A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 42
Capítulo 41


Notas iniciais do capítulo

Olá, caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.
Eu tive uma certa demora em conseguir escrever esse capítulo em vista de acontecimentos no último mês que acabaram afetando muito não apenas o meu tempo, mastambém o meu emocional. Foram coisas envolvendo saúde familiar mas agora, graças aos deuses, as coisas se estabilizaram e estão melhorando.
Além disso,também ganhei o primeiro lugar num concurso cosplay e isso foi muito emblemático pra mim em vários quesitos. Não apenas pela premiação do concurso, mas por isso vir em um momento que eu estava fragilizada, na presença e apoio dos amigos e ainda usando o meu cosplay preferido. Isso é algo que nunca vou esquecer!
Foi ainda nesses últimos tempos em que precisei tomar as rédeas de algumas coisas da minha vida e isso acabou tomando minha mente e disposição. Mas agora, aos poucos, as coisas estão se ajeitando e estabilizando e um pouco mais calma, posso desprender tempinhos para tentar me focar em meus projetos, um deles, óbvio, a escrita.
Dito, isso chega de papo e vamos ao capítulo. Notas sobre ele, como de praxe, nas notas finais.
Boa leitura.



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~*~


  Havia sido tão súbito que Lugia se assustara de verdade e por algum tempo quase se viu tomado pelo pânico enquanto tentava não ser incinerado. Porque havia abaixado a guarda, absorto em suas lembranças e remoendo seus objetivos. Julgou que o calor que crescia ali era irrelevante por conta de quão metros abaixo estava, pois o ar ficava mais rarefeito e não tinha ventilação.
   Mas então veio um clarão, as chamas e um urro animalesco. Por pouco o jato de fogo não o atingiu, mas destruiu boa parte da parede na qual havia retirado os cristais. A pedra rachou e com o derretimento da lava que caíra sobre ela, despencou, causando imenso estrondo e poeira. Mas quando abaixou-se para procurar a lanterna,algo pesado esmagou o objeto, fazendo reinar a quase completa escuridão.
  E pequenos riscos de luz de um amarelo avermelhado surgiram. Moviam-se de forma estranha, como se fossem riscos líquidos no ar a mais ou menos um metro e meia de altura.  E entre aquela parca luz dos riscos e do fogo e lava que crepitava na parede de pedra e em outros pequenos pontos do lugar, viu que os tais riscos pertenciam a um corpo de rocha. Sim, um corpo de forma bizarra, como se um pedaço daquele lugar tivesse se desprendido e ganhado vida.Um pokémon grotesco, metade animal metade elemento, avançava, curioso e ameaçador, na direção de Lugia.E quando ele abriu a boca, era possível ver que era um dos pokémon cuja espécie era considerada uma das mais antigas e raras. Heatran.
   Lugia nunca havia visto um daqueles pokémon, mas não tinha tempo para pensar sobre pois a criatura decidira avançar em sua direção, com uma rapidez absurda em sua forma pesada e desengonçada, a bocarra com enormes dentes de pedra aberta. E do fundo de sua garganta de imenso calor, o fogo e a lava se formava para ser lançado. Quando o fogo e a lava novamente vieram, mas dessa vez em sua direção, a única arma que Lugia tinha no momento era a si próprio. E isso teria que bastar.

~*~

No escritório que outrora pertencera ao chefe da Equipe Rocket, Dômino encarava, irritada, o rapaz sentado na cadeira atrás da mesa, que pertencia a Giovanni.
— Mas que pataquada é essa?! – ralhou a garota. –Vazar propositalmente a informação de que a Equipe Rocket designou um grupo de alto nível para uma missão secreta e importante nas imediações do templo de Snowpoint?!
— Bom, com a ausência da líder de ginásio é meio que certeza que a Elite4 designará um dos seus para sondar a cidade.
— Eu sei que a líder está afastada por licença maternidade. O que me incomoda é vazarmos isso quando era para ser uma informação secreta! Se tiver um mestre de Elite lá, pode ferrar com o plano! Tinha que ser feita em sigilo. Quem teve a ideia ridícula...
— A ideia partiu de Lugia.– Igni parou de brincar com a caneta entre os dedos e se recostou na cadeira. – E se quer saber, eu também não concordei com isso, mas Lugia se impôs, deu os termos dele e assim ficou decidido.
— Por que ele quis que vazássemos intencionalmente a informação?
— É um tipo de “prevenção”.– Igni tentou explicar.– Sabemos que os tais cristais estão no subsolo do antigo templo. Se levarmos em conta que os outros dois cristais que já foram encontrados estavam em território de uma besta-fera pokémon, é certo que os cristais que estão lá também estejam no território de uma dessas criaturas. E se for apostar que sendo mais de um cristal lá, a besta-fera que a “guarda” certamente seria uma bem problemática.
— Tá...e daí? Eu ainda não vi, mas você disse que o rei se transforma também num pokémon desse naipe. Se tiver um pokémon por lá, é só ele se transformar em pokémon também e enfrentá-lo. Já fez isso em Sootopolis, pode fazer de novo.
— Fazer isso novamente é algo que Lugia quer evitar o máximo possível em uma cidade. E nesse ponto, eu concordo com ele ainda que por motivos um pouco diferentes. O principal motivo, para mim, é que Lugia, como pokémon, aparecendo em uma cidade sinnohense após ter causado aquela batalha em Sootoplis poderia complicar mais ainda a opinião política e pública entre as regiões e inflamar ainda mais o crescente atrito entre Johto e Sinnoh. E isso não é algo muito bom para...– Igni parou e retomou.– Enfim, o segundo ponto é que Lugia não deseja causar tragédias que possam acabar destruindo uma cidade, prejudicando e ferindo pessoas.
  Igni observou a expressão indignada de Dômino e acrescentou.
— Esse pensamento e atitude do Lugia é parte da nobreza e empatia de vossa majestade. Não é algo que eu espero que você seja capaz de entender.
— E você? – indagou a loira. – Está realmente compactuando com as opiniões e decisões de Lugia ou fingindo compactuar com as opiniões e decisões como fazia com Giovanni?
   Dômino encarou o rosto bonito de olhos bicolores que agora estavam naqueles raros momentos isentos do semblante dissimulado de sempre.
    Após alguns segundos, Igni se levantou, contornou a mesa e se aproximou, segurando o rosto de Dômino com ambas mãos. E, embora parecesse um toque delicado, havia pressão da ponta de seus dedos nas bochechas dela.
— Há coisas que nem mesmo você deve ficar  contestando e conjeturando, querida. Apenas cumpra a missão e depois me informe acerca de tudo. E se porventura se deparar com um membro da Elite4, tem o aval para agir da forma que considerar mais eficaz para o momento. Entendido? Ótimo!

~~

Dômino suspirou, o vapor quente que saiu de sua boca fez fumacinha no ar frio. Estava cada vez mais gelado, a neve caía e mesmo usando um quente casaco de náilon seu corpo estava dolorido. Detestava o frio. E por isso se arrependia de ter saído do chalé usado como base Rocket. Deveria ter ficado lá, com Mondo e Buson comendo besteira e jogando conversa fora em um lugar quentinho. Que se danasse Lugia e as irmãs querendo sair nesse frio para xeretar o Templo Ancestral e dar início ás buscas de imediato. Eles faziam o que queriam e ela não conseguia e nem tinha autoridade sobre a “realeza” para detê-los.
   Se acontecesse algo fora do planejado, ela tiraria o corpo fora e Igni que se virasse depois.
   Tendo se decidido, Dômino mudou de direção, agora não mais para o templo e sim de volta para o chalé.
  Os comércios e pubs estavam todos fechados e apenas uma ou outra luz além dos postes acesa em andares superiores de algum comércio. Embora a rua estivesse vazia, Dômino não tinha medo, pois sabia se defender muito bem. Ainda que duvidasse muito que topasse com qualquer pessoa ali naquela hora.
   Olhou as construções e estabelecimentos conforme caminhava. A cidade de Snowpoint parecia ter mudado pouco desde a última vez que estivera ali, há anos. Será que aquele lugar ainda existia? Aquela pousada confortável, aconchegante com o fogo crepitando na lareira, o calor da mesma protegendo da noite nevada do lado de fora, o tapete e cobertas macios onde o prazer do sexo os inebriava e a paixão a consumia.

   “Eu sou mesmo uma idiota.”


   Dômino bufou e apressou o passo. Queria chegar logo ao chalé e se aquecer. Ao virar uma esquina,parou, percebendo que alguém vinha do lado oposto. Então, seus olhos se encontraram.
  Ah, não.

~*~


   Lance havia permanecido no pub por mais um tempo depois que Cynthia fora embora. Era incrível como sempre que tinha de conversar com aquela mulher o clima se tornasse desagradável.
   Desde a primeira vez que haviam se conhecido, quando eram apenas formalidades do comitê da Liga, o desagrado foi imediato e recíproco entre ambos. Mas não havia sido por sua culpa. Lance havia tentado ser o mais cortês possível, embora não tivesse conseguido bons resultados. Posteriormente, as opiniões e posicionamentos sutis que Cynthia fizera quando os líderes de Elite já não estava mais diante de holofotes o deixaram com um certo “pé atrás”. E desde que a situação política entre Kanto/Johto e Sinnoh começou a se complicar, meio que causando uma quase obrigação do comitê da Liga e automaticamente seus membros mais relevantes para a opinião pública se posicionarem, seu contato com a mestra de Sinnoh se tornou mais difícil. E após a Ordem ter decidido que Cynthia deveria estar ciente dos planos da Equipe Rocket e auxiliar no combate a eles, Lance foi incumbido de ser a “ponte” que ligaria Ordem e Mestra.Logicamente isso não agradou nem ele e muito menos ela.
   Isso não era para acontecer. Para Lance, a Elite4 representava não apenas os maiores e melhores treinadores pokémon de cada região e seus líderes figurando entre os melhores dos melhores. Mas também eram pilares de exemplos de como os treinadores e líderes pokémon deveriam ser. Eram vistos não somente como celebridades, mas como ícones. Justamente por isso, para Lance, os mestres de Elite deveriam passar uma boa imagem de caráter, habilidades e condutas, sendo assim incentivos para jovens treinadores e cidadãos.
  Lance tinha consciência de que os membros das Elites sabiam da importância e responsabilidade que tinham porém, divergia da maioria deles quanto a real razão de se comportarem assim.
   Para Lance, era preciso ser sincero quanto a forma de se portar e agir, de manifestar opiniões, pregar ideias e escolher posicionamentos.Mas para outros (e nesses “outros” Cynthia se incluía) isso só passava de uma máscara usada pelos mestres e mestras a fim de manterem uma boa imagem pública, chances e vantagens nas outras áreas de importância. Enquanto mantinham opiniões opostas e razões individuais ou até mesmo um pouco radicais.
   Ao saber disso, Lance passou a sentir-se deslocado. Pois não compactuava com tais posturas egoístas.
   Ego. As Elites4 haviam se tornado pequenos grupos de ególatras e aproveitadores.

“Se você sabe disso e não aprova, se isso te incomoda e não tem como mudar, abre mão disso e viva sua vida!”

Lance diminuiu um pouco o ritmo dos próprios passos pela rua deserta. E, involuntariamente seus pensamentos acerca daquele assunto conflituoso que tanto o incomodavam foram dando lugar a lembranças remoídas que não gostava, mas não conseguia deixar de lembrar e pensar.
   Simplesmente porque não era capaz de esquecê-la.
   Mesmo que devesse, porque sabia que ela continuava igual, ainda que não soubesse mais nada sobre ela desde aquele dia. Desde a descoberta e a confissão de que tudo havia se desfeito. Porque ela era uma Rocket. E os Rockets não prestam. Nenhum deles.
   Muitas vezes Lance pensou sobre o que aconteceria e o que faria se, porventura, em algum momento da vida, tornassem a se encontrar.  Mesmo sabendo que não deveria alimentar tais esperanças, Lance, em seus momentos solitários, pensava e refletia sobre o que faria se isso acontecesse. Porque mesmo depois de tudo e contrariando até sua própria decisão, queria vê-la mais uma vez. Para perguntar, olhando em seus olhos, os por quês. Queria também esclarecer, fazê-la enxergar os próprios erros, admitir a culpa, conscientizá-la do estrago,  deixar que toda a raiva e ressentimento que ela havia lhe provocado  se tornasse visível e falar em cima dela, tudo o que deveria ter falado e ainda mais.E ela iria ouvir, iria...!
   Lance percebeu que seu coração estava acelerado e os punhos fechados com muita força.
   O mestre parou de andar e olhou para a neve que se acumulava na calçada. A rua estava silenciosa, assim como todo aquele bairro, como se a cidade dormisse na fria madrugada. Ainda havia uma ou outra luz acesa, além dos postes, nos andares superiores de alguns estabelecimentos comerciais. Caminhou mais um pouco, reconhecendo a rua que levava a uma pousada que conhecia, ainda que dali não conseguisse vê-la. Mas se lembrava nitidamente de como era.
   Confortável, aconchegante, com o fogo crepitando na lareira, o calor da mesma protegendo da noite nevada do lado de fora, o tapete e cobertas macios onde o prazer do sexo os inebriava e a paixão o consumia.

“Eu sou mesmo um idiota.”

   Lance suspirou, decidindo que era melhor voltar ao hotel. As informações conversadas e trocadas com Cynthia indicavam que provavelmente a Equipe Rocket colocaria seu plano em ação no dia seguinte, mas como não havia qualquer indício quanto ao momento, Lance faria questão de perambular pelo templo e suas imediações dia e noite se fosse necessário. E, para isso, era bom que descansasse um pouco. Afinal, se os Rockets ou o tal Lugia provocasse um ataque, Lance tinha a obrigação de estar pronto para agir e evitar uma tragédia na cidade.

“Então é isso. Você escolheu ser o mestre Lance.”

 
   Percebeu então, que já não estava mais sozinho naquela solitária e silenciosa rua. Lance ergueu os olhos e então viu,poucos metros á frente, fracamente iluminada pela luz de um poste, Ela.
  Num primeiro momento, pensou ser uma miragem causada por sua mente acerca da memória reacendida, mas bastou  ver o vapor de ar quente que saía de seus lábios devido ao frio para perceber que era real. Ela estava ali. Um pouco diferente, mas ainda tão bonita com aqueles cabelos loiros presos de forma fofa e jovial.
  Quando seus olhos se encontram, foi como se  um misto de sensações e pensamentos  atingisse seu corpo feito um tiro. Então, no momento em que ela deu alguns passos para trás e correu pelo caminho em que viera, Lance não pensou em nada que não fosse segui-la.
  De jeito nenhum deixaria que ela sumisse. Não de novo. Não antes de...ah não!

~*~


   As coisas não haviam saído como planejado. Não estava surpreso, mas estava irritado. E com dor. Uma baita dor.
   Lugia havia subido as escadas por onde viera aos tropeços, saindo em um corredor restrito do museu. Fechou a pesada porta de ferro com o próprio corpo, mesmo sabendo que aquilo não deteria o pokémon por muito tempo. Mas precisava parar um pouco para recuperar o fôlego e avaliar o estrago.
  As roupas rasgadas e queimadas eram o de menos. O problema era sua pele. Seus braços estavam queimados, pele e carne ardendo e a dor era horrível. Ao olhar para averiguar a gravidade da situação, crispou os lábios. Aquilo levaria um pouco mais de tempo para regenerar e enquanto isso acontecesse, não conseguiria utilizar as mãos e até mesmo os braços.
  A sensação de calor intenso ocasionada por uma súbita alteração de temperatura e o urro gutural  que ouviu vindo lá de baixo o fez lembrar que precisava sair dali e depressa.
  Mantendo ambos braços erguidos próximo do peito, tratou de tentar correr o mais rápido que conseguia ainda que sentisse tontura pelo calor, pela dor e pelo uso de sua telecinese.
  Atravessou os corredores do museu que, por sorte, possuía pontos de luz fixados nas bases onde artefatos eram expostos e isso o ajudou a se localizar até o saguão principal. Acabou raspando acidentalmente o braço em um púlpito que exibia uma tabuleta de pedra protegida por uma caixa de vidro e praguejou de dor. Um pouco de sangue e pele ficou ali mas, ao olhar melhor, viu algo na tabuleta que chamou sua atenção.
  Era uma tabuleta pequena de pedra, exibida em meio a tantas outras peças espalhadas pelo saguão que certamente a fazia passar despercebida pela maioria dos visitantes.
  Mas o valor dela era maior do que a maioria das peças expostas ali. Não havia desenhos, apenas umas poucas palavras talhadas no antigo alfabeto Ilexiano que ele conhecia bem. E sabia não apenas o que estava escrito, mas que era uma pequena parte de um todo.
  Precisava pegar aquilo.
  O chão sob seus pés tremeu e Lugia sentiu o calor se intensificar e envolver o local. Ele foi tal que poucos segundos depois os sensores anti-incêndio ativaram e uma chuva artificial se iniciou. Mas nem mesmo a água que caía era o suficiente para aplacar o calor que aumentava cada vez que um novo tremor de passos acontecia.
   Heatran surgiu no saguão, seus contornos de lava em meio a sua pele rochosa se tornando mais iluminados. Caminhava devagar, sua temperatura interna tão elevada que o piso rachava. E tanto os suportes onde os artefatos eram expostos quanto a pintura de quadros na parede começavam a se deteriorar. Isso não era bom.
   Aquele pokémon pré-histórico existira há tanto tempo nas profundezas da terra que  se tornou parte dela,e  Lugia duvidava que teria uma consciência que não fosse puramente instintiva.
   Lugia se abaixou atrás do púlpito onde estava a tabuleta, segurando um praguejar de dor. A água que caía, ao tocar em seus braços queimados os faziam doer ainda mais e quase estalarem como um bife jogado na panela. O procedimento de cura estava em andamento, mas aquilo fazia com que retardasse um pouco. Sua única opção era reunir forças e correr para fora dali antes que Heatran o encontrasse e começasse a queimar tudo. Na melhor das hipóteses se fosse para fora, era possível que Heatran recuasse devido ao frio que certamente um Pokémon como ele não estava habituado.
  Na pior das hipóteses, Heatran continuaria perseguindo-o lá fora e a presença daquele pokemon descontrolado atrairia atenção e causaria estrago.

  
   “Mas diante disso, ainda que eu não possa lutar por enquanto, o vazamento da informação certamente trouxe á cidade um ou mais treinadores pokémon da elite que sejam minimamente decentes para lidar com uma situação de eventual contenção e combate.”


   Decidido a fazer com que Heatran o seguisse para fora, Lugia tratou de agir. Mas não sairia sem aquela tabuleta.
  Respirou fundo, controlou a dor nos braços queimados e se levantou. Heatran estava perto, o calor que emitia do corpo fazendo com que Lugia sentisse a pressão oscilar, o suor preenchendo seu corpo e anuviando os sentidos. Mas ele se concentrou e com um pouco de força mental que conseguiu, fazendo a caixa de vidro estourar, aproveitando que a mesma estava superaquecida. O estalo fez os olhos de Heatran se voltarem na direção do som no momento em que Lugia esticava o braço e pegava o objeto.
  Heatran urrou, um som gutural e estridente seguido pelo fogo que saiu de sua boca como se fosse um jato. Lugia só teve tempo de se jogar no chão e então correr aos tropeços, o chão quente e rachando sobre seus pés. A dor dos braços queimados agora não era prioridade, e segurava com força a tabuleta de pedra próxima ao peito, onde também estavam os três cristais recuperados. Por pouco Lugia não perdeu o equilíbrio e foi ao chão quando o impacto das pisadas do pokémon causaram um forte tremor. E ele girou o corpo, a fim de ver em que distância a criatura estava. E finalmente pôde ver mais nitidamente. Não era um animal gigante ou alto: mas era robusto e largo, como um grande pedaço de rocha que se movia e cuspia lava. E que estava perto demais.
   Quando Heatran abriu a imensa bocarra, foi como se todo o calor se redirecionasse para ele. As fissuras em seu corpo rochoso brilharam em um tom âmbar e então um imenso jato de fogo e lava saiu de sua boca. Lugia só teve tempo de girar o corpo e esticar os braços para que tentasse repelir o ataque com sua telecinese, como fez na primeira vez no subsolo. Porém, desta vez, a defesa surtiu menos efeito, fosse pelo estado já debilitado de Lugia, fosse pela maior força no disparo do golpe por Heatran. O bloqueio telecinético  não foi forte o suficiente, detendo o ataque por segundos e o rompendo logo em seguida. Com o vácuo causado, Lugia foi repelido para trás com violência, praticamente voando pelo saguão. Ele ainda conseguiu diminuir o impacto das costas contra a porta envolvendo-se em sua telecinese, o que também o protegeu parcialmente de ter seu corpo queimado pelas chamas e lava, mas não foi forte o suficiente para evitar o impacto. Então Lugia bateu na porta, a abrindo e caindo sobre a neve do lado de fora.
   Lugia sentiu o choque térmico, mas não conseguiu sequer gritar, embora seus braços doessem horrivelmente e teve a certeza que algum ou alguns ossos haviam se quebrado. Sentiu o gosto do sangue em sua boca, ciente de que seu rosto estava ensanguentado pelo uso da telecinese. A visão turvou, sua mente desassociou e a última coisa que viu foi o céu estrelado salpicado de pontos brancos.

~*~

 
    Dômino deu alguns passos para trás e então correu pelo caminho de onde viera.
  De todas as pessoas que esperaria ter que enfrentar algum dia, ele era a que não queria.  Não tinha como enfrentá-lo, como encará-lo. Porque não podia e temia não conseguir.
    Ela não sabia para onde estava indo, só sabia que precisava se livrar de Lance. Mas não arriscaria confrontá-lo. Não dava para confrontá-lo. Então, contrariando sua atitude padrão, ela se pôs a fugir. Se pudesse despistá-lo, se esconder e então cair fora sem deixar rastros, seria o mais prudente.
    Assim, Dômino avistou um prédio em construção logo á frente, entrando nele através de uma pequena abertura no muro de madeira. Se cortasse caminho por ali, talvez saísse no outro quarteirão ou mesmo poderia se esconder dentro do lugar. Não que essas fossem boas estratégias já que Lance era ótimo em rastrear pokémon e pessoas, mas era a única opção que tinha no momento.
     Sentia seu coração acelerado e um gelo no estômago. E ter que andar mais devagar ali para não esbarrar e se machucar nos entulhos devido á pouca luz só a deixava mais nervosa.

   “Mas que merda! De todos os membros da Elite4 que poderiam estar aqui por causa daquela ideia idiota de vazar informação, tinha que ser justamente o Lance?! Ele nem é de Sinnoh, isso não faz sentido!”


— AAAAI!!
    O grito de Dômino ecoou no interior do prédio no momento em que algo grande a empurrou com força para o lado. Com o empurrão, ela tropeçou em algumas barras de ferro no chão e perdeu o equilíbrio, mas não sem antes reconhecer Lance. E imediatamente tratou de se recompor para contra atacar.
   O que se seguiu foi uma confusão de golpes em meio a parcial escuridão do lugar, onde Lance tentava segurar e bloquear os golpes e Dômino tentava se desvencilhar e atacar. Deter. Fugir. Precisava.
   Entre golpes usando braços e pernas, a irritação em ambos começou a crescer gradualmente e se refletir nos golpes cada vez que seus olhares se encontravam.
   No momento em que Lance agarrou o braço direito da garota e a puxou com força, Dômino girou o corpo e o chutou no peito. Lance sentiu o golpe e empurrou a perna dela com brusquidão, fazendo-a quase cair de joelhos. Lance tentou segurá-la, mas Dômino ferozmente se desvencilhou, pegando uma das barras de ferro no chão.
  Sentindo raiva, Lance agarrou o pulso da garota e o torceu. Dômino soltou um rosnado de dor e a barra de ferro caiu de sua mão. Ela ainda tentou chutar Lance em uma área vulnerável, mas ele virou o corpo e o chute atingiu com força sua coxa esquerda. Irritada, Dômino segurou o rosto de Lance para afastá-lo, mas o mestre segurou a mão dela com a sua e praticamente jogou-se contra ela para dentro de uma espécie de cubículo.
   Quando as costas de Dômino chegaram á parede, Lance deteve a própria raiva. Mas ainda assim continuou a segurar seus braços, colocando uma de suas pernas entre as pernas da garota para que ela não o chutasse.
   Dômino percebeu que, mesmo se relutasse não reverteria a situação atual. Lance era maior, mais forte, tinha experiência de combate e ela conhecia bem sua força de determinação. Dômino sabia que não tinha outra opção que não fosse arcar com as cosnequências.

  “Um dia, vai acontecer de vocês se reencontrarem. Mas quando isso acontecer, o que você vai dizer? O que você vai fazer? E...o que vocês vão decidir?”

   O silêncio que se seguiu só era quebrado pelo som da respiração descompassada dos dois. A luta recente havia esquentado seus corpos. Dômino sentia as mãos fortes do mestre em seus pulsos e isso fazia o gelo em seu estômago aumentar.
   Mas não seria Dômino que iniciaria a conversa. Permaneceu cabisbaixa, sem encará-lo, mesmo que ele estivesse tão perto que reconheceu o aroma amadeirado de seu perfume. O mesmo que ele sempre usava.
   Lance não conseguia raciocinar com clareza. Sua cabeça era um misto de sentimentos. Tinha tantas coisas para falar a ela, tanta coisa que ela deveria e merecia ouvir. Seu ressentimento, raiva, mágoa...
   Então por que agora, depois de anos, depois de tudo que havia acontecido, depois daquele término, com tanta coisa que precisava, deveria e queria dizer á ela, simplesmente não conseguia?Mesmo sabendo e querendo, só tê-la ali apenas...não conseguia.
— Por quê...?
   Dômino estremeceu ao ouvir aquela simples pergunta sussurrada. Aquela pergunta significava muito mais do que parecia e ela tinha uma resposta que respondia aquilo muito bem.
—...porque...– ela murmurou e então ergueu o rosto.– Porque você escolheu ser o “mestre Lance.”
   Ah, é.
   Havia uma fraca iluminação no local vindo da pequena janela que certamente dava para algum poste na rua, de modo que ambos podiam ver os rostos um do outro nitidamente mesmo naquela penumbra.
  E no momento que olhos azuis encontraram-se com olhos castanhos, foi como se toda a mágoa se dissipasse. Afinal, vê-lo ali, fez os olhos de Dômino arderem e se tornarem rasos de lágrimas. E ao se deparar com isso, Lance percebeu que, dentre todas as coisas que remoera, na verdade só uma realmente importava.
   Se inclinou, ponderou por um segundo e então tomou-lhe os lábios em um beijo. Um beijo incisivo, profundo, que fez Dômino, em um primeiro momento, retesar o corpo de surpresa.
   Aquele gesto era algo que ela não previa, não depois da atitude de agora há pouco. Mas os lábios dele a forçaram a abrir a boca e permitir que o beijo se consumasse.
   E oh, santo Ho-Oh....então era isso que queria? Após anos daquele término dilacerante, no qual dor e rancor pareceu sempre ser a força que manteve as lembranças acesas ao ponto de ansiar poder tornarem a se encontrar, sentia e sabia agora que naquele fim não restara apenas raiva e decepção. Restara paixão e saudade.
   Ah, não.
   Dômino gemeu baixinho durante o beijo e isso fez Lance deslizar as mãos pelos braços dela. Aquilo era absurdo, tanto pela situação quanto pelo que estava voltando a sentir. Sentindo seus pulsos livres, ela acariciou os braços dele com os dedos. Havia se esquecido do quanto estar junto de Lance era bom. Do quanto ele ainda mexia com seu corpo e sua mente. Do quanto ainda o...
   O beijo foi lentamente quebrado para que recuperassem o ar, mas se mantiveram tão próximos que suas testas se tocavam. Tão próximos que roçavam braços e mãos de um jeito carinhoso. Surgia uma certeza que contrariava tudo o que achavam que deveriam fazer, que qualquer pessoa diria que deveriam agir e que eles próprios, cada um por seus motivos, tinham a convicção que realizariam com discernimento.
   Mas essa certeza não era uma certeza.Porque a emoção sobrepujava a razão.
   Dômino sabia que não podia se deixar levar pela emoção e Lance sabia muito bem que não poderia deixar-se levar pelos sentimentos.
  Mas então, por que soltou seus braços, permitindo que ela tocasse sua nuca e o puxasse para outro beijo? E por que Dômino aceitou que ele a envolvesse em seus braços e a trouxesse para mais perto de si?
   Aprofundaram os beijos,o calor crescente naquele abraço apertado e as carícias que cresciam gradualmente. As mãos de Dômino percorreram o peito e os ombros do mestre chegando até os cabelos ruivos, apertando-os carinhosamente. “Beijado pelo fogo” era como as pessoas ás vezes se referiam á Lance, mas elas não sabiam que os beijos dele também eram como fogo, a língua uma labareda a explorar sua boca e seu pescoço. E ansiou para que ele novamente explorasse seu corpo.
   Já Lance tentava reter sua noção por mais que ela estivesse se esvaindo á cada beijo, á cada toque. Suas mãos exploraram o corpo esguio que conhecia bem e, mesmo por cima da roupa, percebeu os seios dela enrijecerem aos toques.
   Dômino mordiscou o lábio de Lance, sentindo o quão ele já estava excitado quando pressionou seu corpo contra o dela. E o pior é que, pela situação no meio das pernas, sentia-se da mesma forma. Instintivamente, mexeu suas pernas entre as dele e o ouviu arfar baixinho em seu pescoço.
  Tornaram a se encarar na penumbra e viram, nos olhos um do outro, que apesar de tudo, apesar daquele término conflituoso e, principalmente, apesar das direções opostas que haviam decidido seguir em suas vidas, o que haviam nutrido nos últimos anos era o mesmo sentimento do tempo em que haviam convivido.
  Entre os beijos, Lance abriu o zíper do casaco que a garota usava enquanto ela o ajudava a retirar seu sobretudo. Cintos foram afrouxados e Lance a pegou no colo, encostando-a na parede enquanto Dômino enlaçava sua cintura com as pernas. Trocaram curto sorriso mútuo e tornaram a se beijar.
  Aquilo estava errado, aquilo era comprometedor, aquilo só complicaria seus sentimentos. Aquilo traria problemas.
 Mas por mais que pensar nisso fosse importante e necessário, naquele momento não havia mais razão. Naquele momento não eram mais o mestre da elite e a agente rocket.
Eram novamente apenas Lance e Dominique.

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...
Novamente foi um capítulo sem nossas duas populares protagonistas. Mas foi um capítulo importante.
Começo falando aqui sobre a cena de Lugia. Ela foi mais trabalhosa para desenvolver na questão de pensar nas palavras e narrativa para fazê-la. Foi bem dificil eu decidir qual pokémon colocar para proteger os três cristais. Pelo local, a escolha óbvia ser um certo pokémon, mas optei por mudar isso e deixá-lo surgir em outra oportunidade. Conforme pesquisava e ficava nervouser (haha) na dúvida de qual usar, eu tentava imaginar a cena. Por fim, acabei escolhendo o Heatran que costuma ser meio que esquecido no panteão de pokémon "lendários" mas que, a medida que fui tentando adaptar ele na cena, foi surgindo a ideia e ele se mostrou uma boa opção por parecer um pokémon mais "das profundezas". Eu queria desenvolver uma narrativa um pouco mais aterrorizante para a cena do subsolo, mas acabei não conseguindo, acho que por causa do próprio Heatran. Bom, a ideia ficará para alguma cena futura e com outro pokémon quem sabe.

Agora quanto a segunda cena, que acaba se intercalando no capítulo...
Você não faz ideia do quão ansiosa eu estava para apresentar esse "casal". Inicialmente, ele não existiria, os planos pra cada personagem eram diferentes mas, de repente, um dia, conforme eu pensava sobre a história a ideia simplesmente surgiu e foi se formando na minha mente. E foi aí que eu comecei a sentir a química tentadora de se explorar que eu poderia desenvolver com esses dois.
Tenho algumas coisas já em mente de como trabalhar a complexidade desse relacionamento, mas vamos ver como as coisas irão se desenrolar. O surgimento da união dos dois foi algo súbito e que foi crescendo efetivamente e de forma imprevisível. Mas e aí, o que acha?
É isso.
Até o próximo capítulo.



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