Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 11
Radiação Solar


Notas iniciais do capítulo

"Você me deu um infinito entre nossos dias numerados" - A Culpa é das Estrelas



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Já haviam passado alguns dias desde que Rita saíra do hospital e nós estávamos morando no mesmo lugar. A rotina da casa ajustou-se de forma rápida e tranquila para acolher ela. Toda manhã, acordava com um cheiro delicioso diferente; minha nova colega de residência era quem normalmente  preparava o café da manhã agora, mesmo eu insistindo que ela precisava descansar, e não ficar nos mimando. Sempre me rebatia dizendo que o que mais queria era gastar energia, além de sentir que sua ajuda era mais que necessária. Não demorou para que eu desistisse de discutir, até porque a menina realmente ajudava; assim que chegou deu uma geral no meu quarto,  que me deixou até um pouco envergonhado. Porém não posso negar que fiquei satisfeito, ainda mais que suas comidas só podiam ter sido receitas feitas por deuses das cozinhas. Ela levava jeito para isso, sei lá como.

No restante dos dias normais, a rotina seguia com eu indo trabalhar e meu irmão alternando entre a faculdade e passar um tempo com a Rita. Sim, eles estavam virando amigos. Confesso que fiquei bastante incomodando desde o início; ele estava sendo mais do que pedi. Tive medo dele magoar ela no futuro, de alguma maneira, ou estar lhe ajudando a conquistar alguma coisa que eu não estava sendo capaz de auxiliar.  E claro, me irritava como eles pareciam cúmplices na hora de fazerem brincadeiras contra mim.

Quando a escuridão revestia o céu e meu turno acabava, encontrava com Rita no hospital nos dias de suas visitas do tratamento, e íamos juntos para casa. Geralmente, passávamos grande parte da noite conversando e zoando como fazíamos antes da alta; só que pior. Afinal, agora tínhamos um apartamento inteiro só para a gente fazer o que quiser, esquecendo muitas vezes do meu irmão que estudava e do incômodo que era o barulho alto para os vizinhos.

Chegando o primeiro final de semana, resolvi apresentar Rita para Kaio e Pietra. Marcamos numa praça de alimentação e quando chegamos, liguei para eles e descobri que os abusados ainda estavam saindo de casa. Desliguei sem me despedir igual alguns personagens da televisão quando estão irritados. Um item riscado da lista de coisas para fazer antes de morrer.

Mais ou menos uma hora depois, a "pipirada" apareceu. Usava uma calça jeans rasgada, uma camisa preta do Twenty One Pilots e os cabelos castanhos presos num rabo bagunçado de lado.

— Precisou se arrumar muito para usar a calça velh...? — Comecei a zoar, parando quando percebi o modo que ela me fuzilou com o olhar, me sentindo péssimo. Não lembrava da última vez que vi aquelas íris escuras direcionarem tanto veneno. Achei melhor mudar de assunto. — Rita...

— Sou Pietra, então você que é a amiga misteriosa do Benjamin? — Me cortou e abordou ela com um sorriso simpático e um abraço apertado.

Rita riu e a cumprimentou mais tímida. Acho que gostou de Pietra, porque depois que a segunda me excluiu da rodinha, as duas engataram numa conversa sobre aleatoriedades animadamente até Kaio chegar. O sem-vergonha havia cortado os cachos, usava uma bermuda marrom e uma camisa com estampa de skatista, o que era irônico pelo fato dele ter trauma de skates.

— E aí, Ben 10! E aí, Pipoca! — Me cumprimentou com um soquinho, depois fez o mesmo com Pietra.

— Não, cara. Pipoca não! Essa foi horrível. — Ela balançava a cabeça com o rosto franzido, enquanto o restante ria. Então, puxou Rita de leve pelo braço. — Essa é Rita, minha nova melhor amiga. — Comentou para zoar com nossa cara.

Ele ficou algum tempo a observando com uma expressão que não consegui decifrar e percebi que isso fez as bochechas dela ruborizarem. Senti o clima ali ficar sufocante, estava todo mundo desconfortável até ele voltar a abrir a boca.

— Sou Kaio, prazer! — Sorriu e apertou sua mão. Ela retribuiu sem sorrir e ele continuou. — Como está sendo morar num ringue?

Dessa vez, meu rosto que ficou quente. Ela me olhou em dúvida e eu dei a ideia da gente pedir logo algo para comer. Nós acabamos por pedir comida japonesa e batatas-fritas. Mais para o final do dia, Rita já estava mais solta, rindo, zoando e debatendo como até então fazia só quando estava comigo. Fiquei feliz que os três estavam virando amigos.

— Seu apelido é "Pipi"?  — Certo momento ela perguntou, com os olhos arregalados, virando-se para Pietra, que confirmava de braços cruzados e sobrancelhas arqueadas. — De xixi?

Nessa hora, a mesa se encheu de gargalhadas.

— Cara, eles me amam. É isto. — Tirou a carranca do rosto e acabou nos seguindo na risada. — Não sei porque ainda falo com vocês, sério!

— Porque nós somos o máximo, baby. — Imitei  a voz do Garcia Júnior, o dublador do Arnold Schwarzenegger, e dei uma piscadela para ela que respondeu com uma revirada de olhos.

Quando virei minha atenção para Rita outra vez, ela parecia encantada. Aos  poucos, o encanto se desfez em uma cara maliciosa antes de começa a dar a voz aos seus planos malignos.

— Então, senhor que faz imitações… — Ela falava devagar, ainda sorrindo. Fez uma pausa dramática e só depois de olhar para o teto, para a última batata-frita do prato e para mim, continuou. Pronto, já imaginava o que estava por vir, ela pediria para fazer a voz de todos os famosos que vierem a conhecesse. Seria um pouco vergonhoso e entediante se fosse qualquer outra pessoa, mas como era Rita quem iria fazer o pedido, eu estava ansioso para a ouvir e atender. – Não sei se ainda lembra, mas está me devendo uma música. E dessa vez sem ficar uma hora se preparando para um médico aparecer e atrapalhar.

Nós dois rimos, enquanto Pipi e Kaio boiavam. Até que Rita parou e cruzou os braços como quem espera o pagamento depois de tanto tempo sofrido de trabalho.

— Qual música eu canto? — Perguntei, já que não tinha mesmo muito mais o que fazer. 

— Uma que você goste. — Deu de ombros. — Não tente me enrolar, Benjamin

— Pode ser uma da Riley?

Rita me encarou de uma maneira que parecia que iria sugar minha alma apenas pelo olhar, para depois joga-la no chão e pisar em cima. Ela suspirou e descruzou os braços para agitar em gestos que condiziam com suas palavras.

— Não escutam alguém que tenha letras melhores que não grudam na cabeça e não repetem as mesmas frases a música inteira?

Nós balançamos a cabeça em sincronia como crianças obedientes.

— As músicas dela são as que eu sei cantar melhor. — Respondi. Repassei a lista de músicas da Riley na minha cabeça e segui. — Tem uma mais antiga dela que eu acho até poética.

Rita suspirou mais uma vez e assentiu para que eu começasse a cantoria. Respirei fundo e tornei a cantar.

“Sol, vagalumes e estrelas
Um amor de verão
Mas nada disso brilha como eu
Porque eu sou radiante
Vem comigo, meu amor

Somos radiantes
Radiantes, radiantes, radiantes
Nada pode nos superar
Radiantes, radiantes, radiantes
Somos o máximo, nota dez

Meu brilho vai te cegar
Amor, nem tente
Vem para essa festa
Eu sou radiante
Radiante, radiante, radiante”

Terminei e logo notei que Kaio e Pietra ainda batucavam e murmuravam o final da melodia. Já Rita, manteve um rosto indecifrável.

A praça esvaziava-se quando lembramos que o motivo principal para termos nos encontrado ali no centro era para comprar roupas e outras coisas para Rita. Pietra a acompanhou a maior parte do tempo, eu tentei ajudar dando algumas sugestões, mas acho que eles pensaram que estava brincando mesmo quando eu falava sério, porque riam e em seguida me ignoravam. Esse é a sina de pessoas que mais riem do que agem conforme suas idades.

Rita comprou várias peças de roupa, além das que lhe emprestei nesses primeiros dias: camisetas, shorts, pijamas, e Pietra ainda prometeu lhe passar algumas de suas peças. Também achou um tênis, um chinelo e uma sandália. Quando chegamos em uma loja de bijus hesitou, alegando que já tinha usado muito dinheiro que não era dela, mas sem nem discutir, peguei e coloquei nela. Pulseiras, um colar e  presilhas de cabelo. Ela riu e disse que nada combinou, porém, sentir, ainda que de leve, a sensação de seu pescoço, rosto e cabelos sob meus dedos fez de alguma forma valer a pena . E não sei, destacou os traços do rosto, o cabelo ficou mais ajeitado? Não que ela não procurasse se arrumar, mas eu percebi por debaixo de sua insegurança quanto às memórias que não voltavam (e de um nariz operado, mais algumas cicatrizes que não sairiam) uma mulher que talvez nem fizesse ideia de sua beleza. Mas que se desejasse apresentar ao mundo, poderia conquistá-lo com um toque daquele jeitinho que só ela tinha.

Após o desfile pelas lojas de roupas, partimos para mais outras e compramos também comidas e produtos para a casa. Mas é claro, tudo foi parcelado. Enfim, a noite se aproximava e todos aparentavam exaustão.

—Se cuida, minha nova melhor amiga. — Pietra a abraçou para sua despedida. — Quando o Benjamin ameaçar te perturbar, mostra quem manda e obriga ele a te dar meu número que vou correndo te buscar. — Falava como uma mãe preocupada.

—Valeu, Risadinha. — Kaio sorriu e deu um soquinho na mão de Rita.

— Cara, hoje você está horrível. — Pipi o puxou pelo braço, quase o arrastando e assim foram embora. Ainda quando estavam perto, ouvi ela acrescentar. — Só cala a boca.

Peguei mais bolsas das mãos de Rita que antes estavam nas dos dois. Já tinha mandado mensagem e ligado para Alex pedindo carona, mas ele me ignorara, o que me fez ficar bastante irritado. Rita não demorou para sugerir que fossemos adiantando a caminhada, afinal, chegaríamos mais cedo em casa onde quer que Alex nos buscasse e ficar parados por ali era perigoso. Dito e feito, não tenho certeza se era efeito do cansaço ou se realmente enxergava uma aura mais positiva a cada simples gesto de Rita. Após alguns minutos, delicadamente me pediu para tirar foto da lua minguante, com um brilho mais para o amarelo naquele dia. Lembrava uma obra de arte com a estrelinha ao seu lado, num céu negro, sem mais estrelas. Porém, como bem sabe quem tem celular com câmera ruim, a foto que saiu estragou o clima poético do momento por só mostrar uma bolinha branca e manchada ao longe.
Ao contrário da pessoa aqui que frustrou-se bastante, a moça ao lado não deixou o humor se abalar. Enquanto eu continuava tentando em vão contatar meu irmão, Rita conversava sobre o tempo que passava rápido, os ventos fortes da semana; a cena triste de um cachorro morrendo num filme que assistira na televisão; a ansiedade que sentia de usar uma das peças que comprou; uma opinião polêmica de Alex que a deixou intrigada; um casal de adolescentes na praça que achou fofo; um novo ingrediente que descobriu; uma piada que Kaio contou e fez Pipi se engasgar pelo suco; o fato de eu comer muita comida ruim, demonstrando preocupação com minha saúde; até já achar que eu era viciado em celular e precisava parar de mexer nele para conversar com ela. Guardei o aparelho no bolso e vi um sorriso satisfeito e irônico brotar em seu rosto quase automaticamente.

Suspirei e puxei mais assuntos. Passamos pela discussão do feijão por baixo ou por cima do arroz; qual meio de transporte é o melhor; se signos são reais ou mitos; enfim, duraram tanto ao ponto de sentir que estávamos há horas andando. Por isso, o pensamento voltou para nossa carona, e tive a ideia de pedir um táxi ou uber. Quando pegava meu celular de novo, comecei a escutar uma voz cantarolando num sussurro uma música que não reconhecia; era calma e suave, soava um tanto rouca, mas ainda agradável. Parei com minhas mãos e apenas transmiti minha atenção para uma garota que a qualquer momento poderia andar a passos saltitantes só para acompanhar o ritmo da melodia que escapava por seus lábios.

Era estranho, contudo, no meio daquela melodia simples, entendi todo o significado daquele dia de comidas e compras entre amigos, da escuridão nos ameaçar, da carona não acontecer, a falta da beleza que foi aquela fotografia por não ter sido tirada por bons olhos, e minha amizade com Rita até aquele momento. E por fim, senti a tensão sumir de mim e só sobrar a vontade de sorrir.


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Notas finais do capítulo

Comentários, sugestões e cia, estamos sempre abertas para receber. ;)



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