathan sorriu.

— Eles não são conhecidos por sua hospitalidade, de toda forma. – resumiu.

— Não, não são. – respondeu ela. – O único que eu achei que merecia atenção era o tal Carlos Oliveira, mais por ser novato do que por outra coisa. Mas por que se envolveria nos assuntos dos patrões com tanta rapidez, eu não sei.

Jonathan pegou a ficha que a detetive lhe oferecia e encarou a foto que a estampava.

— Parece familiar? – perguntou ela. Jonathan franziu o cenho, e em seguida, balançou a cabeça negativamente, devolvendo-lhe a folha. – Foi o que imaginei. – disse ela.

Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos, pensando no escuro da repartição.

— Você disse que Patrício estava preso. – começou Jonathan, de repente. – Alguma ligação dele com Carlos?

— Só as datas. – respondeu a moça. – O que é uma ótima ligação, mas não há nada que coloque Carlos no presídio antes de vir pra cá. A data que Patrício foi encontrado morto é pouquíssimo tempo anterior à data que Carlos foi contratado pela Sra. Gonçalo, mas por que Carlos quereria assustar Emílio?

— Algum caso antigo? – perguntou o agente.

— Não, Carlos nunca tinha estado em Laranjal antes de aceitar esse emprego. – respondeu. – Estou com uma pulga atrás da orelha com relação a ele, mas não consegui nada concreto ainda. Sem provas, não posso chamá-lo aqui para um interrogatório sem correr o risco de que me acusem de calúnia.

Ele assentiu.

— Onde disse que Patrício estava preso? – perguntou ele.

— No presídio de Santa Mônica – respondeu Jéssica. Jonathan arregalou os olhos.

— Mas não era lá...

—...Que o torturador de policiais que Emílio prendeu estava cumprindo pena, sim, eu sei, é um ótimo palpite – disse ela. – Mas o tal Rodrigo Andrade também está morto. Na verdade, chequei a ficha dele antes mesmo de rastrear a identidade de Patrício.

O agente deixou os ombros caírem, frustrado.

— Cheque de novo. – pediu ele. – Pode ser que tenha deixado algo passar batido.

Jéssica torceu a boca, contrariada. Não era do seu feitio deixar coisas "passarem batido", mas tinha que admitir a possibilidade dessa vez. Não conseguia construir uma linha de raciocínio contínua, e a falta de pistas já estava deixando-a aflita.

A detetive abriu o computador, acessando novamente o portal de cadastros dos internos no sistema prisional. Digitou o nome de Rodrigo Andrade e acessou a página.

— Aqui está, Rodrigo Vaz de Andrade, 38 anos, morto por... – Jéssica parou por um instante, franzindo o cenho. - ...morto por envenenamento dois meses atrás. – completou, a voz soturna muito diferente do tom que estava usando antes.

Jonathan esperou que ela continuasse, mas nada aconteceu.

— O que foi? – perguntou ele.

Jéssica ainda encarou o computador por alguns instantes antes de responder.

— Ele foi morto pelo mesmo motivo e na mesma data que Patrício Vargas. – disse finalmente, e o agente arregalou os olhos, surpreso. – Tem que haver alguma ligação entre essas mortes.

— Será que quem matou os dois veio atrás de Emílio por vingança? – perguntou ele.

— Pouco provável, ou teria ajudado Rodrigo a fugir em vez de tê-lo matado. – respondeu a detetive. – Só se...

— Se...? – incentivou-a Jonathan. Jéssica suspirou antes de responder.

— Só se Rodrigo forjou a própria morte pra fugir com o cadáver de Patrício.

— O quê? – perguntou o homem. – Forjar a própria morte, como isso é possível?

— Eu não sei – disse a moça, parecendo atordoada. – Parece improvável, eu sei, mas... Aqui não consta o número da sepultura dele, e do Patrício também não constava. Isto pode tanto ter sido um descuido de quem gera os arquivos ou, na pior das hipóteses, pode ser...

— ...que os corpos nunca tenham sido enterrados. – completou Jonathan.

Jéssica assentiu.

— Qual a probabilidade de Carlos estar envolvido com isso? Quem sabe ajudou Rodrigo a fugir e escapar com o corpo? – ponderou a moça.

— Há alguma ligação de Carlos com o torturador? – perguntou o homem.

— Boa pergunta – disse ela, pegando a ficha do sujeito para comparar com as informações que tinha na tela.

A princípio, não notou nada que chamasse a atenção. Até que mudou a posição da mão com que segurava a folha e seu polegar tampou a parte de cima da cabeça de Carlos até cobrir os olhos.

Jonathan viu quando Jéssica estancou frente à ficha, parecendo ter entrado em transe.

— O que foi, o que encontrou? – perguntou ele.

— Observe esta foto – disse ela, indicando a foto na ficha de Rodrigo, no computador. Jonathan obedeceu. – Agora olhe esta – continuou, indicando a foto na ficha, tampando com os dedos o cabelo comprido do homem.

Jonathan arregalou os olhos, cobrindo a boca com uma das mãos. As duas fotos eram do mesmo homem.

— Bingo – disse a detetive, e o sorriso que se espalhou em seu rosto tinha um misto de satisfação e de algo que se parecia com "Vamos pegar este filho da mãe".

—--


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E não é que ela conseguiu mesmo desvendar o mistério?! Mas será que ainda dá tempo de salvar o delegado?...

Façam suas apostas!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Morte no Espelho" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.