Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 12
Há Pouco Tempo Num Mercado Muito, Muito Cheio


Notas iniciais do capítulo

"Luminosos seres somos nós" - Yoda - Star Wars



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Os primeiros dias que passei no universo "casa do Benjamin" foram quase mágicos. Só de não estar mais entre paredes vazias devendo manter o máximo de silêncio e fazer diversos exames para lá e para cá, já me sentia extremamente bem. Eu sei da importância disso para minha sobrevivência e nem seria louca de tentar fugir antes de levar alta, mas já estava ficando bem cansadinha nas semanas finais da internação. Ainda bem que só estive na UTI quando cheguei desacordada.

Quer dizer, não que a rotina médica tivesse acabado. Eu tinha que ir basicamente “dia-sim-dia-não” lá, para uma avaliação neurológica e conversa com minha psicóloga. E consulta com dermatologista todo mês para verificar o estado do meu rostinho recauchutado.

Sobre as consultas neurológicas preciso fazer uma ressalva. Que se quebre o ritmo de narrativa; elas valem a pena detalhar! Eu chegava lá sempre no horário marcado, porém, sendo um hospital público brasileiro, infelizmente, precisava esperar bastante para entrar. No começo eu ainda ia no horário,mas depois, com o tempo, fui aprendendo o famoso truque de dar o nome e só voltar umas três horas depois. E não, ninguém ainda tinha passado na minha frente depois desse tempo todo, que eu gastava normalmente caminhando e assobiando.

Enfim, minha expectativa com essas consultas era meio assustadora inicialmente. Iriam colocar uma máquina com aqueles fios de ficção científica sugando meu cérebro para lerem o que se passava nele? O médico iria conseguir ver tudo que eu pensava só de me olhar? Iria realizar algum tipo de hipnose? Nenhuma das alternativas anteriores. Simplesmente, eu sentava em frente a ele apreensiva, enquanto o doutor me encarava com aquela cara de quem já estava de saco cheio; mais uma entre as milhares de pessoas que precisava atender. Me perguntava:

— Tudo bem com você?

— E-eu acho que sim.

— Ótimo.

E antes que eu dissesse mais alguma coisa, pegava um papel e rabiscava a receita dos meus remédios para memória.

— Liberada. Ô, Creuza! Manda vir o próximo infeliz!

É sério. Ele nem ao menos se dava o trabalho de, sei lá, me mandar repetir algumas frases para ver se ainda falava como alguém equilibrada, nem perguntava quantos dedos conseguia ver, ou sei lá, o que se passava na minha cabeça.

Acho que no fundo, o doutor já tinha ideia de que antes do acidente ainda prevalecia um grande nada nas minhas memórias.

— Mas não seria desestimulante da parte dele se fosse isso, minha florzinha? — Suzana me perguntava quando eu a encontrava pelos corredores.

— É desestimulante de qualquer forma.

Das visitas ao hospital, a melhor parte era reencontrar Suzana, Helena e os demais enfermeiros. Acabaram se tornando grandes amigos e sempre tínhamos o papo para pôr em dia agora. Em geral, eles viam meu desapontamento com o neurologista, mas todos diziam que era assim mesmo. Vicente até zoava com a minha cara:

— Você tem que parar de se iRITAr.

Piadas sem graça à parte, até tentamos marcar de nos encontrar algum dia, mas eles sempre tinham a agenda lotada, e pior: quando um estava livre, outro ficava ocupado. O total oposto de mim, que só tinha as coisas da casa do Benjamin para me ocupar.

Esse então, vivia dizendo o quanto estava surpreso pelo tamanho do meu ânimo em cuidar do apartamento logo depois de ter levado alta.

— Você deveria estar em repouso, Rita! — Se o garoto queria um jargão só para si, esse podia virar dele, patenteado e tudo. O número de vezes que falava isso, admirado, era como a quantidade de décimos que se pode haver depois de uma vírgula: infinito.

Eu não conseguia ainda entender como um cara jovem, bonitinho, cheio de tarefas e energia conseguia dedicar tanta atenção e até chegar a admirar as coisas simples que uma perdida no mundo, com cicatrizes na cara, fazia. Mas eu que não iria reclamar né? Numa das vezes em que ele passou na porta do hospital para me acompanhar até sua casa (afinal, eu não conhecia ainda o caminho direito), a maneira com que acenou; uma cara de quem esperava um pedacinho de vidro muito frágil voltando de um dia solto na selva com pterodátilos:

— Benjamin, não precisa me tratar como se eu fosse seu cãozinho de estimação, é sério. — Dizia rindo.

Ele fazia uma careta em resposta e me puxava pelo braço, exatamente como se eu fosse um pudle. Óbvio que levava tapas no braço em resposta.

Em geral, nossos dias foram assim: zoando e cuidando um do outro, cada um como podia. Eu confesso que parte do quanto me dedicava à casa dele e do irmão era como uma dívida que eu achava que tinha com os dois. Mas longe de mim sequer mencionar isso de novo. Eu tinha noção de quando poderia ficar chato essa “eterna gratidão” e àquela altura qualquer palavra que remetesse a “favor” acho que já estaria irritante. De qualquer forma, fazia isso porque queria. Eles também ajudavam; não era como se me mandassem para a cozinha enquanto os machos ficavam vendo aquele filme na televisão. Se isso acontecesse a boa vontade já teria ido para o ralo. Não, eles também colaboravam sempre que podiam, sem me forçar a nada. O irmão do Benjamin então, era um cozinheiro de mão cheia. Enquanto eu me arriscava juntando de qualquer jeito o que achava que ficaria bom, Alex várias vezes vinha me ajudar e até me dava algumas dicas. Ele parecia uma pessoa fechada à primeira vista, mas era um bom amigo. Quando ele e o irmão se juntavam, então, era zoeira garantida.

De um jeito meio torto as coisas estavam indo até muito bem. Conhecer os amigos de Benjamin também foi ótimo! Eles eram super simpáticos e tão engraçados quanto meu anfitrião, quem sabe até mais. Era sensacional fazer parte do grupo deles, me sentia cada vez mais como uma amiga de verdade do Benjamin, e não alguém que ele se sentia responsável por cuidar ou até com pena. A última possibilidade me dava até revolta no estômago.

Embora todas minhas últimas roupas tenham sido compradas por ele. Nesse caso, não sei se gastar tanto dinheiro por pena, era menos estranho do que comprar por admiração. Eu tentava pensar que os sentimentos eram os melhores; mais inimagináveis possíveis para minha cabecinha.

E foi pensando sobre isso com o passar do mês, entre consultas, trabalho doméstico, rolês com Pietra e Kaio e algumas cantaroladas, que fui começando a sentir o desejo de possuir um emprego, crescer fortemente dentro de mim. Um dia comentei isso com Benjamin.

— Olha, aqui no Brasil… Bem, você pode até tentar, né? Longe de mim querer te diminuir ou segurar seus sonhos… Mas assim… Não é exatamente o melhor país para se procurar um emprego sem nem ter documento, com poucos dias de alta. — Então ele me lançou um olhar apassivador, me dando um carinhoso abraço em seguida, esfregando minhas costas —  Desculpa.

Ficamos um certo tempinho assim, reconfortantemente abraçados. Eu fui cedendo e apoiando a cabeça no peitoral do meu amigo; ele mais alto, foi baixando o rosto em direção à minha peruca, aos poucos.  Até Alex surgir de supetão atrás da gente.

— CAHAM!

Nós dois demos um pulo para trás, assustados.

— Mas você surgiu de onde, ô criatura?! — Benjamin perguntou enquanto o outro gargalhava da cara dele.

— Ué! Posso mais andar dentro de minha residência não? Tô saindo para a faculdade.— Declarou, colocando uma bolsa pesada no ombro e caminhando em direção à porta. Mas chegando no batente se virou e nos deu uma encarada marota. — Juízo aí vocês dois.

E saiu.

— Mas é muito cara-de-pau mesmo.  — O moreno alto do meu lado, falou sacudindo a cabeça e pondo as mãos na cintura magricela. Taquei uma almofada em sua direção.

— Não tenta assumir uma postura que você não tem. - Falei rindo.

— Eu não tenho postura?! — Respondeu se empertigando todo. — Como pode dizer um absurdo… — se virou, e antes que eu esperasse, tacou uma almofada de volta.  — desses?!

E bem, ficamos nessa criancice até ele olhar no relógio do celular e se dar conta de que estava atrasado para o trabalho. Ao vê-lo sair meio estabanado, tive uma ideia.

— Hey! Tudo bem se eu for com você? Digo, eu não tenho consulta nem nada hoje… Queria ver você usando a voz num microfone mesmo, sabe? Já vai levar bronca por chegar atrasado de qualquer forma, não é?

Ele me olhou surpreso, mas pareceu ponderar

Uma hora de ônibus cheio e engarrafamento depois lá estava eu no meio de uma confusão de produtos e pessoas para todos os lados. Os corredores estavam abarrotados, muita gente se empurrando, as filas nos caixas, caóticas. Aquilo parecia quase uma galáxia à parte!

Eu fiquei numas cadeiras próximas ao SAC só observando e me perguntando se realmente tinha sido uma boa ideia. Nem ele, nem Pietra, nem Kaio iriam parar ali para conversar comigo ou qualquer coisa do tipo, era óbvio. Talvez Benjamin estivesse certo em me tratar como uma criancinha. E eis que de repente escuto um timbre de voz conhecido se impor por todo o mercado:

— Olha aí que vem promoção, freguesia! — Pausa dramática para aumentar a entonação. — Biscoito recheado Nova Niterói por apenas um real! Presta atenção, freguesia, biscoito recheado...—  Pausa enfática—  Um real, vai perder essa?! Pode ser a oportunidade da sua vidinha, pode ser a última vez que você vai conseguir comprar  biscoito! Não joga fora esse um real, freguês!

Eu ri. Ele realmente se empenhava em ser um bom comunicador! E era bom, porque eu vi todo mundo em volta, de uma forma ou de outra comentando a locução.

— Vamos lá, pessoal! Ajudem o lucutor, porque se ninguém comprar, o patrão reclama! Isso, fregueses! Vem chegando! Aproveita que tá em promoção!

Nisso, Kaio arrancou o microfone da mão de Benjamin. Mas ao invés de dar treta, os dois começaram a cantar num ritmo meio estranho:

— Chega pra cá! Vem comprar, tá baratin, pó gastar… Só vem!

Pietra passou por mim nesse momento, vestia uma camisa larga de um filme de ficção científica, um tal "Star Wars", mas nem consegui comentar nada. Estava apressada carregando um carrinho com mercadorias novas. Ela revirava os olhos, mas não entendi o motivo. Eles mandavam muito bem! Formou-se rapidinho um grande grupo de pessoas ao redor deles, e eu só via os carrinhos saindo com os produtos anunciados; ainda que alguns compradores rissem da cara deles. Como se estivesse em um show, Kaio agradeceu e disse que precisava se retirar, afinal, ele não era locutor, enquanto Benjamin mandava um “Já vai tarde!” como se o amigo ameaçasse seu emprego. Essas palhaçadas exigiam bastante coragem e confiança para se fazer na frente de tanta gente, mas certamente funcionavam muito bem. O talento de Benjamin trabalhando com a voz era inegável. Eu estava realmente admirada.

Pietra passou de volta, seu carrinho vazio:

— Ah, sério que você ficou tão encantada assim com esses dois palhaços?! — Ela dizia fazendo pose de séria, mas não conseguiu esconder uma risadinha.

De qualquer forma, não liguei tanto para o comentário e permaneci com minha cara de paspalha encantada. Até no meio da multidão aparecer um homem. Uma dor dilacerante cortou meu crânio, pior do que todas que já tive no hospital. Minhas memórias no mercado, a partir desse momento começam a ficar confusas, mas eu subentendi algumas coisas:

         1 - Eu conhecia esse cara de algum lugar.

         2- Sua presença incomodava.

Não sei porquê. Só sei que repulsão chegava a ser maior do que a dor física.


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Notas finais do capítulo

E aí pessoal? O que acharam das referências em homenagem a uma das sagas estelares mais pop ever?
Que a força esteja com vocês!



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