O Preço da Glória escrita por Carol Coelho


Capítulo 6
Capítulo 5 - Segundo Dia




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O dia que se seguiu ao ataque do Escafandro foi tranquilo. Bem cedo, Leonardo saiu de seu gabinete com os olhos gritando a fala de sono, mas a tripulação já estava acostumada àquilo. Gregório varria o convés enquanto o Salamandra cortava o mar de forma intempestiva e todos os marujos prosseguiam com suas atividades de sempre. Aluísio Vasconcellos, o bêbado, havia conseguido seu lugar no cesto da gávea novamente e tudo o que se podia ver eram seus cabelos desgrenhados pela borda e ocasionalmente alguns pingos de sua aguardente que caíam no chão e eram lambidas por Milton.

Milton e Aluisio tinham uma relação única: o cão praticamente pressentia quando algo perigoso se aproximava e seus latidos deixavam Aluisio em alerta. As vezes eles discordavam, porém Milton geralmente estava certo.

Ao pisar no convés com uma xícara de café na mão, viu um Cristiano muito contrariado lutando para consertar a lança da proa. As ferramentas estavam jogadas no chão e farpas de madeira estavam espalhadas pelo navio todo.

— Bom dia — cumprimentou o amigo. — Tudo em ordem?

— Sim, claro — respondeu curto. — Quase pronta a porcaria da lança.

Leonardo riu. A acidez era típica do amigo. Seus olhos também denunciavam uma noite mal dormida e se havia alguém ciente do mau humor de Cristiano quando privado de sono, esse alguém era Leonardo. Era graças ao carrancudo insone que ele havia quebrado o braço há dois anos.

O capitão se virou e andou alguns metros até Juliano que parecia muito cansado no cockpit.

— Pode ir dormir, marujo. Eu assumo daqui. Muito obrigado — agradeceu Leonardo, pousando sua mão no timão e dispensando Juliano.

— Bom dia, senhor — desejou Juliano após um bocejo antes de se afastar para sua cabine.

Leonardo checou a rota do navio e viu que já estavam praticamente de volta ao curso. Isso lhe causou um pouco de estranheza, pois não havia sinal algum da tripulação do Escafandro.

Com um resmungo, Cristiano recolheu suas ferramentas e retornou à sala de armas, onde passava a maior parte do seu tempo. Prontamente, Gregório apareceu para varrer a sujeira que Cristiano havia deixado.

— Fumantinho folgado — resmungou para divertimento de Leonardo.

A manhã transcorreu tranquila. O máximo de agitação que ocorreu foi a troca rápida de marujo no cesto da gávea, pois Aluisio começara a passar mal lá em cima. Um jovem forte e baixinho, de olhos verdes assumiu seu lugar antes do almoço. Seu nome era Heitor e ele havia se juntado a tripulação há pouco menos de um ano. O cozinheiro do dia era Mariano, algo que deixou toda a tripulação feliz, pois suas habilidades culinárias eram excepcionais.

O prato do dia era carne acompanhada de batatas em quantidades monstruosas para alimentar toda a tripulação cansada de limpar, observar, corrigir, puxar cabos e manter o navio funcionando a manhã toda. Eles se organizavam em turnos para que todos se mantivessem descansados ao longo do dia. O único que não aceitava ter turnos impostos a si era Leonardo. E, bem, Veronica sempre acabava fazendo o que queria.

Quando o almoço foi retirado, o dia já avançada para sua décima quarta hora. João, um dos marujos responsáveis pela sala de armas, se aproximou do capitão a passos largos e tensos.

— Capitão — chamou. — Estávamos eu e Cristiano conversando e resolvemos levantar a possibilidade de revidar o ataque do Escafandro — disse com cautela, medindo as reações do capitão.

— Algum dos nossos se machucou? — indagou Leonardo displicente virando levemente o timão ao olhar a bússola.

— Não, senhor.

— Então não temos porque revidar agora, João. — suspirou, fincando a alavanca no timão e apertando o ombro do marujo com uma das mãos enquanto se afastava do controle do navio. — Devemos guardar a munição para um momento de extrema necessidade, como um ataque de piratas, ou uma afronta mais direta do Escafandro. Temos mais uns três ou quatro dias de viagem pela frente e eu não vou permitir o desperdício de munição em uma demonstração de poder sem sentido. — parou de falar e mirou o marujo, que se encontrava cabisbaixo. — Estamos entendidos? — perguntou com a voz firme e compreensiva, apertando levemente o ombro de João.

— Sim, senhor — e então João voltou andando para a cozinha.

Leonardo encarou a porta pela qual João desaparecera durante alguns segundos. Ponderou, então sobre o ataque do Escafandro, tentando chegar a alguma resposta que não obtivera na sua noite em claro. Não sabia se Marco Martins estava apenas brincando com ele, o provocando ou se era um ataque sério. Não gastaria sua munição, pois os ataques de navios piratas estavam cada vez mais frequentes e ele não se perdoaria por ter desperdiçado preciosas armas com o Escafandro, igual Marco, com sua arrogância. Tentou controlar seu ódio de Marco Martins quando uma voz o despertou de seu transe.

— Crianças — Leonardo virou-se abruptamente, vendo Veronica parada bem ao lado do timão. — Desculpe pelo susto.

— Às vezes eu me esqueço como soam as vozes femininas — comentou áspero como sempre, apertando com força a alavanca que travava o controle do navio, dando as costas para o mesmo em seguida, se voltando para a popa para olhar o mar que brilhava à luz do sol e se estendia infinito em todas as direções.

Veronica soltou um riso leve e parou bem ao lado do capitão, que franziu as sobrancelhas com a proximidade. Era um homem bastante frio e carrancudo na maior parte do tempo, sem falar em sua postura sempre intimidante. Apesar disso, todos os marujos sabiam que ele era um homem confiável e bom. Veronica suspeitava que fosse muito simpático sob o estímulo certo, porém em um navio cheio de homens e com uma pressão constante era muito difícil deixar esse lado mais acessível.

— O que estamos indo buscar? — a mulher perguntou.

— Animais — respondeu curto. — O prefeito diz que eles têm propriedades de cura e que isso poderia auxiliar na produção de vacinas.

Veronica aquiesceu e conversa parecia ter se encerrado ali. Com um suspiro resignado de não estar conseguindo ter uma conversa de verdade com o capitão, ela deu meia volta e caminhou a passos arrastados para seu quarto.

— Você pode chamar o Juliano? — perguntou Leonardo, se virando na direção que Veronica se afastava.

— Claro — ela respondeu sem nem olhar para trás.

Leonardo sentia pontadas ocasionais de culpa por afastar as pessoas de si com seu gênio, porém nem sempre era intencional. Especialmente Veronica, que era muito mais sensível que os outros marujos e não tinha obrigação nenhuma de estar ali. Com um suspiro derrotado pela sua falta de habilidades interpessoais, retirou a alavanca do timão e o segurou com ambas as mãos. Juliano surgiu da cozinha tirando o cabelo cacheado dos olhos com um sorriso no rosto e andando a passos largos. Era jovem e idealista e simplesmente adorava Leonardo, quase como a um pai. O afeto era recíproco.

— Você pode assumir para eu tomar um banho? — perguntou o capitão. Juliano aquiesceu e segurou o timão com firmeza. — Se você tombar o meu navio, eu mato você — advertiu em tom de brincadeira, fazendo Juliano rir.

Leonardo se encaminhou para sua cabine para tomar um merecido banho. Já confortável em sua nudez dentro da banheira morna, a conversa com Veronica o pegou desprevenido. Estavam indo buscar animais, mas ele não tinha ideia de que animais eram esses. Resolveu ler assim que possível os arquivos da pasta cinza que permanecia esquecida em sua mesa.


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