Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 10
Cidade de Estrelas


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi escrito em cima de algumas partes da música City of Stars do musical La La Land. O link para quem quiser ouvir enquanto lê está logo abaixo, no início do capítulo ;)



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https://youtu.be/GTWqwSNQCcg

 

Eu imaginei diversas vezes como seria sair do hospital desde que Suzana tinha contado sobre minha alta. Conhecer a família e os amigos do Benjamin, ver lugares diferentes… Será que eu me lembraria algo do que se passou em minha vida antiga ao rever as ruas da cidade de Niterói? Talvez as que estivessem longe das janelas deste hospital público me trouxessem alguma coisa. Era tão frustrante saber o que eram as coisas do mundo ao meu redor mas não conseguir lembrar das experiências passadas com elas.

Suzana certa vez me disse que isso era culpa da área afetada no cérebro pelo atropelamento. Minhas memórias mecânicas, aquelas que armazenam informações básicas de sobrevivência como coordenação motora, noção da realidade e até linguagem ficavam em algum lugar mais profundo do meu cérebro do que minhas vivências. Inclusive, ela chegou a comentar que isso era raro de acontecer, chutava que eu devia ter sofrido algum trauma psicológico antes de sofrer o acidente. Era como se minha cachola tivesse entrado num tipo de greve, se recusando a acessar essas memórias. Ao menos, foi o que consegui entender mais ou menos. Ela usou uma linguagem médica complexa ao me falar isso, sobre tipos de neurônios; e não tinha o menor jeito para explicar aquilo a um leigo.

De uma forma ou de outra, sair continuava sendo ameaçador e excitante ao mesmo tempo. Naquele dia, assim que Benjamin saiu, Suzana voltou para o quarto, querendo ver como eu estava. Ela hesitou no batente da porta, mas assenti para que entrasse. Menos de um segundo depois, estava me dando um abraço de urso.

— Não se preocupe, minha menina, onde você estiver eu vou atrás para ver se tá bem. Não honraria minha profissão se abandonasse uma paciente tão legal por aí sem saber para onde ir, pior que essas grossas que às vezes preciso atender.

— Isso não me parece tão profissional assim. — Comentei rindo. — Adoraria que me visitasse. Mas não precisa se preocupar tanto, o Benjamin fez questão que eu fosse para a casa onde mora. Já tinha até falado com os parentes e tudo!

Ela arregalou os olhos fundos:

— Nossa! Poxa, ele tá mesmo empenhado em te ajudar! Bem, melhor assim Só pegar o endereço com aquele moleque… E ai dele se for um mal-anfitrião.

Eu ri.

— Tenho certeza que não será, Suzana. Eu confio nele.

Eu posso ter dito isso, mas uns três dias depois, ao vê-lo saltar de um carro popular para me buscar, tremi na base. Enquanto ele assinava uns papéis achei melhor aguardar sentada. Helena veio passando com o carrinho de comidas para distribuir nos quartos convenientemente.

— Não fica com essa cara! Toma um pouco de água.

Eu bebi e sorri agradecida.

— Sossega! Semana que vem e nas próximas você vai ter que voltar para o acompanhamento neurológico. — Falou com uma piscadinha. Era um bom argumento.

Antes que eu pudesse responder me chamaram no balcão. Ela me deu um sorriso encorajador e seguiu na direção dos quartos e enfermarias onde não havia entregado a comida ainda. Precisavam que eu confirmasse ciência pela minha alta ou algo assim. Assenti mas declarei que não tinha como assinar nada pois não lembrava do meu nome. As mãos também permaneciam ainda um pouco calejadas, o suficiente para ser impossível marcar minha digital. A secretaria digitou algumas coisas em seu computador então, e me liberou.

Benjamin me deu o braço e eu olhei para trás. Nem dava mais para ver meu quarto, só a recepção cheia do hospital, com diversas pessoas, umas preocupadas, outras comemorando a melhora de algum “ente”, outras entediadas… Era incrível como várias histórias totalmente diferentes conseguiam se cruzar nos lugares mais aleatórios. Tantas histórias e eu aqui, prestes a começar a minha do zero total depois de adulta.  

Conforme fomos caminhando para o carro preto de pisca-alerta ligado olhei o amplo céu diretamente sobre mim. Era de tarde mas uma sombra da Lua já estava no céu. Benjamin abriu a porta para mim e me apresentou o motorista, no caso, seu irmão Alex.  Não sei se foi falta de educação, mas enquanto sentava no banco traseiro apenas lhe dei um ligeiro “olá” para a cópia mais fortinha do Benjamin e já voltei meu olhar para aquela imagem através da janela. Me passava uma sensação muito boa, algo como um bom pressentimento. Alex acelerou o carro e seguiu rumo a onde quer que eles morassem e eu observando a paisagem igual uma abobalhada. Me dava um dejá vu gostoso aquelas ruas de Niterói, com todo seu movimento, as diferentes pessoas nas calçadas, os morros, a visão da Baía de Guanabara ao longe em algumas partes do percurso.

 

City of stars

Are you shinning just for me?

 

Os versos vieram como um pensamento, me lembravam um jingle bonitinho. Tentei imaginar um som mais definido para meus sentimentos. Alguma coisa rallentando ou solfejada, tocada nota por nota, o som como uma chuvinha, um embalo indo e voltado. Porque era assim que eu me sentia: embalada pela cidade ao meu redor. Era divertido imaginar um som que combinava tão bem com o que eu captava do mundo que me cercava, mas igualmente frustrante ter algumas notas na cabeça e nenhum papel para anotar. Me concentrei nas palavras, eram menos perturbadoras de manter solto na mente do que um som solto. “Cidade de estrelas, você brilha só pra mim?”  O versos seguintes vieram como correção aos anteriores:

 

City of stars

There’s so much that I can’t see

 

“Cidade de estrelas, eu não posso ver assim” . Eu precisava pôr os pés no chão. A vista da cidade como um bom presságio? Eu estava era deixando um silêncio horrendo no carro. Claro, mal me apresentei direito para um dos rapazes que estavam realmente me dando alguma oportunidade de virar um pouco mais que nada na vida. Como poderia sequer haver qualquer diálogo, se eu, a principal interessada na situação estava viajando nas ideias? Corri com os olhos para observar a expressão de Benjamin. Ele parecia preocupado, mas não com raiva ou algo do tipo. Foi inevitável formar mais alguns versos, os últimos por agora, enquanto eu mirava, agradecida, sua face, tão carregada de uma aura reconfortante. “Quem sabe? Eu senti isso desde o primeiro abraço que demos”

 

Who knows?

I felt it from the first embrace I shared with you

 

O baque do carro estacionando me acordou de meus devaneios. Alex saltou e abriu a porta com cuidado, como se eu fosse vomitar em cima dele do nada ou ter um ataque epiléptico em cima de seu pescoço. Me senti pior. Será que eu tinha parecido uma louca por cantarolar uma musiquinha desconhecida baixinha com duas pessoas no carro? É, acho que a ansiedade de sair do hospital realmente estava me afetando. Devia ser isso.

Benjamin fez uma careta para o irmão e veio amigável para perto de mim.

— E é aqui que fica o meu “apê”.

Disse me guiando para um prédio simples, de poucos andares com a portaria colada na calçada da rua. Tinha um homem com crachá de porteiro sentado num canto antes de uma portinha peculiar, vendo jogo de futebol por uma pequena televisão. Ele só levantou metade do olho e baixou de volta, como se fossêmos baratas. Ainda cobriu os olhos com a franja. Eu ia perguntar se realmente confiavam numa criatura dessas para proteger a entrada do prédio, mas um estalo vindo da porta em frente me chamou atenção. Benjamin foi delicadamente me guiando para dentro, enquanto o irmão dele abriu a porta e apertou um botão para que o compartimento subisse. Uma gradezinha lentamente fechou a distância entre onde nós e a porta antiga. E de repente, o elevador começou a subir se balançando todo, um barulho assustador. Não consegui evitar fazer uma careta. Céus! Podia não conhecer minha tataravó mas tinha certeza de que aquilo devia ser mais velho que ela! Quase instantaneamente senti o Benjamin rindo atrás da minha orelha. Idiota. Não tinha nada menos idiota para fazer do que rir da minha idiotice?

Com outro estrondo chegamos ao andar certo. Fomos caminhando pelo corredor e assim que Alex girou as chaves, vi um apartamento pequeno, com poucos e antigos móveis, mas bastante acolhedor. Benjamin me puxou pelo braço, com um ar orgulhoso e o sorrisão marcado dele:

— A senhorita permita-me apresentar minha humilde residência.

— É claro.

Então foi fazendo graças e mostrando os cômodos. Falava da cozinha como se fosse tão importante quanto um salão de baile imperial. O quarto do irmão foi descrito como o chiqueiro. E por fim, me mostrou onde era seu quarto. De princípio não consegui visualizar muito bem, mas assim que ele abriu as cortinas ri de imediato com a quantidade de pôsteres da Riley que ele tinha. As coisas estavam beem bagunçadas ali mesmo com poucos móveis.

— Gostou? É aqui que você vai passar boas partes da noite a partir de agora.

Ok, foi bem bobo da minha parte, mas eu fiquei vermelha igual um pimentão. Ele arregalou os olhos de repente,como se tivesse se dado conta do que tinha dito:

— Não me entenda mal! Eu vou dormir na sala!

Não soube bem o que responder. O garoto já tinha feito tanta coisa por mim, mas eu também já tinha dito tanto “obrigada”. Só assenti e ele saiu de fininho, dizendo para eu me familiarizar e me sentir à vontade caso quisesse ajeitar meu novo quarto.

Observei as coisas com calma. A vista dava para uma parede, mas era como uma tela em branco. Talvez se eu pintasse algumas coisas ali; poderia até pegar um solzinho me esticando; não era preciso mais que 10 centímetros, as construções eram muito coladas, nem chegava a ser perigoso. Fiz uma nota mental então, para procurar tintas mais tarde. Naquela hora tinha algo mais importante para lidar. Achei que como convidada, nada mais justo do que eu mesma arrumar o quarto, então foi o que fiz. Conforme mais eu mexia, mais desarrumado parecia que o cômodo ficava; cheguei  ao ponto de encontrar tralhas espalhadas no canto atrás da porta. Me abaixei para recolher aquilo quando me deparei com mais um pôster, mas esse não estava com letras neon gritantes, nem poses extravagantes. Parecia bem antigo na verdade, quase uma cópia em impressora de alguma imagem da internet. Na foto a loira estava sentada sobre o que parecia ser um instrumento, olhos fechados, como se estivesse concentrada na música.

Achei curioso como alguém com musiquinhas de letras bobas e melodia pobre poderia parecer tão concentrada na arte que fazia, daquela forma. Olhei de volta para a foto pendurada na parede: nem parecia alguém real, era praticamente uma boneca com rosto, corpo, roupas e até expressão claramente montadas só para agradar. Sinceramente, nem que eu ficasse rica e famosa algum dia na minha vida, não me deixaria nunca chegar num ponto ridículo desses. Pousei o restante das tralhas na beirada da cama, me perguntando como o Benjamin conseguia ter um gosto musical tão ruim.

De repente, a porta abriu com o vento e senti um cheirinho delicioso de comida. De fininho, fui ver o que estavam fazendo na cozinha. Minha boca encheu de água na mesma hora: pão com carne.

— Hey! Tá servida? - Benjamin perguntou igualmente sorridente.

Na pontinha do pé me juntei a eles. Alex estava um pouco incomodado com alguma coisa, então decidi finalmente ser educada, perguntando o que estava havendo. Ele desconversou rápido, mas continuei puxando assunto, agradecendo pela estadia e perguntando o que gostava. Aos poucos, consegui quebrar o gelo e quando dei por mim já tinha terminado meu sanduíche rindo de alguma piada que ele tinha feito com o irmão.

 

That now our dreams

May finally come true


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Notas finais do capítulo

Então ficou bom esse formato songfic? Comentem, qualquer coisa, colocamos mais depois ou aperfeiçoamos.
Até mais!



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