Um Verão em Boulder City escrita por Carol Coelho


Capítulo 13
Problemas no Paraíso


Notas iniciais do capítulo

Oláaaa! Espero que gostem, boa leitra o/ e deem uma olhada nas notas finais.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/762338/chapter/13

Entre tardes com Luke na padaria, passeios na van Nessa e algumas noites com Joyce, eu sobrevivi a mais uma semana em Boulder City, o que encerrava o meu primiero mês de castigo na cidade. Acordei naquele domingo me sentindo disposta e alegre, me sentindo leve. Nem a ligação de mamãe na noite anterior havia me abalado.

— Você está realmente passando o tempo com a sua avó, Vanessa? — ela havia perguntado. Eu engoli em seco. A resposta real não iria agradá-la.

— Claro, mãe. Eu entendo das minhas responsabilidades, tá? — rebati, me recusando a dar o braço a torcer por mais errada que eu estivesse. — Inclusive, ela está mais do que bem. Não vejo todo esse drama que vocês pregaram pra me prender aqui.

— Drama, Vanessa? — ela exclamara indignada. Eu já pressentia uma briga se aproximando. Eu estava tão zen nos últimos diae, essa era a última coisa da qual eu precisava para atrapalhar a minha paz paradisíaca.

— Ai, mãe — eu revirei os olhos. — Você entendeu bem. Só exageraram um pouco, tá? Vou desligar, a vovó está me chamando.

E eu desliguei antes que ela pudesse se despedir. A questão é que Abigail estava ótima. Cada dia que passava eu confiava mais na minha teoria de que essa coisa de doença havia sido uma invenção para me colocar de castigo e efetivamente me prender aqui.

Chacoalho esses pensamentos para longe e pulo da cama, caminhando para o banheiro para lavar o rosto, decidida a não deixar a lembrança dessa ligação me afetar. Ao descer as escadas, vi minha avó sentada na sala vendo o programa de música clássica que passava na tevê aberta essa hora. Peguei uma xícara de café na cozinha e me sentei ao seu lado.

— Bom dia — eu falei, tomando um gole da bebida quente.

— Bom dia — ela suspirou, encostando a cabeça no sofá.

— Tudo certo? — perguntei.

— Na mais perfeita paz, minha Nessa — disse em voz baixa. — Vai sair hoje?

— A senhora sabe que eu posso ficar em casa se a senhora quiser — falei.

— Besteira — desconsiderou, acenando a mão.

Terminei o meu café em silêncio, apreciando o belo instrumental clássico com Abigail. Permanecemos em silêncio enquanto o programa musical prosseguia na tevê. Quando acabou, eu suspirei e me levantei do sofá.

— Vou fazer o almoço hoje — avisei beijando o topo de sua cabeça. Abigail concordou com um aceno e continuou a prestar atenção no próximo episódio que se iniciava na tela da televisão.

Coloquei a xícara para lavar enquanto eu retirava os ingredientes para uma deliciosa macarronada da geladeira. Meu celular começou a tocar e eu rezei para não ser minha mãe.

— Alô? — atendi, prendendo o aparelho entre o ombro e a orelha.

— Oi, Nessa — a voz de Luke preencheu meus ouvidos e eu mal contive o sorriso. — Tá bem?

— Eu to sim — falei enquanto ligava o fogão para ferver a água do macarrão. — E você?

— Ah, eu estou ótimo

— Eu quero falar também! — ouvi Aaron gritando ao fundo da ligação.

— Cala a boca, Aaron. A Vanessa está ocupada — Luke falou. — Sai fora! Ai! Não morde!

Eu prendi o riso enquanto ouvia a discussão entre os dois irmãos se desenrolar do outro lado da linha. Enquanto isso, joguei o tempero pronto na panela e coloquei a carne pra refogar.

— Mas que cacete! — Luke exclamou. — Enfim, Vanessa, que horas eu posso te pegar pra gente ir tomar um sorvente sem o Aaron? — ele frisou a última parte. Pude ouvir as exclamações de protesto do menino mais novo.

— Umas duas seria ótimo — eu disse, mexendo a carne.

— Então, duas horas eu passo aí.

— Até mais, Lukesio.

Encerrei o telefonema e coloquei o aparelho em cima da mesa, dando play na minha lista de reprodução favorita. Coloquei o macarrão na água fervente ao som de Here comes your man. Enquanto a carne refogava e o macarrão cozinhava, eu estiquei uma toalha bonita na mesa e coloquei dois pratos e dois copos. Queria fazer um almoço incrível para Abigail. Acrescentei alho e pimenta no molho de tomate que engrossava no fogo médio, o deixando à la Abigail Johnson, do jeito que ela fazia para mim quando eu era menor e ia passar os verões lá. Há muito tempo eu não comia esse molho e eu acho que Abigail também. Ela vai adorar a surpresa.

Precisei de mais uns quarenta minutos para finalizar a preparação do meu mini espetáculo gastronômico. Quando tudo estava pronto, chamei por Abigail, que cochilava na sala com a tevê ligada na reprise do jogo de ontem a noite.

— Vovó — sacudi seus ombros de leve. — Tá pronto.

— Eu, que? — ela acordou assustada, pousando a mão no peito. — Ah, que susto Vanessa.

— Vem almoçar — estendi a mão, rindo.

Abigail deu um sorriso fraco e se levantou. Parecia não ter dormido bem à noite, já que não estava se dedicando às suas típicas estripulias jardinísticas. Sentamos à mesa e eu nos servi.

— Tá bom, minha filha — me interrompeu à caminho da segunda colherada de macarrão que eu depositava em seu prato.

— Só isso? — indaguei. — Por algum acaso a senhora está metida com alguma dieta maluca?

— Claro que não — respondeu, revirando os olhos. — Só não estou varada de fome igual você.

Eu sorri e comemos em silêncio. Estava surpreendentemente acima do meu padrão gastronômico. Fiquei bem feliz com o resultado, acho que preciso tentar cozinhar mais vezes.

— Estava muito bom, Nessa — elogiou Abigail, limpando a boca. — Obrigada.

Sua mão pegou a minha em cima da mesa e nossos olhos se encontraram. Eu sorri, com a boca toda suja de molho de tomate.

— De nada — falei, apertando seus dedos frágeis e enrrugados entre os meus.

— Agora, a senhora pode ir se arrumar que eu cuido da louça.

— Não vai precisar de mim? — perguntei, colocando meu prato na pia.

— Não, Vanessa. Pode ir em paz, já disse — ela sorriu, ainda sentada na cadeira.

— Ok então — concordei.

Subi os degraus de dois em dois. Tomei um banho rápido, sem lavar o cabelo, e coloquei um vestido azul qualquer. Olhei no relógio e já eram quase duas horas. Peguei o básico: chave, dinheiro e celular.

— Até mais tarde, vó — gritei da porta assim que eu pisei no primeiro andar e vi a van Nessa estacionada na frente de casa.

Aaron acenava para mim encostado ao lado de Luke na lataria amarela da van. Ambos estavam usando jaquetas jeans, mais parecidos do que nunca apesar dos dez anos de diferença. Eu sorri com a cena e me aproximei. Aaron sorriu.

— Finalmente — exclamou. Luke empurrou o menino e me puxou para seu típico abraço apertado.

Entramos na van Nessa. Aaron se sentou entre Luke e eu. A van Nessa partiu pelas ruas de Boulder City com Aaron comandando a trilha sonora.

***

A tarde de domingo fora maravilhosa ao lado dos irmãos Collins. Nos divertimos muito na sorvetria e no parquinho de diversões. Eu comi tanto sorvete, mas tanto sorvete que eu me sentia gelada por inteiro na prte de dentro, para compensar os infernais trinta e tantos graus que me cozinharam naquele dia.

Já eram quase oito da noite quando a van Nessa parou na frente da casa de Abigail.

— Até mais, Aaron — me despedi, dando um beijo na cabeça do menino que sorriu.

— Tchau, Nessa!

Eu e Luke descemos da van. Ele andou comigo até a porta de entrada e depositou um beijo em meus lábios enquanto me envolvia em um abraço protetor.

— Boa noite, Luke — eu falei, após partirmos o beijo.

— Boa noite, Nessa — ele beijou minha testa e me soltou. — Se cuida.

Sorri e entrei em casa, ouvindo a van partir em seguida.

— Vó? — chamei, jogando as chaves no rack da sala. Não obtive resposta.

Abigail não estava no jardim. A louça do almoço estava no mesmo lugar que estava quando eu saí de casa mais cedo. Muito estranho. Algo dentro de mim entrou em estado de alerta e eu subi as escadas correndo. A luz do banheiro estava acesa, mas ela não estava lá.

— Vó? — chamei, agora em um profundo de desespero.

Entrei em seu quarto apressada empurrando a porta com força e a encontrei deitada de bruços na cama. Seu avental e os lençóis estavam sujos de sangue e ela estava desacordada com a cabeça pendendo para fora da cama apontando para uma pequena poça de macarrão e sangue no tapete do quarto. O mau cheiro já tomava conta do ambiente, embrulhando meu estômago ainda mais do que já estava embrulhado pelo pânico.

— Vó? — gritei, sacudindo seus ombros com a visão turva pelas lágrimas. — Vó!

Eu tremia dos pés à cabeça. Eu devia ter reparado que alguma coisa não estava certa. Eu devia ter passado mais tempo em casa apesar da implicância de Abigail para que eu fizesse o contrário e salvasse meu verão. Eu tremia de dor, medo e culpa.

Peguei meu celular do bolso com as mãos sujas do sangue de Abigail, no qual eu esbarrei enquanto a sacudia. Liguei para o número de emergência para chamar uma ambulância. Eu não queria nem pensar no que minha mãe iria me dizer, só estava preocupada em salvar minha avó.

— Qual sua emergência? — a mulher da central perguntou.

— M-minha avó — eu falei com a voz trêmula pelos soluços. — Eu cheguei e-em casa e ela estava desmaiada. Moça, tem muito sangue, me manda uma ambulância por favor.

Não aguentei e explodi em lágrimas desesperadas, com soluços violentos me sacudindo o corpo.

 Senhora, se acalme e me fale seu endereço — ela pediu.

— Rua Mayflower, vinte e dois — informei, ainda soluçando.

 E qual é o seu nome?

— Vanessa Frederiksen.

— Vanessa, pode ficar calma, a ambulância está a caminho. Abra a porta da frente.

— Eu não vou deixar minha avó! — exclamei, totalmente fora de mim.

— Vanessa, você está sozinha?

— Tô. — confirmei.

— Respira, Vanessa. Você não vai conseguir ajudá-la aí parada. Abra a porta. — ela disse pausadamente.

— Ok — concordei após algum tempo de silêncio.

— Isso, não tem com o que se preocupar. A ambulância está indo, Vanessa.

Destranquei a porta da frente e aguardei, debulhada em lágrimas com a mulher falando palavras desconexas aos meus ouvidos no telefone, em uma falha tentativa de me acalmar. Após um tempo que eu não conseguia precisar consegui ouvir as sirenes da ambulância vindo ao longe pela rua vazia.

— Está chegando — informei, ainda chorosa, ao ouvir as sirenes invadindo a rua com luzes e sons.

— Vanessa, se acalme. Vai ficar tudo bem — ela disse.

— Obrigada, muito obrigada — agradeci.

— Não há de quê. Vai ficar tudo bem — repetiu antes de encerrar a ligação.

A ambulância parou derrapando na frente da casa e dois paramédicos robustos desceram com uma maca em mãos. Essa cena me desesperou mais do que tudo.

— Olá, senhora Vanessa — o mais alto saudou. — Onde está a sua avó?

— No quarto, lá em cima — apontei.

Eles entraram acelerados e subiram as escadas. Eu já via alguns vizinhos curiosos com as cabeças nas portas e janelas, ardendo para saber o que tinha acontecido. Fechei a cara. Maltidos moradores de cidade pequena que têm a língua maior que tudo!

Rapidamente, os paramédicos desceram com Abigail na maca. Uma bomba de oxigênio era segurada em seu rosto. Eles a colocaram dentro do veículo.

— Senhorita Frederiksen, sou o paramédico Gregory — se apresentou. — Você é a única acompanhante?

— Sim — respondi

— Vou precisar que a senhorita pegue documentos seus e de sua avó rápido. Estaremos esperando, você precisa acompanhar ela até o hospital.

Eu assenti e corri escada acima, pegando meus documentos apressadamente no meu quarto. Corri para o quarto de vovó, sentindo ânsia de vômito ao sentir o cheiro pungente de vômito e sangue no quarto de Abigail. Abri a primeira gaveta e peguei seus documentos lá. Achei minha jaqueta jeans esticada com as roupas lavadas e a coloquei no corpo caso esfriasse um pouco mais tarde.

Ao descer, tranquei a porta e embarquei na ambulância, que acelerou pelas ruas na direção do hospital mais próximo. Minha avó ainda estava desacordada e suja, com a bomba de oxigênio ainda em seu rosto e alguns fios ligados aos braços. O paramédico que eu não sabia o nome tomava sua pressão e uma outra moça prendia pequenos eletrodos em seu peito exposto pela camiseta rasgada. Mordi os lábios, reprimindo mais choro ainda.

— Tem mais alguém para quem a senhorita deva ligar? — Gregory perguntou.

— Não — respondi de pronto. Só morta eu deixaria minha mãe ficar sabendo disso. Eu evitaria o quanto pudesse.

Eu sentia uma culpa esmagadora me corroendo por dentro. Eu devia ter prestado mais atenção. Não devia ter desconfiado dos meus pais. Eu devia ter feito o que eu fui mandada para fazer: cuidar de Abigail. Meu celular vibrou. Li o nome de Luke na notificação, mas nem me dei ao trabalho de abrir a mensagem.

— Você sabe de alguma doença que ela tenha que possa ter desencadeado essa crise? — o outro paramédico perguntou.

— Eu não... — nem consegui terminar o pensamento. Explodi mais uma vez em lágrimas, escondendo o rosto nas mãos. — Eu não sei exatamente — disse com a voz abafada.

Ouvi o suspiro do paramédico Gregory, que pousou uma mão nas minhas costas, tentando me passar alguma segurança.

— Senhorita Frederiksen, sua avó está estável. Só perdeu algum sangue e líquido, mas seus sinais vitais estão em ordem — ele disse na tentativa de me acalmar.

Entramos no hospital e ela foi prontamente levada pelos corredores para a UTI. Os paramédicos me indicaram o balcão da recepção para que eu entregasse os documentos para alguma das atendentes. O pronto socorro estava bastante vazio, fui atendida rapidamente. A mulher que me atendeu realizou a entrada de minha avó no hospital e me entregou um crachá de visitante.

Eu me senti um pouco estranha parada ali respondendo as perguntas da atendente. Eu mal tinha ideia do que falar ou como responder as perguntas sobre a internação, estado de saúde, convênio médico e tudo mais, então basicamente eu segui o meu instinto. O processo todo durou uns dez minutos e eu já estava me corroendo de ansiedade. Assim que ela terminou o cadastro, me indicou o caminho do quarto e eu o segui com o coração pulsando na garganta.

Ao entrar no quarto, eu vi minha avózinha com inúmeros aparelhos ligados ao corpo. Duas enfermeiras colocavam uma bolsa de soro conectada ao catéter em seu braço enquanto um médico assinava uma papelada de costas para mim. Limpei a garganta para chamar sua atenção e quando ele se virou eu quase caí para trás. Era o mesmo homem que havia nos atendido na clínica. Era o mesmo homem que chamou os resultados dos exames de Abigail de "surpreendentes".

— Olá, dona Frederiksen — ele saudou.

— Como ela está? — perguntei ainda com a voz trêmula.

— Estável — respondeu evasivo. — A médica dela vai poder dar detalhes melhores, ela já está a caminho.

— Achei que o senhor fosse o médico dela — comentei.

— Eu sou só o clínico geral. A especialista em oncologia, dra. Maria, está vindo já.

— Oncologia? — perguntei, sentindo meu coração errar algumas batidas.

— Senhorita, acho melhor você se sentar — o doutor disse me olhando preocupada. Eu devia estar uns dez tons mais pálida. Sentia o suor frio brotando em minha testa e meus joelhos tremiam, trabalhando de forma árdua para sustentar o peso do meu corpo.

Eu caí desajeitada na cadeira que havia ao canto do quarto. O médico pediu para uma das enfermeiras buscar água e alguma coisa para que eu comesse.

— Senhorita Frederiksen — ele começou. — Não sou a pessoa mais indicada para te dar detalhes sobre o estado de saúde de sua avó. Saiba que uma noite antes da sua visita com ela no meu consultório, ela me ligou e pediu para que eu não comentasse nada com você.

Tão típico de Abigail. Eu quase revirei os olhos, mas eu sabia que isso desencadearia uma torrente de lágrimas e uma possível dor de cabeça.

— Eu não comentei, afinal, era um assunto altamente pessoal. O que eu consigo te adiantar é que sua avó sofre de um câncer no pâncreas. Ela faz um tratamento desde o último natal e têm respondido muito bem. Eu não sei o que pode ter acontecido para desencadear essa crise. A dra. Maria vai te explicar melhor.

Eu estava completamente sem reação. Nessa hora a enfermeira entrou no quarto com um pacote de bolachas salgadas e um copo descartável com água.

— Não há muito o que fazer, senhorita Frederiksen — disse o médico, me olhando quase com pena. — Eu sugiro que você ligue para quem quer que você precise ligar, tome um bom banho e aguarde a dra. Maria.

Eu assenti com o olhar vidrado na parede branca do quarto, com a bolacha e a água em mãos sem reação alguma. Eu não sabia o que fazer, para quem ligar. Nada. Estava paralisada. Minha avó estava mal de verdade e minha única responsabilidade era cuidar dela. Eu devia ter percebido que tinha alguma coisa errada quando ela começou a se empenhar para me manter fora de casa durante todo o verão até ali.

O doutor pressionou os lábios juntos e saiu do quarto, me largando só com uma das enfermeiras e minha avó desacordada na cama.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Entãaao, é o seguinte: vou precisar reduzir as postagens para uma vez por semana só 3 por motivos de que não estou conseguindo ter tanto tempo para escrever quanto eu gostaria. Já tenho mais alguns capítulos prontos, mas não estou tendo como continuar com tanta frequência como antes, então até passar esse momento de turbulência, nos vemos apenas uma vez por semana a partir de hoje.
Até sexta que vem o/