Um Verão em Boulder City escrita por Carol Coelho


Capítulo 8
Chuva de Verão


Notas iniciais do capítulo

Olááa! Mais um capítulo fresquinho pra vocês. Espero que gostem o/ boa leitura ♥



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Eu tinha um sorriso irritantemente permanente que me acompanha desde ontem em todos os momentos: ao fechar a porta e encostar nela, ouvindo a van Nessa se afastando pela rua, subindo as escadas, tomando banho, dando boa noite para Abigail em seu quarto, deitando na cama, até agora enquanto lavo a louça do almoço.

Uma ansiedade boa tomava conta de mim naquela tarde: eu iria sair com Luke mais uma vez. Eu não conseguia nem mensurar o quanto aquele verão havia superado as minhas expectativas.

— Espero que a senhorita esteja disponível na próxima terça — vovó comentou, encostando na pia ao meu lado para lavar as mãos encardidas de terra. — Meus exames estão marcados já.

— Mas é claro que eu vou com a senhora — afirmei, acrescentando o último prato à pilha de louças limpas.

— Vai sair hoje a tarde? — perguntou.

— Acho que não — menti, apenas para estudar sua reação. Abigail estava realmente empenhada em me manter fora de casa.

— Por que não? — ela se virou para mim enxugando as mãos em um pano de prato que um dia já havia sido branco.

— Porque não — bati o pé para ver até onde essa conversa iria chegar.

— A Joyce não está em casa? — especulou. — Brigou com o dono da van amarela?

— Vovó — a repreendi, erguendo as sobrancelhas.

— Que foi? — encolheu os ombros. — Sou uma velhota muito observadora, tá bem? — complementou.

Suspirei, derrotada. Eu ainda não enxergava motivos para ela não me querer em casa, além de tentar remediar a cagada que meus pais haviam feito com meu verão.

— Minha mãe ligou hoje mais cedo — informei. — Queria saber se tudo estava bem e tal.

— E o que você respondeu? — indagou Abigail fingindo desinteresse.

— Que tudo estava bem — respondi como se fosse óbvio. — Por que eu responderia o contrário?

Abigail pressionou os lábios, os transformando em uma linha fina e algo dentro de mim apitou, dizendo que talvez existisse um problema maior do que eu conseguia enxergar. Mas eu conhecia Abigail. Ela é cabeça dura e teimosa, não contaria nunca. Eu teria que arrumar outro jeito de descobrir.

— Vai dar um passeio, menina — resmungou, retornando ao jardim.

Suspirei derrotada, frustrada e sem respostas. Rumei para o meu quarto para pegar meu celular e uma blusinha de frio fina caso esfriasse mais tarde. Luke havia me mandado uma mensagem.

Luke TaurinoEmergência de confeitaria. Pode ficar comigo na cozinha se quiser.
VanessaChego em dez minutos.

Sorrio e desco as escadas animada, quaisquer preocupações minadas da minha cabeça. Abigail está sentada nos fundos tricotando, algo bastante atípico.

— Tudo certo? — pergunto, saindo pela porta. — A senhora está tricotando.

— Dor nas cadeiras, minha querida — responde, virando a cabeça para mim. — Coisa de velho, nada que você precise se preocupar.

— Tem certeza? — insisto e ela afirma com a cabeça.

— Pode ir em paz — garantiu.

Beijei o topo de sua cabeça e prometi não voltar tarde. Caminhei pelas ruas tranquilamente. O sol estava agradável e não havia vento. Passei por algumas crianças de bicicleta quando virei na avenida principal.

— Boa tarde, menina — Don cumprimenta com um sorriso ao me ver passando pela porta.

— Oi, Don — devolvo seu sorriso simpático com real animação pela primeira vez. Tudo fica maravilhoso quando você está se apaixonando por alguém, não é?

Ele levanta uma porta balcão para que eu passe e entre na cozinha, um ambiente muito mais quente que o exterior. A janela circular na parede direita lança uma luz muito bonita sobre Luke, que está compenetrado em misturar uma massa de cookies em uma mesa de madeira de frente para o forno. O calor do ambiente faz sua camiseta branca grudar na pele suada o deixando incrivelmente sexy.

— Olá — saúdo, encostando o ombro no batente.

Ele ergue a cabeça de seu trabalho e sorri ao me ver. Seu rosto está sujo de farinha. É uma cena adorável.

— Boa tarde, Nessa — diz, limpando a mão no avental enquanto eu me aproximo.

Ele acaricia minha bochecha com o polegar cheio de açúcar para me sujar antes de unir seus lábios aos meus em um beijo quente como o ambiente ao nosso redor.

— Agora você é um docinho também — comentou ao partir o beijo.

Ele puxou um banquinho para que eu me sentasse enquanto ele trabalhava sovando massas, polvilhando açúcar e canela, enrolando doces e coisas assim. Era muito bonito vê-lo trabalhar: seu olhar compenetrado, a paixão com a qual suas mãos se moviam, o sorriso satisfeito ao tirar uma fornada perfeita de pãezinhos do forno. Eu parecia uma idiota o admirando.

— Experimenta esse aqui — falou, pegando uma espécie de rosquinha da forma e esticando na direção da minha boca. — É uma criação nova.

Quando eu mordi a massa crocante, uma explosão de caramelo preencheu minha boca. Fui obrigada a fehcar os olhos em deleite.

— Desse jeito eu me apaixono — comentei, sorrindo de lado.

— É exatamente essa a intenção — Luke pisca para mim.

— Injusto — afirmei.

— Como assim? — ele pergunta após colocar mais uma fornada de rosquinhas recheadas para assar.

— Você aí com seus dons culinários e ótima aparência — bufo, fingindo indignação. — E eu aqui.

— E você aí sendo uma ótima companhia — ele me levanta pelas mãos e beija minha testa. — Com o cabelo mais hidratado de Boulder City — beija minhas bochechas. — E com o sorriso mais encantador que eu já vi na vida — deu por fim um beijo rápido nos meus lábios.

Sorrio sem saber o que responder enquanto estico a mão até a mesa para sujar meus dedos de farinha sem que ele perceba. Levo minha mão até seu nariz o sujando e ele me encara com os olhos cerrados.

— Isso foi muito baixo, Frederiksen — ele balançou a cabeça e se afastou, fazendo drama. — Precisa me fazer um favor para você se redimir — pediu.

— O que eu posso fazer por você? — pergunto.

— Ir até a tia de Joyce e comprar cerejas em conserva — diz, retirando algumas notas do bolso e me entregando. — Vou decorar o bolo e já estamos liberados.

Concordo com a cabeça, saindo para a padaria e abrindo a porta balcão, como se já fosse da casa. Cruzo a avenida e entro na mercearia, dando de cara com a Joyce.

— Oi, amiga! — ela cumprimenta animada me abraçando. — Estava pensando em você agorinha mesmo.

— Pega umas cerejas em conserva, por favor? — peço e ela assente, sumindo por alguns segundos e retornando com o pote.

— E então, como foi ontem com o Luke? — pergunta. Eu estava tão extasiada que até havia esquecido de contar do nosso encontro para ela.

— Joyce, foi maravilhoso — digo, pagando pelo produto. — Comemos, conversamos, nos beijamos e ele me deixou em casa.

— Ah! — Joy exclama, animada. — Eu sabia! Você me deve vintão — comemorou. — Cadê os seus instintos, seu radar, o seu autoconhecimento?

— Ah, cala a boca — eu retruco meio sem jeito. Reviro os olhos e aperto o pote em mão. — Ele está me esperando na padaria — digo. — Mas você pode ir dormir lá em casa hoje a noite.

Eu não queria abandonar Joyce só por que eu estava saindo com um cara. Nunca gostei desse tipo de gente, então me esforçaria para não ficar assim.

— Claro — concordou. — Preciso avisar a tia Georgia, mas eu te mando uma mensagem!

— Beleza então, moça — sorri. — Até mais.

— Quero minhas vinte pratas hoje! — avisou enquanto eu deixava o estabelecimento.

Tornei a cruzar a rua e entrar na padaria. Entreguei as cerejas para Luke, que decora o bolo recém coberto de chocolate com calma e maestria. O resultado é espetacular e parece infinitamente apetitoso. Ele coloca o bolo em uma embalagem de plástico, o etiquentando. Provavelmente era alguma encomenda.

— Protíssimo — disse, batendo as mãos e espanando farinha, açúcar e canela por todos os lados.

Ele lavou as mãos na pia, pegou sua jaqueta jeans que estava pendurada em um gancho perto do forno, colocou alguns pãezinhos no papel pardo e passou um braço pelos meus ombros, me guiando por uma porta lateral na cozinha até o que deveria ser o estacionamento, porém era só uma área cercada com um sofá velho encostado à sombra da padaria e o carro vintage de Don estacionado do outro lado. Nós nos sentamos no sofá e comemos alguns pães.

— Desse jeito eu vou sair de Boulder City rolando — comento após morder um pãozinho.

— Por falar em sair de Boulder City — ele diz, se espreguiçando sobre o encosto do sofá. — Vai me contar o que te trouxe até aqui? Além do carro do seu pai, claro.

Olhei para ele.

— Você é muito curioso — acusei com um sorriso.

— Só quero saber mais sobre você. Vai que você é uma doida psicopata.

Reviro os olhos e encosto minha cabeça em seu braço esticado. Seu rosto paira acima do meu enquanto seus olhos me prendem em um lugar do qual eu não quero sair. Estar com Luke é muito bom.

— Eu não acredito em passado — confidenciei. — Então não importa.

— Como assim? — ele riu.

— O passado é só uma ideia, entende? — falei. — Não é real.

— E o futuro? — indagou.

— Mesma coisa. Tudo que existe é o presente.

— Me conte mais sobre sua teoria — pediu.

Eu ri. Não era uma teoria, era só uma ideia boba que havia me rendido nota máxima na prova final de redação no ano passado.

— O futuro nunca chega — expliquei enquanto ele entrelaçava nossos dedos me causando um comichão gostoso na barriga. — Porque ele é uma ideia. O presente nunca vai se tornar futuro porque ele sempre vai ser o presente e o futuro é uma ilusão. Fez algum sentido?

— Puta merda — exclamou me olhando. — Faz todo o sentido do mundo! Se você for parar pra pensar o amanhã nunca chega porque quando ele chega ele se torna o hoje. Porque tudo que existe é o presente — ele suspirou, olhando para a rua do outro lado da cerca de arame. — Eu nunca tinha parado pra pensar assim.

Ele balançava a cabeça indignado com a constatação que eu havia lhe apresentado. Era engraçado (e lindo, devo acrescentar). Eu sorri e apertei sua mão. É muito bom poder compartilhar suas ideias malucas e não somente ser compreendida, mas também complementada.

— Me conte agora as suas teorias malucas — eu pedi.

— Não sou das teorias malucas assim, igual você — confessou. — As coisas nas quais eu viajo são caldas de chocolate e diferentes tipos de açúcar.

— Tipo um cientista maluco, mas um que faz bolos?

— Sim. Breaking Bad da confeitaria com certeza — afirmou dando risada.

— Professor Utônio dos bolos — eu ri.

— Victor Frankeinsten dos pãezinhos.

Estar com ele, conversar com ele era bom e confortável, não um misto de fogo, ansiedade e preocupação igual meu namoro com meu ex. Não somente parecia certo: eu me sentia certa ali, atrás da padaria, comendo pãezinhos doces de mãos dadas com esse rapaz que me era um completo estranho há uma semana atrás. A paixão nos transforma em idiotas.

É claro que eu ainda tinha o receio de isso acabar em um completo desastre até porque era um romance de verão e esse tipo de romance funciona igual as chuvas da estação: rápidos e intensos. Mas o calor de sua mão na minha me fazia não sentir receio de me molhar.


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Notas finais do capítulo

Vejo vocês no próximo capítulo ♥ me digam o que acharam!