Um Verão em Boulder City escrita por Carol Coelho


Capítulo 7
As Segundas Que eu Gosto


Notas iniciais do capítulo

boa leituraaa o/ e obrigada pelos comentários lindos que vocês estão deixando, sério eles me incentivam demais ♥



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Era segunda-feira em Boulder City e eu acordei feliz. Tantas improbabilidades lutando por espaço em uma única frase que eu fico atordoada só de pensar. Ouvi meu celular vibrando com a chegada de uma mensagem e torci para que fosse Luke. Ele pegou meu número sábado depois de me deixar em casa e acabamos conversando por horas durante a noite e ontem quase o dia inteiro, uma vez que Joyce adiou nossa maratona para essa tarde porque estava se sentindo mal ontem.

Infelizmente a mensagem era só uma imagem de boa segunda-feira na conversa em grupo da minha família, cujo tempo limite da opção silenciado havia acabado. Tento fazer a simpática e enviar uma outra em troca, porém faço burrada por conta da sonolência e a envio para meus contatos mais recentes, ou seja, Joyce, mamãe e Luke. Não consigo cancelar antes que envie e, poucos segundos depois, ela foi visualizada. Eu não sabia onde enviar a cara. Já estava pronta para explicar o mal entendido quando sua resposta chegou.

Luke: As únicas segundas que eu gosto são as intenções. Bom dia.

Arregalei os olhos, agora bem acordada. Respirei fundo com o coração perdendo o compasso, sem ter ideia do que responder. Optei por uma risadinha e mudança de assunto.

Vanessa: Hahahah, muito engraçadinho.
        Vanessa: Sai desse celular e vai trabalhar, menino.

Bloqueei o celular e me levantei, com um irremediável bom humor e desci as escadas para cumprimentar Abigail, que estava tomando café apoiada na pia da cozinha.

— Bom dia — digo, sorrindo.

Ela resmunga alguma coisa enquanto eu abro a geladeira para pegar ovos.

— Não vai até a padaria hoje? — minha avó estranha.

— Hoje só vou comer uns ovos. Sabe como é, algo mais americano — respondi. — Vocês de Boulder City e essa mania de comer pão pela manhã.

Vovó riu. A verdade é que eu sabia que ver Luke me faria querer sair com ele novamente e eu não o faria hoje pois já havia marcado com Joyce. Fiz meus ovos mexidos e peguei uma xícara de café. Saboreei meu café da manhã bem americano com calma enquanto minha avó já aprontava as suas no quintal.

— A senhora precisa de alguma coisa, vó? — pergunto, colocando a cabeça para fora da porta.

Ela, sentada no chão com as mãos na terra, vira o rosto feliz para mim e faz que não com a cabeça.

— Vai pra Joyce hoje a tarde, certo? — ela pergunta.

— Acho que talvez — falo.

— Acha que talvez? Mas que raio de resposta é essa, menina?

— É, caso a senhora precise de ajuda mais tarde posso ficar aqui contigo e tal. Não tem problema nenhum pra mim, vózinha.

Ela bufou e acenou a mão, dispensando minha ajuda.

— Não sou uma criança, Vanessa — respondeu. — Pode ir em paz, minha filha.

Sorrio e me afasto, subindo para tomar um banho. As vezes eu tenho a vaga sensação de que minha avó está tentando se livrar de mim. Ela vive insistindo pra eu sair de casa, contrariando em totalidade o propósito da minha estadia ali, me lembrando que não é minha carcereira para, talvez dessa forma, tentar remediar de algum jeito esse verão na intenção de que ele não se perca totalmente. Abigail é um anjo em minha vida. Eu sou muito sortuda em poder contar com ela.

***

Mais tarde eu estava esparramada no sofá da casa de Joyce em um pré-coma de pipoca amanteigada enquanto minha cabeça surtava com o quarto episódio de The Rain.

— Claro, vamos super confiar nessa médica piranhuda ai! Com toda certeza vai acabar bem — ironiza Joyce com a boca cheia de pipoca.

— Mulher, você não cansa de comer, não? — pergunto surpresa por ela não estar em um estado de pré-coma como eu.

— Não — ela responde.

Sinto meu celular vibrar no bolso com a chegada de uma mensagem. Olho a tela de notificações e vejo o nome de Luke.

Luke: Ei
        Luke: A van Nessa quer te levar pra passear de novo
        Luke: 

Não contive um sorriso ao ler as mensagens.

— Vanessa, acorda, você viu o que acabou de acontecer? — perguntou Joyce estralando os dedos na minha frente.

— Na verdade não — confessei. — Volta, por favor?

Ao invés disso, ela enfiou a cabeça entre meu rosto e o celular para ver o que eu estava olhando.

— Eu não acredito! — exclamou, erguendo a cabeça. — Ele tem uma van que se chama Nessa! E quer te levar para sair! De novo!

Eu havia resumido para ela ao longo do dia de ontem como fora nosso passeio sábado, a fazendo ficar irritantemente convicta de que seríamos um super casal até o fim do verão. Essa empolgação durou cerca de sete segundos e foi brutalmente interrompida quando eu a lembrei que eu realmente só estaria ali pelo verão.

— Você vai? — ela indagou, parecendo um pouco chateada pela interrupção na nossa maratona.

— Mais tarde talvez — falo. — Dá play logo.

Ela me olha com os olhos cerrados e retorna alguns segundos o episódio antes de dar play. Quando a percebo distraída, abro minha conversa com Luke para o responder.

Vanessa: Pergunta se a van Nessa topa sair umas seis.

Sorrio ao enviar a mensagem e volto minha atenção para a tela de televisão, que não me prende por muito tempo já que poucos segundos depois meu celular vibra com a resposta.

Luke: Van Nessa acha um pouco tarde. Ela tem a teoria de que nada de bom acontece depois da seis.
       Vanessa: É horário de verão.
       Luke: Nesse caso, ela topa sim. Disse que te busca em casa.
       Vanessa: Estarei esperando por ela ;-)

Agora sim volto a prestar atenção total na tela da televisão que mostra uma intensa cena de correria e gritos por todos os lados. O sorriso não me abandona, toma conta de mim por completo. Olho no relógio e vejo que ainda faltam quase três horas para as seis. Bufo, impaciente porém continuo prestando atenção na televisão. Minha cabeça flutua muito longe dali. Penso em Luke, penso na van Nessa, penso em como o verão vai acabar rápido, penso nos motivos que me levaram à Boulder City e quando percebo, o episódio quatro já acabou e Joyce está de pé falando em fazer mais pipoca.

— Garota, você não se cansa? — repito a pergunta, indignada.

— Jamais — ela responde se afastando para a cozinha. — Só se vive uma vez, Nessa!

— Suas artérias que o digam!

***

Já eram cinco e cinquenta e seis. Eu estava pronta com um vestido azul, batendo os pés ansiosamente enquanto sentada no sofá vendo um programa de auditório com Abigail.

— Essa sua bateção de pé tem alguma coisa a ver com aquela van amarela de sábado a noite? — ela perguntou sem me olhar.

Sempre com seu jeito sutil de saber as coisas, é claro que ela iria me questionar sobre a minha saída de hoje.

— É um conhecido — respondo evasiva, forçando meu insistente pé a parar quieto. — Nada de mais. Posso desmarcar se a senhora preferir.

— Deixa de ser palhaça, Vanessa — resmunga, delicada como sempre, dispensando minha oferta de ajuda.

Cinco e cinquenta e sete. Ouço um barulho de carro na rua que faz meu coração acelerar, porém ele passa reto pela minha casa. Cinquenta e oito. Meu celular vibra.

Luke: Estou na sua rua, já pode sair.

— Até mais tarde, vovó! — digo sorrindo, beijando sua bochecha e apertando a alça da bolsinha no ombro.

— Juízo, ein — ela fala. — Sem chegar tarde.

— Pode deixar — afirmo antes de sair pela porta e me deparar com Luke de pé, encostado na van.

— Boa noite — ele sorri ao me ver saindo.

— Eu não acredito que você veio atrapalhar meu passeio com a van Nessa — brinco, andando na sua direção.

— Sinto muito, princesa — ele fala. — Mas a van Nessa não vai para canto nenhum sem o papai.

Rio de seu exagero antes de ser engolida pelo seu abraço forte. O cheiro de açúcar e canela não o abandona mesmo quando ele não está recém saído da padaria, porém agora posso notar o cheiro de sabonete, amaciante de roupas e um pouco de perfume. É uma combinação maravilhosa que desejo manter em baixo do meu nariz para sempre.

O abraço se parte mais rápido do que eu gostaria. Ele abre a porta do passageiro para mim e depois ruma para seu assento. Colocamos o cinto e partimos pela rua.

— Pra onde a gente vai? — pergunto curiosa.

— Piquenique na praça — fala. — Eu queria ir para o Lago Mead, mas durante a semana é um pouco perigoso.

Concordo com a cabeça enquanto ele estica a mão na direção do rádio, ligando e deixando uma música num estilo country começou a tocar, me fazendo sorrir e balançar a cabeça. Luke sorriu ao me olhar e aumentou o volume.

— I will wait, I will wait for you — cantou junto da banda no refrão antes de um banjo agitado tomar força, o fazendo fechar os olhos brevemente e chacoalhar a cabeça no ritmo da música.

— Olhos na estrada! — exclamei rindo.

Ele sorriu aplamente, me olhando com aqueles olhos esverdeados adoráveis antes de voltar sua atenção total para a rua. Eu adorava como tudo ficava leve com ele por perto.

— Achei que estávamos indo para a praça — comento, ao perceber que o caminho que tomamos não era o habitual que levava para a grande praça no centro da cidade.

— Estamos — ele afirma. — Mas para uma praça diferente. Já estamos quase chegando lá.

Atento meus olhos para a paisagem e vejo uma ampla praça circular se aproximando. Sua iluminação não ficava a cargo dos horrendos postes de luz denominados vintage (que é uma gíria para velho e ultrapassado, porém funcional) que você vê pela cidade. Eram postes bonitos, com luminárias em estilo colonial. Claramente estávamos na parte abastada de Boulder City.

A van parou na calçada oposta à praça. Eu soltei meu cinto de segurança enquanto Luke parava a música e retirava a chave da ignição. Descemos juntos da van e ele abriu a porta traseira, retirando de lá uma sacola parda que eu já havia associado à felicidade pois sabia que viria recheada de delícias feitas por Luke. Caminhamos em silêncio até a grama.

— Eu esqueci a toalha — se desculpou.

— Não tem problema. Vamos sentar na calçada mesmo.

Ali sentamos. Luke sacou de dentro da embalagem um pãozão com queijo tostado por cima, vários pãezinhos doces e uma garrafa térmica acompanhada de 2 copos.

— Que super produção — elogio. Ele sorri e corta uma fatia do pãozão e me entrega, preenchendo o copo com um chocolate quente muito chamativo. — Eu vou ficar muito mal acostumada, Luke.

— Eu pensei em fazer alguma vitamina — comentou, me entregando o copo e enchendo o outro para si. — Mas eu lembrei que não sei fazer nenhuma.

— Está uma delícia — disse após tomar um gole. — Você realmente nasceu pra cozinhar.

— Fico muito agradecido. É o que eu mais gosto de fazer — disse, cortando um pedaço de pão. — E você? — ergueu o olhar para mim.

— O que tem eu? — sorri acima da borda do copo.

— O que você gosta de fazer? No que você é boa? — perguntou, esticando as costas.

Respirei fundo e pensei um pouco antes de responder. Eu não era extraordinária em nada. Não tinha nada que você visse acontecendo que você pensaria "isso é tão a cara da Vanessa". Nunca consegui encontrar uma paixão que me definisse pois nunca tive espaço para tal.

— Eu sou boa em... — hesitei por alguns segundos. Em ser um zero à esquerda, eu quis completar mas me detive. — Eu gosto de desenhar de vez em quanto. Mas não sou tão boa. — revelei. Eu fazia aulas de arte na escola em Bakersville e gostava bastante, mas meus pais não sabiam. Pelo menos não sabiam até a metade do mês passado — Eu prefiro estudar sobre história da arte.

Ele assentiu, mordendo um pedaço de seu pão sem tirar os olhos de mim. Baixei a cabeça para mirar o copo nas minhas mãos. Luke era intenso, tudo que o envolvia também o era. Isso me desconcertava na mesma medida que me atraía para ele de uma forma incomensurável. Ledo engano cometi ao pensar em ter só uma amizade com esse cara. Eu já sabia que aquilo não iria acabar bem. Lembrei da primeira vez que eu o vi.

— Você é um cara mais legal do que eu achei que seria — comentei meio que sem pensar.

— Por que raios você pensaria que eu não sou legal? — ele perguntou, fingindo indignação.

— Aquele primeiro dia na padaria — falei. — Você pareceu... grosso. Revoltado. Eu não imaginaria que você ia ser... — me parei aqui e contraí os lábios. Eu tinha essa mania de sair falando sem pensar.

— Que eu ia ser...? — ele me incitou a continuar com seu sorriso de canto.

— Bem... um docinho — falei, encolhendo os ombros e sentindo as bochechas quentes. — Isso foi brega. Desculpa — disse fazendo uma careta.

— Você não esperava um docinho tão literal em todos os sentidos, né? Eu sei — deu de ombros brincando. — Essa minha carinha de mau engana muita gente.

Reviro os olhos após essa ceninha convencida e atiro uma bolotinha de miolo de pão nele que deu risada, uma risada leve e gostosa. Luke era uma ótima companhia.

— Eu estava estressado naquele dia — confessou, puxando um pãozinho doce sem me olhar. — Tive uma briga em casa, cheguei de cabeça quente e atrasado. Don estava doido com a mudança das filhas e a gente teve um bate boca, você chegou bem na hora. Desculpa se fui grosso com você — falou, erguendo seus olhos verdes para mim.

— Todo mundo tem seus dias ruins — desconsiderei com um aceno, apoiando os cotovelos nas minhas pernas.

Ele deu um sorriso brilhante para mim. Comemos alguns pãezinhos falando sobre amenidades do tipo cores favoritas, piores aniversários, signos e etc e nem vimos o tempo passar. Não queria pensar no horário. Estar ali era tão bom.

Ele estava sentado no meio fio, com minha cabeça repousando em uma das suas pernas. A sacola parda estava em baixo do meu corpo para que meu vestido não se sujasse. Eu olhava para cima, maravilhada com a quantidade de estrelas que podíamos ver até mesmo da cidade. Estava procurando quais constelações eu conhecia. Uma de suas mãos brincava com meu cabelo de forma distraída enquanto a outra repousava ao lado do meu corpo na calçada.

— É incrível né? — comentei feliz, voltando meu olhar para ele.

Luke olhava sorrindo não para o céu, mas para o meu rosto. Meu olhar se perdeu em seus lindos olhos esverdeados que cresciam conforme ele se aproximava para um beijo. Intenso, doce e apaixonante, assim como Luke. Sua mão encontrou a minha sobre a minha barriga e a apertou, entrelaçando nossos dedos.

Acho que agora eu estava, oficialmente, devendo vinte pratas para a Joyce.


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Notas finais do capítulo

Aiai já estava demorando pra esse beijo acontecer né. Vejo vocês no próximo capítulo sexta feira ♥