A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 34
Capítulo 33


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor (a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.
Houve um relativo atraso para atualizar a história neste mês devido a algumas reformas no meu apartamento, os novos projetos de cosplay e sendo o mês do meu aniversário onde estou, aos poucos revendo meus amigos pós pandemia. E ficou tudo uma bagunça pra poder me focar e escrever. Mas no tempo que consegui para isso, foquei na escrita de um capítulo de um dos meus originais (sim, estou trabalhando ou melhor, tentando, trabalhar em mais de um). E como eu sabia que este capítulo da fic exigiria um maior cuidado e concentração, optei por esperar até estar em um ambiente mais tranquilo para desenvolvê-lo.
No fim, o capítulo aqui se mostrou bem trabalhoso desde o seu planejamento, Isso por causa de ele ser mais centrado em diálogos emocionais ainda que tenha podido retornar a inserir uma batalha pokémon (afinal, ainda é uma fic de pokémon com jornada de treinador rs).
Ás vezes sinto que a história está lenta, mas eu me auto impondo um limite de caracteres nos capítulos faz com que eu precise diminuir a quantidade de cenas e transferir certas coisas para capítulos posteriores. Faço isso porque sei o quanto as pessoas tendem a recear ler algo que pareça longo demais e jogam o "vou ler depois" que fatalmente nunca acontece.

Enfim, quero agradecer a todos os que estão lendo a história e já a acompanham desde seu lançamento. Agradecimento especial dessa vez a OrochedaPaz que tem deixado comentários nos capítulos que muito me motivam (obrigada!) e ao meu primoso Raven por ter ajudado no momento da batalha da Crystal. Sem ele, eu não teria conseguido escrever.
Enfim, chega de papo e boa leitura.



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 ~*~

  
   Quando chegou diante do ginásio de Ecruteak, Crystal o encontrou com as portas abertas. Depois de vê-lo fechado e seu evidente estado de abandono, era até estranho encontrar o local em funcionamento. Tratou de conferir as três pokébolas em seu cinto – tinha o hábito de colar um pequeno adesivo do respectivo pokémon que mantinha em cada pokébola –e respirou fundo, se dirigindo até o local.
   Quando entrou, viu uma mulher terminando de varrer atrás do balcão de atendimento e Crystal concluiu que ela certamente era a recepcionista que havia sido afastada devido a uma crise nervosa causada pelo Gastly Juquinha.

— Olá. Posso ajudar em alguma coisa?
— Hãn...eu gostaria de desafiar o líder de ginásio para uma batalha. – Crystal tratou de se adiantar. –Eu...eu já fiz isso ontem mas aconteceu um...

   A porta aos fundos da recepção, que dava acesso ao corredor até a arena, foi aberto com violência e um treinador bem gordinho com mais ou menos a idade de Crystal surgiu visualmente transtornado, o rosto vermelho e os olhos marejados. Quando ele notou a presença das duas, abaixou a cabeça envergonhado e saiu correndo.
— Ai,ai, de novo... –murmurou a recepcionista.– Tem certeza de que você quer mesmo batalhar aqui hoje?

  Crystal não soube o que responder.Aquele treinador não estava mal somente por ter perdido a batalha, percebeu que ele estava era claramente abalado. E era estranho que Morty pudesse se mostrar um líder de ginásio agressivo e assustador ao ponto de deixar um jovem treinador daquele jeito, ele não parecia ser esse tipo de pessoa. Á menos que, quem estivesse batalhando fosse...
— Olha só quem retornou! A garotinha medrosa de cabelo azul! Voltou aqui para fugir de novo, querida?

  Crystal sentiu seu estômago retorcer e um gosto amargo subiu na boca. Ali na porta, estava a mestra Agatha. Com as mãos apoiadas na bengala, o xale sobre os ombros e uma expressão presunçosa no rosto.
—  Ei, menina. O Meowth comeu tua língua? Eu fiz uma pergunta!
—E-eu..eu...vim ba-batalhar!
   Agatha a mediu de cima á baixo e um feio sorriso de escárnio quase surgiu em seus lábios.
— Se veio batalhar hoje, terá que me enfrentar. Mas com base na sua atitude anterior, eu posso te deixar ir embora quietinha e fingir que nunca esteve aqui, para que você não seja alvo de chacota dos seus amigos e nem fique se sentindo uma fracassada, embora...

   Ela não terminou a frase. Mas nem precisava, pois Crystal havia entendido a mensagem.  Poderia desistir, alegando que viera propor o desafio a Morty, já que era ele o líder do ginásio e queria que a batalha fosse oficial. Mas sabia que se alegasse isso, Agatha a acusaria de ser uma covarde com uma desculpa esfarrapada, o que não estaria muito longe da verdade.
— Eu não vou recuar. Vou lutar.
— Hum...pelo visto temos um pouco de ousadia dessa vez. – a velha riu e se virou para a atendente. – Pegue o cartão dessa treinadora e a registre! – então tornou a olhar para Crystal. – Venha, rebeldinha. Vamos para a arena, não gosto de perder tempo!
— Senhora Agatha. - chamou a recepcionista enquanto Crystal lhe entregava seu Cartão de Treinador. –Devo ir até a arena para entregar a informação do nível de pokémon?
— Não preciso disso! E essa treinadora veio desafiar o ginásio, como todos os outros! E um desafio ela terá!

   A velha seguiu pelo corredor de onde viera e a atendente sussurrou um “boa sorte” para Crystal quando ambas trocaram um rápido olhar antes da treinadora seguir a antiga mestra da Elite4.
   Enquanto andavam pelo mesmo corredor repleto de tralhas antigas e cheiro de naftalina, Crystal apertava as próprias mãos com força a fim de controlar o nervosismo. Não estava realmente preparada para aquela batalha. Não contra uma ex-membro da Elite4. Tentou não pensar nisso, pois sabia que se continuasse, o medo e o nervosismo poderiam fazê-la agir como na outra vez e havia prometido a si mesma que não deixaria isso acontecer.
   Então, para aliviar sua tensão, bem como afastar a sensação sufocante que aqueles corredor abafado e apertado, com o único som sendo o “tac-tac” da bengala de Agatha batendo no chão conforme ela andava, Crystal tentou puxar assunto.

— O Morty...não está?
— Não. Na certa deve ter passado a noite vadiando e enchendo a cara junto com aqueles amigos transviados e agora está dormindo em alguma pocilga para ser acordado com um Pochiena vadio lhe lambendo a boca! E sobra pra mim, que já estou em idade avançada, ter que ficar batalhando com treinadores novatos e estúpidos enquanto ele fica vagabundeando por aí e envergonhando a família!
   Crystal percebeu que a velha estava irritada e era óbvio que isso iria piorar sua situação na hora da batalha. Quando enfim chegaram na arena, a treinadora se arrependeu de ter vindo sozinha.

   Aquele lugar era grande,abandonado e repleto e móveis e tralhas velhas acumuladas em um canto e tinha uma atmosfera sufocante. Havia sentido certo desconforto na primeira vez que viera acompanhada, mas agora sentia-se ainda mais desconfortável. Se Alice estivesse ao seu lado, seria melhor.
   O nervosismo e a ansiedade começaram a se espalhar por seu corpo e Crystal tratou de abstê-las e focar sua atenção em qualquer coisa. Era impressão sua ou havia uma espécie de névoa pairando por ali? Ergueu os olhos para o teto mal cuidado e estremeceu ao ver alguns Gastlys flutuando em círculos de forma lenta, feito almas.

— Não se preocupe, eles não vão te atacar. – Agatha falou, olhando para o teto e em seguida para a treinadora. –Á menos que seu emocional esteja fragilizado e eles acabem se interessando para grudar em você e consumir sua energia espiritual e ficarem mais fortes. Teorias dizem que certos pokémon Fantasmas tendem a se tornar obsessores.
   Crystal olhou para Agatha, que já estava posicionada do outro lado da arena. E foi capaz de ver algo relativamente grande atrás dela, como uma espécie de sombra provida de grandes olhos vermelhos que emergiam das trevas no que talvez fosse um tipo de entidade.
  A treinadora estremeceu.

— O que foi, menininha? Vai arregar de novo? Não seria estranho. Depois de sua atitude por aqui ontem...olha, raramente alguém simplório é capaz de me surpreender mas você conseguiu. Eu ri, todos aqui riram assim que você passou pela porta e percebemos que tinha fugido! – Agatha fungou uma risada meio engasgada. – Devo admitir que embora o meu neto e os amigos anarco-debilóides dele sejam uns vagabundos, eles são bem criativos para debochar e fazer piadas! Até mesmo a sua amiga mimada.
   Crystal sentiu o peito gelar e novamente a ansiedade pareceu ganhar força.


   “Ela viu que você estava nervosa e resolveu fazer uso disso para te provocar. Oponentes que fazem uso desse recurso não precisam nem se esforçar muito para eliminar quem eles consideram uma ameaça ou mesmo um empecilho. “
“Não tente justificar a atitude de ninguém quando procuram te magoar e humilhar para te fazer enfraquecer.”

  
   A lembrança das palavras de Átilla a acalmaram. Assim como na primeira vez, a mestra Agatha estava tentando provocá-la não apenas de forma vexatória, mas também lhe causar gatilhos para que se sentisse mal e se auto sabotasse.

“Mas eu não posso deixar as palavras dela me afetarem, porque é exatamente isso que ela quer. Velha mórbida!”

— Eu...estou pronta para batalhar!
— Podemos então dispensar a apresentação, regras e todas as formalidades. Ótimo!
   Agatha lançou uma pokébola e, ainda estando no ar, a peça se abriu e um Haunter se materializou. A grande carranca roxa e sorridente permaneceu flutuando á frente de sua velha treinadora, aguardando.
— Já que meu neto iria começar a luta contra você ontem usando o Haunter dele, vou começar a luta aqui usando o meu Haunter. Vamos ver quanto tempo vai levar até todos seus pokémon tombarem.
   Crystal notou que o Haunter possuía alguns danos leves em seu corpo e que pareciam bem recentes. Na certa o treinador que vira saindo do ginásio conseguira que algum de seus pokémon atingisse o Haunter antes de ser derrotado. Bom, iria lutar e derrotar aquele Haunter, pelo treinador desconhecido.
   Pegou uma das pokébolas que havia separado e a lançou. Dela surgiu, com esplendorosas asas, Beautifly.

— Sério que você vai começar a batalha contra um Haunter usando esse pokémon xexelento?!
   Crystal fechou os punhos. Quando ofendiam ou debochavam de sua pessoa, ela ficava triste, mas quando alguém ofendia ou debochava de algum dos seus pokémon, Crystal se enfurecia. Porque ela sabia do valor de cada um de seus pokémon, o quanto eram fortes e dedicados, e das qualidades de cada um.
— Beautifly foi o primeiro pokémon que capturei, quando ainda era uma pequena Wurmple! Ela sempre me acompanhou durante toda a minha jornada, enfrentamos muitos desafios e evoluímos juntas!
   Quando percebeu, já tinha falado. Isso porque, Crystal sabia, que o fato de manter Beautifly quase sempre em seu time principal, a fizera ser questionada muitas vezes por treinadores mais experientes. Isso acontecia porque, na maior parte dos casos, o primeiro pokémon capturado por um treinador iniciante tendiam a ser pokémon simples e fracos, facilmente encontrados em qualquer “matinho”. E, assim como Caterpies eram abundantes em Kanto e Johto, o mesmo acontecia com Wurmples em Hoenn. De modo que eram pokémon que os treinadores capturavam, treinavam e evoluíam principalmente para auxiliá-los a capturar outros pokémon, que acabavam sendo mais utilizados.

— Que seja! – resmungou Agatha, erguendo a bengala. – Haunter, abata esse inseto!
   O Haunter  avançou com rapidez, uma das mãos estendendo-se para frente a fim de estapear a Beautifly, que desviou uma, duas, três vezes.
— Não deixe que ele te atinja Beautifly! Use String Shot!
  Após desviar de mais algumas tentativas de ser abatida pelas grandes mãos do Haunter, Beautifly rodopiou no ar e ficando de frente para o oponente, disparou suas teias.
— Acha mesmo que esse golpe inútil vai afetar um Haunter? Não entende de nada mesmo!
  Ao sinal de Agatha, o Haunter avançou por entre as teias pegajosas que cortavam o ar, se prendendo nas vigas do teto. O pokémon Fantasma avançou confiante, cortando os fios de teia com suas mãos de garra.
— Continue com String Shot, Beautifly! Mire nele!
  O pokémon obedeceu, mas o Haunter aumentou a velocidade do corte e se aproximando do pokémon borboleta...até que alguns dos fios rasparam em seu corpo parcialmente gasosos e um choque estático passou pelo corpo do pokémon.
— Electroweb, Beautifly!

  “Isso!”, Crystal pensou assim que deu a ordem e sua pokémon atacou. Ainda que o impacto do golpe no Haunter fosse menor do que havia pensado, ainda poderia ajudar a retardar o Haunter para que Beautifly partisse para uma ofensiva.
   Porém, ela nem teve tempo de ordenar um golpe a Beautilfy pois a voz de Agatha rasgou o ar.
Confusion!
  Crystal sabia, ao ouvir, que a primeira batalha estava perdida. Beautilfy estava tão concentrada no oponente que quando os olhos dele se fixaram nos seus, o golpe a atingiu como um tiro invisível. Ela parou de atacar e ficou pairando no ar.
  Crystal pegou a pokébola de Beautifly em mãos, pensando se deveria chamá-la de volta ou arriscar ordenar um golpe (daquele jeito, as chances do pokémon atacar o oponente ou acabar ferindo a si mesma eram uma questão de sorte), mas não conseguiu fazer nem uma coisa nem outra, pois o Haunter, conseguiu romper as teias e atingiu a pokémon borboleta com um Shadow Punch tão forte, que Beautifly foi mandada para baixo,estatelando-se no chão.
— Ah, não! Beautifly!

  Deixando as regras de batalha de lado, Crystal avançou pela arena, praticamente caindo de joelhos diante da pokémon.
— Ei, menina! A batalha ainda está em andamento! Se ficar no meio da arena, vou cancelar a luta e você vai perder!
  Crystal recolheu Beautilfy e voltou para seu lado da arena, não sem antes lançar um olhar raivoso para Agatha, que apenas deu um risinho confiante.
— Essa outra aqui não vai ser tão fácil! – falou a treinadora sacando outra pokébola. – Conto com você!
  Misdreavus surgiu no ar assim que a pokébola se abriu.
— Incrível como uma treinadora como você tem um pokémon relativamente bom. Mas, veremos se sabe como comandá-lo corretamente. – falou Agatha. – Vou ser boazinha e deixar que ataque primeiro.
  O sorriso de Agatha deixava claro que ela não dera aquela vantagem com boas intenções. Mesmo assim, Crystal não recuaria. Quando traçara uma estratégia de batalha após estudar por horas com o material que pegara na biblioteca, Misdreavus era sua pokémon principal e mais eficaz contra os oponentes do ginásio.

   “Se bem que, eu tinha planejado tudo para lutar contra os pokémon de Morty e não contra os da Agatha...mas, mesmo assim, estamos em uma batalha oficial de ginásio e as regras acerca dos níveis de ambos pokémon serem balanceados é obrigatório. Então, mesmo que eu esteja lutando contra uma antiga mestra da elite4, os pokémon dela estão mais ou menos no mesmo nível que os meus.Isso, e o fato de Misdreavus, além de ser Fantasma, é um dos meus pokémon mais fortes, são as minhas principais vantagens. Eu tenho de tentar!”

— Mis! – chamou, atraindo atenção de sua pokémon. – É um oponente difícil, mas vamos fazer o nosso melhor! Eu confio em você, confia em mim?
  A pokémon encarou a treinadora e acenou positivamente.
— Shadow Ball!
  Misdreavus avançou, disparando diversas bolas negras de energia contra o oponente, que desviou da maioria e mesmo que fosse atingido vez ou outra, não parecia se incomodar tanto.
— Sabia que ia usar esse golpe Fantasma contra um Fantasma! –Agatha rosnou. – Fracotes iniciantes são muito previsíveis. Haunter, mostre pra elas o que é um Shadow Ball de verdade!
  O Haunter obedeceu, e a quantidade de esferas negras que lançou era muito maior. Mas Misdreavus reagiu, continuando a lançar Shadow Balls. A quantidade de esferas chocando-se criou um verdadeiro espetáculo de fumaça roxa e faíscas estáticas.
— Não desista, Mis! Continue atacando!

  Crystal sabia que não poderia deixar Misdreavus muito tempo só lançando aquele golpe, ainda mais porque via claramente que a potência do golpe do Haunter era muito maior. E, quando percebeu que Misdreavus começava a ceder na pressão que a força do golpe do oponente crescia, soube que precisava agir.
— Mis, manda a maior carga de Shadows Balls que puder e então contorne!
  A pokémon assim o fez. Reuniu o máximo de energia que pôde e lançou uma saraivada de esferas negras. A luz e fumaça prejudicou o campo de visão, mas Misdreavus era capaz de atravessar por ali com precisão, surgindo com um rodopiou rápido e elegante em um ponto cego do Haunter.
— Agora, PSYWAVE!

  Crystal não se importou de gritar, uma dose de confiança crescendo em si. Sua estratégia estava dando certo e aquele golpe sempre era capaz de atingir o alvo e assim aconteceu. O Haunter sentiu a força do golpe e claramente nem ele e nem sua mestra acreditaram que realmente poderia ter feito um dano crítico. Mas havia conseguido.
— Haunter, Finch!
   Ela trincou.O golpe conseguiu atingir Misdreavus, provocando um grito da pokémon e um dano visível.
— Mis, você está bem?!
  Crystal arfou, olhando para a pokémon que manteve um flutuar cambaleante, sentindo o golpe. Mas prontamente Misdreavus balançou o corpo em sinal afirmativo.
   E, quando o Haunter atacou novamente usando Finch, mas dessa vez com ainda mais força, Crystal e Misdreavus sabiam que era o momento.
— Mis! Contra ataque com tudo!

  O golpe lançado por Haunter tinha tudo para acabar com a Misdreavus de uma vez e Agatha tinha certeza disso. Seu pokémon era muito mais forte. Mas qual não foi a surpresa da antiga mestra ao ver que, mesmo ferida e pequena, Misdreavus não apenas conseguiu desviar do golpe como contra atacar com um Finch tão poderoso quanto o do seu Haunter, conseguindo atingi-lo em cheio.
— Mas que porra é essa?! - vociferou Agatha.
  Crystal sorriu. Sim, com sua estratégia, confiança e Misdreavus, tinha chances nessa batalha.

~*~

  
   A Burned Tower era a construção mais antiga da cidade de Ecruteak. Considerada um patrimônio histórico de Johto e do mundo todo, a lendária e enigmática torre sempre foi carregada de histórias acerca de simbolismo e lendas envolvendo disputas, pokémon e magia antiga.
   A torre era conhecida em épocas milenares como Brassed Tower, um lugar religioso dos antigos povos para cultuarem os Ancestrais, deuses de Johto pertencentes a uma doutrina religiosa primitiva, anterior ao culto a Arceus, e que dominava o continente de Kanjoh (termo usado por historiadores para se referir a Kanto e Johto quando ainda eram uma única região).
   Os deuses Ancestrais, hoje há muito esquecidos, eram relacionados as forças e elementos da natureza e representavam não a superioridade de pokémon e domínio de humanos, mas sim em uma coexistência entre ambos.
   Durante muito tempo a torre foi utilizada e mantida como um local de culto e fé, mesmo quando a religião dos Ancestrais passou a ser perseguida pelo crescimento do culto a Arceus trazido pelos povos Sinnohenses durante o período classificado pelos historiadores como Ilexiano. E mesmo quando a religião dos Ancestrais caiu em desuso, a torre (assim como alguns templos espalhados pelo continente) foi mantido.
   Até que a Brassed Tower foi atingida por um incêndio.

   Se foi consequência de um raio, ataque de pokémon lendários, acidente ou mesmo um atentado orquestrado por conspiradores partidários do culto a Arceus, talvez nunca se saiba. Mas é um fato que, em uma data não muito precisa (pois os registros e relatos divergem), a Brassed Tower queimou em um grande incêndio que a destruiu quase completamente. As chamas só foram aplacadas graças a uma tempestade. Embora a estrutura da torre e algumas áreas tenham sido preservadas, todo o restante foi parcial ou totalmente carbonizado.A biblioteca, repleta de conhecimento milenar, foi quase inteiramente perdida e seus registros e conhecimento que continham foi reduzido á cinzas, assim como antigos reinados.
   Após a tragédia, a torre passou a ser conhecida como Burned Tower,  mesmo que esse termo não agradasse aqueles que ainda tinham fé pelos Ancestrais. Mas o novo nome logo se popularizou e inúmeras lendas começaram a surgir sobre a construção.
   Desse modo, quando o culto a Arceus se tornou a religião dominante em uma Kanjoh destruída e dividida em duas regiões após a Cruzada Arceus instaurada por Sinnoh e seus aliados, erradicando de vez o culto aos Ancestrais, a Blessed Tower passou a ser Burned Tower.

  E com os séculos passando, a religião dos Ancestrais e os governantes daquela época foram esquecidos. A Burnerd Tower passou a ter inúmeras lendas, quase todas envolvendo pokémon lendários. E as gerações seguintes passaram a acreditar que a existência da torre era por causa delas.
  Atualmente, a torre era um ponto turístico muito conhecido, mas apenas a sua área térrea era aberta ao público geral, contendo um museu com artefatos e informações resgatados após o incêndio, bem como itens doados por colecionadores ou obtidos por exploradores ao longo do tempo. As demais áreas estavam em sua maioria desativadas (principalmente os últimos andares e o assoalho onde outrora houvera um grande sino, por questões de segurança), ou em constante reforma/restauração ou com acesso restrito.

  Alice já estava familiarizada com aquele terceiro andar da torre, o último acessível, embora apenas para público autorizado. Quando criança,viera duas vezes com seus pais e posteriormente algumas vezes na companhia de Lawrence.
   A sala era bem iluminada e organizada. Havia ali uma mesa retangular de madeira maciça, com apenas três cadeiras de acento e encosto acolchoados e uma mesinha com um computador um pouco antigo e uma impressora profissional do lado. E, como que circulando a sala, haviam estantes de ferro que continham os mais diversos itens para serem utilizados durante as pesquisas dos artefatos, cuidadosamente separados e etiquetados. As janelas de vidro eram grandes, mas não podiam ser abertas e a ventilação provinha de um ar condicionado cuja temperatura era fixa a fim de não prejudicar os itens que poderiam ser levados até ali.

— É um pouco estranho vê-la observando uma bela paisagem sem estar segurando o celular para fotografar.
  A jovem olhou por cimas dos ombros, vendo Lawrence se aproximar e parar ao seu lado.
— Eu já fotografei e postei no Snapgram. É que você demorou e eu fiquei esperando.
— Acabei demorando um pouco para achar o que eu queria te mostrar porque acabei precisando chamar o arquivista. Ultimamente estiveram mudando algumas peças de lugar dentro da área restrita devido há problemas de fungos nas prateleiras!  – o empresário resmungou. – Eu já falei para substituírem por prateleiras de ferro, mas insistem em manter a madeira por considerarem mais condizentes com a arquitetura e estética da torre. Se querem manter, então que coloquem determinados artefatos mais frágeis e valiosos em cofres apropriados ou permitam que eu leve para minha casa, onde tenho condições de mantê-los devidamente conservados e protegidos!
  Alice o encarou com expressão irônica.
— E o senhor alega isso de forma puramente altruísta para preservar as antiguidades e não porque tem o interesse pessoal para tê-las em sua coleção particular.
— Mas é claro.
   Silêncio. Um olhou para o outro e então riram.

— Acho que eu já vivo o suficiente com você para perceber algumas das suas “estratégias de colecionador”.
— Mas convenhamos que meu acervo particular e métodos para preservar e proteger os artefatos históricos costuma ser muito superior aos que são aplicados em qualquer outro museu e demais coleções particulares. Ainda que muitas pessoas sejam relutantes em admitir essa verdade.
— Talvez pensem assim porque o senhor costuma participar de algumas transações e leilões ilegais de antiguidades.
— Há muito mais que pode ser obtido em leilões ilegais do que as pessoas imaginam. Através deles é possível reaver peças perdidas ou mesmo roubadas e assim conseguir deter os responsáveis ou até contratá-los para obter artefatos que estejam perdidos por aí. É preciso saber ser estratégico em determinados círculos sociais. Muitas pessoas tendem a não perceber isso, sendo tomadas por uma ética inabalável que os faz não enxergar por todos os prismas.
— Bom, e o que o senhor queria me mostrar?

   Lawrence fechou um pouco as cortinas para que a claridade não fosse tão intensa e foi até a mesa, onde havia colocado uma caixa de madeira maciça de aparência extremamente antiga. Enquanto Alice sentava-se em uma das cadeiras.
—A exploração que seus pais estavam fazendo quando o acidente aconteceu...você se lembra sobre qual pesquisa eles estavam fazendo?
— Como eu poderia esquecer? – Alice rebateu. –Na época, eu não conhecia e entendia muito, mas depois você me deu algumas aulas e livros sobre.
— O período Antigo Ilexiano e o culto aos Ancestrais. – Lawrence completou. – O período Ilexiano é deveras confuso de se precisar pela certa escassez de registros já traduzidos e tantos outros que ainda não foram. A minha mãe e os seus pais sempre se interessaram por estudar isso. Tanto é que foi por causa desse assunto que seus pais se conheceram.
— Um encontro inusitado. – a garota comentou. – Minha mãe costumava dizer que não existiam coincidências, apenas o destino.
— Esse é um dos muitos ensinamentos pregados pelos Ancestrais, a antiga e misteriosa religião que existiu em Kanjoh. Seus pais escolheram concentrar e direcionar suas pesquisas sobre o culto dos Ancestrais, principalmente nos mistérios que os cercam. – Lawrence explicou. – Infelizmente muito sobre isso foi perdido após a chegada e permanência de antigos sinnohenses por aqui, que trouxeram o culto a Arceus, instigando guerras político-religiosas e ideológicas usando a palavra de seu deus pokémon para influenciar e converter as pessoas a aderirem a uma nova fé.
— Você tem uma certa raiva do culto de Arceus.
— Não tenho raiva. Admito que o culto possui muitas coisas interessantes e extrema importância histórico-social ao longo das eras. Mas não sou muito adepto de doutrinas religiosas sendo usadas para instigar os devotos a destruírem outras. Por também pensar assim, minha mãe decidiu financiar e apoiar as pesquisas de seus pais a fim de resgatar e desvendar sobre a religião matriz de Kanto e Johto.

  Alice sabia sobre o assunto. Quando criança e com seus pais ainda vivos, não entendia muito sobre toda importância das pesquisas deles, mas sabiam que eles eram arqueólogos e historiadores renomados e quando na escola lhe perguntavam o que seus pais faziam, respondia orgulhosa que eles “desvendavam mistérios do passado e caçavam tesouros”. Alguns anos após a morte deles, Lawrence começou a lhe contar sobre o assunto das pesquisas de seus pais focados ao culto aos Ancestrais. E assim, Alice passou a entender e até se interessar.
   Mas não queria interromper Lawrence. Gostava de vê-lo falar sobre um assunto que realmente o interessava. Então o observou, sentada na cadeira, com os cotovelos apoiados na mesa e o rosto nas mãos.

— Todo esse meu falatório está sendo tedioso, não é?
— Hum? – ela piscou, corando. –N-não! Eu sempre gosto de ouvir suas explicações! É que...
— Eu sei que passar um dia ensolarado dentro da sala de um museu velho, ouvindo sobre religiões esquecidas não é o tipo de encontro que você gostaria de estar tendo, mas eu queria te mostrar isso.

“ Encontro? Ele disse encontro?”

— Você e Gary voltaram a ficar?
  De imediato, Alice não entendeu a pergunta, tão absorta em seus pensamentos estava. Julgou ter ouvido errado, pois Lawrence continuava com seu semblante calmo, retirando cuidadosamente o que seriam pedaços de pergaminho contendo gravuras e descrições no antigo alfabeto Unown.
— O que é isso?
— Você não respondeu a minha pergunta.
  Alice franziu as sobrancelhas.
— ...acho que nós nunca paramos de ficar.
  Esperou que Lawrence a encarasse, mas ele não fez isso. Continuava desprendendo atenção para os antigos papiros na caixa, arrumando-os na mesa. E aquilo deixou Alice irritada.
— Mas o que isso te importa?
   O empresário deu um quase imperceptível sorriso de desagrado.
— Gary Carvalho é muita embalagem para pouco conteúdo. Ele deixa bem claro que não se prende a relacionamento e responsabilidade.
— E quem disse que eu e ele estamos pensando em algum relacionamento? Estamos apenas curtindo de diversas formas.
— Ah, sim. “Curtindo”. – Lawrence murmurou. – Claro, é normal que se faça isso. Até que ele consiga te enrolar para cair no papo dele e depois você que arque com todas as consequências.
— Gary não é assim. E se eu fico ou deixo de ficar com ele não é da sua conta!

  A pinça sobre a ponta do pergaminho foi pressionada com um pouco mais de força do que deveria, rasgando o frágil papel. Lawrence largou a pinça, irritado. E sabia que a irritação não era por causa da avaria.
— Realmente, não é problema meu.
— Não mesmo! – resmungou Alice, cruzando os braços. - O senhor já não quer mais ficar comigo, não entendo porque implica com meus relacionamentos!
— Não implico com seus relacionamentos. E você sabe que não podemos. Chega de querer voltar nesse assunto.
— Claro. Porque você já conseguiu o que queria, não é mesmo?
  Irritada, Alice empurrou a própria cadeira e se levantou, colocando a bolsa sobre o ombro. Mas antes que desse mais de cinco passos, Lawrence lhe segurou pelo braço.
 - Acaso está pensando mesmo isso ou falou só para me irritar?
— Depende do que o senhor realmente sente!

   Sentir? Por aquela garota, Lawrence sentia muitas coisas. Tantas e de formas tão intensas que o deixavam desnorteado. Porque não sabia até que ponto o que sentia era certo e o que era errado. Não, talvez soubesse e por conta disso sua mente ficava em conflito.
  A mão que segurava o braço dela se moveu até o rosto, tocando a face delicada com a ponta dos dedos. Aquele era um tipo de toque que ambos haviam criado. Sem combinarem, sem nada falarem. Apenas surgiu.
  Lawrence roçou a ponta dos dedos pela bochecha da garota, indo até seus lábios e Alice inclinou um pouco a cabeça, roçando os lábios nas pontas dos dedos dele.
   O máximo de toque que deveriam fazer um com o outro.
   Mas nunca era o suficiente.
  Quando Alice entreabriu os lábios, Lawrence se inclinou sobre ela, cobrindo sua boca com um beijo. Um beijo que ela retribuiu de forma lenta, arranhando  de leve a nuca do colecionador que, diante do toque, a envolveu em seus braços e os beijos tornaram-se mais intensos.
  Aquilo era errado. Ele era mais responsável, não deveria prolongar aquele tipo de situação.

— Não deveríamos estar fazendo isso. – sussurrou. – Não é o correto.
— Naquela vez...
— Eu sou seu tutor, Alice. Mesmo que você seja maior de idade, durante anos esteve sob minha responsabilidade e eu me sinto responsável por você. Além do que, ainda administro parte de seus bens. Nossa relação deve ser apenas...fraternal.
  Dizer aquela última frase lhe causou uma sensação de nó na garganta.
— ...é isso o que o senhor quer?
— Não é questão de querer, mas o que deve ser. As pessoas, todas elas...é perigoso demais se souberem.
— É só não saberem.

   Lawrence suspirou. Alice poderia até entender, mas ela não compreendia a amplitude e gravidade que uma relação conjugal entre os dois poderia acarretar na vida social de ambos.
   Mas, mesmo ciente disso, ele estava ali, descendo o zíper da blusa dela e a abrindo para vislumbrar a pele delicada e os seios deliciosamente atrativos cobertos pelo sutiã de renda.
  Alice sentia o coração acelerado, as mãos de Lawrence em sua cintura faziam toda sua pele arrepiar e, munida de ousadia, abriu o feixe do próprio sutiã.
   Não podia.
  Mas queria.
  Assim como ela o queria.
  Diante disso, Lawrence  puxou a garota, decidido a tomá-la para si.
  Era imoral, mas ele nunca foi adepto de muita moralidade mesmo.

~*~

 


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...

Embora o capítulo tenha tido somente duas cenas (o que me surpreendeu, porque quando percebi já estava perto de atingir o limite de caracteres) ele me deu um grande trabalho.
Acho que o período que fiquei na correria com as reformas, bem como a volta gradual da minha vida social pós pandemia, bem como o trabalho, acabou fazendo eu ter uma maior dificuldade para o desenvolvimento das histórias. Não na criação de ideias, mas em conseguir escrever mesmo.

Enfim, o capítulo da Crystal, ainda que contenha batalha que é uma das minhas maiores dificuldades, consegui fazer fluir e agradeço novamente ao Raven por me ajudar tanto nisso. Procurei fazer o meu melhor para descrever a luta, mesmo que ela ainda não tenha terminado. Sei que estou meio enferrujada mas prometo melhorar!

Dessa vez, a parte que deu mais trabalho foi a cena na Burned Tower, um dos locais mais interessantes nos games. A menção acerca das religiões e a dominância de uma delas no Mundo Pokémon da minha história era algo que não estava programado para surgir agora, mas quando vi, já estava escrevendo sobre. Claro, isso será aprofundado mais pra frente na trama então acho que no fim das contas foi bom ter dado uma pincelada aqui. Podemos até traçar um paralelo entre o culto aos Antigos a religião de Arceus como uma versão pokémon acerca da queda do paganismo e ascenção do cristianismo em nosso mundo.
Claro, não posso deixar de mencionar a parte entre Lawrence e Alice. Eu adoro trabalhar os relacionamentos dos personagens, mas esses dois, nesta cena, me deu um trabalho dos diabos e eu demorei para finalizar o capítulo por causa deles, que acabaram tomando muito tempo para que ue conseguisse roteirizar e desenvolver. Mas no fim, achei que era importante não prolongar um "chove-não-molha" e mostrar que o Lawrence e a Alice vivem numa tensão que pega fogo (literalmente) na primeira oportunidade.

É isso. Obrigada por todo o apoio e por permanecer acompanhando essa jornada e fico grata por estar gostando, prometo continuar fazendo o meu melhor.
Nos vemos no próximo capítulo!



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