A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 44
Capítulo 43


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor (a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Essa foi a vez que mais demorei para atualizar a história e peço desculpas. Aconteceram muitas coisas nesses últimos meses, foco em outras prioridades, trabalho, vida social, cosplay...eu demorei para conseguir finalizar o capítulo mais por conta disso do que por dificuldade de escrever determinada parte. Prometo me esforçar para não demorar mais tanto para atualizar a partir de agora.
Confesso queestou surpresa com o fato de que este capítulo contém quatro cenas distintas, sedo que ao decorrer da história, ela tenha ficado com uma média de duas cenas por capítulo.

Comentários sobre este capítulo, nas notas finais.
Chega de papo e boa leitura.



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~*~


— Então vai tomar no meio do seu cu!
   Lawrence ouviu a frase agressiva seguido pelo “clique” da chamada finalizada. Ele praguejou e apertou o celular na mão, irritado.
   Como ela ousava?
   Qualquer outra pessoa no mundo que tratasse Lawrence Carrol III daquela forma não ficaria impune. Ninguém ousava mandar (pelo menos não de forma explícita e direta) que ele tomasse naquele lugar.
   Ninguém exceto aquela garota.
   Lawrence crispou os lábios. Como Alice conseguia ser tão...tempestiva daquele jeito? Ela se recusava a entender o problema da situação em que haviam se deixado colocar e também se recusava em ouvir a explicação. Se não era do jeito que ela pensava e queria que fosse, já agia daquele jeito.
   Garota mimada, era isso que ela era.
   E Lawrence sabia que se Alice era mimada, boa parte disso era culpa dele, que a mimara demais ao longo dos anos.

“Como eu não poderia não mimá-la? Quando nos conhecemos, ela havia perdido os pais, seu mundo estava de cabeça para baixo e ela era jovem demais, precisava ser amparada e protegida.”

   Mas na época, ele também era jovem. Com responsabilidades demais e teria de ser um tutor. Não sabia como lidar com aquilo, mas não quis que aquela menina tivesse uma adolescência fria e tão responsável como ele tivera. Então, procurou suavizar da melhor forma que conseguira. E com o passar dos anos, foi se afeiçoando tanto a Alice que, quando percebeu, limites de atos e sentimentos se transformaram
   Lawrence apertou o cenho com a ponta dos dedos.

“Essa é uma justificativa esdrúxula que eu fico tentando transformar em algo convincente. Eu sei que não é verdade e só tolos acreditariam. Pela emoção eu agi sim, mas não foi algo impulsivo. Eu queria, eu aceitei, eu me permiti envolver. Eu deixei que acontecesse e se consumasse. E eu quero que continue acontecendo...”

   Mas isso não poderia continuar. Não poderia ficar alimentando desejos, sentimentos, esperanças...
   Lawrence suspirou. Sabia que toda aquela situação estava machucando. Ele poderia lidar com isso, mas estava machucando Alice. A adorava tanto que magoá-la o fazia ficar com raiva constante de si mesmo.
   E mesmo assim, pensar em colocar um ponto final naquele envolvimento depois de tudo que já tinha acontecido, o deixava ainda pior.

“Seria uma canalhice acabar com isso. Seria uma canalhice continuar com isso.
Eu sou um maldito canalha.”


   Lawrence guardou o celular no bolso no momento em que uma enfermeira saiu do hospital e veio em sua direção. Ela se curvou sutilmente diante dele antes de avisar que o paciente queria vê-lo.
   Com um suspiro resignado, ele acompanhou a enfermeira para dentro do hospital até um dos quartos privativos. E, ao entrar, viu Eusine deitado na cama com um fio de soro espetado no braço e uma aparência péssima.
   Lawrence esperou que a enfermeira se retirasse fechando a porta e então se aproximou da cama, ocultando um risinho.
— Está melhor?
— ...eu pareço melhor pra você?
— ...pelo menos você não está mais vomitando na privada de um banheiro de praça.
— Eu estava passando mal após comer testículos e língua de Licktung! Era para você ter entrado e me ajudado, eu quase engasguei com meu próprio vômito e poderia ter morrido!
— Ora, não exagere. – Lawrence cruzou os braços. – E eu não sou homem de entrar em banheiros públicos, ainda mais quando parecem redutos de Muks. Eu te trouxe até o hospital no qual você tem convênio, correndo risco de você vomitar no estofado do meu carro. Me seja grato por isso.
   Eusine resmungou algo inelegível e apertou um botão para que a cama se reclinasse um pouco.
— Aposto que você ficou rindo e está satisfeito com a minha desgraça!
— De modo algum. – Lawrence mentiu, candidamente.
— Eu vou acabar com aquele restaurante, vou dar um exposed nele!  Como eles podem servir um prato de testículos e ainda mais com um tempero extremamente forte daqueles e não informar corretamente no cardápio e ainda cobrar tão caro?! Eu vou processar aquele lugar!
— Boa sorte com isso, vai precisar.
— ...o quê?
— O Tangela dansant é um restaurante bom, requintado, tradicional e repleto de premiações gastronômicas. Duvido muito que a comida estivesse estragada. Foi você que pediu o prato, deveria saber do que se tratava, já que não é a primeira vez que frequentou o lugar. E você não tinha gostado na primeira garfada, deveria ter parado e não se forçado a comer tudo.
   Lawrence falou, olhando para a recepção do hospital através da janela envidraçada do quarto. Notou ali que os funcionários (entre enfermeiras, recepcionistas, médico e até um faxineiro) se amontavam para ver algo na tela de um dos computadores ao mesmo tempo que também verificavam seus celulares. Aquilo era inusitado e Lawrence sentiu o celular em seu bolso vibrar insistente diante do fluxo de notificações que recebia.
— Independente disso! – ralhou Eusine, levando uma mão á barriga dolorida. – É um absurdo que consigam se tornar incólumes só porque tem dinheiro e status! Você deveria me apoiar nessa batalha!
— Ora, eu tenho mais o que fazer! – Lawrence olhou as horas no relógio em seu pulso e foi em direção á porta. – Aliás, preciso ir. Enquanto você estava sendo atendido, o médico informou que você ficará sob observação esta noite. Amanhã quando for liberado, chame seu motorista. – Lawrence parou, como se lembrasse de algo. - Ah, lembrei que você não tem um. Então chame um daqueles carros de aplicativo, os “Uberdon” algo assim. Boa noite.
   Lawrence saiu do quarto, fechando a porta atrás de si. Eusine apertou os lençóis que o cobriam.

“Maldito soberbo! Sempre se achando o melhor, sempre se dando bem...era ele quem deveria ter passado a humilhação de ficar abraçado a uma privada de banheiro público vomitando comida cara e não eu!”

   Eusine interrompeu seus pensamentos diante da fisgada de dor que sentiu no estômago. Não poderia se exaltar. Agora que Lawrence fora embora deveria tentar descansar para...
   A porta do quarto foi aberta e Lawrence surgiu.
— O que foi? – rosnou Eusine. – Veio soltar mais um deboche e provocaçãozinha pra cima do convalescente aqui?! Eu juro que aperto esse botão e aviso as enfermeiras que você está causando estresse ao paciente que precisa de repouso. Que, nesse caso, sou eu!
— Ora, cale a boca!
   Lawrence pegou o celular de Eusine do bolso do casaco do mesmo que estava em cima da poltrona e o entregou para o colecionador.
— Desbloqueie a tela e acesse o pokétube live.
   Aquilo era estranho, mas Eusine o fez. Acessou o pokétube e teve um pouco de dificuldade para assimilar que o que via ali não era um filme de ficção e sim uma cena real.
— Mas é...o Lugia?! No templo ancestral?! E que raios é esse pokémon?!
— Sim. – Lawrence olhava o próprio celular, dividindo a atenção entre a transmissão e a avalanche de mensagens que recebia no aparelho.
— Você como colecionador Pokémon deveria saber que isso aí é um Heatran. Mas o problema é quem está no meio disso.
   Diante da informação de Lawrence, Eusine notou que um terceiro pokémon, bem menor que os outros dois, voava ao redor de ambos lendários que se enfrentavam. Podia notar que havia alguém montado naquele pokémon e foi lendo rapidamente os comentários de telespectadores da live que percebeu.
— Shirona?! É ela mesmo ali?!
— Não dá pra afirmar com certeza, mas não duvido que seja. Lance foi para Snowpoint para se encontrar com ela e isso está acontecendo em Snowpoint!
— Isso é um problema! – Eusine sentiu novamente a fisgada em seu estômago. – Onde está Lance que não está lá?!
— Pouco me importa! Mas vou acabar sabendo já que estou indo para lá. E você trate de comunicar os demais membros da Ordem, não tenho tempo a perder com eles!
   Eusine nem teve tempo de dizer qualquer coisa, pois Lawrence já saíra do quarto e dessa vez não iria voltar.
   Vendo-se só, a transmissão da live ainda passando na tela de seu celular, Eusine bufou.   Queria sair dali, queria ele mesmo ir a Snowpoint fazer o que sabia que Lawrence iria fazer. E novamente era ele quem iria agir, ele que iria ter os ganhos para si, ele quem seria bem quisto na opinião pública. Pois Eusine sabia muito bem que o que motivava Lawrence a ir imediatamente para Snowpoint.
   E não era porque estava preocupado com os planos da Ordem e muito menos com o bem estar das pessoas da cidade.

~*~

 Sua mente estava em um turbilhão. Sem racionalidade, apenas sentimento e desejo. Qual dos dois era mais intenso, não sabia. Afinal, a única coisa que importava era estar com ela.
Por mais errado e doloroso que fosse.

“Isso não tem como terminar bem.”

O pensamento o atingiu como um choque elétrico e Lance parou, afastando-se alguns centímetros, mas não o bastante para que suas mãos saíssem daquela cintura fina.
Dômino o encarou na pouca luz, tão aturdida com a atitude dele quanto com a atitude de si própria.
   Então, houve os urros ensurdecedores e o som de explosões.
   E os dois lembraram-se, recuperando a razão que por minutos haviam escolhido esquecer e ignorar o real motivo pelo qual haviam retornado a cidade de Snowpoint.
   A missão estava acontecendo.
Droga!
   Trocaram um rápido olhar e se recompuseram. Sem nada dizer, ajeitaram as roupas que haviam sido amarrotadas em seus corpos durante o ato que não havia se consumado.
   Outra explosão. E agora era possível ouvir os sons da cidade e seus habitantes se movimentando e gritando diante do ocorrido.
“ O que está havendo?” era uma pergunta óbvia que tanto Dômino quanto Lance esperava que o outro respondesse, mas sabiam que não seria feita.
   Os ecos de onde estavam eram tão altos e o tremor da estrutura com os impactos que vinham do chão e do céu fez com  que eles rapidamente saíssem dali e, ao chegarem na rua, se depararam com o fluxo agitado de pessoas, entre turistas e moradores, que corriam desnorteados, preocupados e curiosos acerca do que se sucedia.
   Logo, não eram mais apenas sons de explosões e sim os efeitos das explosões. E as pessoas começaram a correr e gritar em pânico, sem saber o que estava realmente acontecendo e para onde deveriam ir.
— O LUGIA TÁ NO TEMPLO! O LUGIA TÁ NO TEMPLO!
  Um treinador Pokémon surgiu gritando e correndo decidido pela rua, seu Chimchar acompanhando-o na corrida.
Ele passou ao lado de Lance e Dômino até ser detido por outros dois treinadores que pareciam ser amigos dele.
— É SÉRIO, EU VI! – gritou ele, se desvencilhando da amiga, determinação em seus olhos. – É o Lugia mesmo lá no templo lutando contra um Pokémon bizarro! Tô indo até lá, não vou perder essa chance!
— Mas é perigoso! Olha essas explo...ai! - a menina tampou os ouvidos diante do som de mais uma explosão seguido por um silvo animalesco.  – Não vá pra lá!
— Eu vou! É a única chance de eu capturar um Pokémon lendário!
Dizendo isso, o garoto correu pela rua, uma pokébola em mãos e seu Chimchar ao lado, decidido a conquistar seu objetivo mesmo diante dos gritos de “Pare!” e “Volte!” de seus amigos.
   Lance presenciou a cena estarrecido. Estava para agir e deter o garoto quando ouviu o comentário de Dômino.
— Capturar o Lugia?! Ele vai é virar patê, isso sim! Babaca.
— Ele pode se ferir gravemente ou até mesmo morrer!
— E daí? Quer que eu faça o quê? – Dômino falou, as mãos na cintura. – O moleque já é grandinho mas fica com essas besteiras de grandeza achando que vai ganhar batalha contra gigantes usando o quê? A porra de um Chimchar?
   Lance lembrou o quanto detestava aquela insensibilidade debochada dela.
— Você sabia que Lugia estaria aqui para trazer o caos! Um plano da Equipe Rocket, claro! O que vocês querem com tudo isso, apoiando e incentivando aquela aberração? O que realmente seu amante Igni está planejando com o Lugia?
   Dômino tirou bruscamente a mão de Lance do seu braço.
— Eu não tenho que te responder nada sobre isso! Seria muito bom que você apendesse a cuidar da sua própria vida em vez de ficar querendo cuidar do mundo! Eu vou é cair fora daqui e te aconselho a fazer o mesmo!
— O quê?! – Lance a encarou, incrédulo. – Vocês da Equipe Rocket planejam e executam a destruição de cidades, colocando a vida de pessoas inocentes em risco e apenas “caem fora”?!
   Um novo estrondo seguido por um prédio explodindo e desabando metros á frente em meio a urros e guinchos ecoaram, aumentando totalmente o pânico de todos ali. O chão tremeu e fumaça começou a emergir do templo ancestral.
— Isso não fazia parte do plano! Eu não controlo as decisões e ações Dele!
   Ela apontou o braço de forma aleatória, gritando aquilo bem alto para ser ouvida em meio a toda barulheira.
— Vamos embora daqui, Lance.
   O tom de voz de Dômino de repente não continha mais agressividade ou deboche. Parecia quase um pedido em súplica. E quando Lance a encarou, viu ali o mesmo olhar que Dômino tivera na última vez em que haviam se visto.
   E a mesma proposta.
   Mas assim como naquela vez anos atrás, ele não podia. Não deveria, ainda que no fundo de seu coração, ousasse desejar.
— Eu preciso ir. Eu preciso salvar essa cidade e evitar uma destruição. Eu preciso lutar e proteger. Porque essa é a minha responsabilidade e o meu dever. Foi o caminho que eu escolhi.

“ Você escolheu ser o Mestre Lance.”

Dômino o viu se afastar, lhe dar as costas e correr pela rua em direção ao templo, sem olhar para trás.
Ela não mudara nada. Ele continuava escolhendo o seu dever.
Apertando os lábios e fechando os olhos enquanto sentia-os arderem, Dômino se virou e correu na direção oposta, sumindo entre a fumaça.

~*~

— Amiga, sua cara está péssima, parece que nem dormiu a noite.
— E você está com olheiras enormes, parece que nem dormiu ontem, amiga.
   Alice e Crystal se encararam após a troca de comentários, observando bem a aparência cansada e desleixada uma da outra e então riram.
— Isso que dá ficarmos acordadas até de madrugada depois de um dia corrido e cansativo! – Crystal bocejou.
— E falando de assuntos impróprios para menores! – Alice também bocejou. – Se bem que você tem dezesseis anos, tecnicamente não seria “de menor”?
— Não para isso. A maioridade atual é dezesseis anos.  Mas falamos mais de assuntos do coração.
— É...o meu coração fica dizendo pra mim “dá pra ele, sua safada!”
Crystal soltou uma risada súbita diante do comentário e Alice riu também do próprio comentário.
— Ai, obrigada Crys!
— ...pelo quê?
— Por ter ouvido minha confissão e não ter condenado eu e o Lawrence por, bem, estarmos nos envolvendo romanticamente e feito sexo.
— Não tem que agradecer! Eu entendo que deve ser bem complicado para você tudo isso.
— É que as pessoas gostam de julgar, perseguir e se meter na vida das outras. – Alice falou. – Eu queria poder viver o que sinto sem ter que esconder. Eu não escolhi me apaixonar pelo meu tutor, mas aconteceu e eu sei que ele gosta de mim da mesma forma! E acho que pra ele é até mais complicado.
— O que vocês pensam em fazer a partir de agora?
— Acho que se soubéssemos o que fazer, não haveria essa situação tão complicada e estressante. – Alice pensou um pouco antes de continuar. - Por isso que eu decidi criar coragem e viajar pelo mundo. Eu não poderia deixar pra lá o que tinhámos feito e simplesmente enterrar meus sentimentos para continuar vivendo na mesma casa era impossível!
— Mas ele queria que vocês agissem como se não tivesse rolado nada mesmo depois de tudo? –  Crystal perguntou, um pouco indignada.
— Não tinha como isso funcionar por conta de sentimentos! E o Lawrence se gaba de ser uma pessoa racional e controlada, mas eu sei que esse papo dele não se sustenta mais quando a gente acaba se aproximando. E ficar levando um relacionamento feito um “caso” eu não aceito!
— Ele chegou a te propor isso?
— Não! – Alice se apressou em responder. – Lawrence sempre pontua que o que aconteceu entre nós não poderia ter acontecido, que manter isso é problemático demais e blá,blá,blá! – resmungou, irritada. – Mas aí a gente se encontra e...droga, queria ser um pokémon!
   Crystal virou-se para a amiga, confusa diante da súbita mudança de assunto.  Alice percebeu e indicou o campo a frente. Ali, seus respectivos Blazikens se exercitavam no sol da manhã.
   A treinadora chegara a comentar na noite anterior, enquanto jantavam no restaurante do hotel, que seu Blaziken se interessara pela Blaziken da amiga. E Alice propusera que ambos pokémon fossem colocados juntos para que se conhecessem melhor.
   No primeiro momento, os dois pokémon agiram de forma distinta: o macho todo nervoso em como agir enquanto a fêmea se fazia de desinteressada. Mas aos poucos parecia que os pokémon estavam começando a interagir, depois do macho espirrar ao tentar cheirar um dente-de-leão e a fêmea achar engraçadinho.
— Os relacionamentos amorosos dos pokémon são tão simples e fofos...por que os humanos não podem ser assim também?
   Crystal olhou de soslaio para a amiga.
   Por mais que Alice tivesse conversado com ela ontem á noite, contando de forma alegre e apaixonada sobre seus sentimentos e respondendo ás perguntas curiosas de Crystal sobre “certas coisas”, a treinadora era perspicaz para ver que havia certa tristeza no semblante da amiga.
   Crystal não sabia o que dizer, mas tencionou demonstrar solidariedade encostando a cabeça no ombro de Alice. Porém, Alice tencionou fazer o mesmo gesto em busca de consolo. O resultado foi que ambas bateram a cabeça uma na outra.
   Exclamaram um “ai!”, esfregando as cabeças nas áreas atingidas, rindo.
— Enfim... – Alice se levantou do banco e se espreguiçou. – Você já decidiu qual insígnia quer conquistar agora?
— Bom, eu andei pensando e...escolhi Olivine. Meio que já era a minha intenção ir pra lá tempos atrás antes de sermos presas em Goldenrod.
— Nossa, é mesmo! – Alice riu. – Parece que já faz tanto tempo daquilo! Esse dia foi louco!
— É... – Crystal não comentou, mas não tinha uma lembrança tão divertida daquele dia, realmente tivera medo de se tornar uma presidiária. – Na época eu pensava em realizar minha segunda Jornada Pokémon por Sinnoh e lá de Olivine tinha o porto internacional. Eu também gosto da atmosfera litorânea e de praia, não sei bem o por quê, já que nasci em uma cidadezinha do interior. Mas eu sempre gostei de ficar olhando para o mar...
— Perfeito! Então vamos para Olivine! Lá é ótimo e dali, depois de você conquistar sua insígnia, podemos emendar para Ciamwood, que também tem um ginásio Pokémon credenciado. – Alice retomara seu jeito animado. – Se nos organizarmos certinho, podemos até ir no Vodoo Festival!
Vodoo o quê?
Vodoo Festival! O festival de bandas de rock e metal que acontece anualmente em Cianwood, reunindo bandas iniciantes e famosas! Inclusive, a banda do Gary vai tocar. Temos que ir prestigiá-los!
— Oh...mas você e o Gary não estão brigados?
— Ah, isso já é passado! – Alice revelou com naturalidade, balançando o celular na mão. – Ele já me mandou mensagem falando sobre quantas músicas a banda pretende tocar. Além do mais, o Houndoom’s Hell será a grande banda que tocará no festival e o show deles é incrível!
— Você e seus amigos falaram muito dessa banda aquele dia na pizzaria. Eles são bons mesmo?
— Você nunca ouviu Houndoom’s Hell?!
   Alice arregalou os olhos, genuinamente chocada, enquanto Crystal negava com a cabeça.
— Ah, mas vamos resolver isso a partir de agora! Bora recolher nossos Blazikens e seguir pra Olivine e te garanto que até chegar lá, você já vai ter ouvido toda a discografia da banda e estará convertida!
   Crystal tinha dúvidas de que isso fosse possível, afinal não era muito adepta daquele estilo musical que lhe soava tão barulhento que costumava aturdir sua cabeça. Mas Alice ficara alegre e gostava de ver a amiga de volta áquele seu jeito animado.
   Se levantou do banco em que estava sentada, sentindo-se preparada para retomar sua Jornada Pokémon. Ainda não bolara uma estratégia de batalha para enfrentar a líder do ginásio de Olivine, mas pensaria em algo no caminho.
Não entendia por que, mas sentia-se um pouco mais animada do que o habitual.

~*~

  
   Sentia-se exausto.
  Mas continuava caminhando por aquela estradinha de terra batida circundada por capim baixo e esturricado. Seus passos eram quase como um arrastar de pés e, entre um passo e outro, seus dedos batiam em cascalho. Mas seus pés já estavam tão machucados e doloridos nas sandálias que mal sentia.
   A lança dupla, desmontada e presa no suporte em suas costas, balançava conforme andava. Precisava afiar novamente as lâminas quando chegasse na tenda. Por mais que o metal com a qual elas haviam sido feitas fossem o melhor que os céus pudessem entregar, precisava mantê-las refinadas.

“Isso é valioso demais para as mãos tão fracas e indigentes de um moleque.”

   Essa frase que ouvira na primeira vez em que fora na arena, haviam se incrustado em sua mente. O tom de pena e deboche na voz do avaliador, as risadas e propostas para que vendesse a lança por um valor claramente abaixo do que valiam o deixaram irritado.
   Ele podia ser um moleque, mas não era inapto, fraco e muito menos um indigente.
   A partir daquele dia, começou a lutar nas arenas de combate continuamente, enfrentando humanos e pokémon. Muitos maiores, mais fortes e mais experientes do que ele. Mas havia provado e continuava provando ser capaz não apenas de lutar, mas de combater, aprender e principalmente, vencer.
   A batalha de hoje na arena de combate fora uma das maiores que tivera até o momento. Pois havia ouvido os comentários de apostas que ele, um garoto franzino que “sequer tinha barba ainda” não seria capaz de derrotar aquele velho e feroz Nidoking que há anos era colocado para lutar na arena.
   Mas o garoto franzino conseguira. Matara a fera que quase o havia matado pois, mesmo morto, por pouco não o sufocara com seu peso ao cair sobre si.
   As batalhas na arena de combate estavam se tornando mais difíceis e perigosas. Extenuantes e cruéis.
   E ele sabia, por que via e sentia, que seu corpo estava machucado. Muito machucado. E ainda havia os pensamentos e esses eram piores que as feridas, por que atingiam sua mente.
   Mas não podia parar. Precisava continuar lutando, vencendo e seguindo em frente.
   Por que suas irmãs dependiam dele.
   Elas ainda eram crianças e não poderia permitir que fossem obrigadas a se sujeitarem a adversidades piores do que as que já passavam. Ele havia prometido á rainha que cuidaria e protegeria elas e era isso que continuaria fazendo.
   O dinheiro que ganhava nas arenas não era muito, mas era o suficiente. Por enquanto.
   Mas não poderia permanecer nessa vida para sempre. Porque suas irmãs mereciam uma vida digna. Porque seus vassalos acreditavam nele. Porque o seu povo e o seu reino além do oceano precisavam ser libertados do tirano sinnohense. Porque ele não era um indigente e sim um rei. Porque ele precisava cumprir o dever ao qual estava destinado desde antes do seu nascimento. Porque...
   O garoto tropeçou e caiu de joelhos na terra dura. Sua cabeça estava zonza pelo calor, pela fome e pelo cansaço.
   Olhou á direita. Ali, após um pequeno declive estava a praia e então o mar.
   Reunindo um pouco de força que ainda tinha, se pôs de pé e andou até a areia. Assim que chegou, sentou-se, fechando os olhos e permitindo que a brisa do mar e o barulho suave das ondas pudessem abrandar um pouco a exaustão que sentia.

“E se eu ficar aqui? Desistir de tudo. Apenas parar e viver sem ambicionar ou cumprir nada, até que meu tempo de vida acabe.”


Mas não podia.
O mar. Talvez o mar fosse a única solução...

   Ouviu um ruído na água e, ao abrir os olhos, viu Alma.
   O pokémon Lugia emergiu do mar, seu longo pescoço erguido para o céu, terminando de engolir algum Pokémon que lhe servira de refeição.
   O Lugia avistou o garoto sentado na areia, reconhecendo-o de imediato. Como estava próximo á margem, o pokémon não alçou voo e sim andou, usando a ponta de suas grandes asas como apoio.
   Lugia era um Pokémon imponente e elegante nos céus e nas águas, mas a movimentação era um pouco desengonçada em terra, ainda que notavelmente ameaçadora.
   Enquanto via o Pokémon se aproximar, o garoto achou que ele parecia uma tipo de quimera.   Se assemelhava a um pássaro e a um dragão, criaturas presentes nas antigas escrituras. Mas ao mesmo tempo, se assemelhava a criaturas míticas, mesmo sendo diferente delas.
   Talvez nunca fosse possível saber que criatura Lugia realmente se parecia. E talvez por isso fosse um pokémon único.
   O garoto afastou as dúvidas e se limitou a admirar o quanto seu pokémon crescera nos últimos tempos.
   Seu pokémon. Ele tinha um Lugia como seu pokémon. Tinha sido batizado com o nome de seu lendário Pokémon. que havia lhe sido entregue antes mesmo de seu nascimento.

Nascemos juntos.

   O Lugia com quase oito metros de comprimento rodeou o garoto, deitando-se ao lado dele, sua grande cabeça repousando próximo, permitindo que este lhe acariciasse a região de um de seus olhos.
— Oi, Alma. Você está crescendo cada vez mais rápido.
   O pokémon rufou baixinho, erguendo um pouco o pescoço para observar o mar. A sombra de um sorriso passou no rosto do garoto e ele recostou seu corpo cansado no pescoço da fera, sentindo certo alívio.
   Observar o oceano juntos era um hábito que Lugia e Alma compartilhavam sempre.
   Se lhe perguntassem, Lugia diria que observar o oceano o hipnotizava, como se o chamasse.
   Porém seu destino não estava no oceano, mas sim do outro lado dele. Não poderia e nem deveria desistir. E não faria isso.
   Tinha reinvindicação legítima. Tinha suas irmãs. Tinha seu pokémon Alma. E tinha o sangue de Além-Mar.

“Não posso me limitar a conquistar moedas. Eu tenho de conquistar apoiadores, exércitos, pokémon...eu tenho de ajudar meu povo e tenho de tomar o que me pertence.
Me ajudará nisso, Alma?


   O pokémon silvou baixinho. Ainda que talvez não entendesse palavras, o pokémon sentia e por isso compreendia.
   O garoto Lugia observou o oceano. Ainda se sentia exausto, mas ao mesmo tempo aquela convicção que se mantinha presente em seu espírito tornava a crescer.

“Continuarei lutando, avançando, conquistando. E então, quando conseguir o que preciso aqui, irei até lá, libertarei o reino de Kanjoh, tomarei o que me pertence, destruirei os inimigos e cumprirei meu reinado.
E depois...depois Alma, eu e você iremos para nossa casa em além-mar.
Eu prometo.”

~*~



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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...

Apesar da demora de meses para atualizar a história (talvez tenha achado até que eu havia desistido rs) estou até que satisfeita com esse capítulo, principalmente pelo fato de ele ter mais cenas do que os capítulos anteriores tiveram.
Quatro cenas distintas me remete ao começo da história, anos atrás!

O que posso dizer é que tentei fazer o meu melhor e os diálogos até fluiram bem aqui. Gosto de trabalhar a nuance dos personagens e seus conflitos internos. Quero destacar a cena de Lance e Dômino, esse casal que surgiu sem ser planejado na história mas que se encaixou tão perfeitamente que estou gostando de trabalhar a dinâmica dramática e complicada deles. Acredito que nessa cena consegui mostrar um pouco disso.

A cena final do capítulo surgiu sem ter sido planejada e nela quis mostrar um pouquinho do que foi a pré-adolescência do Lugia e sua ligação com o pokémon. Não me aprofundei muito porque isso ficará para outra vez mas a ideia de que Lugia lutou em arenas de combate antigas era algo que eu já tinha em mente para o background do personagem.
As arenas de combate que aconteciam no passado no universo dessa história são semelhantes as famosas arenas de gladiadores que existiram na antiga Roma.

Por fim, não usem um Chimchar contra um Lugia. Ainda mais contra esse Lugia.

É isso. Até o próximo capítulo.



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