A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 39
Capítulo 38


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor (a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Eu realmente desisto de prometer entregar um novo capítulo em um prazo de tempo menor do que o anterior. Por mais que eu me programe e me esforce, as mazelas súbitas da vida que vão surgindo me impedem. O imprevisto atual foi um baita problema bizarro e custoso, que durante semanas atacou minha ansiedade e me pôs em uma correria e foco desenfreados para tentar dar andamento na solução do ocorrido (que ainda vai demorar e é uma jornada meio longa, mas as coisas já estão sendo encaminhadas e tô bem). E isso, aliado a um monte de outros perrengues pra resolver, correria da vida e tudo o mais, tornou meu tempo e foco pra escrita bem limitado e difícil.
Mas consegui atualizá-la praticamente ás v´wesperas do meu aniversário. Deve ser um bom sinal em meio a uma correria semanal imensa. XD

Enfim, sobre o capítulo, deixo nas notas finais.
Chega de papo e boa leitura.

Bom, por conta da cena do flash-back sendo extensa, acabou que esse capítulo não tivemos cena com nossas duas protagonistaw. Mas não se preocupem que elas estarão de volta no próximo!



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~*~

  
   Articuno observou o Templo Ancestral, atenta a qualquer coisa que pudesse acontecer ali. Já havia se passado mais de uma hora desde que Lugia adentrara no local, reiterando que iria sozinho. E isso estava começando a preocupá-la. Mas o espirro de alguém próximo lhe fez retornar de suas lembranças recentes.

— Que droga de frio! –resmungou Moltres vestindo um grande casaco de capuz. –Vou acabar pegando um resfriado aqui em cima nessa noite fria! Devíamos ter entrado no templo com o Lugia, mesmo ele dizendo que queria ir sozinho! Podia ir lá pra baixo sozinho, a gente ficava na entrada principal.
—  Não me parece tão frio assim.
— Claro, pra você o frio é um detalhe, tanto tempo na forma de um pokémon de gelo...
  Articuno ignorou o resmungo baixo da irmã.
— Você conhece nosso irmão.Tem coisas que ele prefere fazer estando sozinho. E se deparar com certas coisas que pode haver escondidas abaixo do templo, as lembranças tendem a vir á tona.
  Moltres pensou um pouco antes de indagar.
— Nosso irmão já falou com você sobre...elas?
— ...não. Ele falou algo para você? Pelo menos de Flâmia?
   Moltres balançou a cabeça em negativa, o rosto triste.

  Articuno conteve um suspiro. Desde que haviam retornado a suas formas humanas, tendo conversado diversas vezes sobre o que iriam fazer e quais planos e direções seguir, enquanto se adaptavam a toda a realidade atual, Lugia não havia falado sobre aquele assunto tão crucial. E isso a preocupava.
— Eu tentei falar sobre isso com ele algumas vezes. –Moltres murmurou. – Mas o Lugia sempre se esquivou, mudou de assunto ou disse que vai encontrá-las. Mas que há muito para se fazer antes...não sei, acho que ele deveria falar sobre, mas não dá pra forçá-lo.

— Nosso irmão já pensou e sofreu por todas as perdas, principalmente essas, por tempo demais. – Articuno olhou para o céu. – Talvez ele não queira falar por não deseja ter que pensar sobre, encarar a dor do luto.Porque talvez... não será possível reavê-las e saber o que realmente aconteceu.
— O que quer dizer?
— Muitas coisas passam em minha mente, mas eu prefiro não ficar pensando sobre isso. No fim, acho que, assim como Lugia,tem coisas que não queremos ter que pensar. Pelo menos não por enquanto. No momento, devemos nos concentrar em reunirmos nós sete...
— Sete? E quanto á Flâmia?
— Flâmia nunca fez parte do Conselho Real de nosso irmão. Embora ela tenha se tornado uma peça fundamental.
   Moltres abriu a boca para retrucar, mas Articuno continuou.
— Acho que Lugia precisa de tempo. Está sendo muitas coisas para se aprender, habituar, fazer, planejar, conhecer, assimilar...se nós mesmas nos sentimos sobrecarregadas, imagine ele. O que podemos fazer agora é apoiá-lo e ajudar no que for possível. Quando todos nós estivermos juntos e livres da maldição, certamente que Lugia irá conversar conosco sobre o que será feito a seguir.
  As duas mulheres tornaram a olhar para o templo metros abaixo do morro em que estavam. Articuno não queria dizer, mas a verdade é que sentia uma ansiedade incômoda e uma preocupação constante. Confiava em Lugia, apoiava suas escolhas e reivindicações sempre. Mas...
— Acha que vamos conseguir encontrar os três depois que tivermos achado e destruído os cristais?
  A pergunta de Moltres fez com que Articuno voltasse á realidade.
— Não tenho dúvidas de que sim. Nós voltamos, não é?
— Verdade...espero que logo encontremos a Zapdos. Sinto falta dela.
— Eu também. Mesmo ela tendo aquele gênio difícil. – Articuno riu. – Mas e quanto á “ele”? Está ansiosa para reencontrá-lo?
— De quem está...?

   Moltres não terminou a pergunta pois, pela forma levemente divertida no rosto de Articuno a encará-la, soube a quem a irmã se referia. Corou, irritada.
— E-eu não...eu nem estava pensando nis-sso! – resmungou, remexendo no casaco que vestia como se quisesse se abrigar ao máximo dentro dele. – Não me importo se vamos achá-lo, trazê-lo de volta ou nada disso! Tanto faz!
   Articuno observou o rosto emburrado e levemente corado da irmã caçula.
— Mas ele é seu marido. Vocês ficaram casados e conviveram durante certo tempo até que toda aquela guerra desgraçada nos destruiu.
— Mesmo assim foi...foi um casamento político! –Moltres cruzou os braços contra o peito. – Apenas uma aliança necessária para garantir o apoio do povo e exército dele para a causa do nosso irmão e automaticamente, nossa causa também. Só isso!
—...acho que eu nunca lhe perguntei realmente...– Articuno continuou, fingindo desinteresse para conter o próprio divertimento. – Mas durante o casamento de vocês, nunca houve nada além das obrigações matrimoniais? Digo, alguma amizade, admiração ou até mesmo...paixão?

   Moltres virou-se para a irmã, a encarando com os olhos injetados de perplexidade e raiva.
— Tá maluca?! Nunca gostei dele e muito menos me apaixonei! E ele... – Moltres procurou olhar para qualquer coisa que não fosse a irmã. – Ele é um chato arrogante e inconveniente, que não gosta de mim tanto quanto eu não gosto dele! Nosso casamento foi apenas um acordo político e nada mais!
— Tudo bem. –Articuno ergueu as mãos em sinal de desistência. – Não falamos mais sobre isso.
— Acho bom! – bufou a outra. – Tanta coisa mais importante e bem querer entrar nesse assunto! Tá até parecendo ele, só faltava começar as piadinhas bestas...me surpreende você vir com esse papo sendo que o seu noivado também...
— Minha situação acerca de casamento por conveniência é diferente. E você sabe muito bem disso.
   As duas irmãs se fitaram e ao fim de alguns segundos, Moltres aquiesceu.
— Sim, é diferente. – sussurrou em um resmungo baixo. – Mas o meu também foi, só que por outro motivo.

   Articuno não continuou a conversa. Sabia que Moltres era teimosa e não admitira certas coisas. Mas ela sabia, ou pelo menos supunha o tipo de relacionamento que sua irmã caçula havia desenvolvido até então com o lorde esposo com quem havia se casado.
  As três irmãs haviam tido casamentos políticos por conveniência , o que já era algo que esperavam e a decisão foi tomada por vontade própria, em prol do que era o certo e esperado a ser feito. E isso gerou resultados prósperos para que retomassem o que lhes pertencia e dessem a Lugia o apoio de que ele (e toda Kanjoh) precisava.

   “O meu casamento, mesmo que não tenha tido tempo para ser realizado, sempre foi um casamento puramente político em uma relação de aparências. Não teria como ser de outra forma...”

— Mas quem está lá?
   Foi o que Articuno perguntou quando deixou de observar os primeiros flocos de neve que caíam do céu e tornara a olhar na direção do templo. Próximo a ele, uma pessoa encapuzada e toda vestida de preto rodeava o local como se procurasse alguma coisa.
   Não era um dos agentes Rockets que estavam com elas, pois o pokémon que a pessoa liberava da pokébola era um Lucario. Quando a pessoa abaixou o capuz, foi possível ver as loiras tranças enroladas em sua cabeça.
   Cynthia Shirona.

— Caramba, ela veio mesmo! –Moltres murmurou olhando através de um pequeno binóculo que havia trago em um dos bolsos do casaco. – Eu realmente achei que aquela “informação” que foi mandada para ela seria uma coisa que ia acabar passando como algo falso tipo, como chama mesmo? Ah, trote...ou que no máximo ela ia mandar que o líder de ginásio mais próximo verificasse. Mas foi ela mesmo que veio.
— Isso mostra que não apenas a informação propositalmente vazada pelo Igni foi bem feita, mas prova que a “ Mestra Campeã “ certamente sabe que os boatos que estão correndo sobre Lugia e a Equipe Rocket são verdadeiros. Ou no mínimo que é válido investigar se são reais.

  Articuno se calou. Sentia um nervosismo crescente em seu estômago, uma preocupação de que algo iminente iria acontecer. E as informações em sua mente começavam novamente a se organizar.
  Até que ponto as informações sobre Lugia as outras pessoas, em especial as que faziam parte do grupo denominado “Ordem” composto por figuras influentes do Cenário Pokémon atual, tinham conhecimento sobre o que estava sendo feito?
  Afinal, dizia-se que a Ordem conseguia informações através de Rockets que, secretamente, agiam como agentes duplos. Igni mesmo dissera isso, inclusive revelando que tempos atrás havia precisado eliminar um ao descobrir sobre a traição. E traição era algo que a “ideologia Rocket” não tolerava. Pelo menos não de membros contra a própria organização.

   Mas havia na organização agentes que fingiam serem agentes duplos para os outros (incluindo para a Ordem) a pedido da própria Equipe Rocket para obter informações. Foi com base nisso que Lugia e Igni traçaram o plano para acatar ao que Lugia ordenou que acontecesse naquela cidade. E assim, enquanto os inimigos pensassem que estavam na frente da Equipe Rocket, na verdade era a Equipe Rocket que estava á frente deles.
  Uma estratégia ardilosa e válida em certas situações. Mas exatamente por essa estratégia de agir que tornavam a Equipe Rocket, uma aliada tão útil quanto perigosa.
   Não poderiam confiar totalmente na organização, Lugia mesmo dissera. Embora recentemente ele parecesse permitir que Igni fizesse um pouco mais do que apenas orientar.

   “Talvez...o passado e o sangue que Igni representa  sejam algo capaz de afetar as ações e pensamentos do Lugia de uma forma que talvez nem ele mesmo perceba. Afinal, Igni realmente se parece com ela.
   Naquela época...será que houve algo entre os três que ninguém tenhas percebido antes?”


  Não. Aquilo era inconcebível e venenoso a se pensar. Não deveria se deixar levar por esse tipo de pensamento sobre algo fantasioso e que não lhe dizia respeito. Se houvesse ou não, não era da sua conta e nem do reino.
  Articuno decidiu se focar no que era realmente importante. Precisava tomar a frente, obter informações de alguma forma que não fosse apenas esperar que Igni, através da Equipe Rocket, fornecesse.

— Hey, aonde você vai? – Moltres perguntou ao ver a irmã seguir em direção ao que levava a descida do morro. – Não seria melhor avisarmos a Dômino...
— Não. Iremos apenas...conversar com a tal “mestra pokémon”.
  Articuno não sabia técnicas ou tinha habilidades em batalhas, mas sabia usar outras armas.

~*~

  
   Lugia olhou para aquela grande porta de pedra com as três feras lendárias talhadas. Da antiga porta que havia visto séculos atrás, pouco restava. Jazia ali, quebrada, com diversas rachaduras e maltratada pelo tempo e descaso. A porta que outrora dava acesso ao terraço da torre estava agora abandonada e esquecida naquela caverna subterrânea. Roubada e jogada como se fosse um entulho qualquer.

  
   “Destruíram nossa terra, saquearam nossos palácios e casas, escravizaram nosso povo, erradicaram nossa crença para, ao final, apagarem nossa história.”

  
   Fora isso que a linhagem real de Sinnoh havia feito com o apoio de seus aliados durante uma guerra que durara décadas em um tempo há muito esquecido.
   Mas agora Lugia havia retornado e as coisas iriam mudar. Havia conquistado tudo uma vez, conquistaria tudo de novo.
   Lugia afastou-se dos destroços da porta e andou pelo local, iluminando a escuridão com uma lanterna de alta potência.No subsolo, metros abaixo do templo, o silêncio era sepulcral.

  Lugia havia se acostumado ao silêncio. Após ser amaldiçoado na forma de pokémon, não suportara vagar nos céus por mais tempo do que necessário. Passara a entender Alma e encontrara, mergulhado nas profundezas do oceano, um pouco de paz e conforto para a dor e o tormento que lhe corroíam o espírito. Se não fizesse isso, a bestialidade da fera acabaria por consumir sua humanidade, tão torturado e desesperado que ficara ao descobrir que havia perdido não apenas sua vida, mas seu reino, sua família e sua razão de existir.
   Mas, ás vezes, o silêncio das profundezas fazia com que as lembranças fossem revividas com mais força e aquilo lhe causavam uma dor e um desespero. E tudo o que gostaria de fazer era esquecer. Não pensar.

   Tratou de direcionar seus pensamentos para qualquer coisa que pudesse afastar suas lembranças.
   Para seu alívio, ouviu o discreto “bip” do rastreador que segurava na outra mão. Acompanhou a indicação do rastreador e se viu diante de uma grande parede ricamente pintada.
   O longo tempo em que aquele lugar permaneceu na escuridão e na umidade fez o que tinha sido um belo trabalho artístico se deteriorar de forma irrecuperável. Partes quebradas, rachaduras, cores descascadas e o estrago causado por fungos e umidade. Mas, pelo que conseguia ver ali, a imagem retratava uma das vitórias de Sinnoh durante a guerra em Kanjoh.
   Os crimes do passado distante que a história de Sinnoh preferia esconder para não se comprometer, consagrando-se na história como um bom e justo reino.
  Mas, por mais que tentassem esconder e destruir a verdade sobre o passado, não podiam apagá-lo.

  Lugia deixou a lanterna no chão, posicionada para que iluminasse bem a parede, tateando e observando minuciosamente até encontrar uma fissura retangular que parecia ter sido encaixada  ali como uma espécie de gaveta. Ironicamente ela estava inserida bem na parte em que retratava as três feras de Johto caídas.
  Embora  pudesse usar uma espátula ou faca para alargar as fissuras a fim de retirar o que estivesse ali, Lugia optou por testar algo que havia praticado recentemente em segredo.
  Fechou os olhos, procurando relaxar a mente. No silêncio, lembrou-se de Alma. Eram como um só, ainda mais agora. Ao abrir os olhos, concentrou-se naquele corte retangular sobre a parede.
  E como se algo tivesse batido, o pedaço retangular da parede saiu, puxado por uma força invisível, jogando-se nas mãos de Lugia.

  Ele suspirou, sentindo a cabeça latejar e esperou alguns segundos para que a dor e tontura abrandassem.Olhou então para o bloco de pedra que tinha em mãos onde, dentro dele, reluzindo em meio a um tecido apodrecido, estavam três cristais de tamanho médio: um amarelo, um vermelho e um azul, que reluziam conforme a luz incidia sobre eles. A sombra de um sorriso passou em seus lábios.
   Muito em breve os três lordes de Johto retornariam e iriam novamente estar ao seu lado.
   E aquela certeza o fez lembrar-se do passado.

~*~

 
   O jovem Lugia olhou para a grande porta fechada com certa apreensão.Já estava esperando há mais de duas horas e esperar não era algo que gostava.

“Já tive de esperar por muito tempo para certas coisas e sei que terei que continuar esperando por tantas outras enquanto busca alcança-las.”


   Mas sabia que essa espera era algo proposital. Uma mistura de teste e descaso imposto por aqueles que ele havia solicitado uma audiência. Faziam isso porque não o viam como alguém relevante ou capaz, alguém com uma reivindicação legítima e que poderia realmente fazer a diferença como aliado naquela guerra. Eles o viam, como pudera perceber pelos burburinhos das pessoas em Kanjoh, como um rapaz forasteiro com prepotência de grandeza.
   Provaria a eles que estavam errados. Não era prepotente ou disposto a lutar em uma guerra só por ideias de grandeza. Mas porque era isso que deveria e precisava fazer.

   Olhou novamente para a grande porta de concreto. As imagens esculpidas nela eram semelhantes as da porta da entrada,vários andares abaixo: quadrados onde dentro de cada um, havia sido esculpido um pokémon nativo da região.
   Mas, enquanto a porta da entrada da torre, lá embaixo, os pokémon esculpidos eram pokémon comuns, o da porta a sua frente retratavam as três feras lendárias.
   Raikou, Entei e Suicune.
   E eram aqueles três homens, que carregavam com eles o nome daqueles pokémon, que o jovem Lugia teria de convencer, não apenas aceitá-lo como aliado, mas principalmente a apoiá-lo em sua reivindicação legítima.

“Não será fácil. Pode ser que o ignorem e o tratem com descaso e suspeita. Eles são lordes orgulhosos, que estão sendo subjugados em uma guerra invasiva imposta pelo imperador de Sinnoh. Já sofreram grandes baixas em suas terras e exércitos. A vinda de alguém que ofereça ajuda a eles através de uma aliança forte é bem vinda.Porém, é preciso que o senhor prove que sua ajuda não apenas é útil, mas benéfica a longo prazo. E deve mostrar que, mais do que você apoiá-los, é imprescindível convencê-los da importância e relevância que é eles o apoiarem. Afinal, você é o governante legítimo de Kanjoh.”


   As palavras de seu sábio conselheiro eram, como sempre, verdadeiras. Queria que estivesse ali ao seu lado agora, para enfrentar a audiência com os lordes, mas não era possível. Precisou que seu conselheiro ficasse junto de suas irmãs, na base em que haviam estabelecido próximo as ruínas da antiga cidade abandonada em Kanto, com seu exército, frota, pokémon e demais aliados.
   Afinal, ainda que aqueles apoiadores tivessem se juntado em sua causa, eram dotados de posicionamentos e tradições distintas fazendo com que conflitos e desentendimentos entre si fossem constantes. E por mais que Articuno e Zapdos fossem ótimas na diplomacia e comando, tinham suas autoridades confrontadas pelos comandantes aliados mais radicais. Desse modo, cabia a seu conselheiro, como homem sábio, conhecido e bom orador, conseguir manter tudo nos conformes até que Lugia retornasse.
   Estava então sozinho para conseguir aquela tripla aliança tão importante. Durante o tempo que ficou á espera, repassou mentalmente não um discurso propriamente dito, mas como poderia expor seus motivos, propostas e argumentos. Mostrar e provar que não era apenas certo, mas vantajoso apoiá-lo para que retomassem toda Kanjoh.

“Você carrega o nome de um poderoso pokémon lendário. Seja como um.”

   A porta foi finalmente aberta e Lugia se desencostou da parede. O guarda de armadura e espada na cintura, que o havia escoltado até ali, se aproximou, indicando a porta.
— Os lordes de Johto irão recebê-lo agora, senhor. Me acompanhe.
  Assim que atravessou aporta, Lugia sentiu a penumbra do corredor ser substituída por uma claridade ofuscante.
  Demorou alguns segundos para que seus olhos se acostumassem a claridade do sol e então contemplou á frente, o céu azul claro de poucas nuvens e o oceano azul profundo que se estendia além do horizonte. Sentiu novamente a brisa e o cheiro do mar e quase podia sentir a presença de Alma ali, no fundo do mar, o aguardando.

   Aquela era uma das muitas torres erguidas nas regiões costeiras de Kanjoh e que serviam como faróis para navegantes e pontos de vigia. Com a guerra, muitas dessas torres estavam sendo destruídas ou tomadas pelos invasores sinnohenses.De modo que aquela era uma das poucas que ainda estava intacta.
   O alto da torre era mais como uma espécie de grande terraço mas, no lugar em que outrora ficava o farol, agora possuía uma espécie de palanque coberto por uma tenda na qual, quem ficasse em seu interior, tinha uma vista privilegiada do mar. Lugia contornou a lateral da tenda, seguindo o guarda até se postar á frente dela, olhando em seu interior.
   Ali estavam os três Lordes de Johto. Sentados em tronos esculpidos em madeira maciça com acentos e encostos acolchoados, estavam lado a lado, separados por pequenas mesas circulares que continham uma taça e um prato para cada. Mais ao fundo, Lugia viu uma mesa com um mapa usado para se analisar táticas militares.

   Observou rapidamente aqueles três homens que o fizeram esperar por horas e dos quais precisava obter uma aliança. Eram três homens mais velhos do que ele e vestiam-se de forma elegante, cujos trajes, em tons escuros, carregavam as cores e características do povo a que pertenciam.
  Raikou parecia ser o mais velho. Um homem negro e forte, de corpo largo, cabelos e barba fartos, mas bem aparados. Vestia-se nas cores amarelo e preto, cores que eram não apenas do pokémon de quem tinha o nome, mas que eram as cores usadas pelo povo caçador da vasta savana em Olivine. As pedras preciosas que ornavam os anéis em seus dedos eram de ametista.
   No centro, estava Entei. Um homem branco e alto, de corpo grande, com cabelos cacheados médios em tom castanho escuro, como sua barba. Vestia-se com roupas de pêlo e couro, nas cores marrom e preto, características não apenas do pokémon de quem tinha o nome, mas do povo guerreiro que vivia nas montanhas de Mahogany. As pedras que ornavam a corrente que usava no pescoço e o cabo do machado encostado ao seu lado eram de rubi.
   E por fim, havia Suicune. Era um pouco mais jovem que os demais, com traços indígenas e olhar taciturno. Tinha o corpo magro e atlético, o rosto sem qualquer resquício de barba e os cabelos pretos longos e muito lisos. Suas roupas eram de tecido leve em tons de azul e púrpura com símbolos pintados no estilo característico do povo furtivo das florestas de Ecruteak. A única joia que usava era uma fina tirada com uma pedra lapidada de jade.

   Enquanto o guarda apresentava os títulos de cada lorde, Lugia percebeu que os três o avaliavam. A longa e solitária viagem voando em Alma não permitiu-lhe usar trajes luxuosos, mas ali fizera questão de usar a roupa e casacos confeccionados por suas irmãs. Os tecidos obtidos por Zapdos, a costura feita por Moltres e o bordado confeccionado por Articuno, com base em um desenho que ele mesmo havia feito. As cores eram branco e azul marinho e não carregava qualquer joia, apenas a espada presa em sua cintura.

— Meus lordes... – o guarda continuava a falar. – Eis aqui Lugia de Além-Mar...
— Então é você o forasteiro que se entitula o rei legítimo de Kanjoh?
   O guarda calou-se de imediato diante da interrupção de Entei, que encarava Lugia com certa provocação.
— Eu não me entitulo, lorde Entei. – Lugia falou. – Eu sou o legítimo rei de Kanjoh.
  Sua voz saiu calma e firme e, enquanto Entei sustentou o olhar com certo deboche, Raikou fez um gesto sutil para que o guarda se retirasse, o que ele fez. Suicune continuou quieto.
— Legítimo rei... – Entei continuou, medindo Lugia de cima a baixo. – Afirmar isso por aqui é algo ousado a se fazer nos tempos atuais. Principalmente se dizer rei legítimo vindo de uma região distante do outro lado do oceano. E perigoso em afrontar o novo governo que está vigorando por aqui.
— Me declarar assim é tão ousado e perigoso quanto os senhores unirem-se por ideais que vão contra o reinado invasor ao mesmo tempo em que reúnem exércitos e orientam o povo  para lutar pelo que é certo.
— Vejo que sua língua é tão afiada quanto a sua ousadia.– Raikou tomou a vez. – Isso é algo muito típico de jovens ambiciosos e sonhadores, que muitas vezes deixam que sua audácia não lhes dê a percepção real do que estão querendo se meter.
— Mas é justamente por ter a real ideia de onde estou “me metendo”, que decidi ser audacioso. Pois de nada adianta sonhar se não agir para que aquilo que acreditamos e que sabemos ser o certo, se realize. Não seria por isso que os senhores tenham se unido? Assim como eu, concordam em combater essa invasão do usurpador sinnohense em nossa terra?
   Silêncio.

— Boatos são sussurrados em várias partes de Kanjoh acerca de sua chegada e objetivo.– Suicune manifestou-se pela primeira vez.– Vindo de uma terra distante,chegando com uma modesta frota, pokémon treinados, pequenos exércitos, com um discurso forte e tentador, que conquista e dá esperanças a um povo já tão fustigado com os abusos do invasor. Mas, sabemos que muito do que você diz não condiz com o que traz aqui.
— ...como sabe? – Entei perguntou, curioso.
— Pedi que alguns informantes a meu serviço investigassem o acampamento assim que recebemos a carta do nobre á nossa frente propondo uma audiência conosco.
  Diante da resposta de Suicune, Entei assentiu com certa surpresa.
— Não leve nossa dúvida como depreciativa, meu rapaz. - Raikou retomou.- Porém, não nos parece que você dispõe de um poderio realmente forte para nos assegurar que é válido aceitarmos como alguém que iremos apoiar em declarar abertamente uma guerra ao invasor sinnohense.
— Preferem então continuar escondidos e temerosos, fazendo pequenos ataques isolados enquanto o usurpador sinnohense pilha e destrói nossa terra e nosso povo? – Lugia rebateu. - Conversei com muitas pessoas, caminhei por muitas partes de nossa região e o que vi foi tristeza, revolta e muito medo. As pessoas não merecem viver assim.
— Nós sabemos muito bem o que todos em Kanjoh estão passando! Estamos aqui desde que esse invasor chegou. Lutamos, sangramos, mas continuamos resistindo! – Entei falou, os olhos em fúria. –Talvez o forasteiro saiba apenas o que ouviu, mas garanto, viver isso por anos é muito diferente!
— Eu sei sobre isso. Sei também que vocês tiveram grandes perdas, Eu também perdi pessoas que amava, perdi tudo o que eu tinha!Fugi com minhas irmãs para além do oceano,sem praticamente nada! Passei por inúmeras provações e perseguições. Aprendi a sobreviver, a lutar. Porque eu sabia que precisava retornar a esta terra.
— ...agora começa a história...

   Embora Entei houvesse sussurrado aquilo como se fosse apenas para Raikou e Suicune, ele falou em um tom o suficiente para Lugia ouvir.Mas este não se deixou levar pela provocação.
— Eu não venho até aqui como um conquistador estrangeiro. Esse papel é do usurpador sinnohense. Eu venho aqui como o rei legítimo de Kanjoh.- Lugia continuou. - Eu...nasci com meu destino já traçado. Foi educado e treinado para cumprir com o meu dever pelo reino o qual aprendi a amar verdadeiramente. Mas os invasores destruíram o reino, tomaram o poder e eu era só uma criança que precisou fugir para sobreviver. Mas não desisti, nem por um dia sequer, ao longo de todos esses anos, de retornar e lutar por Kanjoh.
— Você diz ser o rei legítimo de Kanjoh, que tem direitos, que isso e aquilo..mas..são palavras.– Entei falou, sincero. - Como podemos ter a certeza de que você é realmente quem diz ser?

  Lugia sabia que os lordes seriam relutantes e desconfiados. Fechou os olhos e fez seu pedido silencioso. Se eles desejavam uma prova de seu poder e legitimidade de reivindicação, era isso que lhes mostraria.
  O que se seguiu, então, foi um impacto e um estrondo simultâneos que fez a torre tremer, como se algo muito grande tivesse se chocado contra ela. Tal impacto e tremor fez a área coberta pela tenda oscilar: parte das coisas sobre a mesa foi ao chão e a mesa menor, que continha o mapa de Kanjoh, tombou. Á frente, os três lordes se sobressaltaram. O tremor do impacto fez com que Raikou por pouco não tombasse junto com o trono em que estava sentado, enquanto Entei se levantou de supetão, conseguindo manter o equilíbrio e agarrando o cabo do machado. Já Suicune permaneceu sentado, segurando-se fortemente nos braços do trono em que estava.

   Lugia notou a surpresa e preocupação nas feições dos três homens. Estariam eles pensando na possibilidade de um ataque sorrateiro do inimigo? Sem dúvidas. Bem, estavam apenas parcialmente certos quanto a ser um ataque de intimidação. Porém, errados quanto a intimidação vir de um inimigo. Ela vinha do aliado á frente.
   Contendo um discreto sorriso e mantendo um semblante tranquilo e decidido,Lugia caminhou até próximo a mureta que circundava o topo da torre. O sol refulgia em seu corpo e, após olhar para o mar, percebendo o que havia pousado na torre e subia vagarosamente por ela, tornou a encarar os três lordes.

— Eu sou o único filho do grande rei-guerreiro Luarne e gerado no sagrado ventre da suprema sacerdotisa do Templo Primordial de Além-Mar. Pela lei dos deuses ancestrais e dos humanos e além dela, tenho o dever de  governar e trazer igualdade, prosperidade e justiça para todas as criaturas vivas de Kanjoh. – Lugia desviou sutilmente os olhos para o lado, sentindo a presença e então tornou a encarar os lordes.– Carrego comigo o nome do lendário pokémon e é com ele que divido meu destino e minha alma.
   Lugia parou seu discurso ao  ver a estupefação e o assombro que surgia no olhar dos três lordes.
  Manteve-se imóvel, ciente do pokémon que surgia atrás de si. Tendo seguido sua ordem,o pokémon saíra do mar e escalara a torre até o topo, resplandecendo na luz do sol.

  Os três lordes observavam, mudos, a comprovação dos boatos que haviam ouvido acerca do pokémon pertencente ao forasteiro. Diante deles estava um imenso Lugia, muito maior do que boatos e lendas especulavam.O pokémon tinha um imenso corpanzil, com grandes asas que pareciam braços agarradas ao redor da torre. O longo e esguio pescoço movia-se com graciosidade, a enorme cabeça de feição ameaçadora encarando-os um pouco acima do humano a quem servia.
   Os três lordes nada conseguiam dizer. Sabiam que o elo mítico que unia o humano ao pokémon que ele mais estimava é o que formava a força de ambos. E o jovem Lugia de além-mar tinha como pokémon parceiro não apenas um notável pokémon: mas sim um pokémon lendário e sagrado, o maior de sua quase extinta espécie.Um pokémon dotado de um poder de destruição imensurável, equivalente a uma força devastadora da natureza.
   Com Alma ao seu lado, Lugia sentiu-se calmo, o receio dissipando conforme via a forma como os lordes olhavam dele para seu pokémon. Havia consternação e confiança no olhar de Raikou, surpresa e empolgação no olhar de Entei, receio e certeza no olhar de Suicune. E Lugia soube que, naquele momento, conseguira aliados.

— Eu retorno a Kanjoh para lutar, para recuperar o que me foi tirado. Prometo aos senhores que, se juntarem suas forças á minha, iremos extirpar os invasores, reerguer nossa região e proteger nossa história. Libertarei nosso povo e nossos pokémon, recuperarei nossas riquezas, protegerei nossa terra e tomarei de volta tudo o que me foi tirado. Eu juro que vou, pois eu sou o legítimo e destinado rei Lugia de além-mar!

  Lugia elevara a voz ao dizer as últimas palavras e seu imenso Alma silvou em apoio.

~*~

 


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...

Este capítulo foi parado e com muita conversa, eu sei. Mas acredito que o próximo terá mais movimento.
A ideai era que houvesse trêscenas distintas, mas acabou sendo dias por conta do flash-back de Lugia. Aliás, é justamente essa cena que tenho a comentar.
Ela é uma cena importante para vermos um pouco de como Lugia era no passado. E foi o momento de também apresentar as três feras em suas formas humanas, como os Lordes de Kanjoh/Johto.
Alguns leitores me perguntavam quando eles apareceriam e bom, eis aqui. Ainda que seja uma cena do passado, pude mostrá-los de uma forma a dar noção de como cada um é.
O momento de Lugia com o seu lugia (haha) chamado Alm,a foi uma ideia que surgiu antes de eu começar a escrever o capítulo e foi o que me empolgou para escrever. Mas no processo, conseguir fazer um bom diálogo e monólogo foi trabalhoso e extenuante dado a minha dificuldade de conseguir me focar mediante a uns problemas aquém que acabei tendo. Mas procurei fazer o meu melhor e espero ter conseguido deixar acena minimamente decente. E sim, essa cena foi inspirada em certo personagem de Game of Thrones, acho que dá pra saber qual.

— A porta com os pokémon talhados dentro de quadrados foram baseadas na porta que aparece no farol do Bill, ainda nos primeiros capítulos da primeira temporada de pokémon. Como esse capítulo tem um viés histórico-mítico, achei a ideia da porta interessante de se colocar e mostrar, aqui na história, que os antigos faróis em Kanto/Johto seguiam o mesmo padrão arquitetônico e estético.

nota: o termo KANJOH foi algo criado por mim nessa história, para mostrar que, nmo passado, Kanto e Johto era uma única região/país.

Nos vemos no próximo capítulo.



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