A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 32
Capítulo 31


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

E eu consegui atualizar o capítulo da história com um relativo atraso, mas dessa vez acho que posso relevar um pouco por ter passado do prazo por conta da fluxo maior de tarefas que me tomaram boa parte do tempo, bem como finalmente atualizando minha outra fanfic (a do Cruello) depois de quase meio ano parada. É tanta coisa que precisei fazer nesses últimos tempos que acabou não dando tempo de me concentrar e focar nos meus projetos de escrita (estou há meses sem mexer na minha obra original e tive que parar um pouco uma outra fic curta que estava desenvolvendo para poder dar andamento nas que estão sendo publicadas...). E agora que tomei a vacina e estou começando a me imuinizar, meus projetos de cosplay estão começando a tomar não apenas meu tempo mas meu foco também então é mais uma coisa que eu preciso administrar junto com os escritos e os artesanatos.
Enfim, esse capítulo foi um pouco trabalhoso para se escrever nos diálogos, tentei me esforçar e fazer o que pude. E durante o processo de escrita do capítulo, decidi por fazer algumas mudanças de cenas que aconteceriam inserindo uma que eu achei que sera legal colocar. Mais informações nas notas finais para não dar spoiler.
Boa leitura.



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~*~

  
   Dizem que os pokémon possuem uma percepção especial referente a aura de humanos em determinados ambientes e situações. Como uma espécie de sexto sentido ou mesmo um instinto mais aguçado. Muitas pesquisas tem sido feitas para confirmar esta teoria e muitos especialistas de diversas áreas de estudos relacionados a pokémon debatem, especulam e comparam teorias e resultados sobre o tema, ainda que inconclusivos mas bastante promissores.
   Mas, independente de resultados de pesquisas científicas, todos aqueles que convivem verdadeiramente com pokémon, desenvolvendo com eles uma relação de parceria e amizade, sabem que estas fantásticas criaturas são extremamente inteligentes.

  E por conta disso, o Houndoom conseguia perceber que algo entre aqueles dois humanos não estava bom. Através de seus sentidos aguçados, ele sentia o cheiro, ouvia o retesar dos músculos e o som da respiração, via como eles se olhavam e se posicionavam. E sentia, através de seu instinto de pokémon, que aqueles dois humanos se detestavam e poderiam acabar se atacando.
   Se isso acontecesse, o Houndoom não sabia se deveria agir ou apenas aguardar ordens de sua treinadora. Mas ela estava longe e provavelmente só perceberia quando já tivesse acontecido. Assim, cabia a ele ajudar um dos dois. Mas qual deles Alice preferia que ele defendesse?

— Parece que o seu programa teve um imprevisto e não vai mais acontecer. – Gary comentou provocativo, olhando para as garotas que conversavam mais á frente. – Sua vinda aqui foi desnecessária. Acho que é melhor voltar de onde veio.
— Me encontrar com Alice nunca é algo desnecessário. E pequenos imprevistos são sempre fáceis de se contornar e tudo pode ser reorganizado.
— Não pode ficar controlando tudo sempre.
   Lawrence conhecia Gary Carvalho o suficiente para saber que o rapaz era um provocador típico.
  Mas, quando queria, Lawrence podia ser um provocador debochado.

— Quanto tempo faz desde que nos vimos pela última vez? – o empresário começou. -  Acho que foi em uma festa de fim de ano na residência de seu avô. Se bem me lembro, até então, pelo que todos diziam, você estava cursando a faculdade de Pesquisa Pokémon com ênfase em tipo Noturno. Mas você corrigiu seu avô no momento que ele comentava sobre isso para dizer que estava com intenções de...como era mesmo..oh sim, de se tornar tatuador. Uma mudança e tanto no quesito profissional! 
— E o que isso te importa?
— A mim? Nada. É que eu acho um tanto quanto...interessante essa sua incrível capacidade de ser tão volúvel e impulsivo.
— Melhor ser assim do que ser um resignado prepotente preso á tradições e posturas sociais porque não tem capacidade de sair da zona de conforto!
— Mas sair da zona de conforto só para chamar atenção é um claro sinal de irresponsabilidade e não de personalidade.

   A troca de farpas entre Lawrence e Gary parou quando perceberam que Alice se aproximava, acompanhada por uma Crystal cabisbaixa. Quando a treinadora percebeu que, não apenas Gary, mas Lawrence estava ali, tratou de enxugar o rosto com as mãos. Se bem que, havia chorado tanto antes que sem dúvida seu rosto estava péssimo.
— Bom, acho que tudo foi resolvido agora. – Gary falou, olhando para as duas. – Onde você foi, Crystal? A Alice ficou doida te procurando.
— Me...desculpem pela preocupação...
  Lawrence notou os olhos inchados e o rosto abatido da treinadora, não podendo deixar de perguntar.
— O que aconteceu aqui?
— Duvido muito que isso seja do seu interesse.
   Gary resmungou, mas Lawrence fez questão de não encará-lo.
— Eu não direcionei minha pergunta á você.
— Mas eu quis responder já que foi uma pergunta feita só para parecer que você realmente se importa.
— Você deve ter muita experiência nesse tipo de conduta para presumir que todos agem assim.
— Todos, não. Mas você sim.

   Alice rapidamente se colocou entre os dois, tratando de desvincular o rumo daquela conversa.
— Então, é que a Crystal teve alguns contratempos e aí eu não estava conseguindo ligar pra ela e então me veio a ideia de tentar usar o Houndoom para encontrá-la! – ela riu, tentando descontrair. – Mas no fim, a Crystal apareceu e o Houndy me enganou porque quando ele saiu correndo, eu pensei que tinha achado o rastro da Crystal após farejar a blusa dela que eu peguei. Mas ele só tinha saído porque viu que o senhor e foi ao seu encontro! E sim, eu sei que tudo parece meio doido agora porque o Houndy não tem treinamento de busca...
   Enquanto Alice tagarelava, o Houndoom se aproximou de Crystal, a farejando e rodeando com certa curiosidade. E Lawrence percebeu quando a garota estremeceu de leve e retesou os braços diante da aproximação do pokémon.
— Houndy, junto.
  Á ordem de Lawrence, o pokémon imediatamente se afastou da treinadora e contornou o empresário, sentando-se de forma comportada e altiva do seu lado.
— Incrível como o Houndy te obedece! – Alice murmurou enquanto via o homem acariciar de leve os chifres da criatura.
— Ele é um pokémon apto a receber comandos de alguém que respeita. – Lawrence falou. - Ele sabe que posso ordená-lo para que cumpra comandos básicos de obediência, de batalhas, de exposições em torneios e até que ataque alguém.
   Seus olhos se fixaram rapidamente em Gary ao final da explicação.
— Apenas quem não se garante no soco é que usa pokémon para atacar outra pessoa! Não é, Alice?

  A garota apenas encarou Gary sem saber o que responder. Crystal olhou para a amiga pensando que, se tinha alguém sem moral para concordar com aquele ponto de vista era Alice. Afinal, ela não pensava duas vezes em querer e até mesmo usar o seu Charizard e seu Houndoom contra outras pessoas se julgasse necessário. Ainda que concordasse que usar pokémon para atacar humanos fosse desleal, Crystal não podia negar que, da forma como já vira Alice usar,  havia defendido sua vida e a salvado de criminosos Rockets.
— Eu...acho que depende do caso. – falou a treinadora timidamente. – Em demasia é errado, mas em certas situações pode ser a única opção.
— Isso, eu concordo com a Crystal! – Alice apoiou. – Não dá pra generalizar de forma extrema! Há casos em que uma pessoa pode estar sendo atacada e em desvantagem e o pokémon pode salvá-la!
— Pokémon sempre foram usados por humanos desde o início das civilizações e isso se mantém nos dias atuais e continuará no futuro. – Lawrence dissertou, em seu típico tom calmo. – E pouca coisa mudou se analisarmos bem. Treinadores usam e comandam pokémon para trabalhos e, claro, para atacar outros pokémon. Isso em batalhas informais, legalizadas e em grandiosos torneios com multidões de espectadores e patrocínios milionários. No passado, havia arenas de batalhas entre pokémon, mas havia também batalhas entre pokémon e humanos. E essa tradição era usada como uma forma de punição ou fazer justiça ao mesmo tempo em que entretinha a população. Eram práticas permitidas e realizadas com o amparo da lei na época.
— Era uma barbárie. – Gary rosnou. – Práticas de uma época primitiva e selvagem que foi abolida há séculos.
— Uma época primitiva até pode ser. – Lawrence continuou. – Se nossa sociedade se tornou o que é hoje, foi por contado passado. Embora tenha havido visões, costumes e práticas considerados naturais na época e que hoje sabemos ou consideramos bárbaros e execráveis, é fato que essas sociedades e reinados foram alicerces importantes e cruciais para o crescimento social, artístico, científico, político e intelectual ao longo das eras para se criar as facilidades, conhecimentos e vantagens que temos hoje. É uma pena então ver que muitos desprezam e ignoram isso apenas para enaltecer discursos imediatistas a fim de inflar as massas.
— Sério mesmo que você defende esse tipo de coisa do passado?
— Não é uma defesa e sim uma constatação para se analisar levando em conta diversos contextos históricos-sociais da época.
— E você acha que deve ignorar tudo e deixar sempre tudo como está?

  Lawrence estreitou os olhos, levemente emburrado. Aquele mimado estava querendo encontrar qualquer motivo para provocá-lo.
— E você acha que ficar militando o tempo todo de forma vaga vai realmente trazer mudanças á longo prazo?  Ou está fazendo tudo isso exatamente como uma forma de atrair visibilidade para si, assim como as suas constantes escolhas aleatórias de carreira?
— Se incomoda tanto com minhas constantes mudanças de escolhas que precisa ficar falando delas toda vez ou faz isso porque é algo que queria fazer e não tem coragem?
—EI, ei!  É sério que vocês vão querer discutir aqui?!
    O período de silêncio que se seguiu ante a pergunta de Alice foi claramente incômodo para todos os presentes. E Alice sabia que tinha certa parcela de culpa nisso. De modo que teria de lidar com as consequências que obviamente haveria depois ao tentar se explicar e remediar possíveis atritos. Mas uma coisa por vez.

— B-bom, agora que a Crystal voltou, eu e ela precisamos conversar, então...senhor Lawrence, me desculpe ter de desmarcar com você depois de você já ter vindo até aqui. – enquanto ela falava, Gary não disfarçou o sorriso de deboche. – Mas é que esse imprevisto rolou e eu fiquei tão focada, que acabei me esquecendo de te avisar!
   Lawrence ergueu uma das mãos, pedindo que ela se calasse.
— Não se preocupe, imprevistos acontecem. – ele abaixou um pouco a voz. – E pelo semblante da sua amiga, é melhor mesmo que você fique com ela hoje. Podemos nos encontrar amanhã.
— Ela não vai poder.
   Alice e Lawrence encararam Gary.
— Podemos, sim. – a garota respondeu. – Gary, eu te agradeço muito por ter me acompanhado na busca pela Crystal hoje e...
— Está me dispensando?
— Não! Eu só...
— Ainda tem dúvidas?

   Alice arregalou os olhos ao ouvir as palavras de Lawrence e a expressão irritada em Gary, que rapidamente tratou de mascarar com um sorriso debochado.
— Tô de zoas, ‘Lice. – ele brincou com uma mecha do cabelo dela entre os dedos. – Me manda mensagem mais tarde então pra gente marcar de se despedir antes de sair de Ecruteak.
   Ele se aproximou, circundando a cintura de Alice com um braço e lhe dando um rápido selinho nos lábios, que só não se prolongou porque a garota sutilmente se esquivou.
— Vou indo nessa. – Gary falou, olhando de forma provocativa para o empresário. – Tchau pra quem fica.
   Ele cumprimentou Crystal com um “bem vinda de volta” e acendeu um cigarro, saindo pela rua sem olhar para trás.

— Podemos marcar logo pela manhã?
  Lawrence perguntou, mas antes que Alice respondesse, Crystal se adiantou.
— Ela pode sim. – quando os dois a encararam, tratou de explicar. - Vocês já tinham combinado e no fim eu, de certa forma, acabei atrapalhando...Desculpe, eu sei que o senhor é muito ocupado, mas é que hoje eu precisava mesmo falar com a Alice!
  Lawrence percebeu que a treinadora claramente se sentia inibida e nervosa em sua presença.
— Por mim, tudo bem. Então, Alice. Eu venho te buscar amanhã ás dez. Pode ser? Gostaria que fôssemos a um lugar.
   Aquilo era subitamente inusitado para Alice. Mas não que fosse incomum: muitas vezes havia ido com Lawrence a diversos lugares, era algo cotidiano até que...
   Até que certas coisas aconteceram.
— Sim.
— Ótimo. Preciso voltar ao meu hotel agora.
— T-tá. Houndy. – chamou a garota pegando uma pokébola. – Se despeça do senhor Lawrence e bora descansar!

  O pokémon aceitou um último leve afago do colecionador antes de Alice enviá-lo para dentro do dispositivo. Após isso, ambos se olharam por alguns segundos.   Aproximaram-se ao mesmo tempo trocando um rápido abraço e Lawrence depositou um beijo na testa da garota antes que se afastasse, deslizando os dedos por uma mecha de cabelos dela enquanto Alice apertava o braço dele com um pouco mais de intensidade do que o necessário.
   Então, desejaram um “boa noite” e Lawrence esperou que as duas garotas entrassem no hotel antes de voltar para o próprio carro.
  Dane-se a reunião que teria com Basho amanhã. A busca por outra relíquia para sua vasta coleção pessoal ligada ao reinado do Antigo Rei, bem como alguma outra informação que poderia tentar obter para a Ordem poderia muito bem esperar. Havia uma outra questão...particular, que precisava  lidar. Além do mais, havia uma pessoa na Equipe Rocket que tinha interesse em tudo que ele era capaz de representar e oferecer. De modo que não tardaria para que viesse pessoalmente contatá-lo.

~*~


“Podemos...conversar um pouco?”


— Claro.
   Foi o que Alice respondeu diante da pergunta de Crystal e, após isso, nada disse, esperando que a amiga começasse. Porém, por mais que durante o caminho Crystal tivesse pensado em como se explicar, agora ela percebia que não havia pensado em como começar.
   E enquanto procurava as palavras sem correr o risco de começar a chorar, notou o que Alice segurava em uma das mãos.

— Por que você está segurando uma das minhas blusas...?
— Ah, nossa! – Alice olhou para a blusa em sua mão e agitou-a com um sorriso constrangido. - É que...como você não atendia o telefone e não retornava nenhuma das ligações, eu comecei a ficar muito preocupada!Até tentei te procurar em alguns lugares que achei que você poderia estar, mas nada adiantou. Daí eu tive a ideia de tentar fazer com que o meu Houndoom bancasse o pokémon farejador pra poder te encontrar!Mas aí você apareceu e bem, aqui está sua blusa!
   Quando Crystal pegou a peça, percebeu alguns pequenos furos e desfiados na mesma.
— MINHA NOSSA! – exclamou Alice. – Isso é obra dos dentes do Houndy quando eu puxei a blusa porque ele não queria largar! Eu prometo que compro outra pra você! Me desculpa, desculpa!!


~~

  
   Agora, no quarto do hotel, Crystal sentou-se na beirada da sua cama, lembrando dos acontecimentos recentes e ainda segurando a blusa esfarrapada nas mãos. Gostava muito daquela blusa, ainda que ela já estivesse começando a ficar desbotada. Mas agora, com aqueles furos e desfiados, teria que se desapegar dela.
   Bom, seria um preço pequeno a se pagar pela atitude que havia tido no ginásio.

— Amanhã á tarde podemos passar naquele mega lojão de roupas que tem no centro e eu compro algumas roupas novas pra você.. Daí vou aproveitar e comprar algumas para mim também!
— Não precisa se dar ao trabalho. Essa blusa já estava velha mesmo e minha tia vivia reclamando do tanto que eu usava quase sempre essa peça. Então, quando ela souber que tive de me livrar dela, vai é te agradecer!
— Mesmo assim, eu faço questão de te comprar pelo menos uma blusa nova como forma de me desculpar!
  Alice falou, enquanto tirava algumas peças de roupa de sua mochila e colocava sobre a cama, como se procurasse montar alguma combinação com elas.
— Se desculpar? Sou eu que devo te pedir desculpas pela vergonha que a minha atitude te fez passar. – corrigiu Crystal, continuando. - Eu sei que a forma como eu agi lá no ginásio foi muito errada e nem um pouco digna de uma conduta de treinador pokémon. Nem eu mesma entendi na hora o motivo de eu ter agido daquele jeito!

   Alice deixou de lado as roupas e se sentou ao lado da amiga.
— Você tinha se preparado bastante para a batalha, né? Eu vi como pesquisou e planejou...e eu achei que você estava bem. E que o passeio lá no parque tinha te ajudado a relaxar. Mas, o que aconteceu naquele momento?
— Eu juro que nunca antes tinha feito algo do tipo. Mesmo em um dos ginásios de Hoenn quando perdi várias vezes para a líder, eu voltava lá e encarava novamente o desafio, mesmo quando os treinadores de lá começaram a fazer piadinhas. Eu ignorava e seguia, até conseguir a insígnia. Então, eu ter desistido...não, pior, ter fugido da batalha contra o Morty me deixou tão ansiosa, tão desesperada...eu acho que de alguma forma me descontrolei naquele momento porque não era pra eu sentir tudo que senti com aquela força. A certeza de que ia fracassar e que isso faria com que falassem de mim, pensassem mal de mim,  eu fugi para evitar me envergonhar e envergonhar você, mas... – ela suspirou. – Eu ter feito isso foi mais vergonhoso do que se tivesse batalhado e perdido.
— Olha.– Alice começou. – Isso de sentir que não seria capaz e desistir sem tentar é um pensamento que qualquer pessoa pode ser acometida diversas vezes na vida. Então, não se critique e não se envergonhe tanto por isso. Agora, eu não entendo por que você diz que sua atitude tenha me envergonhado!
   Crystal olhou para ela, intrigada.
— Não é óbvio? – perguntou. - Você estava com altas expectativas sobre mim, falou sobre como eu era uma boa treinadora para os seus amigos, que são todos treinadores experientes. O líder de ginásio é um grande amigo seu e ainda tinha o Gary Carvalho que além de ser o seu... – Crystal pensou em como deveria se referir, já que “peguete” talvez parecesse invasivo demais. - E bom, ele é um treinador que eu admiro muito e de repente eu fiquei tão nervosa diante da possibilidade de me revelar uma desafiante medíocre e...aí seus amigos iriam rir de mim e te deixar. E claro, ainda tinha a Agatha lá, que é uma ex membro da Elite 4 e ela iria falar e me julgar tanto...só que eu fui muito burra e infantil por ter fugido porque agora todos devem estar falando um monte sobre isso e com razão!
— Ninguém está falando nada! – Alice rebateu, embora não tivesse muita certeza. – E a opinião da Agatha não conta! Ela pode ter sido uma mestra da Elite no passado, mas hoje é só uma velha arrogante e recalcada! O que você tem que fazer é se recuperar e ir lá de novo no ginásio pra lutar!

   Alice havia falado com convicção, mas percebeu que a amiga não compartilhava do mesmo entusiasmo.
— Você...vai desistir?
   Crystal sentiu o estômago enjoar. Lógico que Alice duvidaria dela, não tinha como ser diferente.
— Eu sei que estou parecendo uma fraca e talvez eu seja mesmo. Não tive coragem e maturidade para encarar uma batalha e fugi. Fiz você passar uma tremenda vergonha na frente dos seus amigos.
— Vergonha?! Eu fiquei confusa e preocupada, mas não com vergonha. Crystal, eu não tô entendendo por que você está  se preocupando e colocando isso  na cabeça , de crer sobre eu o que eu estou achando da sua atitude sobre o acontecido. Ou melhor, sobre o não acontecido...o meio acontecido...ah, o que rolou!
   Crystal não respondeu de imediato, mas se levantou da cama e foi até a janela, os braços cruzados contra o peito como se isso a ajudasse a sentir-se um pouco mais segura.
— É que...eu nunca tive muitas amizades. – “Na verdade, quase nenhuma.”— Quando nos conhecemos, foi tão súbito e de repente éramos amigas e passamos a seguir jornada juntas. E você está sempre tentando me apoiar, ajudar e incentivar...
— Isso é algo que te incomoda?
— Não! – Crystal se apressou em dizer. – Eu fico realmente feliz de alguém como você me apoiar assim. Além dos meus tios e do Kenta, quase ninguém me incentiva nas coisas que eu faço ou quero fazer. E você é uma pessoa tão legal e popular que eu...não queria que se decepcionasse por eu não cumprir as expectativas e assim você pudesse acabar sendo zoada pelos outros por minha causa. E que, por consequência disso acontecer, você pensar que talvez não fosse mais tão legal ser minha amiga de jornada.
— Ficou doida?! – Alice se aproximou, parecendo indignada. – Acha que eu sou o tipo de pessoa que escolhe as coisas que quer pra vida com base no julgamento alheio ou no que as outras pessoas podem pensar, temendo receber provocações e piadas? Sério mesmo? – ela colocou ambas mãos na cintura. – Você por acaso acha “tudo bem” gente que fica julgando as atitudes e escolhas das outras pessoas mesmo se estas pessoas estão felizes?
— Não, de modo algum! É que...eu gosto muito de você, Alice. E eu não queria que nossa amizade e sua opinião e expectativas sobre mim acabassem mudando por conta das minhas falhas, sabe? E pensando nisso que eu fiquei com medo de errar e preferi nem tentar, não apenas por sua opinião, mas também pela opinião dos outros.

  Alice  percebeu a angústia da treinadora e tratou de retomar o foco da conversa. O que Crystal estava passando e pensando era um contexto diferente do dela, embora ambas fossem assombradas pela maldita opinião alheia.
— Olha, você não tem que se preocupar tanto e dessa forma com a opinião alheia. – ela começou. – Ficar pensando no que os outros, sejam eles conhecidos ou desconhecidos, vão pensar e sobre as coisas que você escolhe, assim como você ficar escolhendo os caminhos para se seguir e coisas que gosta com base nas opiniões alheias de quem realmente não se importa ou não fará real diferença na sua vida e que nem te conhece de verdade, é algo que só vai fazer mal para você e que pode te impedir de viver e de ser muitas coisas realmente boas e importantes.
— Sim, eu sei que você tem razão...e eu mesma acredito nisso embora muitas vezes a realidade na prática acaba sendo difícil de manter sempre esse pensamento para agir da forma certa. Querendo ou não é algo que atinge a gente.
— Eu sei...

  Ficaram alguns segundos em silêncio, mas que pareceram horas. Por fim, Alice balançou e falou.
— Bom, se é importante pra você saber, eu não estou envergonhada da sua atitude hoje, e nem passou pela minha cabeça querer me afastar de você por isso! Eu só me arrependo de não ter percebido antes que você não estava bem hoje.
— N-não...tinha como você saber. Nem eu sabia que estava tão...nervosa. Porque mesmo quando estou ansiosa, eu controlo o máximo possível, mas não consegui dessa vez. – ela deu um sorriso forçado. – Acho que estou falhando feio como treinadora pokémon...
— De jeito nenhum! Você é uma boa treinadora, sim! É só ver o que você já conquistou até agora! Você começou a ser treinadora há pouco mais de um ano e não apenas já concluiu o circuito de Hoenn conquistando as insígnias, quanto competiu na Liga Pokémon! E agora você tá começando aqui em Johto e tenho certeza que o que você vai fazer grandes feitos aqui! E eu não vou deixar você desistir, porque eu acredito em você e eu quero ver você se tornar uma treinadora consagrada!  - o rosto de Alice se suavizou. – Hoje você só teve um dia ruim, isso acontece com todo mundo. E tá tudo bem.

  Crystal não pôde deixar de sorrir. Primeiro Átilla e agora Alice, cada um encorajando-a de alguma forma justamente no momento em que fora acometida por uma crise. Lembrou-se rapidamente da primeira vez que sentira algo semelhante, embora menos intenso. Estava em Hoenn após mais uma vitória perdida para conseguir uma insígnia e chorou completamente sozinha por não e ninguém ao seu lado. E dessa vez, foi diferente.
  Limpou as lágrimas que tentavam sair. Ainda não se sentia completamente bem e segura, sabia que ainda teria muito que entender e amadurecer em si mesma. Mas não iria desistir. Não mesmo.

~*~

  
   Havia a quietude das profundezas. Não estava nem muito escuro e nem muito claro. Mas os raios de luz que atravessavam a água apenas mostravam a vastidão azul do oceano. Um oceano tão vasto e profundo que parecia não ter fim e talvez não tivesse mesmo.
  De onde estava, não via nada na frente, atrás, dos lados, em cima ou embaixo que não fosse a água, o azul e o vazio.  Era como se houvesse mergulhado novamente em um lugar onde o tempo não existisse e toda aquela água que o envolvia parecesse convidar para que ficasse ali para sempre.
  Mas não podia. Não mais.

  A água começava a ficar escura e sentia como se uma força invisível pressionasse seu corpo por todos os lados. Não era a água que estava escurecendo, era a luz que estava sumindo, ficando cada vez mais distante, mais acima.
  Ele afundava.
  Não conseguia sair dali, não conseguia sequer se mover. A dor havia voltado e a consciência das últimas lembranças o fez entrar em desespero.

  “Eu não posso morrer ainda. Eu não quero morrer. Eu ainda preciso lutar, eu preciso vencer, eu quero ficar com minha família. Eu tenho muito para fazer, muito para conquistar, muito...socorro, alguém me ajuda a sair daqui, eu não quero morrer. Alma, por  favor venha até mim! Eu preciso lutar, eu não quero morrer!”

  
   Algo imenso entrou na água, com um estrondo que mesmo naquela profundidade pôde ouvir. Em seguida, todo seu corpo moveu-se nas ondulações bruscas causadas na água e ele sentiu que já quasenão conseguia mais manter os olhos abertos. Mas mesmo assim, viu. A enorme mancha branca tão sólida, que mergulhava ao seu lado, envolvendo-o totalmente. Então reconheceu aquele imenso corpo de escamas brancas reluzentes e por um ínfimo momento, sentiu esperança.
  Que logo desapareceu por completo ao ver o vermelho que rasgava aquele imenso corpo e tingia a água.
  Queriam gritar, queriam chorar, queriam viver. Mas já era tarde demais. Um era capaz de compreender e sentir o mesmo que o outro.

  Quando seus olhos se encontraram com os olhos do imenso Lugia, ele compreendeu que aquele era mesmo o fim.
  Havia dor, havia culpa,havia medo, havia tristeza. Humano e pokémon compartilhavam os mesmos sentimentos, os mesmos pensamentos. Sempre como se fossem um só.
  Com um último esforço, o rei ergueu o braço e seus dedos tocaram a escama azul escura que rodeava o olho do gigantesco pokémon, que aceitou aquele último gesto.
  Havia dor, havia tristeza. Mas aquele alento era resignado. Era acolhedor. Era suficiente.

  “Me desculpe. Eu não pude cumprir a promessa. Nunca voltaremos para casa...Alma. “

 
   Viemos a este mundo juntos, vivemos neste mundo juntos e partiremos desse mundo juntos. Como se fôssemos um só.

~*~

  
   Lugia abriu os olhos embaixo da água e ergueu-se com um sobressalto, a boca aberta para permitir que o ar entrasse novamente em seus pulmões. Segurou-se com firmeza na borda da grande banheira circular em que estava e esperou alguns segundos até que sua respiração se normalizasse após algumas tossidas.
   Havia tido um sonho ocasionado por uma lembrança. Sua última lembrança. Um sonho do momento de sua própria morte. E aquilo havia sido horrível.

   Realmente, a capacidade de respirar embaixo da água deixava de existir enquanto permanecesse em sua forma humana. Conseguia prender a respiração durante mais tempo do que uma pessoa, mas apenas isso. Provavelmente, graças a sua telecinese que era mantida mesmo estando na forma humana, lhe permitia que controlasse a frequência e o funcionamento de seu coração e pulmões, colocando-os em um tipo de esforço de funcionamento mais reduzido. Mas mesmo assim, não era muito seguro, ainda que tivesse certa capacidade de regeneração de seu corpo.
   Endireitou-se um pouco quando percebeu que a respiração havia se normalizado. Levou uma das mãos ao pescoço, passando os dedos no mesmo, como que procurando algo sob a pele. Havia as saliências, quase imperceptíveis, mas havia. Cicatrizadas, fechadas, mas estavam ali e se abririam quando se transformasse. Guelras.
  Parou, os dedos ainda sobre a região onde existiriam guelras se fosse possível tê-las em sua forma humana.
  Sério que estava sentindo falta disso?

    Saiu da banheira, vestindo um longo roupão e foi para a sala. As cortinas da grande porta de vidro estavam fechadas e ele as abriu completamente, observando o céu do final da noite. Desde que havia voltado a ser humano, dormia pouco. Talvez porque, enquanto pokémon, dormira tanto nas profundezas do oceano para tentar esquecer, para sonhar com o passado.
  Nascera humano, tivera uma forte conexão com seu pokémon, fora amaldiçoado na forma de um e agora tivera a dádiva de voltar a ser humano mas podendo tornar a ser pokémon. Mas ser o pokémon Lugia era agora apenas uma ferramenta para utilizar para realizar seus objetivos.
  Antes, no longínquo passado em que reinara, seu pokémon havia sido seu parceiro, seu ouvinte, seu guerreiro, seu irmão. Quando voava e nadava sobre suas costas, sentia como se tornassem um só. Lugia e Alma compreendiam-se e haviam criado uma conexão de uma forma que ninguém jamais conseguira.
 Tanto que ás vezes sentia, desde que tudo aconteceu que ambos se fundiam, E de certa forma, isso havia mesmo acontecido.

  E talvez, graças á força de seu pokémon que morrera ao seu lado e que agora parte dele tornava a viver em si, que ele acreditava que o destino da sua história não havia chegado ao fim. E que teria de alcançá-lo e cumpri-lo.

  “Depois, devo abandonar e ser apenas Lugia de Além-Mar. E assim permitir que Alma vá em paz.”

  Sim, era isso que deveria fazer. Gostaria de poder se encontrar com Alma novamente, que pudesse voar em suas costas atravessando os céus cada vez mais rápido, mais alto, mais longe.
   Mas aquilo não seria possível. O que poderia fazer agora era se tornar Alma e voar pelos céus mais rápido, mais alto, mais longe. Mas só.
De alguma forma, Alma estava aliado a si e com a sua ajuda, retomaria o que perdera, encontraria as respostas e...

 “Um rei, não pode fazer isso sozinho. Mas talvez, um conquistador possa.”

 
  Não precisava acabar onde acreditava que deveria. Seu destino não era apenas esse. Não depois de tudo que havia acontecido, do que haviam feito contra ele e com todos que amava, com tudo que conquistara por direito.
  Uma certeza , que já começava a crescer dentro de si, pareceu ganhar um pouco mais de força.

~*~



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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...
Nos últimos duas, embora já seja algo que paira em minha mente há meses, eu ando muito desmotivada e chateada com os rumos que o hábito e a dedicação a leitura por parte das pessoas, está tomando. E isso afeta diretamente a minha vontade de querer continuar escrevendo hstórias.
Enfim...um parte por consequ^ncia disso, este capítulo transcorreu de uma forma relativamente diferente do que eu havia planejado e tive um certo trabalhinho para adequar e desenvolver as cenas .E isso tudo atingiu diretamente a escrita da cena do Lugia, que devido ao limite de caracteres que coloco por capítulo, precisou ser alterada de um flash-back de batalha grandiosa para uma cena de flash-back mais intimista e pessoal dele. E a tal primeira ideia será inserida no capítulo posterior.
No fim, percebo agora que todas as cenas ficaram mais "paradas", ainda que fosse necessário para mostrar e direcionar certas coisas para acontecimentos futuros e também os sentimentos e índolesdos personagens. E novamente acabou que tivemos mais um capítulo sem batalha pokémon. O que já tá ficando bem estranho pra uma fic de pokémon, essa história tá virando um ponto fora da curva de fics do fandoom rs. Porém, eu gostei muito do trecho final envolvendo o Lugia porque ele joga uma centelha do que ele poderá estar pensando.
Agora, muito obrigada aos que continuam acompanhando aqui e desculpem pela demora.
Deixem seus comentários, opiniões e sugestões!



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