A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 33
Capítulo 32


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.
Mais um capítulo concluído e já quero agradecer a todos que estão lendo. Sei que é uma parcela pequena de leitores se comparado com outras fics de pokémon, mas os leitores dessa minha fic que se manifestam (seja por aqui, pelo Nyah ou pelo facebook) de uma forma especial me é algo muito motivador. Por vocês, que continuo essa saga, que a estou fazendo alçar voos grandes no enredo (principalmente para o Lugia). Se não fosse por vocês, eu teria parado essa história anos atrás, quando desfiz relações com uma pessoa (que hoje sei que foi livramento) que tinha parceria comigo nesta história.
Este foi um capítulo trabalhoso de se fazer tanto pela parte dramática contida na primeira cena quanto a respeito da terceira cena, que eu não sabia qual seria até a ideia vir de súbito em minha mente depois de dias remoendo qual seria. Ate porque devido ao fato de que os últimos capítulos tenham sido de muita reflexão e pouca ação, temo que os leitores posam se cansar. Mas não tem como eu inserir certas coisas quando não é o momento de acontecê-las ou inserir cenas de batalhas que não agreguem na trama. Mas logo a ação voltará, posso garantir.
Chega de papo e boa leitura.



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~*~

  
   O celular vibrou sobre o painel do carro e Lawrence o pegou, verificando a mensagem no pokézap para em seguida tornar a colocar o celular no painel e recostando-se no banco.
   Havia mandado uma mensagem para Alice avisando que tinha chegado e depois de passados alguns minutos, ela respondera com um “estou terminando de me arrumar” e soube que iria demorar. Alice sempre havia tido esse hábito. Todas as vezes em que haviam saído juntos ( e foram muitas) era sempre a mesma demora. Principalmente nas festas de renome. Mas quem era ele para julgar? Havia demorado um pouco mais do que o usual hoje. E sabia o motivo.

   Olhou para a fachada do hotel através de seus óculos escuros. Já fazia quase dez anos que havia se tornado tutor de Alice e a levado para morar em sua mansão. Uma grande mudança na vida dela e uma grande responsabilidade na vida dele. Não era uma coisa que ambos teriam escolhido, mas aquela tragédia havia acontecido e certas coisas haviam sido decididas por seus responsáveis muito antes que soubessem. E haviam aceitado. Por necessidade e por dever.

~~~

  
   Lawrence parou diante da porta fechada, observando o infantil enfeite em forma de uma pequena guirlanda no qual havia miniaturas dos três pokémon iniciais de Kanto. Mas seus pensamentos estavam além.
   Iria mesmo agregar mais aquela responsabilidade para si? Já estava suportando e lidando com coisas demais há cerca de treze anos e nos últimos três, após já ter atingido a maioridade, a carga de deveres e obrigações triplicara. E se realmente aceitasse mais aquilo...lidar com burocracias de empresas e investimentos era uma coisa, mas se responsabilizar por uma pessoa era muito maior. E, ao contrário da Silph Co. e demais propriedades em que era obrigatório que cuidasse por serem seu patrimônio herdado, aquela criança não era.

   Mas quando viu aquela menina no velório, assistindo o corpo dos pais desaparecerem no crematório...ela tinha um olhar tão triste e desamparado que era  como se soubesse que teria de suportar, sozinha, um fardo muito pesado. E Lawrence viu, através dela, ele próprio anos atrás.
  E por isso estava diante daquela porta. Se havia decidido, agora era a vez de dizer e perguntar se ela aceitaria sua proposta.Suspirou, bateu de leve na porta e entrou.

   Havia uma claridade parcial no quarto devido as cortinas estarem fechadas.Mas Lawrence visualizou um quarto grande, muito bem decorado com diversas coisas típicas de uma menina que estava começando a se tornar adolescente no qual coisas fofas perdiam gradualmente lugar para coisas mais rebeldes.
   Ele logo viu a pequena Alice sentada na cama. Com a cabeça abaixada, abraçando os joelhos, ela chorava baixinho. Ao seu lado, o pequeno Charmander a observava entristecido, mantendo uma de suas patinhas sobre uma das pernas da garota, em sinal de apoio. Mas ao perceber a presença de Lawrence no quarto, o pokémon fez um gesto para sua treinadora enquanto o empresário se aproximava
   E quando seus olhos se encontraram, ambos hesitaram. Aquilo seria difícil.

  Alice sabia quem ele era. Sua mentora, Janete, havia lhe dito e mostrado durante o funeral, mas não havia prestado muita atenção. Tudo o que queria era esquecer aquele dia.

  “Mas em algum momento, vocês terão que se conhecer. – ela falara. – Como seus pais gostariam que você fizesse.”

  
   Lawrence pensou em como poderia começar. Porém, toda aquela situação recente era muito complicada. Para os dois.
   Como a garota continuava o encarando, Lawrence indicou, com um gesto, se poderia sentar na beirada da cama e ela deu um pouco de espaço para que ele o fizesse.Prontamente o pequeno Charmander se esgueirou entre os dois, atento.

— Acredito que saiba quem sou.
   Alice apenas afirmou com a cabeça, mas nada disse. Ele continuou.
— Sei que é difícil conversar em um momento como esse, no qual sua perda é recente, mas...eu não posso permanecer aqui na cidade por mais tempo devido as minhas responsabilidades.
— E o que eu tenho a ver com isso?
   Ainda que a pergunta dela soasse rude, era possível notar que estavam embargada pelo choro. Lawrence pensou em como responder.
— Realmente, você não tem que se importar com as minhas obrigações. Mas eu aceitei o pedido contido no testamento deixado por seus pais, de que eu me tornaria responsável por você até que atinja a maioridade. E estou disposto a cumprir isso, mas não quero obrigá-la a sair de sua casa e abandonar o modo de vida que tem se você realmente não quiser.

  Ele se levantou e foi até a janela, abrindo a cortina apenas o suficiente para olhar a movimentação no local. Crispou os lábios ao reconhecer o pequeno grupo de jornalistas e fofoqueiros do outro lado da rua.
   Desde a acidental e trágica morte do casal de historiadores Théo e Isabele Liddel nas Ruínas de Alph semana passada, a mídia sensacionalista estava fervorosa não apenas sobre detalhes da morte ou o que o casal estava pesquisando e descobrindo, mas também qual seria o destino da única filha deles. Como se não bastasse isso, alguém vazara a informação de que o herdeiro da Silph Co seria o tutor da garota de acordo com o testamento deixado pelo casal.
  E os curiosos e oportunistas estavam rodeando a vida daquela menina feito Mandibuzz na carniça. Como havia acontecido com Lawrence no momento em que havia se tornado o único herdeiro do império de sua família.

— Mas é um fato.– ele continuou, se afastando da janela.– Que teremos de conviver e manter um contato constante. Se você quiser mesmo ficar aqui...terá de lidar com as pessoas. Sabe que há oportunistas rondando e isso continuará por algum tempo. Na escola e em qualquer lugar que você for, haverá quem comece a tratá-la diferente por diversos motivos.E por conta disso precisará ficar sempre atenta para não correr riscos e cometer erros com as pessoas que possam te causar problemas. São muitas responsabilidades.
— E eu posso não querer elas?
— Não, não pode.
— Mas não é você quem vai se tornar responsável por tudo?
— De certa forma, sim. Mas só até que você atinja a maioridade. Nesse tempo, irei te ensinar e te direcionar como deve aprender a lidar com sua herança. Quero ser o mais transparente com você acerca disso, para que no futuro você saiba como cuidar do que lhe pertence, cuidar do trabalho histórico que seus pais fizeram ao longo dos anos a fim de que ninguém tome nada do que te pertence. Ofereço a proposta de morar comigo para assim ser mais fácil lidar com tudo.

   A garota se moveu na cama, mas apenas para lhe dar as costas. Percebendo a tristeza de sua treinadora, o Charmander engatinhou até ela, tomando cuidado para que a chama na ponta de sua cauda não queimasse ela ou a colcha na cama. Lawrence suspirou.
— Alice. – falou, de forma suave. – Sei que tudo o que está passando, o que irá passar e o processo do luto é difícil, mas...
— Você não sabe o que eu estou passando! – ela despejou, voltando a se sentar na cama. – Meu pai e minha mãe se despediram de mim com um sorriso, dizendo que iam voltar até o final da semana, mas eles não voltaram! Eu quero meu pai de volta, eu quero a minha mãe de volta! Porque isso teve que acontecer com eles?! Eles eram boas pessoas! Eu não quero ter que aprender esse negócio de administrar herança ou sei lá o quê! Você não faz ideia do medo e da dor que eu tô sentindo!
— Eu sei, sim.
— NÃO SABE! Eles podiam ser seus amigos, mas eram os meus pais!
— Eu também perdi os meus!

   Alice se calou ao ouvir e Lawrence percebeu que havia elevado um pouco a voz, de modo que tratou de se recompor.
— Meus pais faleceram quando eu tinha mais ou menos a sua idade. O intervalo da morte entre eles não foi muito longo e por causas diferentes. A partida do meu pai não me afetou tanto, mas a da minha mãe...perder alguém que amamos de uma forma repentina é doloroso mas ver alguém que amamos partindo aos poucos é dilacerante. A verdade, Alice, é que eu entendo o que está passando embora a sua dor e a minha dor não sejam iguais. E, assim como você, eu precisei aprender a administrar tudo o que meus pais deixaram. Foi difícil e, na verdade, continua sendo, abdiquei de muitas coisas, mas era algo que eu tinha de fazer. E você terá de fazer ao longo do tempo. Mas em um ponto, você está melhor do que eu nessa situação.
   Alice encarou o jovem empresário, consternada.
— A sorte de ter alguém disposto a te amparar e ajudar a lidar com a dor da perda daqueles que mais amava e o peso de todas as responsabilidades vindas por conta disso. – ele a encarou. – Alice, eu não sei o motivo dos seus pais colocarem no testamento para que eu fosse o seu tutor mas por essa confiança que me deram, eu quero te ajudar.
   A garota nada disse durante m tempo e Lawrence respeitou o silêncio.

— Sinto muito a falta deles...– a voz dela saiu fraca. – Essa dor...quando ela vai passar?
— Gostaria de dizer quando, mas a verdade é que esse é um tipo de dor que nunca vai embora. Sempre sentirá dor e saudade pela partida de seus pais, assim como eu sinto dos meus. Mas com o tempo, ela fica suportável e seguimos em frente.
   No fundo, Alice sabia disso. Mas ouvir fazia doer ainda mais. E todo o choro que estava preso em sua garganta saiu de uma vez, entristecendo o pequeno Charmander. Lawrence tocou de leve a cabeça dela e, em um impulso, Alice o abraçou, afundando o rosto em seu peito e Lawrence a abraçou com cuidado. Gostaria de ter tido alguém que o amparasse naquela época, mas não era capaz de mudar o passado. Então que, pelo menos, pudesse amparar e cuidar daquela menina.
— Eu ficarei do seu lado e nunca vou deixá-la sozinha
.

~~~

   Lawrence tirou os óculos para esfregar os próprios olhos com as pontas dos dedos, enquanto sua mente o lembrava e repreendia sobre o erro que era o que estava sentindo agora.
   Não era para ser. Ao longo dos anos, nunca havia sido aquilo então, por que nesse último ano seus sentimentos haviam se tornado outros e por quanto tempo continuariam?

  
 “Eu não deveria sequer estar pensando em quanto tempo mais. Foi esse tipo de pensamento que fez com que limites fossem ultrapassados e saíssem do controle.”

   Tratou de afastar as lembranças que o agradavam e perturbavam, procurando manter o foco.Havia passado horas demais na noite anterior pensando sobre as atitudes que deveria tomar.Bom, ele sabia qual atitude deveria tomar afinal, sempre havia sido uma pessoa racional e sentia orgulho disso. Orgulho de conseguir manter a calma, a postura e pensar de forma calculada, dominado pela razão enquanto todos os outros tendiam a agir de forma impulsiva e descontrolada, movidas pela emoção.
   Mas havia um único assunto que há pouco mais de um ano o estava fazendo agir de forma emocional mesmo quando seu lado racional o avisava que estava errado. E aquele assunto estava ali, se aproximando com toda sua beleza e graças irresistíveis.

— Bom dia, desculpa a demora! – Alice falou assim que abriu a porta do carro e sentou-se no banco do carona.
  A espera valeu a pena. Alice estava linda como sempre, com aquelas roupas pretas como seus cabelos tão sedosos.
  Sem pensar, moveu uma de suas mãos até os cabelos dela, afastando-os um pouco para que a ponta de seus dedos roçassem nas bochechas que coraram com o toque. Sabia que,se a tocasse mais, ela corava mais.
— Esse brinco...– murmurou afastando a mão. – Foi o que eu lhe dei?
— Um dos. – ela falou, gentil. – Gosto muito dele.
  Seus olhos se encontraram por alguns segundos.
— B-bom...e para onde quer me levar?
  Aquele tipo de pergunta era tentadoramente provocante. Mas Lawrence sabia que precisava continuar sendo racional.
— Bom, vamos passear um pouco como costumávamos fazer e...conversar sobre algumas coisas.
  Alice sentiu seu estômago revolver mas apenas assentiu com um sorriso compreensivo.

~*~


    Crystal caminhou a passos lentos pelas ruas tranquilas da cidade, sentido o sol da manhã em seu corpo.Não sabia o que ficaria fazendo para passar o dia, mas Ecruteak era uma cidade muito bonita e com diversas opções de lugares para ir, de modo que conseguiria achar algo para fazer.
  Primeiro, decidiu ir até a biblioteca para devolver o livro que pegara emprestado, lembrando-se de passar o número da ficha de Alice para que fizesse a devolução corretamente. Sem entender muito bem, passou pelo jardim da biblioteca antes de ir embora e até sentiu vergonha por isso.

  Lembrou-se da conversa que havia tido com a amiga logo pela manhã, quando saiu antes dela. Alice ainda estava preocupada,mas Crystal lhe garantiu que estava bem e que poderiam se encontrar no hotel no final da tarde, para decidir o que iriam fazer no dia seguinte.
    Notou então um pequeno e atrativo bistrô localizado do outro lado da rua.Ele parecia ser pequeno, quase que espremido entre dois prédios maiores de design típico de Ecruteak. O bistrô parecia uma entrada de casa de bonecas: um toldo em tom rosa pastel ajudava a criar sombra. Toda a fachada era de vidro, com moldura de madeira talhada em formato de arabescos e pintados em um tom camurça. Uma cerca de ferro pintada de branco ficava de ambos os lados, tendo plantas estilo trepadeira, enroladas sobre eles, o que causava uma aparência de extrema delicadeza, ainda mais por haver flores em alguns ramos. No centro, a porta, embora fechada, tinha uma plaquinha escrito “Aberto” e quando Crystal entrou, ouviu o tilintar de um sininho.
  O interior do local era pequeno, com apenas três mesinhas redondas e um balcão.O ambiente era agradável, se assemelhando a uma cafeteria vintage, com decorações em tons marrons e verdes e, em uma das paredes havia quadrinhos com cada evolução do Eevee. Assim que entrou, sentiu o delicioso aroma de café, chá e chocolate que preenchia o ambiente.

— Bom dia, seja bem vinda ao Le Eeveeoui–Coffe & Tea! Em que posso servi-la?
  A moça atrás do balcão era baixa e gordinha, e sorria simpática. Crystal notou que ela se vestia em um estilo Sweet Lolita, com vestido estampado e um pouco bufante acima dos joelhos, repleto de babados.O sapatinho estilo boneca que ela usava tinha detalhe imitando orelhas de Eevee.Crystal percebeu que ela toda parecia uma versão humana do pokemon, com aquele vestido nas cores e fofura do mesmo.
—Eu...gostaria de ver o cardápio.

  A atendente assentiu e estendeu um cardápio decorado no qual havia todos os itens com descrição e preço.Percebendo que a cliente talvez estivesse em dúvida, a atendente tratou de se mostrar solícita, explicando sobre algumas das bebidas exclusivas que o bistrô oferecia, todas tendo nome ligado a uma das evoluções do pokémon Eevee.
— Que criativo! – a treinadora murmurou. –Hum... acho que vou querer um ChocoEeeve quente e um pão de queijo.
— Claro! Gostaria de experimentar um de nossos doces?
  Ela indicou a parte do balcão que era envidraçada e no qual estavam expostos diversos doces,todos tão apetitosos quanto bonitos e coloridos. Mas embora os cupcakes fossem grandes e de dar água na boca, optou apenas por um brigadeiro.

   Após efetuar o pagamento e ido se sentar em uma das mesas para esperar seu pedido, Crystal decidiu dar uma checada em suas redes sociais, aproveitando o sinal de wi-fi do local. Respondeu a mensagem de sua tia no pokézap e em seguida acesso seu pokébook, verificando algumas postagens que surgiam. A primeira que viu na tela era de uma notícia compartilhada por um de seus contatos e que também estava gerando debates em alguns grupos que seguia. Era algo relacionado á situação política de Kanto e Johto.
   Apesar de serem regiões diferentes, tendo cada qual sua própria Liga Pokémon e delimitações territoriais, ambas eram geridas pelo mesmo sistema político e presidência. Havia governadores em cada cidade dotada de um Ginásio Oficial filiado á Liga e para as cidades menores, havia prefeituras.
   Crystal não entendia de política, pois sempre achou toda a estrutura e burocracias presentes nesses sistemas muito complexas, confusas e contraditórias. Mas tinha consciência de que, o que acontecia na política de região em que estava, a afetava diretamente (em maior ou menor escala) tanto como cidadã quanto como treinadora pokémon.
   E ainda que a próxima eleição para o novo presidente de Kanto/Johto ainda demorasse meses, os lados partidários opostos estavam fomentando manifestações e posicionamentos nas pessoas, que começavam a escolher um dos lados de uma maneira extremamente competitiva e até pessoal. E isso, aos olhos de Crystal, não parecia ser algo bom.

  Crystal deixou de lado aquele assunto quando a atendente depositou seu pedido na mesa. A treinadora agradeceu e admirou o pedido. A bandeja era delicada e nela havia sido colocado o brigadeiro, o pão de queijo e a xícara contendo seu achocolatado espumante. Crystal  soltou um “que fofo” quando viu a imagem cuidadosamente desenhada com creme na superfície da bebida, que era a cabeça de um Eevee.
  Após tirar uma foto do mesmo, Crystal começou a saborear seu pedido, concluindo que, apesar do valor um pouquinho mais alto do que a média de um bistrô normal, valia cada centavo.

   Tornou a pegar seu celular, verificando as notificações no pokébook.Teve então uma ideia e indo até o perfil de Alice, procurou por Gary nos contatos. Pelo nome, não achou nada, mas por uma das (várias) fotos de Alice com ele, acessou o perfil. Se ele não tivesse sido marcado no perfil por Alice, não diria que aquele Yrag Anark com uma foto de perfil de costas, o rosto virado de lado para realçar o enorme moicano e a jaqueta bordada “Fuck the League”  com postagens relacionadas a música, cena alternativa e críticas ao sistema político vigente e leis relacionadas a pokémon e treinadores, fosse mesmo Gary Carvalho.Enviou uma solicitação de amizade, esperando que ele aceitasse.
  Quando voltou a sua timeline, se deparou com uma foto de Kenta. Ele posava sorridente para a selfie, mostrando as insígnias conquistadas que ele mantinha presas no verso do seu colete. Junto de seu Tranquil, que olhava curioso para a câmera. A julgar pelo tamanho do pokémon, logo não teria mais como ele ficar pousado no ombro do rapaz. E havia a legenda:


  “ Quarta insígnia de Johto conquistada! Mais um dia de luta, mais um dia de glória! Agora, rumo á quinta insígnia. Liga Johto que me aguarde!
ps: Galera, se souberem de algum trampo temporário para treinadores viajantes lá por Olivine ou Cianwood, dá um salve aqui!

  
   Crystal sentiu o estômago revolver. Kenta havia começado sua jornada por Johto depois dela e ao mesmo tempo em que treinava, também arranjava trabalhos para conseguir um dinheiro a mais. E da última vez em que haviam se visto, seu Tranquill era apenas um Pidove indisciplinado. Kenta ainda já havia conquistado quatro insígnias e seguia para a quinta.

  
  “Enquanto isso e estou aqui, estagnada na minha jornada. Sem fazer avanços porque deixo as minhas inseguranças me travarem, fugindo dos problemas e depois me lamentando e remoendo coisas do passado.”


   A tristeza deu lugar a irritação. Tinha agido como uma idiota. Não era assim e não seria. Era uma boa treinadora pokémon, altamente capaz. Fizera uma jornada sozinha por Hoenn, enfrentou treinadores, líderes e até competiu na Liga Pokémon de lá, uma região que não conhecia. E em Johto já havia enfrentado Rockets perigosos, dava andamento no treino de seus pokémon, conquistara vitórias e se tornara amiga de uma pessoa incrível.
   Havia deixado suas inseguranças a descontrolarem no ginásio, mas não iria permitir que esse erro se tornasse um gatilho para bloqueá-la em certos momentos ou a impedisse de fazer o que gostava e o que pretendia conquistar. Ontem havia sido uma lição que precisara aprender. Aprender sobre sentimentos que precisava amadurecer, inseguranças que precisava superar e consciência de que tinha o seu valor.E que deveria continuar seguindo em frente.

  Terminou o último gole em seu achocolatado e se levantou, deixando a bandeja sobre o balcão, agradecendo ao serviço, pegando um cartão de visitas e o colocando na bolsinha que levava á tiracolo.
   Assim que saiu do bistrô, Crystal já sabia para onde iria. Alice que a desculpasse, mas conhecendo a amiga, sabia que ela entenderia. Precisava pedir desculpas por seu comportamento e enfrentar a batalha no ginásio. Se ganhasse, ótimo. Se perdesse, tentaria de novo e não desistiria até conseguir.

  
“Porque eu sou Crystal Marine e sou capaz de conquistar tudo o que eu quero!”

~*~


Planalto Índigo

  
   Localizado a leste do Monte Silver em Kanto, o ostentoso Planalto Índigo era considerado (e utilizado) como residência e local de combate oficial da Elie4 de Kanto e Johto. A pomposa estrutura era um sítio enorme que ficava no alto de um grande morro e para acessá-lo era necessário percorrer uma longa estrada pavimentada conhecida como Victory Road e subir os cerca de cento e cinquenta degraus que levavam até a entrada. Aquele era considerado como o último desafio que treinadores pokémon, que decidiam concluir jornada pelas duas regiões, deveriam fazer após vencerem a Liga Pokémon de Kanto ou Johto,a fim de desafiar os mestres da Elite4 e assim garantirem uma vaga para competir na Grande Liga ou na Liga Mundial.
   Mas não era sempre que o Planalto Índigo estava aberto para visitantes e desafiantes. Na maior parte das vezes ele ficava fechado e todo acesso de treinadores que desejavam desafiar a Elite, era necessário que fizessem com antecedência uma solicitação e um cadastro no site oficial da mesma. Isso porque a Elite4 tinha inúmeras obrigações e deveres, tanto sociais e investigativos quanto políticos ou pessoais.
  Assim, o Planalto Índigo era um local de isolamento na maior parte do tempo, permitindo que os Mestres e seus pokémon pudessem treinar e descansar longe dos olhares curiosos do mundo.

   Lance Pendragon gostava daquele lugar. Durante anos havia se tornado sua nova “casa” ainda que ficasse pouco por ali. Era um espírito livre, como algumas pessoas diziam na internet. E talvez fosse mesmo, ainda que durante um tempo, realmente chegou a pensar em se prender a alguém. Mas isso foi no passado.
   No alto do planalto,tirando a grande residência e ao espaço onde havia sido construído a arena de batalha, todo o restante do local era um grande descampado onde ventava bastante. Os outros líderes não gostavam muito de ficar ali por conta disso, mas Lance era apaixonado pela vastidão e silêncio daquele campo tão grande. Hoje estava nublado, o tipo de clima que ele mais gostava. O céu cinzento contrastava com a grama verde e o vento gelado agitava sua capa e seus cabelos. Sentado em uma grande pedra, ele fechou os olhos e jogou a cabeça para trás apreciando o silêncio e o ar puro. Aquilo era bom, quase o fazia acreditar, por um momento, que era livre.

  Ouviu urros animalescos e abriu os olhos. No ar, seus pokémon dragão voavam, livres a se exercitarem. Dragonair, Salamence, Hydregon, Noivern e seu Dragonite de nome Kanryuu. Mais ao longe na planície, Garchomp se alimentava com uma presa que havia capturado escavando a terra enquanto Fraxure apenas observava, esperando o momento em que conseguiria surrupiar um pedaço da carne. Só não via seu Drampa, mas provavelmente estava se esgueirando por entre os morros, assim como os outros.
  Pela sensação térmica, sabia que era prenúncio de chuva mais á noite. Enquanto via seus pokémon voarem bem no alto, surgindo e sumindo por entre as nuvens, Lance pensou no quão seria bom se pudesse ser como eles: forte e livre.

   Por ser mestre da Elite4 de Kanto e Johto e um dos treinadores mais poderosos e temidos da história, Lance Pendragon era visto por todos como um homem imbatível, imponente e indestrutível. A mídia, o comitê da Liga e os treinadores do mundo inteiro conheciam seus feitos, suas conquistas no meio pokémon e seu ativismo em diversas causas sociais. Seus colegas de trabalho o respeitavam, os treinadores pokémon o admiravam e o viam como um exemplo a ser seguido,  seus inimigos o temiam, seus fãs o adoravam e as demais pessoas o apreciavam. Bom, pelo menos a maioria.
   Tudo o que havia feito e conquistado ao longo de mais de vinte anos haviam  tornado Lance Pendragon mais do que uma celebridade: o haviam tornado um ícone e um exemplo a ser seguido e ambicionado.
  Mas o que as pessoas – todas elas – viam  nele não era tudo e nem toda a verdade.

  Lance tirou as fivelas das braçadeiras pretas feitas de couro ecológico que imitavam as escamas de pokémon dragão, acessório que compunha seu clássico visual de Mestre da Elite e dos Dragões há quase sete anos, juntamente com sua capa farfalhante. Embora a capa fosse apenas um acessório usado em ocasiões especiais, as braçadeiras que iam do início de seu pulso até metade do antebraço, ele usava diariamente, sempre que estava em público – fosse nas conferências, entrevistas, batalhas e até em reuniões casuais. Todos achavam que era apenas uma excentricidade de um Mestre e até julgavam interessante (vira para vender em sites réplicas iguais a sua e também treinadores usando) como item fashion e nas raras vezes que alguém próximo perguntava, dissera que não tinha motivo específico para usar, apenas gostava.
  Mas isso não era de todo verdade. Aquelas braçadeiras serviam para guardar um de seus segredos e provas de fraqueza. E além dele, apenas mais três pessoas sabiam. Duas dela preferia que nunca tivessem sabido.

  Assim que abriu as braçadeiras de ambos pulsos, observou a pele do lado interno, na região do pulso. As várias cicatrizes, algumas mais antigas e outras mais recentes cobriam boa parte da pele, sendo marcas perturbadoras de se ver, por mostrarem claramente o que significavam. E exatamente por isso que ele as escondia.
   Aquelas cicatrizes de feridas que auto infligira era algo que não podia deixar que descobrissem. Se isso acontecesse, sua reputação e imagem como o todo-poderoso Mestre da Elie4 ficaria manchada. E mais críticas e especulações poderiam  surgir e isso teria impactos negativos e um tipo de exposição que ele, de forma alguma, queria para si.

   Porque Lance Pendragon é, para todos  alguém poderoso, isento de fraquezas aparentes. Que exalava respeito, temor e admiração. Mas se soubessem que ele possuía fraquezas pessoais e emocionais que o faziam ferir a si mesmo e até ter tentado tirar a própria vida mais de uma vez, as consequências da opinião pública em cima dele, do que conquistara e até da própria Elite4 seria catastrófica. Era sua responsabilidade manter a boa imagem de si mesmo sempre. De modo que deveria manter aquilo em segredo de todos, pois mesmo se procurasse ajuda, corria o risco de descobrirem.
  Ainda que por dentro muitas vezes sentisse que estava se desfazendo aos poucos e que toda essa responsabilidade, aparência pública e deveres era um fardo cada vez mais pesado.
  Quem diria que Lance Pendragon, aquele que a tantos motivava a lutar contra as adversidades e ensinava a importância de se valorizar, no fundo de sua mente, não fosse capaz de motivar e valorizar a si próprio?
  Encobrir, não deixar ninguém saber.

  Sentiu alguém se aproximar e rapidamente recolocou as braçadeiras, prendendo as fivelas. Olhou se soslaio para trás, avistando que Lorelei se aproximava.
— Só você mesmo para ficar em um lugar desses rodeado por dragões.
— Eles são meus pokémon. Me sinto á vontade com eles.
   Lorelei olhou para os pokémon que voavam no céu, sentindo-se um pouco incomodada. Mesmo que ela fosse uma das Elite4 e conhecesse Lance há muitos anos, ainda assim não se sentia muito á vontade em meio aos pokémon dele. Já haviam batalhado de forma amigável e competitiva e mesmo tendo ganhado algumas vezes sabia que, se um dia houvesse um combate sério, nem todo o seu time de pokémon de Água e Gelo seriam páreos para aqueles dragões usando seu poder máximo. Havia pouquíssimos treinadores especializados em pokémon Dragão no mundo e Lance era um dos melhores que já existiram.
— Vim te chamar porque o professor Carvalho acabou de chegar e quer conversar com toda a Elite.

  Ah sim. Lance sabia que havia coisas muito mais importantes e sérias que demandavam sua atenção. As recentes informações obtidas e descobertas feitas acerca das ações e certos segredos que a Equipe Rocket estava mantendo eram algo que demandavam uma grande atenção. Estava chegando o momento de começar a descruzar os braços e se preparar para os possíveis golpes e ataques que iriam vir. Não sabiam o que seria e como seria, mas não tinham dúvidas de que era algo capaz de afetar todo o continente, já que o mesmo passava por momentos turbulentos devido a questões políticas e pressões externas.
   E ainda havia Lugia.

  Haviam coisas muito importantes para lidar, não poderia perder tempo se preocupando consigo mesmo e remoendo suas falhas e fraquezas. Tinha que se manter sólido e indestrutível. Tinha de continuar seu trabalho, seu treinamento, sua investigação e garantir que continuaria se mantendo como Mestre, tanto para as pessoas que precisavam dele, tanto para deter qualquer um que buscasse causar o caos Era esse o dever que todos esperavam dele.
  Respirou profundamente e seguiu Lorelei para a mansão.

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...
Bom, o que posso dizer é que embora este cappie tenha me dado um certo trabalho principalmente em quais cenas colocar com base no limite de caracteres, posso dizer que gostei dele. Foi algo mais centrado nos sentimentos dos personagens relacionado a dores e atos do passado.
A cena de Lawrence e Alice era a única que eu tinha um pequeno rascunho de muitos anos atrás e o usando como base, incrementei e aprofundei. Espero que tenha conseguido ser um tiquinho tocante.
Depois, temos a Crystal em um dia reflexivo e nele tive um certo trabalho em descrever o bistrô mas fiquei imaginando como seria. Se tiver oportunidade, quero inserí-lo novamente na história. O que acham? Bom, o importante´e que nossa protagonista está confiante e decidida, coisa que uma protagonista precisa ser. E a última frase dela é um paralelo com outro personagem futuramente rs.
Por fim, a cena com Lance, já que fazia um certo tempo que ele não aparecia na história. E como pôde ver, há certos segredos e dores que o mestre da Elite esconde.

Enfim, gostaria de saber o que você achou, qual cena mais prendeu sua atenção e o que espera do resto da história. Sua opinião é muito importante!



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