Um Verão em Boulder City escrita por Carol Coelho


Capítulo 9
Piratas da Noite


Notas iniciais do capítulo

Oieee! Sejam bem vindos a mais um capítulo ♥ espero que gostem, boa leitura



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/762338/chapter/9

Naquela noite nós tínhamos uma única missão: permanecer caladas. Até então eu e Joyce estávamos fracassando miseravelmente.

Já eram quase duas da manhã quando finalmente terminamos a garrafa de coquetel que Joy havia trazido para minha casa. Ela disse que era época de troca de estoque na mercearia e a tia dela não iria reparar. Em Bakersville eu só bebia em festas, um copo ou outro para ficar alegre. Não me lembro de estar efetivamente bêbada como eu estava agora.

— Joyce — eu chamei da minha cama. Ela estava no colchão com o notebook no colo buscando por algum filme há uns quarenta minutos. — Essa foi a melhor ideia de todas.

— Eu sei — respondeu, desviando os olhos da tela. — Precisamos sumir com a garrafa.

Eu respirei profundamente como se um grande mistério do mundo houvesse sido revelado para mim ali naquele momento.

— Joyce do céu — eu exclamei. — A gente tem que sumir com a garrafa.

E aquela se tornou a nossa missão. Descemos as escadas silenciosamente para não acordar Abigail e fomos para a cozinha.

— Tem que enrolar, se não vai ficar cheirando — disse Joy.

— Pode ser em alumínio? — pergunto, pegando o rolo de papel alumínio em baixo da pia.

— Pode — afirmou esticando a garrafa na minha direção. — Meu Deus, tá sem tampa! — exclamou.

Eu arregalei os olhos ao notar a ausência de tampa na garrafa verde.

— Vou procurar lá em cima, você fica aqui pra não fazer barulho — eu falei e ela assentiu, assumindo uma pose protetora com a garrafa vazia. — Volto já.

Subi os degraus de dois em dois, com um ânimo que eu desconhecia. No quarto, comecei a procurar pela tampa perdida em meio às roupas jogadas, cobertores e travesseiros. Eu não conseguia mais sentir as minhas bochechas, então fui checar na câmera frontal do meu celular para garantir que tudo estava bem.

Ao mirar minha imagem, me seguro para não rir muito alto e tiro uma foto. Estou hiper avermelhada, é quase fofo. Recorto só a parte das bochechas e envio a imagem para Luke, coisa que parece ser uma ótima ideia. Ele provavelmente só iria me responder pela manhã, uma vez que teria que acordar cedo para trabalhar.

Continuo na busca pela tampa perdida e sou surpreendida pelo meu celular vibrando na cama. Sento-me no colchão e vejo que é Luke, respondendo minha imagem com outra imagem onde ele aparece fazendo uma careta.

Vanessa: Você não devia estar dormindo?
Luke Taurino: Você também devia.
Luke Taurino: Amanhã é minha folga

Por alguns segundos eu esqueço o que fui fazer no quarto e fico admirando a foto de Luke fazendo careta. Eu me sentia feliz demais, leve demais para que tudo acabasse bem. Eventualmente, o verão chegaria ao fim. Sacodi a cabeça para espantar esses pensamentos. Eu não queria me preocupar com aquilo naquele momento.

Luke Taurino: Dormiu já?
Vanessa: Não. Joyce está aqui.
Vanessa: Não aqui AQUI
Vanessa: Me esperando lá em baixo, eu vim procurar a tampa

Repentinamente eu me lembro do meu propósito no quarto e jogo o celular de volta na cama, retomando a minha busca pela tampinha da garrafa. Quando meu celular vibra mais uma vez, eu abandono a minha missão e abro a conversa de Luke.

Luke Taurino: Aah, sim. Agora as bochechas vermelhas fazem sentido ☺
Luke Taurino: Ora ora, dona Vanessa
Luke Taurino: Bebendo em casa essas horas da madrugada

As mensagens seguem acompanhadas por uma foto que mostra três latas de cerveja e eu sorrio.

Vanessa: KKKKKKKKKKKK rapaz, que conexão

— Bonito, dona Vanessa — a voz sussurrada e embolada de Joyce vem da porta do quarto e eu ergo meu olhar para ela em culpa.

— Opa — é tudo que eu digo enquanto digito outra mensagem rapidamente

Vanessa: Fui descoberta burlando a missão. Falo com você depois

Joyce nega com a cabeça enquanto respira profundamente.

— Para sua sorte, eu encontrei a tampinha — diz, retirando o objeto do bolso. — Agora só precisamos sumir com tudo isso.

Jogo o celular de volta na cama, animada com nosso novo objetivo. Descemos para a cozinha novamente em silêncio e iniciamos a missão de enrolar a garrafa no papel alumínio. Fizemos um ótimo trabalho.

— Acho que merecemos beliscar alguma coisa — eu digo. — Enquanto a gente pensa no fim desse negócio.

— É uma ótima ideia — Joyce concorda, colocando a garrafa embrulhada em cima da mesa antes de se reclinar comigo na direção da geladeira.

Vasculhei as prateleiras por alguns segundos antes de encontrar um prêmio: pizza do jantar.

— Bingo — exclamo, puxando o pote com as sobras. Joyce bate palminhas animadas. — Mas não podemos esquentar, vai fazer barulho — aviso.

— Quem liga pra comida quente?

Sentamos à mesa e devoramos os pedaços de pizza que haviam restado. Quando terminamos, ficamos paralisadas por alguns segundos, torcendo para que nosso estômago aceitasse bem aquela bomba de álcool + pizza de ontem que havíamos acabado de jogar nele.

— E então — ela disse, se espreguiçando na cadeira. — Como estamos com Luke?

Eu sorri, provavelmente o sorriso mais honesto que eu dei durante essas últimas quase três semanas.

— Estamos ótimos, Joyce — falei. — Gosto muito de estar com ele. Me traz uma paz, sabe?

Ela assentiu com um sorriso e eu olhei para o chão. Se eu continuasse falando eu não pararia nunca mais. Ficamos sentadas em silêncio por mais alguns minutos, cada uma imersa na sua própria torrente de pensamentos.

— Vou sair com uma menina esse final de semana — informou.

— Quem é ela? — pergunto, totalmente atenta à minha amiga.

Joy deu de ombros e coçou a nuca, claramente um pocuo envergonhada.

— Conheci durante a festa da cidade. Estava distribuindo os caldos. Michelle — disse com um sorriso tímido.

— Antes que eu me esqueça — levantei e peguei os vinte dólares que eu devia para Joyce de um jarro em cima do balcão e estendi na sua direção, revirando os olhos. — Aposta é aposta. Espero que você aproveite o encontro.

Joyce se levantou e me abraçou com força.

— Nessa, você é a melhor amiga do mundo, sério — eu a apertei de volta. — Eu morri durante o primeiro mês do verão. Foi muito bom você ter chegado — confessou.

— Você também, Joy — disse, me sentindo à flor da pele. — Eu estava pronta pra sofrer durante dois meses até você aparecer.

— Ai, somos duas fodidas não é? — perguntou, se soltando do abraço.

— Sim, nós somos — concordei rindo.

— Deixa eu aproveitar esse nosso momento emocional para te mostrar o que minha tia achou lá em casa um dia desses — falou, puxando do bolso uma foto um pouco amassada de duas menininhas lado a lado, sorrindo.

O cenário de fundo era a praça no centro da cidade. Eu lembrava exatamente em qual verão a fotografia havia sido tirada: o último verão de Joyce em Boulder City e, por conseguinte, meu último verão em Boulder City. Logo depois disso, ela havia se mudado para o Texas e eu havia batido o pé para os meus pais, insistindo que eu não pisaria novamente em Boulder City, já minha única amiga havia ido embora e a cidade era um porre para uma garota de nove anos. Eles nem tinham como rebater, já que essa reclamação vinha se tornando mais frequente a cada verão e agora eu tinha um motivo real.

— Que memória ótima, Joy — falei, sem tirar os olhos da foto.

— Podemos tirar uma cópia para você depois — informou, pousando a cabeça no meu ombro para analisar a foto.

Ficamos em silêncio por alguns segundos, com a cabeça cheia de memórias da infância, admirando a foto antiga.

— Agora, precisamos voltar para a missão de sumir com a garrafa — lembrei com um suspiro, entregando a foto para Joyce.

— Certo — ela concordou, endireitando a postura. — Onde vamos colocá-la?

Eu pensei por alguns segundos, olhando ao redor em busca de alguma ideia quando a resposta me atingiu como um soco.

— Vamos brincar de pirata — falei com um sorriso maléfico, abrindo a porta para o quintal dos fundos.

Joyce me seguiu com a garrafa nas mãos. Eu peguei uma pá pequena do kit de jardinagem de Abigail e ela ententeu na hora. Caminhou na direção da árvore e começou a procurar algum canto escavável.

— Acho que aqui está bom — ela disse.

Nos ajoelhamos na terra e eu comecei a escavar a terra com a pá. Eu agora conseguia entender o por quê minha avó gostava tanto de fazer aquilo: era terapêutico. Eu cavei durante alguns minutos até atingir uma profundidade em que a garrafa caberia totalmente.

— Puta merda — exclamei, ao ver uma minhoca se revirando dentro da terra. — Eca! Que nojo!

— É só uma minhoquinha, Nessa — Joy revirou os olhos e a arrancou de lá, jogando ela para longe.

Nós enfiamos a garrafa enrolada no alumínio dentro do buraco e depois a cobrimos completamente com a terra. Estava perfeito, nem parecia que havia sido revirado e escavado para esconder a prova de um crime noturno. Levantamos do chão, contentes com nosso trabalho e fizemos um high-five. Trancamos a porta novamente e retornamos para a cozinha para lavar nossas mãos imundas.

— Agora, nós dormimos? — ela perguntou, apagando a luz da cozinha e se esgueirando pelo corredor comigo em seu encalço.

— Agora nós dormimos — concordei enquanto subíamos a escada novamente em um silêncio sepulcral para não despertar Abigail.

Ao fecharmos a porta, comemoramos a missão cumprida e nos jogamos novamente nos colchões, enfim cansadas. Peguei o celular para olhar a hora. Três e meia. Uma notificação de mensagem de Luke de quase uma hora atrás brilhava na tela:

Luke Taurino: Vem almoçar aqui em casa amanhã?
Luke Taurino: Hoje mais tarde
Luke Taurino: Sei lá.

Meu coração se acelerou com o convite e eu não sabia o que esperar: os pais dele estariam lá? Estaríamos sozinhos? Ambas as perspectivas me causavam um arrepio gelado na espinha, tanto de expectativa quanto de receio.

— Joy? — chamei, mas ela já estava dormindo, soltando leves roncos de vez em quando.

Ainda bem que eu não havia visualizado a mensagem, isso me daria mais algum tempo para refletir sobre o que fazer e o que esperar.

Não demorei para me sentir sonolenta e me enrolar no lençol. Adormeci com um sorriso besta no rosto, sem saber o que me aguardava no almoço de amanhã/hoje/sei lá.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Aaaaai ansiosos para esse novo encontro de Luke e da Vanessa? o/ vejo vocês no próximo capítulo XD