A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 38
Capítulo 37


Notas iniciais do capítulo

Olá, caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Infelizmente eu acabei não conseguindo cumprir meu planejamento e atrasei em demasia a atualização da história. Peço desculpas por isso. Mas nos últimos dois meses a correria se intensificou aqui e com ela veio um aumento e um acúmulo de coisas para se fazer. Não estou dando conta XD.
Quero agradecer a dois novos leitores que estão acompanhando a história e gostando dela. Agradeço ao Silva pelas trocas de ideias e compartilhamento de leitura e também a querida Cássia Freitas, que pediu para ler a história e literalmente a devorou em tempo recorde. Fiquei muito feliz com cada comentário seu (e surpresa por ser a primeira pessoa a não gostar da Alice haha) XD
Fico imensamente feliz e com o coração quentinho por saber que estejam gostando tanto não apenas da história mas também dos personagens!

Talvez por eu estar tendo que me focar em escrever outras coisas que não essa história, tive um pouco de dificuldade para desenvolver as cenas. Diálogos podem não parecer mas são uma das coisas mais difíceis para se desenvolver em uma história, ainda mais quando tais diálogos precisam falar mas não muito e são realizados por personagens inteligentes em um conflito de interesses e intenções. Já sentimentos e pensamentos narrados de forma onisciente é algo que gosto de fazer mas que também exige muito cuidado para não ser cansativo ou revelar coisas demais no momento.

Chega de papo e boa leitura.



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~*~

O caminho até os limites da cidade de Ecruteak que levava as Rotas de Treinadores foi feita em relativo silêncio, o que era incomum para as duas.
    Mas, ainda que soubesse que deveria tentar engatar uma conversa sobre qualquer assunto com Crystal até que chegassem ao local combinado, Alice simplesmente não conseguia. Pois seus pensamentos acerca do que havia (quase) acontecido na Burned Tower se tornavam seu único foco desde que a conversa anterior dera uma pausa.

   Sentia a necessidade de conversar com Crystal, talvez pedir mais informações sobre a batalha, ou dar continuidade no assunto da briga entre Morty e a avó, mas Alice não conseguia porque esses assuntos não eram tão interessantes e prenderiam sua atenção o suficiente para evitar pensar sobre seus sentimentos e reviver em sua cabeça o que tinha acontecido.
   Só de relembrar os beijos, os toques, as carícias e a quase consumação, seu corpo regia excitado e seu coração disparava acelerado.
   Alice umedeceu os lábios. Seu tutor, um dos homens mais poderosos do mundo e a pessoa mais centrada e racional que conhecia, estava louco por ela. Se Lawrence estava louco de paixão ou desejo, não sabia, mas esperava que fosse pelos dois.
  Afinal, se ele não quisesse e priorizasse a relação de amizade fraternal que tinham, teria a afastado no momento em que ela reuniu coragem e se ofereceu.

  “E foi ele que deu o primeiro beijo e me puxou para seus braços.”

Já havia trocado beijos com outras pessoas e até carícias mais ousadas com Gary, mas a forma como seu corpo reagia aos toques de Lawrence eram diferentes. Era algo intenso, forte, irresistível e que a fazia se sentir ao mesmo tempo uma sonhadora e uma devassa.
   Aquilo era tão estranho! Por que sentias isso? Era por Lawrence ser seu tutor, seu porto seguro? Por Lawrence ser um homem atraente, mais velho e experiente? Ou era por que os quase dez anos de covivência lhe fizeram conhecer e se encantar pela pessoa que ele era?

  Antes daquela vez, o que havia começado a sentir por Lawrence não passava de um crush adolescente platônico originado de fantasias juvenis. Mas, no último ano e, principalmente, nos últimos meses, o que sentia foi se solidificando e tornando-se algo realmente sério e verdadeiro. E isso se agravou diante da percepção que seus sentimentos e vontades estavam sendo retribuídos. E foi aí que logo seu relacionamento com Lawrence ficou de cabeça para baixo.
   E quando finalmente aconteceu, receios e dúvidas cederam aos sentimentos irrefreáveis que nutriam um pelo outro, entregando-se não uma, mas três vezes.
   Mas o que parecia ter sido perfeito logo se tornou confuso. Ambos perceberam que estavam agora em uma situação complicada e até perigosa. Porque se queriam, mas não podiam.

 “Vamos parar com isso. Não é ético, não é seguro, não é certo e não vai nos fazer bem.”

Quando Lawrence lhe dissera aquilo, foi como se o mundo que Alice concebera em sua mente se desfizesse em seu coração. Foi como se alegria e satisfação virassem tristeza e raiva para depois uma compreensão frustrada.
   Será que gostar verdadeiramente de alguém era assim tão complexo ou era justamente seu relacionamento com Lawrence que tornava tudo difícil?
   Não conseguia chegar a conclusões para essas dúvidas simplesmente porque não havia com quem conversar sobre seu relacionamento (se é que poderia chamar assim, na questão de não serem mais apenas tutor e tutelada que eram amigos e quase como parentes pela convivência ao longo dos anos) porque se descobrissem isso, ambos seriam duramente criticados, julgados e sabe-se lá mais o quê.

 “As pessoas, todas elas, não serão agradáveis se souberem. Porque sou eu, porque é você, porque é o que somos e nos tornamos.”

Por mais que as palavras de Lawrence ditas de forma sincera fizessem sentido e fossem até verdade, Alice não queria aceitar. Compreendia, sim, mas se recusava a crer que as coisas tivessem que ser assim por causa dos outros e de seus achismos e acusações egoístas sobre a vida alheia.

   “É melhor evitar isso. Para o seu próprio bem.”

Mas será mesmo que desistir e esquecer dos sentimentos e desejos que sentiam era o mais saudável e correto a ser feito? Depois daquela vez, era impossível esquecer ou fingir que nunca aconteceu. Até porque, mesmo Alice tendo saído de casa e ficado sem conversar com Lawrence durante quase três meses, bastou se reencontrarem algumas vezes e se tocarem que ela e Lawrence já se atracavam como uma fagulha em um palheiro.

“É...definitivamente, agora eu e ele não temos como achar que passou e que tá tudo bem voltarmos a conviver como antes. Não dá. Não dá para as coisas voltarem a ser como antes.”

E constatar, pensar sobre isso, a deixavam com mágoa e raiva. Seguia em frente, pois sabia que não podia estagnar sua vida por conta disso. Mas as dúvidas sobre o que deveria realmente fazer e como o relacionamento entre ambos ficaria, era algo que ficava remoendo e pairando em sua mente. Por isso tentava não pensar demais, porque sempre que isso acontecia, a sensação de angústia crescia, a irritando e desnorteando.
Precisava desabafar com alguém, de alguma forma. Para tirar um pouco desse peso em sua mente e coração antes que sufocasse.

   O caminho até a rota de treinadores, ponto de encontro combinado, estava sendo feito em relativo silêncio, mas não que Crystal se incomodasse com isso. Bom, não muito.
   A verdade é que, depois que havia buscado seus pokémon e Alice havia trocado alguns seus lá no Centro Pokémon, o que a enfermeira Joy havia lhe dito a tinham preocupado.

~~
— Aqui estão suas pokémon. - a enfermeira Joy estendeu no balcão, a bandeja contendo duas pokébolas.
— Elas estão bem, não estão?
— Claro. Fizemos o procedimento de cura padrão pós batalha, que é o procedimento gratuito. Para o tratamento mais completo, é preciso a realização de exames e a consulta com um veterinário especializado do Tipo do seu pokémon a fim de ter um diagnóstico mais preciso. Mas esses serviços são pagos.

   Crystal sabia disso. Os Centros Pokémon eram uma iniciativa do Comitê da Liga Pokémon em conjunto com o governo de cada região do mundo. Desde o seu surgimento, forneciam atendimento hospitalar emergencial para pokémon sem custos e por isso tornou-se uma das maiores referências para todos aqueles que tinham pokémon. Inclusive, com uma taxa de aprovação de 100% na opinião positiva de treinadores pokémon em jornada. Sem dúvidas, a maior conquista política do Comitê da Liga.
   Porém, nos últimos anos devido a novas políticas constantemente implantadas ou revisadas, mudanças passaram a ocorrer. E o Centro Pokémon, que antes era totalmente gratuito para todos os tipos de tratamento médico que o pokémon de alguém precisasse, passou a cobrar por determinados tratamentos, exames, cirurgias e internações. Atualmente, o Centro Pokémon só realizava gratuitamente o atendimento emergencial e o tratamento médico padrão, utilizado para pokémon que haviam se ferido em batalhas entre treinadores, ginásios e competições. Para tratamentos intensivos ou acompanhamento médico, o dono/treinador do pokémon, deve pagar para tal.
   Claro que isso foi (e ainda é) motivo de muitos protestos entre aqueles que utilizam e dependem dos Centros Pokémon, mas a situação ainda estava muito longe de ser resolvida.
— Olha, se precisar, o Centro Pokémon fornece planos de saúde pokémon com exames, consultas e tratamentos especializados a preços acessíveis, além de descontos para aqueles cadastrados no Bolsa-Treinador.
   Crystal aceitou o folheto que a enfermeira lhe estendia. Um pouco constrangida, agradeceu, pegou suas pokébolas e saiu.

~~

Embora tivesse pego o folheto por educação, Crystal já conhecia esse Sistema de Saúde Pokémon, mas nunca havia feito convênios para seus pokémon. Não porque não quisesse, mas porque não tinha condições de ficar pagando vários convênios, pois cada convênio permitia no máximo três pokémon por plano e ela tinha muito mais pokémon do que isso. Era inviável pagar planos de saúde sendo que tinha várias outras despesas devido a sua jornada de treinadora.

   Por isso, procurava cuidar de seus pokémon como podia, exercitando-os  e alimentando-os de forma saudável, os levando para check-ups e cuidados-padrão nos Centros Pokémon e não os submetendo a treinamentos rigorosos ou batalhas pokémon contra oponentes muito mais excessivos.
  Claro, já acontecera de seus pokémon entrarem em batalhas mais perigosas na Liga Pokémon de Hoenn, mas lá eram exceções inevitáveis e, por ser na Liga, todo o tratamento que um pokémon precisasse pós-batalha, era tratado ali sem custos.
   Crystal tentava cuidar de seus pokémon da melhor forma que podia e se considerava uma boa cuidadora para eles afinal, eles mostravam que gostavam dela (com exceção de um, infelizmente).

   Mas pela forma como a enfermeira Joy dissera, pareceu a Crystal que o tratamento-padrão para suas duas pokémon não havia recuperado totalmente os danos causados pela batalha recente. De Misdreavus sabia que estava tudo bem pois, além dela ser tipo Fantasma/Venenoso lutando contra um oponente dos mesmos Tipos e já tendo um bom nível de batalha, ainda que o oponente fosse mais elevado. Sua preocupação era com Beautifly, que era mais frágil e fora atacada de forma impiedosa pelo Haunter de Ágatha. Talvez precisasse mesmo desembolsar um dinheiro para levar Beautifly para fazer exames.

— Você já se apaixonou por alguém?
— Hãn...?
   Crystal estava tão absorta em seus pensamentos que demorou alguns segundos para entender a pergunta que Alice acabava de fazer para ela.
— Que...que pergunta é essa...assim, de repente?
— Hãn...bem... – Alice deu um sorriso fraco, mexendo distraidamente numa mecha de cabelo. – É só pra...termos assunto pra papear.

   Crystal percebeu que o rosto da amiga estava um pouco rosado e ela mesma se sentiu corar com a pergunta. Ambas voltaram a caminhar e então a treinadora falou.
— Eu acho que...bom, eu já gostei de dois garotos na época da escola e, confesso, tenho um crush enorme no mestre Lance. Mas me apaixonar mesmo...acho que não.  A verdade é que eu nunca fiquei com alguém, nunca fui beijada.
— Sério?! – Alice parou de andar e encarou a amiga, parecendo abismada. – Nunca mesmo?
— É...dezesseis anos nas costas e ninguém quis.  – Crystal confessou, quase em um sussurro.  - Isso é meio frustrante e esquisito, eu sei. Talvez seja por eu não ser interessante, atraente ou ambas as coisas.

  Alice colocou uma das mãos sobre o ombro de Crystal para que ela não continuasse a andar.
—  Opa, peraí! Nem vem com esse papo, não! Você é bonita, legal e inteligente. Tô falando sério! Se nunca alguém quis ficar com você das duas uma: ou você não prestou atenção nos indícios de alguém que mostrou interesse ou porque esses treinadores que você conheceu por aí eram tudo um bando de moleque sem noção!
— É, pode ser... – Crystal deu um sorriso fraco. – Eu nunca fiquei pensando sobre ficar ou namorar com alguém, meu foco sempre foi minha jornada pokémon. Mesmo que eu tenha conhecido muita gente, acabei não fazendo amizades.
— Hum...você só ficaria com alguém se tiver antes uma conexão e real interesse na pessoa?
  Crystal demorou um pouco para responder.
— Não sei...mas eu acho que a gente tem que ter uma conexão para querer se envolver com alguém. Sentir algo real.
— É...tem razão.
   As duas voltaram a caminhar.
— Você eu nem preciso perguntar se já ficou com alguém. – Crystal riu, corando um pouco. – Eu vi você e o Gary.
— Ah, é...foi Gary quem deu meu primeiro beijo. Não que eu seja super experiente, mas já fiquei com algumas pessoas, mas nada sério. Eu e o Gary ficamos algumas vezes. “E claro, já fiz certas coisas com uma certa pessoa...”

   Crystal assentiu com a cabeça e as duas continuaram a andar, sem perceberem que haviam diminuído a velocidade dos passos. Crystal pensou sobre a pergunta de Alice e decidiu revidá-la.
— E você, já se apaixonou por alguém com quem ficou?
— E-eu?! – Alice gaguejou. -  Bem...já, sim.  “Na real, eu estou.”
  Dizer que Crystal não estava curiosa, seria mentira. Não queria parecer interesseira demais, mas de repente sentiu vontade de perguntar porque, estranhamente, uma possibilidade começou a parecer tomar sentido em sua mente conforme se lembrava de quando chegou na frente do hotel ontem á noite.
— Por acaso...- começou. – A pessoa por quem você se apaixonou seria o...
— HEEEY, DUAS! Estamos aqui!

  Ambas viraram para trás, avistando Gary e Morty, que acenavam há alguns metros de distância.
— Tão passando do ponto! – Gary avisou. – A entrada para a rota dos treinadores é aqui.
— A gente se distraiu! – Alice acenou de volta e olhou para Crystal. - Bom, depois a gente continua esse papo.
  Crystal não soube precisar se foi uma afirmação ou uma pergunta e apenas assentiu, seguindo a amiga em direção a rota.

~*~

Pelas ruas vazias pela noite que seguia cada vez mais fria, iluminada pelos postes de luz e lâmpadas dos estabelecimentos que ainda funcionavam áquela hora, Cynthia Shirona caminhava sozinha.
   Por mais que estivesse bem agasalhada, ela sentia suas cicatrizes doerem. Mas será que as cicatrizes doíam por causa do frio na noite ou doíam pelas lembranças que lhe remoíam enquanto andava?

   Bom, as cicatrizes que tinha em sua pele devido as inúmeras batalhas e acidentes, sem dúvidas doíam pelo frio. Mas aquelas cicatrizes que não eram visíveis por estarem cravadas em sua mente e em seu coração eram, sem dúvida alguma, pelas lembranças reacendidas. E por elas doerem e a desnortearem, sentia raiva. Uma raiva cortante, dolorida, tão enraizada em seu ser que ela precisou usar de muito autocontrole para não demonstrar o mínimo de ira e principalmente fraqueza na frente de Lance.
   Mas ver uma autoridade como ele e autoridades das pessoas que compunham a Ordem aceitando ajuda de um Rocket e ainda acreditando nas informações que ele lhes fornecia (ainda que, até o momento parecessem certas, continuavam a serem informações vagas e sempre era possível que tais provas que o Rocket obtinha serem na verdade adulteradas ou até mesmo falsas a fim de fazer a Ordem acreditar em mentiras que a própria organização incubira o Rocket a fornecer) era algo absurdo.

   A Ordem tinha como objetivo combater a Equipe Rocket. De modo que nunca deveria aceitar qualquer ajuda de ninguém que fizesse parte daquela organização. Nenhum Rocket era confiável, todos sempre jogarão somente pela Organização e seus próprios interesses. Eles não prestavam. Nenhum deles.
  E a Ordem, composta por gente com tanta formação e influência, que se diziam tão estudados e experientes com seus muitos diplomas e títulos, se permitiam confiar em um membro da  elite Rocket que sequer tinham visto o rosto. E o único membro da Ordem que tinha essa informação era o mais egoísta e que os demais toleravam apenas porque precisavam dele devido a seu poder de influência e seu dinheiro.
   Bando de covardes vendidos é o que os membros da Ordem eram. Por isso Cynthia recusara de imediato quando Samuel Carvalho a havia contatado pessoalmente, á um ano atrás, com um convite (e um pedido) para que ela fizesse parte da Ordem.

 “Eu jamais faria parte de um grupo, qualquer que fosse. Posso trocar informações, como já faço. Pois sei que sou uma pessoa valiosa para qualquer tipo de grupo. Afinal, quem não queria se gabar de poder ter o apoio da toda poderosa Cynthia Shirona?“

A Elite4 de Sinnoh que o diga. Tudo que era marketing, fosse para o Comitê da Liga ou campanha em Sinnoh, Cynthia era sempre a opção principal e mais almejada que autoridades responsáveis pensavam em chamar primeiramente. Os outros membros da Elite4 sinnohense eram apenas estepes.
  No fim, todos eram interesseiros e passíveis de cometer erros, por isso Cynthia fazia tudo sozinha.
   Havia se disposto a formalizar uma aliança meio que indireta com a Ordem para que lhe fornecessem informações enquanto se dispunha a agir em Sinnoh ou em alguma situação realmente necessária.

   Sim. Somente por Sinnoh. Sua região, sua pátria. Johto e Kanto poderiam mergulhar na crise e no caos, poderia até queimar que realmente não se importava, até acharia justo em vista do que fizeram Sinnoh sofrer no passado. Mas se algo em Kanto e Johto pudesse vir a prejudicar Sinnoh, ela iria agir para evitar. E por isso estava ali agora.
   O que mais a irritava era ter que depender, de certa forma, da Ordem para obter informações sobre o que a Equipe Rocket estava tramando, Não precisaria depender deles se ainda tivesse um espião a seu serviço infiltrado na organização.
   Pouco mais de um ano atrás, conseguia obter informações esporádicas do professor Namba, um dos cientistas Rockets que fazia parte do Alto Conselho. O seu acordo feito com ele,  embora custasse mensalmente uma alta quantia de dinheiro, lhe permitia conseguir informações privilegiadas  da alta cúpula que se envolvia com a organização e assim ela se precavia e alertava certos políticos e empresários sinnohenses que confiava a não se envolverem com políticos e empresários de Kanto e Johto que estivessem na “folha de pagamento” da Equipe Rocket.

   Foi assim que Cynthia descobriu o quanto de kantoneses e johtonianos influentes e poderosos que haviam se vendido e se corrompido aos Rockets. Eles não se importavam com o próprio povo e nem com o próprio país. Por isso Kanto e Johto eram podres, com pessoas podres. Exatamente igual a séculos atrás, quando ambas regiões eram uma só: a execrável Kanjoh.
   Mas o professor Namba havia cometido erros. Ele era um traidor da Equipe Rocket e isso foi descoberto, sendo punido com a morte. Talvez punir traidores dos ideais que juravam seguir era a única coisa “certa” que a Equipe Rocket fazia.
  A morte de Namba fez com que Cynthia perdesse seu único informante. E ela ficou sem ter como obter informações e sem conseguir um informante tão eficaz e bem posicionado como ele dentro da Organização. E, naquela situação, não tinha mais como contratar alguém “de fora”, pois isso só aumentaria as suspeitas do novo líder Rocket em cima de si.

 Cynthia percebeu que havia sido descoberta quando, uma semana depois que soubera da morte de Namba, recebeu pelos correios uma pequena caixa de metal que, em seu interior continha um pedaço da língua do cientista e um bilhete falsamente simpático.
   Aquilo havia sido um aviso.Um aviso e uma ameaça.
   Aviso de que havia sido descoberta e ameaça de que algo poderia lhe acontecer se tentasse agir. No primeiro momento, Cynthia acreditou que não tardaria para que a Equipe Rocket planejasse atacá-la e feri-la de alguma forma, talvez até mesmo planejando um atentado. E essas possibilidades a fizeram perder o sono por várias noites, a feito desconfiar de tudo e todos ao ponto de começar a ficar paranoica.
  E então o encontrou naquela noite, naquela festa.

~~

 Cynthia Shirona não gostava de sociabilidades. Ainda que houvesse aprendido a gostar da fama e reconhecimento, ter que interagir e se portar o tempo todo de forma agradavelmente ensaiada era maçante.
   Ao longo de sua vasta carreira como treinadora pokémon e a medida em que se tornava mais importante no nicho que escolheu seguir até chegar ao topo e ali permanecer sempre, havia aprendido a importância que uma boa e eficaz imagem social era capaz de causar e influenciar para que conseguisse tudo o que pretendia.

   Não negava para si mesma que gostava de ser ovacionada por multidões, elogiada e reconhecida no campo de batalha pokémon onde podia permitir ser um pouco a si mesma enquanto enfrentava e derrotava oponentes. Ou dava palestras e entrevistas sobre como agia nas batalhas e no treinamento de seus pokémon (claro, sem nunca revelar suas verdadeiras estratégias e métodos). Aprendera a gostar até mesmo de estar presente nas reuniões e convocações políticas sinnohenses e mundiais onde sua opinião como alto membro do Comitê da Liga Pokémon se faziam necessários.Tinha voz ali e a usava para debater, afrontar, impor e apontar diretrizes em prol de decisões e ideais que defendia.
   Mas não gostava de, por causa de ser quem era, ter que frequentar de forma simpática em confraternizações como aquela, onde era preciso ter cuidado com cada palavra e ideias ditas.

   Ao longo de sua carreira, Cynthia aprendera a criar uma persona para cada ambiente público em que fazia necessário estar presente. Uma persona era a treinadora e mestra pokémon implacável porém compreensiva; a outra persona era a política idealista e sábia. E havia ainda a persona famosa e simpática. E dentro de cada uma dessas personas, havia máscaras que ela colocava e trocava conforme a situação necessitasse. Tudo para se manter em alta e conseguindo conquistar e manter seus objetivos.
   Por isso estava naquela confraternização de indivíduos tão importantes que, o que tinha de tediosa tinha de arriscada.

   Cynthia preferia cem vezes enfrentar aquelas pessoas em batalha pokémon do que enfrentá-los com palavras falsamente amigáveis e regras de etiqueta. Interagir naquele covil de Arboks era mais complicado do que batalhar em arenas. Em uma batalha pokémon , tudo o que fosse feito e falado se resolvia e ficava ali. Mas nessas confraternizações, tudo o que fosse feito ou dito poderia (e seria) usado contra você se achassem necessário.
  Ela se sentia observada desde que havia chegado. Claro, estava elegantemente trajada com um longo vestido preto, sandálias de salto e os longos cabelos ornados com finíssimos cordões prateados entre as mechas para cintilarem discretamente em conjunto com as joias delicadas que usava. Sabia que era uma bela visão e que atraía o interesse da maioria dos presentes, mas evitava se aproximar de qualquer um ali. Quem quisesse que viesse até ela.
  Enquanto tomava discretamente a champanhe da taça que segurava em pequenos goles ocasionais, não conseguia evitar de pensar no conteúdo daquela maldita caixa de metal que havia recebido. E além do conteúdo, ainda tinha o bilhete que havia decorado após ler diversas vezes.

Olá, cara mestra.
Foi mesmo ousado seu plano para investigar a ER através de alguém importante de dentro dela. Porém devo mostrar que seu plano não foi tão bom quanto achou que seria. Mas, valeu a tentativa.
Até breve ; )

Aquilo era uma ameaça. Alguém do alto escalão Rocket tivera a coragem de ameaçar a grande e poderosa mestra Cynthia. Quem quer que fosse, tivera a ousadia de fazer uma ameaça imunda e sarcástica, matando seu informante e mandando-lhe um pedaço dele. Achavam que iriam intimidá-la? Não, aqueles desgraçados não fariam isso, ela não era uma treinadora e mestra qualquer!
  Não tinha medo de enfrentar a Equipe Rocket pois era a mestra Cynthia. Mas justamente por ser a mestra Cynthia, se preocupava com o que os Rockets poderiam tentar fazer. Mas o que eles fariam? E como?
  Era isso que incomodava sua mente, a deixava atenta as atitudes de qualquer pessoa ao seu redor, durante seu trabalho e que a fazia checar suas redes sociais e portais de notícias inúmeras vezes ao mesmo dia.

— Olá mestra Cynthia. Que deleite encontrá-la aqui!
  Ela conteve um pequeno sobressalto por ter sido interrompida de seus pensamentos e encarou os olhos bicolores da pessoa diante de si.
— Oh...devo dizer o mesmo para você, Igni.
— A entonação de suas palavras para gerar dúvida se foi afirmação ou ironia continuam boas como sempre.
— Só estou sendo sincera.
— Sincera é algo que a mestra Cynthia não é. – ele deu um sorriso de lábios, leve e dissimulado.– Mas ninguém precisa saber disso, é claro.

  Cynthia olhou discretamente para o rapaz loiro, que observava o salão repleto de pessoas poderosas, influentes, entojadas e interesseiras que estavam confraternizando entre si, cumprimentando-os com um discreto gesto da mão ou da cabeça quando se dirigiam á ele na forma de gestos igualmente discretos.
   Igni era muito requisitado por praticamente todas as pessoas ali, cultivando boas relações dos mais variados tipo, gozando de grande popularidade e prestígio que nem mesmo ela conseguira. Isso era uma das várias coisas nele que a irritavam.

— Estou interessante de se olhar, mestra Cynthia?
  Igni a encarou com seu sorrisinho dissimulado que ao mesmo tempo conseguia ser absurdamente sedutor. Sem disfarçar, Cynthia o mediu de cima á baixo, notando as roupas caras que ele usava. Elegante e excêntrico, como um modelo escolhido para desfilar na passarela exibindo parte da coleção de algum estilista.
  
Igni sabia conquistar e foder. E conquistava e fodia muito bem.
   Descobrira isso dois anos atrás quando decidiu aceitar o convite para o segundo andar. Para... experimentar.
— O que você tem de detestável, tem de atraente.
— Oh, sou como a mestra então.
— Vai mesmo me chamar de mestra o tempo todo?
— Vou. Porque sei que você ama e se excita com esse título conquistado e mantido. Seja ele usado na mídia, nas convenções, nos registros, em reuniões formais e...até na cama.

   Se não estivessem em público, Cynthia meteria um tapa naquela boca desaforada. Mas era verdade que ela gostava de todos a tratarem pela alcunha de “mestra”, a reverenciando e temendo. Exceto em tom de ironia.
— É assim que você ganha o apoio das pessoas importantes, Igni? Apelando para o ego delas?
   Ele sorveu um pequeno gole do copo de uísque que tinha em mãos, olhando para o salão repleto de pessoas de renome.
— A grande maioria dos presentes aqui me têm em alta relevância e apreço. Eu sou interessante  e requisitado porque entrego a essas pessoas o que elas realmente querem, Agora, que coisas são essas...bom, isso é muito amplo e varia com cada um ou interesse em comum entre alguns.
— E, em troca, você obtém dessas pessoas suas verdades e segredos para usá-las como moedas de troca, favores e ameaças. – Cynthia se aproximou mais, sussurrando no ouvido do rapaz. – Criaturinha sórdida e traiçoeira. Tinha que ser um Rocket de merda mesmo.
— Oh, falando assim tão perto de mim, irão especular que a mestra está aceitando o convite para uma das confraternizações particulares no andar de cima.

  Ela se afastou um pouco, bebendo um gole do champanhe de sua própria taça.Igni pareceu achar certa graça e ousou continuar.
— Acho interessante sua criação  da própria auto imagem, mestra Cynthia. Você permite que as pessoas a vejam como você deseja e precisa que a vejam. Conseguindo isso, as oportunidades surgem e mantendo esse controle, ninguém será capaz de ver a verdade.
— ...e que verdade seria essa...? – a loira comentou com um sutil deboche.
— A verdade que a grandiosa mestra Cynthia é uma pessoa egoísta, arrogante e preconceituosa.
  O olhar que Cynthia lhe dirigiu era o tipo de olhar que ela lançava quando se irritava com um oponente durante uma batalha pokémon. E diante de tal olhar, o oponente sempre fraqueja, pois sabia que ela estava pronta para atacar.
   E como ela queria atacá-lo! De forma física de preferência. Mas não poderia fazer isso, não naquele lugar, diante daquelas pessoas, naquela situação.

— Sua língua está bem ferina desta vez, Igni. Se acha o guardião dos podres de todos e brinca com isso. Uma hora sua língua será cortada.
— Por falar em línguas cortadas, gostou do presente? Procurei ser o mais agradável no bilhete.
  Cynthia sentiu seu peito gelar. Havia sido ele a enviar a língua de Namba, a lhe fazer aquela ameaça. E ele falava isso com naturalidade, olhando-a de um jeito tranquilo.
  Talvez fosse por Cynthia demorar para contra argumentar ou porque deixou transparecer um semblante de preocupação, mas Igni tratou de continur mais uma vez, mantendo o tom de voz tranquilo e o semblante falsamente simpático.
— Sei que é uma pessoa lúcida e inteligente então se me permite um conselho complementar ao bilhete que enviei...–ele umedeceu os lábios.– Mantenha seu patriotismo por Sinnoh e não se meta no que acontece na “detestável” Johto. Ou nunca vai saber o que realmente aconteceu sobre aquele assunto que esconde de todos, mas que você remoí toda noite.

   Cynthia Shirona não era uma pessoa que era atingida por ameaças e chantagens. Mas ouvir aquilo a deixou momentaneamente sem reação.
— Agora com licença porque preciso cumprimentar o Ministro da Justiça de Kanto/Johto e sua esposa. Foi bom revê-la, mestra Cynthia. Aproveite o restante da festa.
  Cynthia o viu ir até o casal que o cumprimentou  com intimidade e ela percebeu a forma como tanto o ministro quanto sua esposa rodearam a cintura de Igni ao cumprimentá-lo.
   Maldito Igni. Maldita Equipe Rocket. Maldita Johto.

~~
 
   As reminiscências cessaram quando Cynthia percebeu que sua caminhada silenciosa a haviam levado para fora do centro da cidade. Os sons e as luzes do centro de Snowpoint ficaram ao longe; o silêncio e o frio lhe abatiam por todos os lados. Mas era melhor assim. Havia muito o que lembrar e, principalmente pensar.
   Continuou a andar, remoendo em sua mente, o quão odiava a Equipe Rocket e detestava as malditas regiões de Kanto e Johto que sempre foram tolerantes e coniventes com a organização, permitindo que seus tentáculos se estendessem até o ponto que detê-la parecia impossível. Ambas regiões sempre foram execráveis desde séculos atrás, essa era a verdade.

  E agora Igni, armado com a Equipe Rocket e tendo apoiadores poderosos em diversas esferas atuantes queria causar conflitos. O momento era propício.
   E isso iria chegar até Sinnoh, como estava prestes a chegar. E ela não poderia, não iria permitir. A Equipe Rocket já havia levado o que tivera de mais importante, mas não prejudicaria a sua pátria Sinnoh. Não mesmo.
   Olhou para o caminho a sua frente, que levava a uma colina na qual podia ver as duas pilastras que indicavam a entrada do Templo de Snowpoint.
   Pelas informações que recebera, os Rockets tinham interesse em algo ali. Então, mesmo sendo tarde da noite, Cynthia decidiu encaminhar-se para lá enquanto os primeiros flocos de neve começavam a cair do céu.

~*~

 


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...

Esse capítulo me deu um certo cansaço mental para ser escrito, acredito que talvez pela mistura de prazos para concluir não apenas esse capítulo, mas também outros projetos...
Inicialmente eu havia pensado em mais uma cena, mas devido ao limite de caracteres que coloco, não rolou. Fica parao próximo cappie, rs.

A cena com foco nos sentimentos de Alice surgiu para mim como uma salvação da dificuldade que se escrever o capítulo se revelava por conta da cena de Cynthia. E escrever a cena de Alice, mostrando um pouco das dúvidas e receios dela em meio ao que sente é algo que algum momento ela precisará desabafar.
Mas, como acontece sempre que eu começo a escrever um capítulo da fic, a história foi tomando rumos de cenas diferentes do que tinha programado e inseri aqui mais um pouco sobre a situação social do Mundo Pokémon pelas reflexões de Crystal em relação a novas políticas dos Centros Pokémon, adaptando aqui coisas da nossa realidade. Sei que é algo que os leitores gostam e se interessam e eu acho legal e divertido trabalhar isso.

E tivemos aqui um pouco mais sobre os sentimentos e pensamentos da Cynthia. Ela é uma pessoa que claramente usa máscaras...mas diferente de Lance, ela usa máscaras não para esconder suas fraquezas mas para esconder suas condutas e opiniões. Todos os meus personagens são cinzas, mass alguns tendem mais para o branco e outros para o preto.
E no flash-back da conversa reveladora permeada por trocade farpas entre ela e Igni muita coisa ficou subtendida e óbvia...talvez? XD

Enfim, espero que tenham gostado capítulo, me digam o que acham! Todo feedback é importante e motivador!
É isso. Até o próximo capítulo.



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