O coração de todos na mini tripulação dentro do barquinho batia acelerado. Eles estavam em completo choque. Nenhuma palavra foi proferida no caminho para os aposentos da líder das sereias. Elas lançavam alguns olhares na direção dos forasteiros e era possível ouvir seus sussurros animados dentro das cabeças deles.

O barco deu a volta na ilha e se embrenhou por um riozinho estreito que cruzava uma parte densa da floresta akilaniana. Por muitas vezes, os marinheiros precisaram abaixar as cabeças para não tê-las golpeadas por galhos e cipós.

O barco seguiu sendo ladeado pelas sereias que o conduzia na direção da realeza de sua espécie. A cabeça de Leonardo fervilhava com questões que ele estava louco para exprimir, mas não tinha coragem, não sabia se seria interpretado mal. Se perguntava como aquela sociedade funcionava, se seu pai havia chegado a conhecer elas daquela forma, se seu pai havia pisado naquele lugar, como era a relação deles, e etc.

Todos os questionamentos foram silenciados quando o rio começou a se alargar ao virar a curva de uma montanha. Atrás daquela montanha, estava a cena mais bela que a tripulação já teve o prazer de ver: uma imensa queda d'água que desembocava no mais azul dos rios, rodeado por pedras que lhe conferiam um formato circular. Em todos os cantos, sereias. Fazendo suas tarefas cotidianas até serem interrompidas pelo cortejo que se aproximava.

Sentada em uma pedra bem na frente da queda d'água, a mulher mais bela que Leonardo já havia tido o prazer de ver. Ela tinha cabelos que não era louros, mas dourados e longos, a ponto de tapar os fartos seios desnudos. Lábios rosados e inchados sorriam docemente e seus olhos não eram de um azul profundo, mas tinham um tom de caramelo que emanava conhecimento.

A respiração ficou presa na garganta do capitão.

"Sejam bem vindos, forasteiros", saudou a sereia, balançando sua cauda fruta-cor. "Me chamo Narissa e eu sou a incumbida da tarefa de liderar este clã em sua rotina itinerante. O que vos trás a meus domínios?"

A voz era doce dentro da cabeça dos marujos. As palavras demoraram mais que o normal para viajar do cérebro até a boca de Leonardo.

— Olá — disse. Se sentiu estúpido, então tratou de acrescentar de pronto: — Muito obrigado pela sua hospitalidade. Me chamo Leonardo Leão e...

"Leão?", Narissa interrompeu, franzindo o cenho. "De alguma maneira descende de Eriberto Leão? O pescador?". Leonardo suspirou em felicidade. O pai havia sim tido a oportunidade desse deleite. Seu coração se encheu de uma alegria e paz que ele não sentia há muito.

— Sim. Ele é... era o meu pai.

"Era? Não é mais?"

— Bem, ele morreu há alguns anos — Leonardo baixou a cabeça.

"Entendo", respondeu Narissa. "Meus mais pronfudos sentimentos, senhor Leão".

A tripulação se calou por alguns segundos. Leonardo custou um pouco a lembrar porquê estavam ali, tão encantado se encontrava com tudo ao redor.

— Bem, nós viemos dar um alerta — disse o capitão. — Existe um navio a caminho desta ilha para capturá-las.

Nesse momento, a cabeça da tripulação foi enchida de conversas indignada e exclamações surpresas.

— Teoricamente eu também deveria estar nessa missão — confessou.

"O que mudou sua ideia?", indagou a líder.

— Não sei ao certo. Amor, acho. Sei que meu pai ficaria desgostoso se eu fosse contra o que ele acreditava. Ele fez muito por mim, eu jamais ousaria decepcioná-lo. — Leonardo tentou parar de falar antes de concluir, mas não conseguiu. Simplesmente jorrou seus sentimentos para fora.

Veronica o olhava estupefata.

— Capitão — ela sussurrou. Antes que Leonardo pudesse responder, a voz de Narissa ecoou em suas cabeças novamente.

"Eu sou imensamente grata", os lábios fartos da mulher sorriram. "Vocês parecem ter feito uma viagem exaustiva, por favor, fiquem à vontade para descansar enquanto nós nos preparamos para partir".

  — Obrigado — agradeceu Leonardo. 

Dito isso, Juliano começou a se despir e pulou na água, sendo seguido por Cristiano. Ambos nadaram até uma pedra próxima e se recostaram, aproveitando o sol agradável daquele horário.

— Alias, que horas são? — indagou Gregório, tomando o mesmo rumo dos outros dois.

— Não tenho ideia, meu caro — respondeu Teófilo, imitando o irmão.

— Vamos, Veronica? — perguntou Leonardo se despindo também.

— Leonardo, eu acho que tem alguma coisa errada — sussurrou Veronica.

— Realmente tem, Veronica — disse o capitão com um suspiro, olhando para ela com um semblante bobalhão. — Essa é possivelmente a melhor coisa que já nos aconteceu e você fica aí com essa cara fechada.

Veronica suspirou e pressionou os lábios juntos.

— Relaxe um pouco — pediu o capitão antes de pular na água.

Veronica franziu as sobrancelhas e guiou o barco para próximo dos filhos, sem ousar despir-se, muito menos pular na água.

— Olha que fruta engraçada, mãe — disse Gregório, trazendo para a mãe uma espécie de romã, muito maior que a normal e com uma cor muito viva e estranha.

— Não come isso — disse Veronica, batendo na mão do filho, fazendo a fruta cair na água. Ele a olhou de olhos arregalados por alguns segundos antes de se afastar.

Ela se sentia mal e um pouco culpada, mas sabia que algo ali não estava certo, ela só não sabia dizer o que. Outra coisa que não sabia dizer era quanto tempo havia passado. Não gostava de estar confusa do jeito que estava, porém achava melhor do que estar toda abobalhada igual aos outros.

Nas pedras do outro lado do lago enorme, duas sereias de cabelos acaju a miravam com uma expressão quase hostil. Veronica se sentiu ameaçada e tocou de leve a faca dentro de sua bota, só para se certificar de que ainda estava ali. Ela engoliu em seco, antes de sair do barquinho e andar sobre as pedras na direção de Juliano e Cristiano, que conversavam relaxados, deitados em uma pedra grande.

— Oi, Veronica — saudou Juliano.

— Olha, eu não sei vocês, mas eu estou sentindo alguma coisa muito errada por aqui — comentou. Ambos franziram as sobrancelhas.

— O que exatamente? — indagou Cristiano, segurando a mão de Juluiano.

— Ai, homem, eu não sei.

"Veronica", a voz de Narissa surgiu, cordial. Os dois homens na pedra endireitaram a postura quando a rainha das sereias se aproximou.

— Oi — a mulher respondeu simples e desconfiada. Ela chegava com um sorriso discreto, quase debochado.

"Junte-se a nós, querida.", convidou, estendendo a mão. Veronica hesitou um pouco antes de estender a mão para a sereia. Intimamente, não queria ir, mas sabia que seria desrespeitoso e também era como se algo dentro de si a empurrasse na direção de Narissa e por mais que ela tentasse, ela não conseguia lutar.

— Eu não quero molhar a minha roupa, mas eu agradeço imensamente o convite — tentou desconversar.

"Ora, sem inibições, somos todos amigos aqui. Vamos", insistiu. Veronica suspirou e começou a se despir lentamente, totalmente envergonhada. Tomou o cuidado de deixar suas botas facilmente acessíveis caso precisasse da faca escondida nelas e seguiu Narissa, nadando com pouca graça se comparada a sereia, com sua calda fruta-cor que cintilava sob as águas.

Um círculo de sereias a esperava próxima à queda d'água grande e todas sorriram levemente quando ela se aproximou, um sorriso quase mecânico.

"Um presente para a mulher corajosa que se aventura nos mares", disse Narissa, estendendo para ela um belo colar de conchas.

— É lindo, muito obrigada — Veronica agradeceu da forma mais sincera possível, colocando o acessório em torno do pescoço.

Alguns metros afastados, Leonardo observava a cena e se sentia feliz, completo, como não esteve em muito tempo. Ele poderia passar a vinda inteira ali sem problema algum, mas ele tinha algo que o impedia. Um barquinho certo? Aquele barquinho o levaria de volta para sua casa, não levaria? Para que lado ficaria aquele riozinho estreito? Ele não se importava, sabia que o riozinho o levaria para longe daquele recanto maravilhoso de paz. Ele confiava nos instintos de Veronica e se ela estava se dando bem, tudo estava bem.