A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 41
Capítulo 40


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor/leitora.
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Após uma certa (e já comum) demora em atualizar, eis aqui finalmente o novo capítulo. Eu só não consegui me dedicar á ele antes devido a inúmeros fatores que se deramdesde o início do ano. Além da correria de sempre e uns problemas para lidar (que me causam considerável stress - eu vivo no modo Pinscher constantemente), também estou tentando organizar meu tempo com outros projetos.
Inclusive, vou aproveitar aqui e fazer a propaganda (rs). Primeiro, que a história The Cruel Beauty está na sua reta final, acredito que mais dois capítulos e finalmente a finalizo. A segunda é a estreia de uma nova história que comecei. Sim...como se não bastasse eu já cheia de projetos no cosplay, sempre com histórias pendentes para escrever, vou e começo mais uma (podem me chicotear haha). Mas essa aqui eu conto muito com seu apoio e sugestões!
É a Admirável Reino Desolado, uma fanfic UA onde as princesas e príncipes disney (e quem sabe até alguns vilões) precisam sobreviver e lutar em um apocalipse zumbi. É meio louco e inesperado esse gênero eu sei, mas a ideia veio, resolvi testar um negócio e quando vi a história começou a tomar forma. Então, convido voce adar uma olhadinha nela, tenho certeza de que irá gostar: https://fanfiction.com.br/historia/808779/Admiravel_Reino_Desolado/

Bom, é isso. Para falar sobre o capítulo, deixo nas Notas Finais.
Chega de papo e boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/760077/chapter/41

 

 

~*~


   Sentada em um bloco de concreto com o qual improvisou um banquinho, Crystal  observou o pequeno Aron caminhar de forma curiosa pelo jardim mal cuidado, mordiscando algum capim vez ou outra e esticando as patinhas ao se espreguiçar. Percebeu que a patinha traseira – a que tinha uma cicatriz – ainda repuxava quando ele fazia determinados movimentos.
   Como estava ali, Crystal pegou sua pokégear e abriu o Diário de Treinador. Esse era um aplicativo exclusivo para pokégear e, como o nome dizia, poderia ser usado como um “diário de jornada” para os treinadores deixarem registros de suas aventuras, pokémon e o que mais quisessem, tendo a opção de mantê-los para uso pessoal ou compartilhá-lo na internet para que outras pessoas lessem e comentassem.
   Quando iniciou sua jornada em Hoenn, Crystal chegou a usar (e publicar) seu diário, mas depois de um tempo, desistiu de mantê-lo. Tanto porque muitas vezes acabava se esquecendo de escrever nele, quanto pelo retorno quase nulo, mostrando que as pessoas não tinham interesse em acompanhá-lo. Mas não culpava ninguém por isso, afinal sua jornada pokémon não tinha se revelado interessante naquela época.
   Mas havia mantido a conta e, aproveitando que estava ali sem fazer nada, decidiu escrever um relato sobre seu Aron, mais especificamente como o encontrou. Não se preocupou em fazer uma narrativa envolvente, simplesmente foi escrevendo o que lhe vinha á memória.

  
   “Eu tenho um Aron. Ele é o tipo de pokémon que sempre gostei. Mas o meu eu não peguei de forma comum, tipo capturando ele na natureza ou através de trocas. Eu encontrei o meu Aron durante minha primeira jornada como treinadora, em Hoenn no ano passado. Não me lembro qual rota, mas foi lá pela região de Lavaridge após ter passado umas derrotas de batalha que não vale á pena contar.
   Mas eu lembro de estar andando pela rota procurando um lugar bom pra treinar meus pokémon quando ouvi um barulho no mato. Eu vi o Aron e na hora, pensei em tentar capturar ele, mas então vi que uma das patinhas dele estava enrolada numa coisa que descobri depois ser arame farpado e a patinha estava bem machucada, porque sangrava. Quando ele me viu, tentou fugir, mas por causa do arame e do machucado, ele caiu ganindo.
   Eu fiquei  assustada, mas sabia que precisava ajudar ele. Mas em vez de tentar capturá-lo e colocar dentro da pokébola, eu o peguei no colo. O Aron se debateu, tentou me morder, minha blusa ficou com manchas do sangue da patinha dele. Mas eu tentei acalmá-lo como pude, o tratando como um bebê e isso fez ele se acalmar o suficiente para eu correr até o Centro Pokémon mais próximo.
   Graças ao atendimento rápido da enfermeira Joy naquele Centro Pokémon que fui, o Aron foi examinado, medicado e ficou em observação por quase um dia, já que precisou levar pontos na patinha. A enfermeira Joy me contou que aquele ferimento na patinha do Aron foi causado por alguém. Que tinha gente que fazia aquele tipo de coisa com pokémon filhotes ou fracos, só por maldade mesmo. Talvez pra evitar que eles fugissem com facilidade. Mas mesmo assim, o Aron conseguiu  escapar. Mas a enfermeira Joy também me disse que se eu não tivesse resgatado ele, o Aron poderia ficar sofrendo e acabar tendo uma infecção séria na patinha e aí nem quero pensar o que aconteceria com ele.
   A patinha do Aron foi tratada e eu ajudei comprando os remédios e passando as pomadas. Ainda que o Aron tenha ficado com uma cicatriz na patinha e uma dificuldade para andar, ele se curou e pôde ter uma vida normal.
   Foi só quando ele se recuperou, que eu o adotei. Sim, porque eu não taquei simplesmente a pokébola nele. Me aproximei e deixei que ele me aceitasse como sua treinadora. E ele está comigo desde então.”

  
   Á postagem, Crystal anexou uma foto do seu Aron e releu o próprio texto antes de clicar em Publicar. Não estava muito bom, mas se sentiu bem contando sobre isso. Alice sempre se mostrava interessada em saber suas histórias com cada um de seus pokémon.
   Por falar em Alice, já fazia quase meia hora que ela e Gary tinham ido conversar dentro da velha capela abandonada.

~*~

    
   Quando os três e Morty haviam chegado ao local após correrem da chance de serem abordados pela oficial Jenny e com o risco de serem detidos, Alice parecia ter ficado irritada (e com certa razão) pela atitude de Gary ao ter tacado uma pedra do tamanho de um morango na cabeça de um treinador pokémon.
— Gary, você não precisava ter feito aquilo... – ela falou, recuperando o fôlego. – Só por causa de uma batalhazinha qualquer!
— Eles me atacaram primeiro! Aquele pivete, quando perdeu, lançou a pokébola na minha direção e quando abriu, o Voltorb dele já foi dando self-destruction! Se eu não desviasse á tempo, a explosão ia me atingir e até queimar a minha cara! Eles não se importaram e queriam me machucar!
  Em silêncio, Crystal teve que concordar com isso. Parcialmente.
— Mas precisava tacar uma pedra daquele tamanho? – Alice tratou de enviar sua Blaziken para a pokébola. – Dependendo de como e onde a pedra atinge na cabeça, pode causar sequelas graves.
   Em silêncio, Crystal teve que concordar com isso.
— E você queria que eu fizesse o quê?! Eu tava puto e ainda tô!
— Sei lá! Eram dois moleques, podia pegar eles pelo cangote, dar uma chacoalhada e explicar...
— Ah, sério?! – Gary deu um irritado sorriso irônico. – Justo você sugerindo que eu conversasse amigavelmente...
   Crystal não achou que aquela conduta seria amigável, mas sabiamente ficou calada.
— ...você, que não pensa duas vezes em mandar teu Charizard queimar quem for quando te fazem ou tentam te fazer mal!
  Crystal teve que concordar com isso, embora tivesse argumentos para defender. Sabiamente optou pelo silêncio.
— Ás vezes que usei o meu Charizard contra alguém... – Alice foi categórica. - Foi porque as pessoas mereceram e muito!
— Pensa o que quiser. – Gary resmungou. – Eu não me arrependo do que fiz e além do mais, o moleque já tava em pé quando a gente caiu fora, Foram anos da minha vida tacando pokébola na cabeça de pokémon pra capturar então eu sei que uma pedra do tamanho que eu taquei tem o peso de uma pokébola. E se tacada, não causa sequelas...– ele demorou alguns segundos antes de continuar, em um tom mais baixo.– Não graves.
— Gary, pedras são sim um pouco mais pesadas do que pokébolas...
— Ah, qualé, ‘Lice! Tá a chata moralista hoje por quê? O problema, se rolar, vai ser meu! Se der b.o, eu tiro vocês e arco com tudo! Mas nem vai dar em nada, porque também já tô pra ir embora daqui.
— Eu não estou sendo a chata moralista, eu só...
— Você tá estranha desde que voltou do encontro com o seu “tutor”. O que andou rolando?
— Opa, eu vou lá pra fora porque acho que a Janine e o Foress acabaram de chegar! – Morty anunciou. – Cês fiquem á vontade para conversarem e o que tiverem de conversar.
  Morty tratou de falar já caminhando para fora da velha capela abandonada e, sem saber o que dizer (mas sabendo que também não seria necessário se justificar) Crystal optou por fazer o mesmo, saindo antes que Morty encostasse a porta com certa dificuldade, já que a mesma raspava e emperrava um pouco no chão.

~*~

  
   E desde então, Crystal estava ali, no que seria o jardim (bem mal cuidado) pertencente á velha capela. Mal havia trocado algumas palavras com Morty quando a desculpa que ele dera para sair se provou verdadeira, pois logo Janine e Foress apareceram, dizendo que haviam conseguido resolver “ todas as paradas aí”. Crystal não sabia muito bem o que aquilo significava, mas pela conversa dos três, as malas e lonas que traziam, ficou sabendo que era referente a transportar os instrumentos musicais e aparatos da banda, além de trazerem informações mais precisas sobre o festival de música em que a Bastardos Deserdados iria se apresentar.
   Porém, pelo líder e vocalista da banda estar ocupado no momento, os demais integrantes da banda decidiram ensaiar alguns acordes e batidas para aproveitar o tempo e então foram para o porão. Mas Crystal sabia que nessa decisão havia um pouco de desculpa no lance de ensaiar no momento, a fim de que não ouvissem a discussão particular entre Gary e Alice. O que era uma atitude certa, pois ninguém queria sentir-se constrangido ou intrometido.
   Assim, as batidas da bateria, acordes da guitarra e frequências do sintetizador nas caixas de som preenchiam e se propagavam por todo o ambiente, saindo do porão cuja porta em estilo alçapão, que ficava do lado de fora, havia sido aberta, permitindo que o barulho se espalhasse e os músicos em seu interior não passassem tanto calor.
  Crystal agradeceu a si mesma por ter dado uma boa desculpa quando Morty a convidou para ir lá dentro assistir ao ensaio. Afinal, se estivesse lá, teria uma dor de cabeça com todo o barulho. Pelo menos ali, ainda que pudesse ouvir, o som não era tão alto e ainda poderia respirar um ar mais fresco. Sua desculpa verificar as notificações em sua pokégear enquanto soltava Aron da pokébola para que ele se exercitasse um pouco havia sido boa.
  O único problema de ficar ali do lado de fora eram os mosquitos. Crystal deu um tapa nas próprias pernas e olhou com nojo para sua mão, tratando de limpá-la com uma folha. Já era fim de tarde, começava a escurecer e naquele mato meio alto e mal cuidado, os mosquitos vinham com tudo. Se ficasse sentada ali, ficaria com suas pernas cheias de marcas de picadas. Talvez, se ficasse em movimento, os mosquitos não a atacassem tanto.
  Optando por isso enquanto seguia Aron, Crystal contornou o jardim. E, ao se aproximar da entrada da capela, ouviu as vozes que já conhecia bem.
— Não quer viajar comigo por quê?
— Eu já falei, Gary. Eu tô acompanhando a Crystal na jornada dela.
— Ela pode vir junto com a gente. Não to sugerindo que deixa de acompanhar ela em jornada para viajar comigo e com a banda. Mas pelo menos irmos todos juntos daqui até Cianwood, já que lá tem também um ginásio legalizado da Liga.
— Ah, não vai rolar... – Alice pareceu pensar um pouco antes de continuar. – A Crystal já tem os caminhos de jornada dela tudo bem programado. E ela gosta de treinar ao longo do caminho entre as cidades, hábito de treinador em jornada, você sabe como é.
   Crystal franziu as sobrancelhas. Não havia falado com Alice sobre sua programação de jornada porque, na verdade, ainda não tinha conseguido pensar muito bem sobre isso. Mas tendo seu nome citado na conversa, se aproximou um pouco mais da parede para escutar.
—.. E a gente pode ficar um tempo juntos a sós...
  Alguns segundos de silêncio que Crystal sentiu-se um pouco constrangida, observando seu Aron mordiscar capim.
— Não rola, Gary. Não que viajar com você e o pessoal não seja uma experiência bacana, lógico que é. Mas viajar em uma jornada pokémon junto de uma treinadora está sendo uma experiência bem legal.
— Meses atrás, quando você, do nada, decidiu sair do “palácio do Lawrence”, disse precisar viajar sozinha, mas nunca explicou muito bem o motivo. Sempre foi vaga com o papo de que “poderia ser uma experiência bacana e necessária”.
— Sim, eu disse isso e se não expliquei muito bem é porque era algo pessoal meu. Mas, no meio do caminho eu conheci a Crystal. – Alice explicou. – Nosso encontro parece que até foi uma coisa meio que destinada e na real, eu tô curtindo tudo...a viagem aqui por Johto, a companhia dela...foi uma escolha minha.
— É por esses motivos mesmo ou porque o Lawrence decidiu que deixava você viajar por aí contanto que fosse com a Crystal e não comigo?
— Ah nem vem com essa...
— Você que “não vem com essa”! Ultimamente você tá sempre se esquivando de mim quando aquele cara aparece. Começou uns meses atrás, antes de você decidir sair por aí...hoje mesmo, pensa que eu não notei? Você tentou disfarçar, mas eu te conheço bem. – Gary comentou. - Você chegou toda afobada e ansiosa do encontro com o seu tutor. O que aquele cara te falou? Não, vou melhorar a perguntar: o que você e o seu tutor fizeram?
   Silêncio. Crystal comprimiu os lábios. Não era alguém que apreciava escutar fofocas, ainda mais daquele jeito e envolvendo uma pessoa que era importante para si. Mas...
— Não fizemos nada! – a voz de Alice estava estridente, mostrando sua irritação. – E porque você sempre fica querendo achar motivos para implicar com o Lawrence?
— A cara nem treme... – havia certo divertimento na voz de Gary, mas era de irritação. – Você pode até tentar...e até conseguir enganar geral, mas não á mim. Sei dos boatos que rolam...
— Ah, pronto. Só faltava agora você ter comprado a fofoca daquela Milktank da Whtiney só porque comeu ela!
— Quem disse que eu comi ela?
— A cara nem treme... – devolveu a garota, com ironia. – Ela tá sempre se jogando pra cima de você e por isso ela me...
— Nem vem querer mudar o foco do assunto! – cortou o rapaz. – Eu vejo como você fica diante do seu tutor. Eu sou homem e vejo a forma como ele te olha, porque eu te olho do mesmo jeito! E o fato dele olhar dessa forma é porque pensa de um certo jeito que, vindo de quem ele é pra você...dá asco.
— Pare de falar merda,Gary! Por que veio com esse papo agora?
— Porque eu gosto muito de você! E aquele cara consegue te enrolar da mesma forma que você me enrola! E isso me deixa puto!
— Eu nunca te enrolei, você que nunca...
  Aquela era uma conversa particular demais e Crystal decidiu que o certo seria ir embora dali. Mas, para seu horror, Aron não parecia ter a mesma opinião. Talvez por ouvir a voz de Alice, o pequeno pokémon saltitou (do jeito que sua patinha deficiente lhe dava um gingado engraçadinho ) para dentro do local.
   A treinadora tentou fazer sinal e até sussurrar para Aron, mas ele deliberadamente a ignorou. Crystal poderia tê-lo chamado com a pokébola, mas naquele momento, temendo que Alice e Gary soubessem que  ela os estava ouvindo atrás da porta, nem pensou nisso, tentando pegar Aron pelas patinhas traseiras. Mas o pokémon deu um gritinho e conseguiu se soltar das mãos de Crystal, que diante disso se desequilibrou, bateu na porta e caiu dentro da capela de joelhos.
  Ao mesmo tempo, Alice sentiu algo roçar em sua perna e deparou-se com Aron, que a encarava amigável e abanando o rabinho. Ela nem teve tempo de pensar qualquer coisa porque com o baque, a porta se abriu e uma Crystal destrambelhada surgiu.
  Ai perceber que Gary e Alice a encaravam surpresos, Crystal quis ter o poder de desaparecer, tão envergonhada ficou. O que eles estariam pensando?

“O óbvio! Que eu estava ouvindo a discussão particular e relacional deles atrás da porta, como uma autêntica fofoqueira! Mas eu não sou uma pessoa xereta e fofoqueira, mas como posso dizer isso se minha conduta se mostra o oposto?! Ai que vergonha! Eu não sei se peço desculpas, se tento me explicar, se invento qualquer coisa ou simplesmente saio correndo!”


— Hey, Crys! Você tá legal?
   Alice havia se aproximado para ajudar a treinadora a se levantar.
— Se machucou? – Gary perguntou, também se aproximando. – Cuidado que tem uns cacos de vidro no chão. 
   Crystal sentiu os olhos arderem e fungou. Eles poderiam perguntar o que ela estava fazendo ali, porque os estava espionando mas...os dois pareciam realmente preocupados que ela pudesse ter se machucado no tombo. De modo que, ao ficar de pé (com Alice segurando uma de suas mãos), Crystal reuniu coragem para tentar se explicar, ainda que nenhum dos dois tivesse perguntado.
— Desculpem, eu não queria...estava muito barulho lá atrás porque a banda ficou ensaiando e aí eu soltei o Aron pra ele se exercitar um pouco, mas ele foi andando. Eu o segui porque já é final de tarde e os mosquitos estavam fazendo um banquete com as minhas pernas! Eu não queria ouvir a conversa, de modo algum! Mas é que como tava ficando tarde, pensei em avisar a Alice que eu ia voltar pro hotel pra arrumar as coisas para retomarmos jornada amanhã mas aí o Aron foi entrando aqui dentro e... – ela tomou fôlego e continuou.  - Eu tentei detê-lo pra não atrapalhar a privacidade de vocês, mas eu não consegui segurar ele, acabei caindo e...desculpa! Foi tudo culpa desse Aron intrometido!
   Ao ouvir, Aron franziu o cenho, bravo.
— Se você queria deter o Aron, porque não usou a pokébola para puxá-lo de volta?
   Crystal sentiu o rosto esquentar diante da pergunta de Gary.
— O que importa é que você não se machucou. – Alice falou, tratando de direcionar a conversa. – E está na hora desse danadinho voltar para a pokébola!
   Ela pegou Aron no colo, fazendo um carinho nele enquanto Crystal observava ambos com ternura.
— Ah, t-tem razão. – disse, pegando a pokébola e enviando o pokémon para dentro dela. – Pronto! Eu...bem, eu acho que já vou indo e...deixar vocês...a sós.
— Eu vou com você.
— Hãn? – ela piscou diante da fala de Alice. – N-não se preocupe, eu já to indo e vocês podem continuar conversan...
— Eu e Gary já terminamos o que tínhamos para conversar.
   Alice encarou Gary de forma séria, que ele retribuiu com um olhar arrogante. Mas se Gary diria alguma coisa, Crystal não soube, pois Alice já saía do local e restou a treinadora, segui-la.

~*~

  
   Cynthia Shirona circundou toda a fachada do templo, sem encontrar nenhuma passagem aberta ou caminho entre as rochas que pudesse indicar uma entrada. O Templo Ancestral era uma ruína que os antigos haviam esculpido dentro da montanha. Cynthia já estudara muito sobre ele no passado e sabia quem além de ter sido um lugar religioso em um passado distante, havia também sido um lugar de muitos segredos em épocas posteriores.
   Por mais que, já quase a um século, o templo  redescoberto se tornara um museu devido ao crescimento turístico, isso era algo que Cynthia não aprovava. Não por ser contra museus, gostava e sabia da importância dos mesmos. O que desaprovava era que aquele lugar houvesse se tornado um. Era profanar e mercantilizar um lugar outrora sagrado, que deveria ser mantido lacrado com seus segredos, sendo somente acessado por aqueles que fossem realmente merecedores.
   E como se não bastasse isso, havia ainda a questão da segurança pública. O templo era ligado a montanha e isso fazia com que a estrutura ficasse comprometida, ainda mais por conta das constantes reformas no templo para permitir cada vez mais visitantes.
   Havia tantos problemas que o acesso turístico desenfreado naquele museu (e em toda Snowpoint, pra falar a verdade) que só de começar a enumerar, Cynthia já ficava nervosa. A ganância de políticos e comerciantes aliada a falta de noção dos turistas causava cegueira ao perigo que aquela cidade nas montanhas poderia sofrer a qualquer momento. 
    O fechamento ocasional do templo devido a problemas constantes com reformas e restaurações era um aviso sempre ignorado.
  Cynthia caminhava de um lado para o outro como um pokémon enjaulado, enquanto seu Lucario a observava intrigado.

   “Só vão perceber quando a tragédia acontecer.”


— Ah, eu não acredito!
   Cynthia estremeceu diante da exclamação que ecoou pelo local e, ao se virar abruptamente, uma das mãos dentro do casaco apertando com força o que carregava dentro dele. Não saía mais de casa sem levar “aquilo” desde que recebera a ameaça de Igni.
   Mas o que viu foi duas jovens mulheres metidas em casacos de inverno. Apesar da noite, graças á luz do poste próximo, ela pôde ver que as duas tinham cabelos longos e cacheados, pele negra e uma delas era realmente bonita. E foi justamente essa que falava, com um sorriso gracioso de dentes perfeitos.
— Nossa, é mesmo você! Que sorte incrível encontrá-la aqui! Ai deuses, é a grande Cynthia Shirona! Somos suas fãs!
   Como mestra da Elite4 e uma das mais poderosas e famosas treinadoras pokémon do mundo, Cynthia estava acostumada a receber reconhecimentos empolgados de pessoas aonde quer que fosse. Mas ser reconhecida nesse lugar, em tal hora e naquelas condições era muito inusitado. E suspeito.
— Desculpa aparecer assim, sei que pode parecer meio estranho, ou melhor, muito estranho mas... – a jovem mulher continuou a falar. – Eu e minha irmã estávamos passando e então a vimos...posso chamá-la de você? Ou é melhor chamá-la de mestra?
— Pode...pode ser você.
— Ótimo! – o sorriso dela aumentou. – Então, eu e minha irmã vimos você e eu comentei “acho que é a famosa Cynthia!”  Mas a minha irmã aqui disse que não era possível que a mestra Cynthia estivesse andando de madrugada na frente de um museu fechado com esse frio que está fazendo. Mas eu não acreditei e olha só, eu estava certa porque agora estou tendo a chance de vela pessoalmente e de conversar com você!
   Por mais que toda aquela situação fosse estranha, Cynthia era uma figura pública. E uma figura pública que sabia se portar correta e estrategicamente, agindo de uma forma enquanto sua mente desejava agir de outra.
— Oh, não precisa se preocupar. – falou, gentil. – Estou surpresa, mas fico realmente muito grata pela consideração. De fato, é uma ambientação todo inusitada, mas é ao mesmo tempo algo que pode tornar-se memorável.
— Isso com certeza, não é mana?
   Moltres acenou com a cabeça, mantendo um sorriso forçado, intrigada com a súbita escolha de abordagem tomada por Articuno. Quando a irmã disse que iria “conversar com a tal mestra pokémon”, Moltres prontamente a seguiu, ciente do tipo de abordagem que a irmã faria.
   Conhecia Articuno. Ela sempre fora uma pessoa esperta e inteligente, com habilidade e conhecimento de oratória e estratégia de como lidar com os mais variados tipos de pessoas, uma política nata. Então, Moltres pensou que, ao se aproximarem da mestra Cynthia, com base no que conhecia sobre ela (através de matérias e vídeos que haviam encontrado naquela coisa chamada internet), Articuno faria uma abordagem mais séria, coercitiva e até mesmo autoritária e sutilmente ameaçadora, pois já a vira fazer isso certas vezes, naquele passado distante.
  Por isso que Moltres achou estranho o fato da irmã optar por usar uma abordagem excessivamente simpática e até um pouco infantil para se aproximar daquela mulher. Então, se manteve ao lado de Articuno, adotando uma postura de timidez acerca de qualquer coisa que pudesse acontecer, enquanto prestava atenção á conversa.
— E apesar de ter sido uma coincidência, não posso deixar de pensar em, uau, encontrei a mestra Cynthia em um local deserto nos limites da cidade, tão tarde da noite e nesse frio. E desculpa, eu sou uma pessoa naturalmente curiosa e não posso deixar de pensar...no que você poderia estar fazendo aqui, nessa situação inusitada.
   O silêncio que se seguiu, por mais que houvesse durado apenas alguns segundos, foi incômodo. E naquela troca de olhares entre Cynthia e Articuno, ambas perceberam o quanto a outra era perspicaz e não agia realmente como era.
— Bem, acho que o mesmo tipo de dúvida curiosa permeia a minha mente acerca de vocês. – Cynthia falou gentilmente, mantendo um sorriso suave. – O que duas jovens turistas sozinhas estão fazendo nas imediações de um templo fechado, altas horas da noite e nesse frio congelante? É algo, além de inusitado, que pode até ser mais perigoso do que a mesma situação para uma treinadora pokémon altamente experiente, não acham?
  O silêncio que se seguiu foi maior que o anterior. E nesse breve tempo que pareceu passar lentamente, o sorriso nos lábios de ambas foi diminuindo relativamente e os olhos azuis de Cynthia fitaram os olhos negros de Articuno, E ammbas sentiram algo similar enquanto flocos de neve silenciosos caíam lentamente sobre elas.
— Wow, aquele Lucario é seu?!
   A pergunta proposital de Moltres rompeu o momento e, olhando para onde a jovem apontava, Cynthia viu seu pokémon azul próximo á uma pilastra do templo.
— Sim. – respondeu, vendo ali uma boa desculpa para justificar. – Eu decidi caminhar com Lucario para treinarmos um pouco em ambientes “fora de zonas de conforto”. Coisa de uma treinadora pokémon excêntrica, devo confessar. Mas que trás nos resultados.
   Pela primeira vez, até o momento, Articuno captou uma expressão autêntica de gentileza na face da mestra, ainda que fosse sutil. Mas quando Cynthia voltou o rosto para encará-la, Articuno soube que precisava se mostrar convincente em sua resposta.
— Bom, em nossa defesa. – ela sorriu encantadora, gesto que Cynthia retribuiu. - Eu e minha irmã adoramos contemplar o céu, principalmente o céu estrelado. E por isso viemos aqui em Snowpoint. Porque lugares altos assim, mais afastado das luzes da cidade, é perfeito para isso.
  Articuno ergueu os olhos para o céu e, pela primeira vez, Cynthia notou sinceridade nas feições dela, ainda que de forma sutil. Talvez aquelas duas fossem realmente turistas sem noção, mas havia algo, principalmente na com quem conversava, que era algo a mais.
   Afinal, para Cynthia, ninguém que não tivesse certas intenções estaria perambulando naquele lugar, naquela hora e naquele frio. E por isso, ela prudentemente preferia se livrar o mais breve possível. Para assim poder voltar a sua investigação.
   Estendeu a mão para que alguns flocos de neve tocassem em sua pele e ergueu os olhos para o céu.  Gostava do frio e da neve.
— Bom, acho melhor tomarmos nossos respectivos caminhos. – falou. – A temperatura está caindo e por estar nevando, não é bom ficar muito tempo ao relento, pois logo o chão ficará cheio de neve e difícil para andar. Aconselho á vocês que voltem para a cidade e se aqueçam, talvez tomando um delicioso chocolate quente.
   Olhos azuis sobre olhos negros.
—  Tem razão. – Articuno aquiesceu e acrescentou. – E a mestra deveria fazer o mesmo. É importante que uma pessoa tão...notável como você, cuide bem da saúde. Gostaria de vir conosco?
— ...eu sei me cuidar. Agradeço o conselho e o convite, mas tenho coisas a fazer. Então...prazer em conhecê-las e até um dia. Vamos, Lucario.
   Cynthia deu as costas ás duas e seguiu em direção ao templo. Articuno sabia que se ela entrasse no local, poderia encontrar Lugia e na certa haveria problemas. Precisava retê-la, ganhar algum tempo.
— Espere!
   O chamado de Articuno fez a mestra virar-se um pouco mais rápido que o usual e ela notou que a mulher negra já tinha os cabelos pretos salpicados de neve. Era bonita.
— Por favor. – Articuno pediu, se aproximando. – Eu gostaria de registrar nosso encontro. Afinal, é isso que pessoas que admiram aqueles que estão no poder fazem hoje em dia, não é mesmo?
   Articuno havia se informado sobre aquela tecnologia amplamente usada e adorada por todos na atualidade e soube que era um bom artífice para se passar por “turista”.
— Podemos tirar uma foto com você?
   Moltres apertou os lábios. Embora Articuno fosse inteligente, ela tinha dificuldade em utilizar certos aparatos tecnológicos. Vendo que a irmã passava o dedo pela tela do celular, Moltres pensou em tomar as rédeas da situação, mas Cynthia se prontificou primeiro.
— Se quiser, posso tirar a selfie.
— Oh, eu agradeço! – Articuno lhe entregou o aparelho. – Ganhei esses dias e ainda não me acostumei a usar!
  Ambas trocaram um curto sorriso.
  Logo, as três estavam próximas embaixo do poste de luz, tendo Cynthia ao centro. A proximidade de Articuno fez com que, por um lapso momentâneo, Cynthia cogitasse que talvez devesse...
   Mas esse pensamento não terminou de se formar e mesmo a selfie não chegou a ser feita. Porque, nesse momento, um estrondo fez com que as três se sobressaltassem e olhassem para trás.
   A porta do museu foi destruída e um corpo passou voando por ela, como se tivesse sido jogado por algo vindo de dentro. Quando o corpo caiu em um monte de neve, as duas irmãs arregalaram os olhos assustadas.
  Moltres soltou um palavrão, Articuno recuou, Lucario saltou e partiu para um possível combate e Cynthia instintivamente, se colocou na frente das duas irmãs para protegê-las do que quer que fosse enquanto pegava uma pokébola.
  Mas a criatura que viu sair do interior do museu, lhe causou assombro.
   Era um pokémon robusto e quadrúpede, cujo corpo parecia como um pedaço de rocha viva que tinha se desprendido da montanha, com pedaços de pedra , terra  e lava. A sua imensa cabeça parecia ser feita de aço, com olhos de um tom entre o laranja e o amarelo que pareciam ser pura lava presa dentro  de sua cabeça que mais parecia estar revestida por um capacete, com uma bocarra enorme cujos grandes e largos dentes projetavam-se para fora. Cada passo lento que ele dava para fora do templo, o cimento embaixo de seus pés esquentava ao ponto de rachar e o corpo dele era tão quente que mesmo naquele frio, era possível ver um vapor quente que saía e se espalhava pelo ar. A criatura urrou na direção do corpo do homem que havia jogado ao perceber que o mesmo se levantava com dificuldade.
  Cynthia só sabia da existência daquele pokémon através de estudos acerca de histórias e lendas. A imagem que tinha dele provinha de artefatos e pinturas antigas e era sempre retratado como uma besta destruidora e pré-histórica. E, vendo-a ali, vivo e real, ela soube que os antigos haviam retratado Heatran de forma correta.
   Aquele pokémon era um problema. E dos grandes.

~*~


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...

Esse foi o tipo de capítulo que foi se remodelando conforme eu escrevia. E talvez isso tenha acontecido porque devido á imprevistos externos, eu acabei demorando mais tempo para concluí-lo do que o prazo que costumo estipular quando começo a escrever.
Bom, eu tinha a intenção de colocar mais uma cena nesse capítulo, mas ela ficaria extensa então optei por deixar para o próximo.Então temos aqui primeiro uma cena com a Crystal ouvindo a DR de Alice e Gary. Já foi uma opção pra encaminhar o fechamento desse arco de Ecruteak, que se estendeu mais do que eu pensava.
A inserção da ideia do diário virtual com Crystal relatando sobre seus pokémon, foi algo que surgiu nos últimos dias que eu escrevia e resolvi colocar, pois me pareceu uma boa opção para contar de forma prática, sobre como Crystal conheceu seus pokemon e mostrar o motivo dela ser tão afeiçoada a eles, sem tomar muito tempo da história principal. O que acham?
E a segunda cena é um momento de Cynthiae Articuno. Ele deu um pouco de trabalho na questão de diálogos, pois temos aqui duas personagens inteligentes e dificeis de criar uma boa dinâmica mas espero ter conseguido fazer algo minimamente bom.
E terminei o capítulo com um gancho "tchans" para o próximo. Vamos ver o que virá agora!

Até o próximo capítulo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Lenda de Cristal" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.