A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 36
Capítulo 35


Notas iniciais do capítulo

Olá cara leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

E lá se foram mais de dois meses desde a última atualização.Eu realmente não vi o tempo passar. Os dois primeiros meses do ano passaram tão rápido que quando percebi, já era tarde. E, embora a média de tempo que eu costumava levar para escrever capúitulo desse fic era serca de uma semana e meia, dessa vez foram três semanas e muito provavelmente esse será o novo padrão de tempo para escrever (e automaticamente demorarei um pouco mais para atualizar por conta disso).
Desde o começo do ano, houve um aumento de correria por aqui, com trabalho, cosplay, escrita, retomada da vida social, afazeres de casa e o fato de que o tempo está passando rápido demais. E por conta disso, conseguir administrar tudo dentro de prazos pré determinados tem ficado impossível então não consigo mais garantir uma atualização em tempo certo nas coisas.
Aproveito para agradecer a todos aqueles que ainda acompanham a história.

Por fim, quero deixar aqui alguns avisos sobre o capítulo, devido as diretrizes do site para eu não levar advertência:
— Este capítulo tem alerta de possível gatilho envolvendo pets.
— Este capítulo tem cena de violência.

Considerações sobre o capítulo nas notas finais. Boa leitura.



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~*~

   Após deixar Misdreavus e Beautifly para serem tratadas no entro Pokémon próximo ao ginásio, Crystal acompanhou Gary por algumas quadras até chegarem a um pequeno campo de treinamento no qual crianças com seus pokémon filhotes  de estimação e adolescentes que haviam acabado de obter sua Licença de Treinador e seu primeiro pokémon inexperiente utilizavam para treinar.
   Subiram até o alto das arquibancadas de cimento que ficavam á sombra dos pinheiros e assistiram os novatos e seus pokémon tentarem treinar os poucos golpes que sabiam e arriscar alguma batalha. Crystal achou particularmente engraçadinho uma menina, com talvez seus oito anos, tentando fazer com que seu Oddish imitasse seus rodopios e passinhos para algo que parecia uma tentativa de Contest.

   Os Torneios Pokémon (mais conhecido entre o meio de participantes como Contests) eram eventos onde treinadores e seus pokémon trabalham juntos em apresentações para encantar a plateia e serem julgados por um júri artístico especializado. Nele, o treinador e seu pokémon formam uma dupla que irá se apresentar de forma artística e olímpica com coreografias e apresentações previamente ensaiadas  a fim de produzir um espetáculo. Os Contests se originaram em Hoenn há algumas décadas e rapidamente caíram no gosto popular, se tornando o tipo de apresentação preferido após a Liga Pokémon.
   Ver aquela menininha com seu pokémon, lembrou Crystal de quando era criança e passava horas dos dias se imaginando uma famosa e talentosa apresentadora de Torneios Pokémon. Mas quando começou a frequentar a escola e descobriu sobre a vida de treinadores pokémon e suas jornadas, apaixonou-se por esse estilo e meta de vida. E nas brincadeiras sobre “ser treinador e mestre pokémon” que fazia ao lado de Kenta por compartilharem o mesmo sonho, decidiu que ser uma treinadora era o que queria. Então, havia estudado, se esforçado e criado coragem para seguir esse caminho e atingir os objetivos para tal sonho. E vinha realizando- aos pouquinhos ao mesmo tempo em que descobria (e aprendia) que tal sonho não era como havia idealizado em suas fantasias infantis e expectativas adolescentes.

  Observou a insígnia que havia obtido cerca de uma hora atrás. Sempre havia conquistado todas as suas insígnias em batalhas até o fim, mesmo que algumas vezes tivesse de desafiar o líder de ginásio mais de uma vez. Mas aquela havia sido a primeira vez que ganhara uma insígnia praticamente de presente. E isso, aliado as circunstâncias de como havia ganho, tornava a conquista estranha e até incômoda.

— Será...que o Morty está bem?
Gary meneou a cabeça, parecendo pensar.
— Talvez seja tenso mas...ele vai ficar.
   Crystal não tinha tanta certeza. A mestra Agatha, avó dele, se revelara uma pessoa de índole não apenas difícil de lidar, mas também maldosa e cheia de veneno. E pelo pouco que pudera ver da discussão, o fato de Morty não mudaria sua conduta com ele. Provável que estaria sendo pior.

— Eu... – Crystal começou, escolhendo as palavras. – Não queria acabar meio que sendo responsável por causar atrito entre ele e a avó.
— Você  não tem culpa de nada. – Gary falou. – Morty e a avó estão em conflito há tempos, desde que ela saiu da Elite. A situação estava ficando insustentável, uma hora ia arrebentar. E essa hora chegou.
— Por que eles não se dão bem? – a garota perguntou, mas logo se arrependeu pois poderia parecer interesseira.
— Agatha é autoritária e presa a tradições, como boas parte dos anciões da geração dela. Como ela foi uma daquelas precursoras por ter criado e expandido o meio dos Treinadores e Liga Pokémon, além de fazer parte daquele grupo que se tornou “lenda” nesse nicho, se acha uma autoridade máxima e dona da verdade. Esse pessoal como ela, por terem criado e expandido legados, exigem que os membros da família mantenham isso e que caminhem dentro das regras que eles acreditam serem as certas e socialmente aceitas. Agatha sempre foi assim e meu avô também não foge muito disso.
— O professor Carvalho, sério? Mas ele parece ser tão legal, tolerante e engajado nas coisas atuais. Sei que ele é participativo nas ONGS de pokémon abandonados, prega sempre o bem estar de humanos e pokémon buscando opções seguras e justas para os treinadores em jornada e até tem um canal no PokéTube onde fala sobre pokémon com o todo o conhecimento que ele tem, dando dicas para treinadores iniciantes!
— Ah, sim. – Gary tirou o maço de cigarros e o isqueiro do bolso. – O professor Carvalho é a celebridade-mor do mundo pokémon, uma lenda. Se importa de eu fumar do seu lado? – a garota negou e ele acendeu o cigarro. – Não me entenda mal, meu avô é realmente um cara e tanto que realmente se preocupa com os pokémon, a vida dos treinadores iniciantes e a qualidade e direções de todo o sistema relacionado a esse “sonho de viver” que a maioria dos jovens tem. Ele merece todo o reconhecimento e louros da glória que recebe. Mas fora dos holofotes, no ambiente familiar, as coisas são um pouco diferentes.

  O rapaz deu uma tragada no cigarro e expeliu a fumaça antes de continuar.
— Mas diferente da avó do Morty, meu avô é mais contido e discreto na forma como direciona e conduz as ordens para os membros da família e como projeta as expectativas em cima daquele que acha que deve herdar e dar continuidade ao legado.  Talvez por ele ter se destacado como pesquisador pokémon e não como treinador, acaba que é menos agressivo e radical do que a Agatha. Mas meu avô é rígido e manipulador quando quer e quando acha necessário, o que é praticamente sempre. Na certa você também tem algum membro da família mais ou menos assim.
— Hãn... Minha única família são minha tia e tio, não tem essas coisas de parente e tal. Eu nem conheci meus pais.

  Ao ouvir, Gary pareceu um pouco sem jeito. Deu mais uma tragada no cigarro e continuou.
— Sinto muito por isso. Mas, se lhe serve de consolo, famílias podem ser sufocantes e opressivas. Principalmente aquelas que são consideradas importantes e famosas. A sociedade acaba colocando expectativas nos membros dessas famílias que mais se destacam e consequentemente eles direcionam e forçam expectativas nos membros  mais novos da família, por conta desse lance de geração e porque a sociedade e a mídia também ficam criando comparativos. E aí o membro da família de maior destaque e influência, passa agir como um tipo de líder querendo que todos sigam a cartilha que ele quer com base na opinião e expectativa alheia, para manter o status e a tradição. Aí botam uma pressão nos filhos, sobrinhos e netos desde pequenos, usando qualquer tipo de chantagem.

  Pela forma como ele falava e a expressão em seu rosto, Crystal percebeu que Gary se referia a situação com um sentimento pessoal. Tinha curiosidade de saber mais a respeito, mas julgou que talvez aquilo o incomodasse. Então procurou mudar um pouco o foco da conversa.
— Ter uma avó como a Agatha deve ser horrível.
— É. Eu conheço o Morty há anos e real...nunca entendi como ele consegue aguentar tanto esporro. A maior parte da família se afastou dela, por causa da forma como ela trata e ofende todos. Mantém o Morty amarrado ao ginásio mesmo ele já estando de saco cheio desse negócio de ser líder.
— Mas porque ele não tentou se livrar disso, se já é algo que não quer?
— Quando se é parte de famílias influentes e tradicionais, é muito difícil se libertar. Meio que ferram com nosso emocional. E Agatha sabe como fazer alguém se sentir mal consigo mesmo.

   Aquilo era verdade. Agatha havia sido particularmente odiosa com Crystal nas duas vezes em que estivera no ginásio e obviamente agia assim com todos os treinadores.
— Mas quem sabe agora o Morty finalmente toma uma atitude.
— Será que foi certo deixarmos eles sozinhos lá? – Crystal perguntou, apreensiva.
— A gente só vai saber se o ginásio pegar fogo.
   A cara de assombro da garota ao ouvir fez com que Gary risse e ela logo percebeu que era uma brincadeira.
— Mas não se preocupe com isso. – Gary falou. – Você ganhou a insígnia, que era o que queria.
— É... se bem que esse “ganhar” não foi como eu pretendia. E eu fico me perguntando se está certo, se eu realmente mereci...
— Foi o Morty que disse que você merecia.  Foi dentro das regras.

   Na verdade, Crystal se perguntava se Morty lhe entregara a insígnia por realmente considerar que ela merecia por ter enfrentado Agatha ou se ele fizera isso para irritar a avó e finalmente “lavar roupa suja” de cunho familiar.

“ Um pouco dos dois, certamente.”

— Relaxa, tu mereceu essa insígnia. – Gary lhe deu um tapinha suave no ombro. – Eu já vi treinador que realmente ganhou insígnia de lambuja. Do tipo que ganhou porque ajudou o líder a resolver algum problema qualquer na cidade, porque enfrentou membros fracos da Equipe Rocket, porque resgatou pokémon ou mesmo porque fez amizade com o líder. – ele jogou a bituca de cigarro no chão e apagou com a bota. - Você estava enfrentando uma ex-membro da Elite4, que ainda por cima estava roubando na batalha enquanto fingia dar lição de moral bancando a superior.

   Crystal concordou com aquela última parte. E lembrar-se disso fez toda a indignação que sentira naquele momento, voltar com tudo.
— Como ela pôde fazer uma coisa dessas?! Ela me tratou de forma rude, me humilhou, me xingou de fraca, me acusou de querer tirar vantagem da batalha e ela fez exatamente isso! – Crystal fechou os punhos com força. – E ela ainda tentou usar o MegaGengar para torturar a minha Misdreavus! É inacreditável que alguém da posição dela faça isso. Absurdo!
— Pessoas com poder costumam ser assim. – Gary balançou a cabeça. - E agora, para onde pretende ir?
— Não sei... – Crystal murmurou. – Vou conversar com a Alice antes.
— E onde ela tá? Pensei que ela  estaria com você lá na batalha.
— Alice foi se encontrar com o tutor dela.
—  Sei...é  Lawrence estalar os dedos que Alice vai.
— Mas a Alice não sabia que eu ia no ginásio! – Crystal comentou. - Eu acabei decidindo na última hora e só mandei uma mensagem pra ela pouco antes de entrar no ginásio. Mas ela ainda nem visualizou a mensagem...
— Claro. Alice deve estar muito ocupada.

   Crystal percebeu a ironia amarga nas palavras de Gary e lembrou, na noite anterior, que ele e Lawrence claramente não apreciavam a presença um do outro. E isso porque, além das diferenças de opiniões, havia Alice. Sabia que Alice e Gary tinham um casinho e talvez o rapaz estivesse com ciúme do empresário. Mas Lawrence era o tutor de Alice, não havia motivos para isso.
  Procurou mudar o foco do assunto.
— Eles parecem bem dedicados.

   Crystal falou, apontando para duas crianças que  tentavam fazer com que seus pokémon (um Sentret e um Bidoof, respectivamente) lutassem em uma batalha. Mas não tinham muito sucesso, já que ambos pokémon estavam mais interessados em coçar a cauda (no caso do Sentret) e lamber as próprias partes íntimas (no caso do Bidoof). Crystal e Gary riram enquanto viam as crianças esbravejarem e choramingarem para os pokémon, que continuavam indiferentes aos protestos delas.

— Isso me lembra de quando ganhei meu primeiro pokémon e fui tentar treinar ele na pracinha perto de casa. – Crystal sorriu com carinho ao recordar. – Eu tinha dez anos e não sabia nada da prática de como ser uma treinadora pokémon.
— Você tirou licença com dez anos? – Gary indagou, intrigado. – Mas se você tem dezesseis anos agora, na época em que tinha dez, já tinha sido decretado a alteração na lei que só permitia que  se pudesse tirar licença de treinador a partir dos treze anos.
— Sim. Eu não tinha tirado licença...é que a Persian de uma vizinha havia dado cria e ela estava colocando os filhotes para adoção. – Crystal tratou de explicar. – E eu estava a época em que havia “descoberto” melhor sobre a Vida de Treinador e só falava disso. Aí minha tia me levou para escolher um Meowth, para eu aprender a cuidar de um pokémon.
   A expressão de Crystal se tornou um pouco triste, embora ele mantivesse um sorriso terno.

— Eu nunca tinha convivido antes com um pokémon, mas quando vi a Mia, esse era o nome que dei a ela, no meio de todos aqueles meothzinhos, eu a escolhi na hora. Fiquei tão feliz! Todos os dias depois da escola, eu passava horas com ela. Era uma Meowth pequenininha e muito boazinha. Cada coisa que ela fazia me encantava e eu brincava com ela no jardim e na praça, imaginando ser uma treinadora pokémon ou competidora de costest . E a Mia era minha fiel companheira. Para completar meu time, usava meus pokémon de pelúcia.
— Então você iniciou jornada depois já com dois pokémon.
— Não. A Mia...não ficou muito tempo comigo. Um dia, quando cheguei da escola, percebi que Mia não estava bem. Aí ela começou  a passar mal, estava vomitando e claramente com dor. Chamei minha tia e corrermos para levá-la ao Centro Pokémon e a enfermeira Joy constatou que ela tinha ingerido um tipo de veneno que é vendido para se lidar com pragas em casas e jardins. – a voz da garota ficou embargada. – A Mia chegou a ser internada, mas por ser muito filhote, não resistiu.
— Sinto muito. – Gary falou, sincero.
— Mia só ficou comigo por três meses, mas até hoje sinto falta dela. Pelo que a enfermeira disse depois, muito provavelmente alguém de má fé envenenou propositalmente a Mia, porque meus tios nunca usaram esse negócio para lidar com pragas de jardim e a Mia era uma pokémon obediente que nunca saiu de casa. E quando saía, era sempre comigo.  – ela encarou o rapaz. – Agora me diga, como alguém pode ser tão mau para envenenar intencionalmente o pokémon de outra pessoa, ainda mais um filhote inocente?!
— A maldade das pessoas sobre os pokémon não tem limites. Tem muita gente, inclusive treinadores, que maltratam pokémon considerados “fracos e inúteis”.  Um absurdo, mas real.
— Depois que perdi a Mia, eu fiquei péssima e a única coisa que me distraía era lendo e assistindo coisas sobre ser treinador e tudo o que eu poderia fazer se me tornasse uma. E também um amigo meu, o Kenta, me motivou muito a não desistir de querer ser treinadora. Mas quando tive idade para pegar minha licença, meus tios me convenceram a esperar até que eu tivesse quinze anos. Consideraram que com essa idade seria mais seguro para eu seguir jornada.
— De fato, nos últimos anos a situação de risco para treinadores jovens aumentou bastante.
— É...e como Johto estava meio violenta, fui para Hoenn, peguei minha Licença de Treinador lá e iniciei jornada com um Torchic. Oficialmente, ele foi meu primeiro pokémon mas meu primeiro pokémon mesmo foi uma Meowth.

  Crystal então percebeu que já estava falando há alguns minutos sobre  um assunto de sua vida e tratou de contornar a situação, envergonhada.
— Desculpa! Eu estou aqui falando e falando sobre a minha vida, devo estar te entediando!
  Foi então que sua barriga deu um ronco tão alto e forte que fez Crystal desejar ser um Diglet para afundar embaixo da terra, de tão envergonhada. Mas Gary levantou, se espreguiçou e se virou pra ela.
— Acho que depois de hoje, nada como um fast-food do Bulba’s Burguer que tem aqui perto. Topa?

  Crystal sempre havia achado Gary um rapaz bonito quando o via pela TV e internet, mas agora pessoalmente ele se mostrava muito charmoso também. E ela tinha de admitir que estava mesmo com muita fome e poderia se dar ao luxo de comer um lanche saboroso para comemorar sua nova insígnia.
— Vamos! Eu vou mandar uma mensagem pra Alice avisando onde estamos, daí ela pode ir nos encontrar!
  Gary duvidava que Alice aparecesse, afinal, após a forma como a viu trocar olhares com Lawrence ontem, deixou profundamente irritado.
— Pronto! - falou a treinadora se levantando. – Vamos, estou morrendo de fome!

  Enquanto seguia Gary para fora do campinho, Crystal mal conseguia acreditar que, após ganhar a uma insígnia e ter enfrentado uma ex-membro da Elite4, iria almoçar na companhia de um dos treinadores que mais se inspirara em sua pré-adolescência e que poderia trocar ideias sobre pokémon e jornada com ele. Até que estava sendo um dia bom.

~*~

  
   Basho recostou-se na cadeira, esfregando os olhos com as pontas dos dedos, sentindo a visão cansada. Na verdade, sua cabeça e todo o seu corpo estavam cansados após as últimas dez horas de trabalho intenso e ininterrupto. Na mesa a sua frente, havia cerca de quatro monitores que mostravam, eu suas telas pretas, uma varredura  interminável de códigos alfanuméricos da extensa programação que compunha todo o sistema de redes interno pertencente a Equipe Rocket.


   Basho observou a varredura dos códigos. Boa parte do atual sistema computadorizado da ER utilizava o software e a programação desenvolvida por ele junto a uma equipe de programadores Rockets altamente competente. Mas a maior parte de todo o desenvolvimento fora ele sozinho que fizera. E, de tempos em tempos, mesmo após ter se tornado um agente de campo do mais alto nível, costumava verificar se tudo operava perfeitamente e realizava as alterações e ampliações que fossem ou julgasse necessárias. Além, claro, de resolver os problemas que apareciam no sistema e que algumas vezes nem a equipe técnica conseguia resolver e realizar os testes de segurança contra diversos tipos de invasão.
   Embora no Supremo Conselho os membros não possuíssem “alcunhas” a despeito de suas funções para beneficiar a organização, Basho sabia que seu dever ali, agora, era cuidar da proteção dos registros arquivados no sistema da Equipe Rocket e não permitir que ocorresse vazamento de dados ou espionagem virtual.


   Quando havia conseguido entrar no seleto Alto Conselho, estava ciente de que isso lhe acarretaria muito mais trabalho mas era algo que estava disposto a fazer. Aquela cúpula elitista já existia quando havia ingressado na organização, ainda sob o comando de Giovanni. E desde o primeiro momento em que tivera conhecimento, se tornou um de seus interesses – e por que não – ambição particular.
   E Basho sabia, ainda que não tivesse provas irrefutáveis, de que aquele seleto grupo da organização que agora também pertencia, haviam sido responsáveis pela saída de Giovanni. Afinal, todos eles eram pessoas de poder, com posições e influência na sociedade de Kanto e Johto. Juiz, político, general, empresário, cientista, líder religioso, e até mesmo membro importante do Comitê da Liga Pokémon. Eram pessoas poderosas. Muito poderosas. Por isso, não surpreenderia que eliminasse quem já não compactuasse com seus planos ou objetivos.

“A pessoa mais próxima de Giovanni aqui na Equipe Rocket era Igni. Teria o Alto Conselho convencido Igni ou Igni convencido o Alto Conselho?”

 
   O sistema anunciou em um dos monitores, uma falha no código e após uma rápida análise, Basho começou a digitar com rapidez os códigos e comandos que tinha memorizado. Assim como qualquer outra coisa que seu cérebro naturalmente retia.
  Basho consertou a falha e deixou que o sistema continuasse a varredura enquanto despendia um rápido olhar para os demais monitores a fim de se certificar que tudo seguia nos conformes.

   Era seu dever garantir que o sistema computadorizado da ER se mantivesse seguro para que informações importantes acerca de aquisições, financiamentos, transações, pokémon, experiências, investimentos, rentabilidade, contrabandos, trâmites e quaisquer outras informações e registros importantes continuassem protegidos de possíveis invasões externas (e até mesmo, internas). Era uma tarefa árdua que precisava ser feita por quem não apenas entendesse tudo sobre o sistema de registros, mas também alguém de confiança e de comprometimento com a organização.
   Era esse tipo de pessoa que, ao longo de dez anos, Basho dedicou a se tornar aos olhos dos superiores e até se tornar líder deles. Todos pensavam que ele fazia isso – sempre sendo o melhor em qualquer trabalho ou missão que o designavam – por ser um agente ambicioso que acreditava nos ideais da organização.
  Um risinho de deboche tremeu nos lábios do rapaz ao pensar sobre isso.

 Verificou a tarefa que realizava “á parte” em seu notebook particular conectado a um dos computadores centrais e ali, outro sistema fazia uma cópia de arquivos importantes (e muito provavelmente comprometedores) de certos assuntos e atos da Equipe Rocket.
  Já faziam dois anos e meio que Basho agia nas sombras da organização como um espião-duplo. Após ter se tornado agente de elite, Basho decidiu oferecer seus serviços como informante para quem estivesse disposto a pagar alto. Até porque, sendo ele um Rocket com muito acesso a segredos da organização, tornava-se mais fácil, embora mais arriscado.

   Mas Basho fazia isso não porque realmente acreditava em ideologias, mas porque gostava. Queria ter conhecimento das coisas. A necessidade de sempre fazer e fazer sempre o melhor estava tão enraizada nele que, mesmo sem querer, já estava fazendo, aprendendo, aperfeiçoando, memorizando. Com velocidade e eficiência. “O gênio Basho”.
   É. Poderia mudar de nome e vida quantas vezes fosse. Sempre seria o gênio. Escolhesse isso ou não.

    Se recostou novamente na poltrona, pegando uma esfera mediana de vidro que tinha sobre a mesa começando a movê-la habilidosamente em uma das mãos enquanto olhava de um monitor para o outro, parcialmente atento aos infindáveis códigos que ali discorriam enquanto sua mente vagava para muito longe dali, no passado.

~~

   Todos os presentes permaneceram alguns segundos em silêncio após assistirem ao final da reportagem que era exibida pela TV, em um respeitado noticiário, sobre a trágica morta acidental do menino-gênio de Kalos.
   Em uma confortável poltrona cor vinho, sentava-se o todo poderoso chefe da Equipe Rocket: Giovanni. Aos seus pés, seu elegante Persian parecia dormir, embora movesse a ponta da cauda vez ou outra, denotando que estava atento.

  O adolescente, sentado em uma das cadeiras de frente a mesa de Giovanni, procurou manter sua expressão o mais neutra possível diante daquele homem poderoso (e perigoso) com o qual havia decidido se aliar para negociar aquela decisão irreversível que tomara. Além dele, sentado em uma cadeira ao seu lado, estava o agente Rocket com quem havia intermediado todo o processo que agora culminava ao que acabara de assistir pela TV. E, em pé, encostado a um aparador no canto atrás do líder, estava um rapaz de longos cabelos dourados e olhos bicolores. Igni.
  O garoto já havia se deparado com pessoas estranhas dos mais variados tipos, afinal, vivia entre indivíduos ditos como geniais e importantes. E, embora Giovanni fosse uma pessoa que atraía atenção de forma ameaçadora e respeitável, havia algo naquele tal de Igni que parecia...surreal.

— O serviço está praticamente concluído. – Giovanni falou, desligando a TV ao apertar um botão do controle remoto. – Oficialmente, Átilla Saitou está morto devido ao acidente no apartamento em que residia, ocasionado por um vazamento de gás acidental que culminou em um incêndio. O corpo carbonizado foi levado para autópsia e através dos meus contatos, consegui com que Shiranui fosse o legista responsável por examinar e emitir o laudo médico que será entregue para as autoridades.
   O garoto de nome Átilla encarou o chefe Rocket de forma séria, mas que induzia certa dúvida. Giovanni de um sorrisinho de canto.

— Não se preocupe. Antes de se tornar um cientista Rocket, Shiranui foi um médico legista de certo renome e muitos contatos. Aquele corpo na necropsia será o seu antigo eu.
   Átilla assentiu. Era preciso que confiasse no trabalho que havia pedido á eles. Sabia que eram capazes. Apenas se lembrou de não deixar que sua própria consciência o fizesse remoer aquilo.

— Falando em seu antigo eu... – Giovanni indicou que Igni lhe entregasse uma pasta sobre o aparador e a repassou ao garoto. – Já que não será mais Átilla a partir de agora, aqui estão seus novos documentos e também uma breve história sobre o jovem “Basho Fujita”.
  O garoto pegou a pasta, sentindo o peso de todas suas recentes e irreversíveis decisões que o fizeram chegar ali.
— De quem... era o corpo que foi para a autópsia...?
— O de Átilla Saitou. – frisou Giovanni. – Quem foi antes, não importa.
   Basho sentiu um frio pesar em seu estômago ao ouvir aquilo, sabendo que era um assunto encerrado.

— A minha parte neste acordo está feita. – Giovanni continuou, colocando ambas mãos sobre o próprio colo. – Agora, espero que você cumpra sua parte vitalícia aqui.
— Sim.
  Basho estava pronto. Ao mesmo tempo em que um imenso fardo era retirado de sua vida, um peso era agora colocado em sua nova vida.
— Você é uma excelente e promissora aquisição para a Equipe Rocket, Basho. Espero que não apenas cumpra com as expectativas como possa realizar grandes feitos para a organização.
— ...farei isso, lhe garanto...senhor.
— Bom, já que terminamos, vou vazar.
   O agente Rocket que estava ao lado de Basho se levantou, espreguiçando-se de forma exagerada.
— Depois de todo o trampo que o “geninho” aqui me deu para fazer o esquema de incêndio, nova identidade e o escambau, eu vou é agora ir pra farra descansar. Eu mereço!

   Ele virou-se para sair ao mesmo tempo em que Igni caminhava para então se interpor entre o agente e a porta.
— Que é?
   Igni se manteve imóvel, as mãos para trás e um quase sorriso dissimulado no rosto. O agente era claramente mais alto e corpulento do que Igni, mas aquela situação silenciosa fez Basho perceber que havia algo errado.
— Sai da minha frente. – resmungou o homem. – Ou tá querendo que eu te coma? Afinal, fiquei sabendo...
— Você sabe de muitas coisas, Tyson. Afinal, é um informante.
   A voz de Giovanni fez o agente se virar enquanto o chefe continuava.
— Mas sua posição de informante não é para a Equipe Rocket.
— O quê...?
  Ao olhar nos olhos do chefe, a expressão entediada de Tyson foi dando lugar a um semblante de pavor.
— Você foi descoberto, camarada.

  Basho não sabia do que se tratava com detalhes, mas sabia que aquele agente havia cometido um erro. Viu o homem abrir a boca para tentar argumentar, mas sem conseguir emitir som e sabia que seria inútil. Virou-se para sair, mas seus olhos se encontraram com o cano do revólver empunhado por Igni.
  Um tiro.
  O som do disparo reverberou pela sala, fazendo Basho ter um sobressalto. Imóvel pelo choque, viu o grande corpo de Tyson desabar com um baque surdo no chão e um buraco ensanguentado na testa. O Persian despertou visivelmente assustado, mas ao ver o corpo, pareceu compreender que aquilo era algo sem importância e voltou a relaxar aos pés do dono.
  Basho ficou olhando para o homem morto, sentindo suas mãos tremerem e rapidamente segurou com força os braços da cadeira.

— Ele estava nos espionando.
  Basho demorou alguns segundos para entender que Giovanni falava para ele. Encarou o homem, enquanto Igni  passava por cima do corpo e ia até o aparador.
— Tyson se bandeou para o lado dos nossos inimigos. Estava vendendo ou até mesmo fornecendo de graça informações sigilosas sobre planos e segredos da Equipe Rocket, o que prejudicou uma missão importante e certamente tantas outras. – Giovanni olhou com desprezo para o corpo no chão. – Não podemos deixar que traidores e oportunistas mantenham-se na Equipe Rocket ou mesmo que saiam ilesos de devidas punições.
  Basho não conseguia dizer nada. Nunca antes havia presenciado diante de si um assassinato. Se esforçou para não permitir que seu rosto transparecesse seu temor, mas eles haviam percebido.

— Não se preocupe, Igni dará um jeito nisso. E espero que ele dê um jeito nesse mancha no tapete também.
  Igni olhou para Giovanni com certo deboche.
—Esse tapete já está aqui há tempo demais. – ele disse. -  Vai ter que trocar agora.
— Fez isso já pensando em se livrar do tapete também?
 Igni apenas de um risinho de desprezo, que Giovanni retribuiu.
— Vou chamar alguns recrutas para...
— Desove você o corpo. – ordenou Giovanni ao loiro. – Peça para Basho te ajudar, assim ele já vai se habituando.
  Igni bufou e se aproximou de Basho, ambas mãos na cintura.
— Certo. Me ajude a enrolar o corpo no tapete. Primeiro dia e já terá uma baita aula de como lidamos com traidores por aqui. – ele sorriu. - É bem motivador, não acha?

    Loucos. Aqueles dois eram loucos.
   E Basho agora trabalhava para eles.

~~

O baque da esfera batendo no chão fez Basho abrir os olhos de súbito, sentindo o coração um pouco acelerado. Olhou ao redor da sala vazia, o único barulho vindo dos gabinetes dos computadores e o ar condicionado. Passou a mão sobre o rosto, percebendo que havia cochilado. Realmente o cansaço estava se abatendo, talvez devesse tomar algum energético.

   Pegou a esfera caída no chão atapetado e a colocou sobre a mesa no momento em que a tela do seu notebook emitia um aviso de que a transferência dos dados estava completa. Havia acabado de conseguir uma cópia de diversos arquivos importantes e comprometedores da Equipe Rocket.
  Ser um espião duplo, fornecendo e vendendo informações da Equipe Rocket para outros era o maior crime de um agente para com a organização, punível de forma irreversível.  Aprendera isso no seu primeiro dia como Rocket. E mesmo assim, aqui estava ele fazendo o mesmo. Mas ele não era tolo como Tyson, ele era superior. E pressentia que Igni tinha algum conhecimento de sua conduta e fazia vista grossa a isso porque, afinal, o “gênio Basho” era uma das melhores aquisições da Equipe Rocket e provara isso.
  A verdade é que Basho sabia que precisava decidir qual dos dois lados ficaria: com a Equipe Rocket ou contra ela. Mas não apreciava realmente nenhum.

 A menos que...escolhesse uma terceira opção.
Uma opção que, embora ainda não estivesse confirmada, ele conseguia pressentir e até visualizar. Seria grandioso, histórico e realmente poderia apreciar estar nesse lado.

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...
Este capítulo foi um daqueles que se modelou a medida em que foi escrito e pouco se manteve do que eu havia previamente traçado, inclusive tendo somente duas cenas (inicialmente seriam três).
A conversa entre Crystal e Gary acabou tomando outro rumo enquanto eu escrevia e assim surgiu a Meowth Mia. Já fizesse tempo que eu achava que Crystal poderia ter um primeiro pokémon que realmente combinasse com o jeitinho dela, já que os iniciais de Hoenn tendem a ser não tão carismáticos na minha opinião. Espero que a existência triste de Mia tenha causado certa empatia, pois nos últimos tempos vi um aumento de pessoas afeiçoadas a gatos e muitos deles se deparam com relatos e situações tristes, como a que procurei mostrar.
Com relação a Basho... É uma cena de importância, mostrando um pouco do motivo que levou Basho/Átilla a fazer o que fez com a antiga vida. E ainda que Giovanni e Igni possam parecer cruéis, isso é de se esperar de uma organização mafiosa real lidando com membros que cometem erros prejudiciais. Não quis entrar em detalhes porque penso que certas coisas não haveria tanta necessidade de se descrever sobre. Pelo menos por enquanto.

Curiosidade: Basho é de etnia asiática e acho que agora isso ficou bem claro. Os sobrenomes Saitou e Fujita são os respectivos sobrenomes de um personagem histórico real. Hajime Saitou foi um dos comandantes do Shinsenguimi, grupo de espadachins famosos e temidos que atuaram durante o Bakumatsu no Japão. Após a guerra, Hajime Saitou mudou seu nome para Gorou Fujita e tornou-se policial. No mangá/anime Rurouni Kenshin, Saitou é um personagem retratadso de forma incrível e eu vejo sutis semelhanças de Basho com ele, principalmente por serem personagens "cinzas".

É isso. Até o próximo capítulo.



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