Um Verão em Boulder City escrita por Carol Coelho


Capítulo 12
Sob as Estrelas


Notas iniciais do capítulo

boa leitura :3



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— Vanessa! A gente vai atrasar! — essas são as palavras que me acordam.

Abro os olhos lentamente e vejo vovó pairando acima de mim.

— É terça, filha. Meus exames — me lembrou. Arregalei os olhos e me levantei.

— Só vou jogar uma água na cara e já estou indo — afirmei, me apressando na direção do banheiro.

— Se for rápido, dá tempo de comer um pãozinho na padaria antes de ir — avisou enquanto eu fechava a porta. Essa perspectiva me agradava, e muito.

Lavei o rosto, escovei os dentes, prendi o cabelo em um coque e coloquei uma roupa leve antes de descer as escadas. Abigail me esperava na sala com a chave nas mãos. Eu sorri de forma ampla e nós nos direcionamos para a rua. Andamos de forma vagarosa até a padaria, com sua parede descascada e suas florzinhas roxas.

— Bom dia — saudou Don.

— Bom dia — respondeu vovó.

Eu só tinha olhs para o rapaz atendendo aos clientes atrás do balcão. Como se estivesse sentindo-se observado, Luke virou para mim e sorriu seu sorriso de canto. Tão típico. Prontamente entregou o pacote pardo para a senhorinha que atendia e caminhou até nós para tomar nosso pedido.

— Como posso servir às moças hoje? — perguntou exageradamente formal.

— Eu quero só um pãozinho doce e um suco de laranja — falei.

— Um cafézinho, sem açúcar — pediu Abigail, sentando-se ao meu lado.

Luke nos serviu de pronto e ficou parado na pia, fingindo lavar louça, enquanto lançava olhares e sorrisos indiscretos para mim, me fazendo sorrir envergonhada e batalhar comigo mesma para manter meus olhos longe dos dele. Por sorte, Abigail e Don estavam envolvidos demais em sua própria conversa tediosa de bouldercitiziens para notar nossa comunicação metafísica através de olhares. O clássico comichão confortável no pé da barriga já tomava conta de mim e eu só sabia sorrir. Comi meu pãozinho doce e bebi meu suco rapidamente quando vovó começou a me acelerar.

— Exames de rotina, dona Abigail? — perguntou Don.

— Ah sim. Coisas de velho, sabe como é — soltou um risinho. — Marca na conta, por favor.

— Mas é claro. Voltem sempre!

Nos despedimos e rumamos para a saída. Luke piscou para mim antes que a porta se fechasse.

Fomos andando até a clínica, que ficava a uns vinte minutos dali. Fomos muito bem recepcionadas e levadas até a sala de preparação. Abigail teve a pressão medida, o sangue e a urina coletados, vestiu um avental ridículo que a deixava com a bunda de fora e aguardou sentada ao meu lado, aguentando alguns minutos de piadinhas sobre seu traseiro desnudo.

— Olá, dona Abby — cumprimentou um enfermeiro bonitão com um sorriso de comercial. — Vamos para o eletro?

Minha avó se levantou, segurando o avental atrás, e me pediu para esperar. Seguiu o enfermeiro até uma sala e ficou lá por quase uma hora. Nesse meio tempo, troquei algumas mensagens com Luke.

Lukesio Taurino ♥: Vamos sair mais tarde?
VanessaAiai, você não cansa de mim?
Lukesio Taurino ♥: Não tão cedo, docinho
VanessaOk, agora você pareceu um pervertido hahahah
Lukesio Taurino ♥: Mil perdões, mademoiselle.
VanessaE agora você exagerou
Lukesio Taurino ♥: Que moça difícil de agradar ¬_¬'
VanessaLeva um pãozinho pra mim e fica tudo certo.
Lukesio Taurino ♥: Que abuso!
Lukesio Taurino ♥: Interesseira u.u
Lukesio Taurino ♥: Maria Açúcar e Canela
VanessaVocê me conquista pelo estômago e a culpa é minha?
Lukesio Taurino ♥: Vai dizer que meu charme irresistível, meus incríveis olhos verdes e meu beijo apaixonante não têm nada a ver com essa conquista?
VanessaVou sim c:
Lukesio Taurino ♥: Mentirosa
VanessaConvencido
Lukesio Taurino ♥: Te pego às sete?
VanessaOkei ;-)
Lukesio Taurino ♥: Vou voltar para o meu trabalho
Lukesio Taurino ♥: Já que não tenho a vida ganha igual a cErTaS pEsSoAs
VanessaVai lá, drama queen. Até mais tarde
Lukesio Taurino ♥: Até mais, minha flor ♥

Eu sorri abobalhada. Folheei uma revista distraidamente enquanto aguardava o retorno de Abigail. No fundo da minha cabeça brilhava um calendário em contagem regressiva para o fim do verão, me lembrando que a melhor parte desse ano até agora estava com os dias contados. Balancei a cabeça, tentando não pensar nisso, e foquei meu cérebro na revista de decoração que eu tinha em mãos.

A clínica estava pouquíssimo movimentada hoje, então eu basicamente morri de tédio até minha avó sair pelas portas duplas carregando um envelope branco com os resultado preliminares dos exames. Levantei, muito agradecida por poder esticar as pernas. Enganchei meu braço no de vovó e rumamos de volta para casa.

***

A noite estava um pouco gelada, então fiquei feliz de ter trazido minha jaqueta jeans que, mais uma vez, combinava com a de Luke.

— Para onde vamos hoje? — perguntei prendendo o cinto.

— Um pouco longe da cidade. Ver o céu — respondeu.

Assenti enquanto direcionava minha mão para ligar o rádio. Uma melodia gostosa preencheu o carro enquanto acelerávamos para longe das construções de Boulder City. Quanto mais nos afastávamos da parte urbana da cidade, mais estrelado o céu ia ficando. Eu já estava completamente admirada com aquela cena e ainda nem havíamos chegado no destino final de nossa pequena aventura noturna.

A van Nessa parou próxima a algumas árvores que beiravam um imenso campo gramado que se estendia a perder de vista no horizonte. Estava um pouco escuro, então desci do carro receosa e não soltei a mão de Luke por nenhum segundo.

— Pode ficar tranquila, o máximo que pode acontecer aqui é você ser picada por uma cobra — ele disse e eu arregalei os olhos, apertando seus dedos. — Ai! É brincadeira, Vanessa. Não precisa arrancar minha mão fora.

Ele pegou da traseira da van a já tão conhecida embalagem parda, uma lanterna e um cobertor enorme. Andamos pela grama baixa por alguns metros, então Luke parou e esticou o cobertor, sinalizando para que eu me sentasse.

— O que é pior: ser devorada por uma cobra ou por insetos? — questionei, matando um pernilongo enorme que tentava se alimentar da minha canela indefesa.

— Quanto drama — Luke revirou os olhos à luz da lanterna, abrindo a embalagem e retirando uma vistosa rosquinha de dentro dela.

— Parece delicioso — comentei, mordendo um pedaço.

— Eu só faço coisas deliciosas, meu bem — piscou para mim.

— Convencido.

— E então? — perguntou, apontando para o vasto céu estrelado acima de nós. — Que tal a vista?

— É maravilhoso — comentei, perdida entre as milhares de estrelas que eu conseguia enxergar.

— Como você consegue não gostar de um lugar assim? — perguntou, tomando um gole de suco.

Não desviei meus olhos do céu durante nem um segundo.

— Eu não odeio odeio, sabe? — falei. — É só... algo que me desagrada. Me irrita essa coisa de cidade pequena. Já disse, parece tudo forçado.

— Eu pareço forçado? — indagou e eu fui obrigada a desviar meus olhos para ele, que me olhava de soslaio.

— Não — eu respondi como se fosse óbvio. — Além do mais, você nem é daqui.

— Eu sou mais daqui do que de qualquer outro lugar — ele falou.

— Como assim? — perguntei.

— O passado não existe, lembra? — ele usou minhas próprias palavras contra mim. Muito baixo.

Estreitei os olhos na sua direção e voltei a mirar o cenário. Eu conseguia ver vários vagalumes pairando a uma distância pequena. Alguns segundos de silêncio se abateram sobre nós, aquele silêncio não desagradável que você só sente com pessoas especiais de verdade. Luke foi o primiero a rompê-lo.

— O que você pensou naquele primeiro dia na padaria?

Eu parei por alguns segundos e ponderei sobre a resposta. Eu havia pensado muitas coisas, mas a principal delas foi "não acredito que estou quase de pijama na frente desse cara gato do cacete". Não me pareceu prudente dizer isso.

— Eu pensei "mas que rapaz intrigante" — optei por essa parte menos cômica da verdade.

— Intrigante?

— É. Todo marrento pegando pãezinhos — eu ri. — E você? Pensou o que naquele dia?

— Belas pernas — respondeu sem hesitação e eu atirei uma pedrinha nele. — É a verdade, tá? Também pensei que você fosse mais uma.... — ele se interrompeu e abaixou a cabeça, desfazendo em farelos um pedaço de casca de pão.

— Mais uma...?

— Menina metida da cidade grande — confessou com um riso sem graça. — Besteira, né?

— Até porque Bakersville nem é tão grande assim — completei.

Bebi um gole do suco e sorri para ele. Era tão bonito e me fazia sentir tão leve. Será que era esse o sentimento verdadeido? Será que é isso que eu devo buscar nas pessoas ao invés da ansiedade e corretude que eu sentia com Charles? Aliás, será que eu realmente precisava continuar buscando?

Percebendo meu olhar perdido em seu rosto, Luke se inclinou e beijou meus lábios de uma forma gentil e agradavelmente inesperada. Comemos mais alguns pãezinhos em silêncio, aproveitando o som dos grilos até Luke resolver colocar uma música em seu celular.

— Quer ouvir o que? — perguntou.

— Don't wait — respondi de pronto.

— Mapei? Ótima escolha.

A voz melodiosa de Mapei nos fez deitar lado a lado nas cobertas para admirar o céu. Eu apontei para a única constelação que eu conhecia, a Ursa Maior. Ele me apontou algumas com a mão esquerda, já que a direita segurava a minha entre os nossos corpos.

— Aquela ali — apontou para um conjunto particularmente brilhoso à minha esquerda. — É uma constelação típica do verão. É a constelação de Escorpião.

— Por que ela é típica do verão? — indaguei.

— Porque é a época que ela brilha com maior intensidade. Enquanto ela estiver mega brilhante, estamos longe do outono — explicou.

Isso nos fez calar por alguns segundos e refletir sobre uma verdade inexorável: o verão acabaria eventualmente. Mordi o lábio, sem saber o que dizer. Pensar naquilo me deixava ansiosa novamente.

— Luke — chamei.

— Hm? — ele murmurou.

— O verão vai acabar — eu disse o óbvio, me virando para ele.

— Eu sei — ele sorriu triste, olhando para mim. — Eu acho que nunca quis que um verão durasse tanto.

— Eu também — confessei, apertando sua mão na minha.

— Podemos deixar esse assunto de lado? — perguntou. — Quer dizer, ainda temos um mês inteiro pela frente.

— Mas é claro — respondi sorrindo. Essa perspectiva não era nem de longe agradável, mas era reconfortante por enquanto.

— Você sabe que Las Vegas é aqui do lado, não sabe? — ele perguntou.

— Sei — eu sorri. — E daí?

— Vou te raptar — ele disse, correndo os dedos pelos meus braços. — Qualquer noite dessas eu vou te raptar e nós vamos casar em Vegas.

— Ainda é um rapto se for consensual? — indaguei, com o rosto bem próximo ao seu.

— Desse jeito você tira a emoção das coisas, Vanessa.

Eu sorri em resposta, me inclinando para beijá-lo. Um beijo intenso que pareceu nos envolver em uma bolha só nossa ali no meio daquele matagal em meio à um mar de estrelas que ficava acima de nós, em meio aos insistentes grilos, em meio aos vagalumes e em meio às melodias doces que tocavam do celular de Luke. Eu não queria que aquilo acabasse nunca.


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Notas finais do capítulo

só vou dizer uma coisa: se preparem para o próximo capítulo rsrs
até sexa feira, beijos!