A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 37
Capítulo 36


Notas iniciais do capítulo

Olá, caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Como é evidente, houve uma demora em atualizar a história (não que isso importe para alguém) mas esses últimos meses foram tão agitados que a escrita, obviamente, ficou em segundo plano. Com as coisas voltando a normalidade após a pandemia, tive que priorizar os rolês. E foi aniversário de amiga, ensaio cosplay, acessórios cosplay pra fazer, viagem no feriado, aumento de fluxo de trabalho (isso é bom) e até madrinha de casamento de uma amiga eu fui!
É tanta coisa acontecendo (e problemas também) que fica difícil conseguir conciliar tudo ainda mais com o tempo passando tão rápido como tá passando e com a constante desmotivação com a escrita num geral.Realmente, houve momentos em que fiquei até desmotivada em dar continuidade nessa história, mas meu amorzinho por ela é muito forte e não é hoje que o recalque vai me fazer desistir! XD

Enfim, demorei, me enrolei, mas consegui escrever o novo capítulo! o/ Estou cheia de ideias para acontecimentos na história, inclusive venho pensando seriamente em escrever uma mini série "prequel" contando o reinado passado de Lugia, pois muito do que ele é e será nessa história é também um reflexo do que aconteceu em sua vida no passado (e não apenas ele, mas alguns personagens cruciais também). O que acham?

Considerações sobre este capítulo,. estarei colocando nas notas finais.
Chega de papo e boa leitura!



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~*~

  
    Aquele dia estava mesmo se tornando todo inusitado.
   Crystal nunca havia tido um “encontro”. Do tipo ser convidada para comer um lanche na companhia de garotos. E ainda que aquilo não fosse nem de longe um encontro, estava comendo um lanche. E não na companhia de um garoto. Mas de dois. E isso estava chamando a atenção de algumas pessoas, principalmente das meninas, porque a lanchonete estava cheia delas. E sabia que aquelas meninas a estavam avaliando. Podia sentir os olhares ocasionais sobre si. Mas sua maior preocupação era acerca de sua Misdreavus e sua Beautilfy.

“Mas eu as deixei no Centro Pokémon e a enfermeira Joy me garantiu que ia cuidar delas naquele momento, então tudo bem.”

  
   Então estava agora ali, na companhia de Gary e Morty. Só Gary com sua beleza, roupas pretas e moicano já chamava atenção, Morty com seu jeito mais despojado, os cabelos loiros compridos e popular na cidade, também não ficava atrás. E na mesa junto com eles estava uma treinadora pokémon comum, de bermuda, camiseta, tênis surrado e cabelo desbotado.
   Tratou de não pensar sobre isso e continuar comendo seu lanche enquanto prestava atenção á história de Morty.

~~

 
  O Bulba’s Burguer de Ecruteak possuía uma arquitetura estética bem diferente do padrão dessa rede de fast-food, como Crystal notara logo de cara. Embora tivesse o logo e o famoso desenho de um Bulbasaur sorridente segurando um hambúrguer com as patinhas, a estrutura do lugar seguia o padrão da acidade no melhor estilo feudal japonês, com seu telhado típico e fechada com paredes de madeira. Dentro, porém, ele mantinha o estilo tão conhecido da lanchonete, com suas mesas, balcão e cheiro de comidas gordurosas sendo preparadas. A tonalidade das cores padrão era mantida, porém em tonalidades mais neutras.
   Crystal sabia que isso acontecia com algumas unidades da lanchonete espalhadas pelo mundo, para se adequarem ao estilo e tradição da cidade em que estava. Certa vez lera na internet que em Galar, todos os Bulba’s Burguer possuíam cores diferentes.
   Após pegarem seus pedidos, Crystal e Gary foram até uma das mesas com guarda-sol localizadas na área externa da lanchonete. E Crystal só percebeu o quão faminta estava quando viu o tanto de coisa que pedira: um lanche Big Venusaur acompanhado por nuggets Combusken, uma porção de fritas com cheddar, um sundae Vanilish de chocolate e um copão de suco de abacaxi.

“ Eu tô com fome, mas não vou conseguir comer tudo isso!”

  Seus pensamentos acerca da própria gulodice foram afastados quando notou que Gary acenava para alguém.
   Com seu típico semblante avoado e com uma grande (e surrada) mochila em um dos ombros, Morty caminhou até eles, parecendo mancar discretamente e se sentou, puxando outra cadeira para acomodar a mochila.
— E ae, mano. – Gary começou. – Como foi a conversa com tua avó?
— Fui expulso. Expulso da função de líder de ginásio, da casa, e se pá da árvore genealógica da família.
—Hah, isso é típico dos nossos velhos, por isso somos os Bastardos Deserdados! – Gary riu, bebendo um gole do próprio refrigerante. – O lance, é tu dar umas viajadas agora e voltar depois de um tempo.
— Minha avó não é tolerante como seu avô acerca dessas coisas. – Morty pegou o copo de refrigerante de Gary e deu um gole. – A gente brigou feio e pra valer, mas eu falei tudo que tava entalado há anos. Falei tudo e mais um pouco. E claro que ela não aceitou isso.
   E Morty passou a relatar, evidentemente de forma resumida, o que tinha acontecido na arena do ginásio depois que Crystal e Gary haviam saído. E conforme ouvia, mais a treinadora se chocava em silêncio, comendo lentamente para disfarçar.
  Morty contou sobre a discussão acalorada que havia tido com a avó, as barbaridades que ela havia despejado sobre ele, coisas realmente ofensivas que Crystal não tinha dúvida alguma de que a velha Ágatha realmente dissera, com base na experiência de já ter sido alvo dela. Se surpreendeu ao saber sobre a atitude tóxica e abusiva que  Morty aguentara ao longo dos anos de convivência com a antiga mestra da Elite4 e como o rapaz dissera tudo o que o sufocava durante esse tempo.
   Crystal quase engasgou com o suco de abacaxi quando Morty contou que, após um intenso bate-boca repleto de desaforos e palavrões, o seu Gengar e o MegaGengar de Ágatha começaram a lutar na arena, talvez motivados pela energia furiosa de seus treinadores, chegando ao ponto de estourarem metade das telhas do teto e fazer um rombo suficientemente grande em uma das paredes.
— Eu coloquei tudo pra fora, coisa de anos entalado, sabe. Posso pegar um desses? – Morty apontou para os nuggets e Crystal assentiu, empurrando a bandejinha na direção dele. – E aí quando ela falou que eu, desde que estava na barriga da minha mãe, comecei a ser um amontoado de despesas pra ela e que, por ela ter me criado, educado, dado um trabalho e tudo o mais, eu tinha é que obedecer e não me tornar o ingrato que me tornei...eu cansei! Tô há anos aguentando essa merda, fazendo tudo que ela quer e só tomando patada porque nunca nada que eu faço é bom, tudo é errado ou inútil! Quando ela falou meu nome e cuspiu no chão...é ela fez isso. – ele afirmou diante dos olhares arregalados de Gary e Crystal. – Eu cheguei no meu limite. Meti minhas coisas na mochila, peguei meus pokémon e tô aqui. Não volto lá e também tô proibido de voltar.
   Apesar de todo o acontecido, Morty continuou falando de forma relativamente calma e com aquele semblante anuviado de sempre. Crystal cogitou que, talvez, ele realmente fumasse cigarros de Exxeconha. Mas seu olhar de treinadora  pokémon a fez notar uma pequena inquietação nele pela forma como tamborilava os dedos na mesa.
   Mas, apesar de Morty se dizer “aliviado, como se um peso tivesse sido tirado de mim, saca?”, Crystal  sentiu-se culpada, ainda que indiretamente, pelo desfecho daquela briga familiar.

~~

   Morty estava acabando de contar sobre o momento que sua avó usou a bengala quando uma voz ecoou.
— Ah, finalmente te achei!
   Os três se viraram para trás, encontrando uma jovem vestida de preto e ostentando um sorriso convencido nos lábios, embora levemente ofegante.
— Alice, que bom que você chegou!

   Crystal sentiu-se um pouco aliviada com a chegada da amiga. Ficar ali com Gary e Morty, ouvindo-os falarem sobre seus problemas com parentes tóxicos ao mesmo tempo em que se sentia alvo de olhares avaliativos de garotas por estar na companhia deles, a estava deixando meio desconfortável.
— Quando vi as suas mensagens eu tomei um susto! – Alice começou, puxando uma cadeira e sentando-se entre a Crystal e Morty, mesmo tendo espaço entre ela e Gary. – Primeiro era você falando que estava indo enfrentar aquela velha gagá da Ágatha de novo! Sem ofensa. – ela olhou para Morty que apenas murmurou um “de boas”. – Mas aí tinha outra mensagem de mais de hora depois dizendo que você estava indo para o Bulba’s Burguer e eu fiquei agoniada sem saber o que tinha ou estava acontecendo! Por que a senhorita não me avisou hoje cedo que estava planejando ir batalhar no ginásio de novo? Eu teria ido junto!
— Hãn...é que você já tinha compromisso. – Crystal começou a se justificar. – Além do mais, eu decidi enquanto estava andando pela cidade...tipo, me veio a vontade e a coragem, então fui. Aí depois da batalha, como você não tinha visualizado a mensagem que enviei, eu mandei outra pra falar onde estava e te tranquilizar por conta da primeira.
— Me desculpe. – pediu Alice. – Eu estava meio...ocupada...e fui olhar o celular só depois e...vim correndo da Burned Tower!
— Ficou ocupada aguentando as lorotas históricas do seu tutor metido a sabe-tudo e acabou perdendo acontecimentos surpreendentes.

   Alice percebeu o sorriso de deboche provocativo de Gary ao dizer aquilo, muito embora seus olhos estivessem sérios. Mas ela procurou disfarçar o desconforto com tal comentário, decidida a não dar brechas para indiretas que poderiam fazê-la dizer alguma coisa que não deveria.
  A verdade é que sua mente estava á mil, em um misto de surpresa, satisfação, dúvida e frustração.  Mas ali não era o momento e tampouco a ocasião para se pensar sobre o que havia acontecido na Burned Tower. Iria focar em outras coisas por enquanto. E precisava focar logo antes que começasse a devanear.

— Mas me digam, o que aconteceu?
— Resumidamente? – Gary colocou um pouco de mostarda no próprio lanche. – Crystal ganhou a insígnia e Morty perdeu a moradia.
— ..quê?! Não, péra! Como assim?! Vocês tem que me contar tudo! Mas antes preciso pedir alguma coisa pra comer e principalmente beber, tô morrendo de calor!

   Ela fez sinal e prontamente uma atendente, usando o típico uniforme do Bulba’s Burguer (composto por calça, camiseta e boné que parecia um bulbo) e segurando um Pager se aproximou.
— Por favor, me veja um... – Alice olhou o cardápio. – Combo Venusaur com suco de laranja. Morty, você não vai pedir nada?
— Nah. Na situação financeira incerta que tenho a partir de hoje, melhor cortar gastos.
— Mas você não vai ficar olhando enquanto comemos, feito um Meowth de rua! – ela falou, decidida. – Moça, me veja dois combos Venusaur com suco de laranja, por favor.
— Olha, eu não curto muito que paguem as coisas pra mim mas...hoje não vou recusar. – Morty riu. – Arceus lhe pague.
— É o Lawrence que paga.

   Crystal ouvira Gary resmungar aquilo mas ficou na dúvida se Alice tinha ouvido também. Bom, se ouviu, ignorou bem, continuando a conversar com Morty.
— Mas sério, a situação foi tensa á esse ponto?
— Minha avó é uma narcisista insuportável. – ele pegou mais um nugget da porção enquanto falava. - Cada dia ficava mais difícil aguentar as cobranças e exigências dela pra cima de mim. E a forma como ela lida com qualquer treinador que vai lá no ginásio, só tem piorado. A gente foi perdendo um a um os alunos-treinadores que o ginásio tinha desde que ela saiu do Planalto Índigo e passou a morar aqui. E isso acabou afetando as contas e o ginásio tá capenga daquele jeito. Fora as dívidas diversas. Mas isso já não é mais problema meu afinal, eu fui “colocado como líder de ginásio porque todos os outros sobrinhos e netos dela já tinham alguma ocupação na vida”, nas palavras da minha avó. E ela não precisa se preocupar com dinheiro, porque tem a renda dela, mesmo sendo uma avarenta. – ele olhou vagamente para a rua. – Eu preciso ver o que fazer da minha vida agora.
— Mas não tem ninguém da sua família que...
— Todos ficam do lado da minha avó. Por medo ou pra garantir algo a mais no testamento.

  Morty parou de falar e virou-se para trás, não demorando para os demais perceberem que a garçonete continuava ali.
— Os pedidos já foram feitos. – Alice falou. – Você já pode ir atender as outras mesas, obrigada.
  Visivelmente constrangida, a garçonete se afastou.

— Não vai demorar pra todo o acontecido estar na boca do povo...
— Tô pouco me fodendo. – Morty resmungou diante da afirmação de Gary. – Assim que eu comer, vou lá ajeitar o porão da banda. Ainda bem que já tinha levado a maior parte das minhas coisas pra lá tempos atrás, senão era bem capaz da minha vó mandar o MegaGengar pulverizar minhas coleções.
— Vai ficar morando no porão da igreja abandonada?
— É o jeito. – ele deu de ombros diante da pergunta de Crystal. – Só até eu achar um muquifo que dê pra pagar.
— Vai procurar um trampo?
— Nah. Um emprego formal não vai dar pra conciliar com os ensaios e viagens da banda. – Morty atacou o último nugget da porção. – Com minha função de líder de ginásio já ficava difícil. Vou pensar em alguma coisa.
— Você pode desafiar treinadores pokémon e descolar uns trocados com as batalhas. – Alice sugeriu. – Muitos treinadores fazem isso, a Crystal é um exemplo!
— S-sim... – a treinadora sentiu-se á vontade para aconselhar. – Tem muitas rotas de treinadores e campos de treinamento, além de eventos especiais e campeonatos. Os treinadores mantém grupos no Pokébook onde trocam informações, eu mesma sigo alguns...
— E como seus pokémon possuem um nível elevado, pode ter muitas vitórias e descolar uma boa graninha por aí! – Alice completou.

   O clima da conversa ficou visivelmente mais leve enquanto terminavam seus lanches e logo todos já estavam falando animados sobre ideias para Morty conseguir fontes de renda. Inclusive Morty chegou a dizer que, se tudo desse errado, viraria hippie fazendo malabarismo com seu Gengar no semáforo, garantindo que aquilo poderia ser uma fonte de renda realmente promissora.
— Ei! – Gary comentou, por fim. – Tem uma rota de treinadores nos limites da cidade, além de um campo bom pra batalhas por perto. O que acham de irmos pra lá treinar um pouco? Janine e  Foress devem voltar no final do dia depois de resolverem umas paradas, ai a gente te ajuda a ajeitar o cafofo.
— Até que é uma boa. – o loiro assentiu. – Preciso avisar meus pokémon que agora estamos por nossa conta. Cês topam?

  Crystal e Alice se encararam e concordaram.
— Eu só preciso ir buscar meus pokémon no Centro Pokémon antes.
— Eu vou com você. – Alice anunciou, pegando a própria bolsa. – Vou trocar alguns dos meus pokémon também. – segurou Crystal pela mão e se virou para os rapazes.- A gente encontra vocês lá na entrada da rota daqui uma hora!
  Após pagarem seus lanches, as duas garotas se despediram dos rapazes e saíram do local em direção ao Centro Pokémon, que não era muito longe dali.

— Minha nossa, que doideira tudo isso do Morty, né? – Alice falou enquanto andavam pela calçada. – Mas é aquilo, acho que todos possuem conflitos e problemas difíceis de se resolver com as pessoas com quem convivem há anos...
   Crystal afirmou com um gesto da cabeça e notou  que a amiga parecia um pouco mais afobada do que o normal,com um olhar mais “desligado”. Alice era muito animada, mas durante o tempo em que haviam ficado na lanchonete, seu instinto de treinadora a fez perceber que a amiga parecia estar forçando um pouco a animação.Inclusive, achou estranho quando, ao se despedirem dos rapazes, Gary se aproximou de Alice para beijá-la nos lábios e viu a amiga desviar sutilmente o rosto no momento. E quando percebeu já havia perguntado.
— Alice...você está bem?
— Hum? Eu, bem? Claro que estou. Por que não estaria? – a amiga sorriu, mexendo no cabelo. – Não vamos falar sobre mim...não agora.

  Crystal a encarou. Não era a primeira vez que Alice voltava parecendo forçar uma descontração para mascarar certa afobação depois de encontrar seu tutor. Mas antes que sua mente pudesse pensar ou cogitar qualquer coisa, Alice continuava a dizer.
—  Acabamos falando tanto do Morty que eu nem consegui perguntar direito sobre a sua batalha no ginásio.. Vai, me conta tudo e não me esconda nada!
   Crystal contou então, de forma resumida, o que havia acontecido durante a batalha no ginásio.
— Caramba! Uma pena que perdi de presenciar isso, eu ia adorar xingar aquela velha preconceituosa, suja e fofoqueira! E nem venha me dizer que o fato de Morty ter lhe entregado a insígnia após parar uma luta injusta na metade não a faz se sentir merecedora dela!
— E-eu...não...não falei isso...
— Mas eu sei que você ficou pensando sobre.

  As duas pararam próximo a entrada do Centro Pokémon e Crystal suspirou, não tinha como mentir para Alice.
— É que...eu nunca ganhei uma insígnia em uma batalha pela metade...sei que em uma batalha pokémon contra a Ágatha eu não teria vencido. – antes que Alice retrucasse, Crystal continuou. – Porém, eu sei que a Ágatha estava roubando, usando um MegaGengar que é totalmente ilegal e injusto em batalhas de ginásio contra treinadores comuns. Eu não sei explicar,mas parece...parece que eu não conquistei realmente essa insígnia.
— Eu acho que você está colocando Wurmples demais em sua cabecinha.
— Eu sei. Mas não consigo evitar essa sensação. Depois da batalha e de sairmos do ginásio eu até pensei em falar com o Morty depois e pedir uma batalha pokémon contra ele mas...agora que ele já não é mais líder de ginásio...
— Você gostaria de uma luta com o Morty para saber se, em uma luta oficial valendo insígnia, você seria capaz de derrotá-lo?
— É...acho que sim.
— Bom, se é isso...fale com ele. Proponha. Acho que ele não vai fazer objeção. Maaas... se eu fosse você, ia deixar como tá. Na real, você enfrentou uma antiga mestra da Elite4, derrotou pokémon dela que estava a nível mais alto que o seu e não retrocedeu quando ela lançou um pokémon Mega! Pra mim, você super mereceu essa insígnia.

  Alice continuou falando que, no lugar da treinadora, ia ainda expor o acontecido na internet e que, com total certeza, muitos outros treinadores iriam se manifestar expondo também o quanto líderes como Ágatha eram escrotos e seria uma ótima fofoca. Crystal não pôde deixar de sorrir. Realmente, a companhia de Alice havia feito falta durante a batalha.

~*~

Snowpoint – Sinnoh

  
   A noite pairava muito fria naquela cidade entre as montanhas, fustigada por um vento constante. O inverno começava a chegar a Sinnoh e Snowpoint era sua primeira e quase constante parada. Ainda era apenas um pouco mais das oito horas, mas a noite estava muito escura pois, apesar do céu estrelado, não tinha lua. Nas montanhas escurecia mais cedo e quando o inverno chegava, os dias duravam apenas poucas horas.
   Lance Pendragon estava habituado com o clima das montanhas. Estava habituado com os picos, cumes, fiordes e cadeias montanhosas de Kanto e Johto, pois eram os lugares que sempre treinava seus pokémon Dragão, e acostumara-se com a natureza, o vento e principalmente o frio. Por isso, quando desmontou de seu Dragonite na tortuosa e quase inacessível estradinha alternativa que levava á cidade, o clima inóspito o incomodou menos do que enquanto esteve voando nas costas de seu pokémon.

   Após recolher o  Dragonite na pokébola, Lance ajeitou o grande casaco de náilon que usava, mas mantendo o capuz. Trocou a máscara descartável do rosto e seguiu a descida da estrada em direção a cidade.
   Snowpoint era uma das únicas cidades que mais apreciava. Tanto por estar localizada em uma espécie de vale entre as montanhas quanto (e principalmente) pelo fato de ser um lugar cujo turismo era bem seletivo, em sua maioria composto por treinadores pokémon realmente engajados em seus objetivos e aventureiros entusiastas de trilhas e alpinismo.

   A noite na cidade era bem iluminada, com seus muitos pubs, bares e cafeterias, além de outros comércios focados no turismo local. O movimento, porém, ainda não era muito grande: a alta temporada mais quente havia acabado recentemente e, como o inverno ainda não chegara em definitivo, os aventureiros não haviam começado a chegar, para encher os hotéis e albergues, além de agitar a economia local. Mas já havia alguns ali, facilmente reconhecíveis por suas grandes mochilas de camping e cinto com pokébolas. Isso o lembrava de sua juventude.

“Quando foi a última vez em que estive aqui?”

  
   Lance não se lembrava precisamente quando, mas se lembrava como havia sido. Aquelas poucas semanas em que a conhecera enquanto treinava seus pokémon nas montanhas, depois os passeios agradáveis e posteriormente as noites intensas no chalé, iluminados pelo fogo da lareira.
  Como aquelas primeiras e posteriormente aqueles poucos meses conseguiram ser tão bons ao ponto de ele se sentir, pela primeira vez tão...completo?

“E depois, soube que tudo não passou de uma ilusão.”

  
   Não queria e não podia se deixar devanear em lembranças e por isso Lance agradeceu mentalmente quando avistou poucos metros á frente, a placa do local combinado.
   O “Froslass Dançante” era um daqueles pubs estilo taverna que gozavam de reputação por sua decoração rústica com ares falsamente medievalistas, sendo um ambiente agradável e temático. Havia um ar quente e um pouco abafado ali, mas confortante em vista do frio que aumentava do lado de fora. Lance tirou as luvas e a máscara, colocando-as em um dos bolsos do casaco e abriu caminho entre os vários clientes que se aglomeravam ali, conversando alto. No balcão, pediu uma bebida alcoólica feita com vinho e licor de amarula, e tratou de olhar ao redor.
   Não demorou para encontrar quem procurava, no que seria o segundo andar visível do térreo e acessível por uma escada de madeira lateral.

   Sentada  na mesa mais ao canto, com uma caneca sobre a mesa e usando um longo sobretudo preto, estava  aquela mulher. Mesmo que ela escondesse todo o seu cabelo por dentro do capuz (como ela conseguia sem fazer um volume excessivo?), sua altivez não era algo que ela conseguia esconder.
   Sem rodeios, Lance puxou uma cadeira e sentou-se  diante dela. Cumprimentaram-se com um aceno e ficaram em silêncio, ouvindo o falatório abafado e o tinir de copos e talheres no bar embaixo.
— Fazia muito tempo que eu não vinha aqui. – ele começou. – Mas esse lugar não mudou nada, como se o tempo aqui tivesse parado.
— Está realmente confirmado que o ataque acontecerá amanhã?

   Direta e sem rodeios. Era assim que Cynthia Shirona agia diante daqueles cuja convivência e contato não eram do seu agrado, mas sim de sua obrigação. A atual tricampeã da Liga Pokémon Mundial e mestra da Elite4 de Sinnoh. Ainda que fosse uma figura pública admirada mundialmente e uma das vozes mais respeitadas no Comitê Pokémon de Sinnoh e nos encontros públicos e sociais, se portando sempre de forma simpática e cortês, essa não era sua verdadeira personalidade. Assim como Lance, Cynthia também usava máscaras na sociedade.
  Ela o observou tirar o capuz e ajeitar os cabelos cor de fogo, mas apenas deixando-os mais despenteados. Olhou disfarçadamente ao redor.
— Não se preocupe. – Lance continuou. – Ninguém presta atenção em ninguém aqui. E mesmo que alguém nos reconhecesse, tomariam apenas por um encontro entre colegas mestres pokémon que porventura estão trabalhando ou treinando juntos. A imagem de “colegas” é importante para a opinião pública e o exemplo de amizade e rivalidade saudável de celebridades como nós para serem passadas aos treinadores que nos seguem e se espelham é recomendado e esperado.

   Cynthia tirou o próprio capuz e Lance soube como ela fizera para esconder todo o seu excessivamente longo cabelo: tranças, praticamente uma coroa de tranças sobre a cabeça.
— Sei disso, mas não significa que devemos ter uma amizade real. – ela resmungou. – E me responda á pergunta: está realmente confirmado que o ataque acontecerá amanhã?

   “De fato, nenhum de nós quer permanecer na companhia do outro por mais tempo do que o necessário.”


— Sim. – ele confirmou. – A fonte direta do alto escalão Rocket confirmou com provas para um membro da Ordem e o professor Carvalho repassou a mim.
   Cynthia fez um “tsc” de desagrado e Lance se limitou a  observar a própria caneca, sabendo o que viria a seguir.
— Vocês realmente acreditam nesse “espião” que contataram?
— ...até o momento as informações e materiais que eles nos forneceu se mostraram certos.
— Ele é um maldito Rocket! – Cynthia despejou. – Esse espião pode muito bem estar fazendo um jogo duplo, fingindo estar passando informações á vocês apenas o que o mandante da organização ordenar que ele passe. E assim, ele adquire a confiança de vocês e obtém vantagens e informações para que a Equipe Rocket use contra seu grupinho depois. E todos vocês dessa tal Ordem possuem “tetos de vidro”.
— Acha que não conversamos e cogitamos tudo isso? – Lance rebateu, sentindo-se um pouco irritado. – Poxa, se a grande mestra Cynthia não nos alertasse sobre isso, todos os membros da Ordem estariam facilmente sendo enganados por esse espião e pela Equipe Rocket.
— Deboche não combina com você, mestre Lance. – a mulher lhe devolveu, ferina. – Mas se confiam em um espião Rocket que sequer revelou a própria identidade a vocês, não é problema meu.
— Lawrence o conhece e mantém contato esporádico com ele. E, embora o tal espião saiba sobre a Ordem e o que buscamos, não sabe quem são todos os membros dela.

   Cynthia soltou uma risada debochada.
— Confiar em Lawrence Carrol é a mesma coisa que confiar em um Rocket! Aquele homem não tem ideais que não os seus próprios interesses. Obviamente que ele conheceu esse Rocket espião em alguma transação ilegal de artefatos históricos ou comércio ilegal de pokémon.
— É exatamente por isso que Lawrence não se comprometeria se fosse algo que pudesse prejudicá-lo. Nesse ponto, vocês são muito parecidos afinal, é por isso que está aqui.
— Eu não faço parte dessa Ordem e nem pretendo ou quero fazer. A Equipe Rocket e o que for que ela esteja aprontando em Kanto e Johto, não é problema meu. Mas, se ou a partir do momento que as ações dele afetarem a minha Sinnoh, eu não irei me omitir.
  Lance controlou um revirar de olhos enquanto Cynthia cruzava os braços na altura do peito.

— No entanto. – ela continuou. – Só reitero a importância de todos e principalmente você, não esquecer, sequer por um momento, o que agentes Rockets e a própria organização é capaz de fazer a alguém. Principalmente contra aqueles que eles consideram uma ameaça.
  Cynthia então abaixou a voz e seus olhos azuis pareceram cintilar como gelo por um momento.
— A Equipe Rocket levou e destruiu a pessoa que me era mais importante. E eu sei que a Equipe Rocket corrompeu a pessoa que você amou para que te traísse.
   Ambos se encararam e então olharam para as próprias canecas.

— A informação que obtivemos do espião Rocket é a de que uma pequena equipe liderada por um agente de Elite chegou á cidade com o objetivo de pegar um valioso artefato que se encontra escondido em alguma parte subterrânea do Museu Ancestral. Uma espécie de...cristal. E que, além dos agentes Rockets, o próprio Lugia, em sua forma humana= evidentemente, estará presente.
— Sei sobre essa “pessoa” pelo que já me informaram. – Cynthia suspirou. – Se eu não tivesse assistido o vídeo e posteriormente conferido a veracidade dele, diria que era alguma montagem de cinema. Mas conversei pessoalmente com Samuel Carvalho quando passei rapidamente em Kanto. Samuel Carvalho me informou sobre essa busca dos Rockets por cristais misteriosos e o risco do que podemos despertar por aqui...Ele é alguém realmente confiável apesar de ser kan...
— Apesar de ser...? – dessa vez foi Lance quem cruzou os braços e a encarou em tom de desafio.
  Houve incômodos segundos de silêncio.

— Acho que devemos nos focar no assunto realmente pertinente que nos trouxe aqui e não ficarmos perdendo tempo com frivolidades.
— ...é, melhor assim. – Lance resmungou, descruzando os braços. – Para evitar suspeitas, vim apenas com meus pokémon. Quem mais está aqui com você?
—  Apenas eu e meus pokémon.
— O quê? Eu pensei que...
— Ninguém da Elite4 ou do governo sinnohense sabem dessa minha ligação com vocês e achei mais prudente que continuassem não sabendo. – Cynthia pensou um pouco antes de continuar. – Não é segredo que o governo de Sinnoh está enfrentando alguns conflitos de origem externa...
— Se intrometendo em assuntos de outras regiões e criando conflitos com as mesmas. Era de se esperar.

  Cynthia o encarou com um semblante exatamente igual ao que ela costumava utilizar quando estava prestes a ordenar que seu Garchomp pulverizasse o pokémon do oponente na arena de batalha. Mas Lance não se intimidou, sentindo uma pontinha de satisfação de provocar o ego patriótico dela. Sabia que diante de uma discussão política não era tão eloquente quanto Cynthia, mas estava disposto a extrair da mestra pokémon as opiniões que ela defendia mas que procurava ocultar sempre que podia.
  Porém, talvez Cynthia tivesse percebido isso ou talvez não quisesse mesmo prolongar aquele encontro mais do que necessário, porque ela tratou de não levar aquele assunto adiante, optando por voltar ao tema principal.
— Além do mais. – ela começou. – Se a intenção é evitar chamar atenção e  não criar suspeitas, quanto menos rostos famosos ou  movimentações policiais estiverem perambulando por aqui, melhor.

  A sombra de um sorriso passou nos lábios de Lance. Tudo bem, talvez fosse melhor não discutir política ali e sim o que realmente importava no momento.
— Há grande possibilidade de algo semelhante ao ocorrido em Sootópolis, lá em Hoenn, acontecer por aqui.
  Aquilo era um perigo que causava uma preocupação constante. Afinal, a batalha entre Lugia e Grondon havia repercutido mundialmente e, ainda que não tivesse havido um desastre, o risco de acontecer algo semelhante ali em Snowpoint, principalmente devido as montanhas e o que poderia estar no subsolo dela, era algo a ser levado em conta.

— Nada vai acontecer. Eu não permitirei que aconteça. – Cynthia foi enfática. – Tenho tudo já esquematizado, além de ter emitido um aviso a autoridades da cidade para que fiquem em alerta. Snowpoint é uma cidade habituada com avalanches, nevascas e outras intempéries. Ela tem estrutura e sabe agir para proteger a população caso algo aconteça. E eu estou aqui, com todos os meus pokémon. Além do mais. – ela deu um sorrisinho irônico. – Estamos com a visita do ilustre grande mestre da Elite de Kanto e Johto e senhor dos dragões.
— ...é, acho que você tem razão.
   Ambos ficaram um tempo em silêncio, que não souberam dizer se foram longos minutos ou apenas alguns segundos. Cynthia, então, pegou sua caneca e a ergueu.

— Um brinde... – falou, sem animação. – A temporária aliança de dois grandes mestres da Elite4 que se detestam, contra a odiosa Equipe Rocket e seu “ilustre” novo aliado.
   Lance forçou um sorriso emburrado e aceitou o brinde, erguendo a própria caneca. Após o brinde, enquanto bebia, pôde ouvir a mulher sussurrar.
—  E que Arceus não salve o tal rei.

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...
Bom, esse capítulo eu levei bem mais tempo para escrever não por dificuldade de desenvolvê-lo: seu desenvolvimento foi fácil quando eu "pegava o pique" digamos assim.
Relatar um pouco do que aconteceu com Morty e a avó era algo que precisava ser feito até porque quis abordar um pouco o tipo tóxico de relação familiar, tão presente na vida de muita gente. Mas eu não quis inserir um flash-back pois não é algo que agregaria na história a longo prazo, então achei que um resumo funcionaria melhor. Os maiores detalhes do que acontecido, o leitor poderá deixar por cotna da imaginação. Mas foi algo tenso hehe.

Então, a segunda parte foi a que mais gostei de fazer e era algo que eu não sabia como se sucederia, então foi bem legal deixar que a história fluísse quase que por conta própria. Finalmente Cynthia fez sua estréia oficial na trama e ela é um personagem importante (e aqwui, um pouco arrogante, sim). Lance é um personagem que estou ansiosa demais para trabalhar (principalmente acerca de seu passado) e podê-lo colocar mais na história é empolgante para mim.
Bom, mas sobre a cena em si, é fato que ambos mestres não se gostam e se aturam por obrigação midiática. Os diálogos de ambos acho que falam muito pelas entrelinhas e espero ter conseguido mostrar isso sem deixar escancarado. Cynthia é uma pessoa radical politicamente e vem com uma certa carga de opiniões (seriam mesmo opiniões ou talvez algo que comece com "p"?) mas ela também possui motivos para sua postura e isso será contado aos poucos. E esse passado ferido que Cynthia e Lance possuem, causados por uma pessoa a serviço da Equipe Rocket? Huum quem poderá ser e o que de fato aconteceu? Mais mistérios.
E com esse final, podemos prever o que virá acontecer. Um conflito de grandes.

Acho que é isso.
Até o próximo capítulo.



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