Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 7
Poeira e Gás


Notas iniciais do capítulo

"Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas me faz sonhar" - Van Gogh



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/761218/chapter/7

Olá, pessoal, aqui é o Benjamin de volta ao lugar que me foi roubado pela Rita. Sim, partir de agora, vou chamar "a menina do acidente" de Rita, então se acostumem com esse nome. Ou não, pode ser que daqui a alguns dias ela decida mudar de nome ou melhor ainda, ela lembre dele completo. Por isso, digo na minha melhor voz de narrador: não percam os próximos episódios.

Enfim, depois da conversa com a Rita, me senti mais tranquilo e o restante do dia foi... melhor que o normal. Mas minha felicidade só durou até o final do expediente, porque o gerente me chamou para uma conversa e se o chefe quer falar em particular com seu empregado, é muito provável que o proletariado não goste do que vai ouvir. Suspirei e entrei na sala dele.

— Senta aí, Benjamin. — Pediu, enquanto vasculhava alguns papéis e gavetas. — Relaxa, você sabe que eu não mordo.

Sentei e cruzei os braços. Realmente não era minha primeira conversa com o chefe mas todas as vezes eram assim. Como eu poderia fazer para melhorar a situação? Eu deveria falar alguma coisa? Minha cara estava legal? Era o que eu me perguntava entre outras coisas, um pouco nervoso, mas só um pouco.

— Quero falar dos seus atrasos. — Parou de mexer nas coisas da mesa e pegou um papel que parecia uma planilha, tinha os nomes dos funcionários, números e pontos ao lado. — Hoje já foi o quarto do mês e ainda estamos na segunda, terceira semana do mês?

— Segunda. — Respondi encabulado. Minha sinceridade podia me ferrar, mas mentir para chefe pode ser mais perigoso ainda.

— Então, Benjamin. — Me encarou. — O mês tem quantas semanas?

— Quatro.

— Então, temos duas semanas e quatro atrasos. — Falava e mostrava a contagem nos dedos. — Se continuar assim, o padrão será dois por semana talvez e o que me garante que no final do mês não terão 8 dias? E isso é uma semana, não é?

Concordei com a cabeça, olhando para baixo.

— E essas horas atrasadas vão sendo contadas e eu não sei se dá um mês. — Bufou, arqueou as sobrancelhas e fez bico. — Presta atenção, meu filho.

Ele fez uma pausa e eu assenti.

— Olha, você é um dos meus melhores funcionários, sei que você faz seu trabalho direito. Muito bem, aliás. Mas preciso saber se posso contar com você pelo que estou te pagando. — Salário. Tava demorando para a conversa esbarrar nesse tema. Respondi com a franqueza do bom profissional que era:

— Pode sim, seu Lúcio.

Ele respirou fundo e pigarreou.

— Isso aqui é só uma chamada, tá bom? Nada irá se alterar. Por enquanto.

— Tá, sim.—  Peguei a planilha da mesa, devagar. Nunca fui de chegar tarde, mas agora com a Rita, estava ficando difícil conciliar com as visitas. Se ao menos eu tivesse um horário mais flexível… e não é que tive uma ideia? — Seu Lúcio, eu juro que vou me esforçar para isso não acontecer mais, contudo, todavia,porém, entretanto, mas, se acontecer... eu fico a disposição para fazer hora extra. Sem pedir para o senhor  me pagar a mais.

Ele colocou a mão no queixo e permaneceu em silêncio por uns segundos com uma expressão pensativa, até que abriu a boca.

— Vou pensar no seu caso, mas por hora, está dispensado.

Apertamos as mãos e eu fui embora. Enquanto voltava para casa, pensava preocupado que se ele não aceitasse minha ideia teria sérios problemas para manter meu emprego na situação em que estava agora. “Foco, Benjamin!” repetia para mim mesmo, enquanto minha cabeça dava loopings.

Apesar do breve ataque de ansiedade, nos dias seguintes, as coisas deram certo. De acordo com o que os médicos diziam, a Rita estava se recuperando mais rápido que nos outros dias.  Eu podia sentir que ela estava mais confiante por si mesma e se sentia mais à vontade comigo, ou seja, estávamos partindo para uma boa amizade. Em casa, consegui conversar com Alex depois de uma semana quando jantávamos. Ele tinha terminado de voltar da reunião familiar extraordinária. Confesso que fiquei bastante curioso sobre as fofocas que devem ter rolado pela minha falta.

— Como foi a festa do Fabrício? — Comecei num tom como de quem não está muito interessado, sabe?

— Legal. — Falou seco. E voltou a comer, fazendo eu chegar a pensar que o assunto acabaria ali. Mas então, engoliu e continuou. — Fabrício chorou quando chegamos com o bolo na casa dele.

Nós rimos. Desde pequeno, meu “priminho” costuma chorar por qualquer coisa.

— Perguntaram de você. — Mandou de repente, ficando sério de novo.

— E o que vocês disseram?

— Que você tinha um “compromisso”. — Respondeu dando de ombros, fazendo expressão e voz de deboche. Ele me conhece, sempre soube que eu tinha algo realmente sério e inadiável marcado naquele dia.

— E a tia Joanne? Como ela está?

— Mandou um beijo meigo. — Deu uma risadinha sarcástica e eu o segui.

Assim que o jantar acabou, Kaio mandou mensagem. Estava me chamando para uma festa junina que aconteceria na rua dele no dia seguinte. Mesmo que eu tivesse acabado de comer, já sonhava com o milho, os caldos, o cachorro-quente e tudo mais que costuma ter numa festa desse tipo.  Respondi que topava e na outra noite, eu dei um empurrão leve nele com o ombro, assim que o vi.

— Que isso, cara? — Kaio saiu questionando. Se virou todo bravinho para ver quem era e só aí relaxou.

— Calma, é só o idiota aqui que larga até os afazeres para encontrar os amigos. Quer dizer, hoje é dia de folga, mas e se eu estivesse ocupado? — Indaguei já começando a brincar.

 

— E eu com isso? — Devolveu rápido. Tava aprendendo a ficar sagaz. Quando nos tornamos amigos ele era mais lerdinho para responder e até perceber quando eu estava brincando. Ainda bem que nossa relação já evoluiu de nível. E quando digo isso significa que eu precisava continuar a afronta.

— Ué, você me avisa as coisas assim em cima da hora! — Fingi reclamar enquanto continuávamos andando para encontrar o resto do povo que viria. — Tinham altas chances de eu não poder vir . Aí sacumé, não daria pra a gente ter esse momento de lazer sem o papai aqui. Até parece que não ficaria triste pela minha presença!

— Momento de lazer? Sério? Parece seu irmão falando. — Fez careta.

Eu ri, mas nem tanto.

— Heyy, só eu posso zoar ele! Vou ter que…

— Pedir o divórcio? — Pipi apareceu, já zoando com a gente. Essa não precisou aprender nada, distribuir patada é com ela mesma. — Já estão brigando? Vamos aproveitar isso aqui!

Agora, imagina um grupo de jovens numa festa junina, só querendo saber de comer e fazer piada sem graça um com a cara do outro. Foi isso que aconteceu. Quer dizer, somado às danças e músiquinhas estranhas. Mas antes de ir embora, peguei todas as sobras comíveis que sobraram e coloquei numa bolsa para levar para Rita.

A verdade é que com a minha animação, queria visitá-la naquela hora mesmo. Como será que ela ficaria arrumada para uma festa? Se enturmaria com meu pessoal. Eu daria tudo para estar com ela naquele momento. Só que a realidade muitas vezes é mais cruel do que nossa imaginação e era lógico que ela estaria dormindo a uma hora dessas. Então, tive que me segurar até o Sol chegar ao seu limite de iluminação.

Cheguei no já conhecido quarto 13 carregado de comidas. Ela fez uma carinha de criança feliz quando me viu com aquilo tudo.

 Estava sentada na cama com um espelhinho na mão, pelo jeito ajeitava o cabelo e experimentava novos jeitos de arrumá-lo, seja preso, de lado, repartido ou seja lá como as garotas costumam arrumar . De qualquer forma, naquela hora já tinha deixado o objeto na mesinha e suplicava com as mãos pelas comidas.

— Isso aqui está com um cheiro bom... — Sorriu e abriu a embalagem de pé-de-moleque. — Não aguento mais esses troços do hospital.— Revirou os olhos e observou de perto o doce — Está bom, né?

— Devíamos parabenizar quem fez. — Dei uma risada fraca. — Experimenta!

Assim que ela provou pude perceber seus lindos olhos brilharem. O rosto ganhou uma cor mais avermelhada de satisfação. Não demorou para comer os outros doces e salgados. A bichinha era esfomeada, a cada mordida, demonstrava mais alegria. Algumas vezes, mais de uma vez ela me pediu para acompanha-la, dizendo que não queria aproveitar aquelas gostosuras todas sozinha. Como o gentleman que sou eu recusava, mas tava difícil viu?

— Você foi numa festa junina? — Perguntou depois de ter provado quase a metade do que eu tinha levado. Confirmei com a cabeça. — Foi divertido?

— Demais, colocaram umas músicas de quadrilha e fizemos várias danças clássicas, sabe? — Ela concordou animada. — Sempre parece que volto para a infância quando vou numa. — falei saudosista. Mas me toquei que ela não lembrava da própria infância. Tentei mudar rápido de assunto só que não deu exatamente certo.— Er, e tinha aqueles jogos, conhece a pescaria?

Ela reagiu melhor do que pensei, e assentiu mais uma vez. Sentia que Rita estava ansiosa para lembrar e ver o mundo, das últimas vezes que fui vê-la sempre perguntava das coisas que eu fazia no meu dia e parecia gostar muito do que contava. Tentava me dizer algo legal do dela também. Conforme os dias tinham passando, através dessas histórias e pelo que eu mesmo via, notava sua evolução.

Como disse há um tempo atrás, a menina é esperta e aprendia rápido o que os médicos pediam que ela fizesse. No início, eu falava sobre uma festa famosa por exemplo e Rita não entendia, então eu precisava explicar detalhe por detalhe, porém conforme os dias corriam, ela lembrava de primeira de um fato comum sem que eu precisasse ensinar o que era. O mundo não lhe era mais tão estranho e eu sentia que isso só a deixava mais confiante, pois seu mau-humor e desânimo foram diminuindo. Para vocês terem uma noção: antes, ela deixava que eu dominasse a conversa, depois, nós dois dividíamos o palco. Suas dores de cabeça também não deram mais as caras, só não sabia se isso era bom ou ruim, já que pelo o que uns médicos me explicaram, normalmente a volta da memória acompanhava o desconforto.  De qualquer forma, naquela semana, entre voltas que tive que dar no meu chefe e os momentos em que ia ver como estava, percebi que a quantidade de exames diminuiu rapidamente.

Os médicos foram conversando comigo sobre seu progresso e eu contava para ela, mas nós dois ainda insistíamos em pensar na alta como algo sempre distante. Por mais que desejássemos que ela acontecesse, sabíamos no fundo, o abacaxi que iria dar se quando isso acontecesse ela ainda não tivesse com a memória recuperada. Eu esperava do fundo do coração que todos os plantonistas fossem boas almas que manteriam-na lá num tratamento intenso, mas indolor e feliz até que ela pudesse ir para sua própria casa e ficaríamos como grandes amigos. Um tolo total, eu sei.

Eis que um dia, acho que uma semana depois da festa estava eu chegando no quarto dela, quando seu médico responsável, segurando um envelope numa mão e uma caneta na outra, me impediu de entrar com uma expressão tensa no rosto e simplesmente batendo com a porta do quarto 13 na minha cara.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, queremos sua opinião agora. Como acham que a história vai ficar? Eles vão conseguir se virar? Ou médico estava só brincando. Estamos aguardando os comentários ;)
Até lá!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Estrelas Perdidas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.