A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 31
Capítulo 30


Notas iniciais do capítulo

Olá, caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Esse capítulo foi escrito a partir do momento que, ao verificar quanto tempo havia até eu chegar ao prazo que costumo estipular para atualizar a história (cerca de um mês) me surpreendi que em vez de ter passado, sei lá, duas semanas, já tinha se passado um mês.! O_0
Como eu já tinha anotado os pontos principais, eu já sabia o que iria colocar neste capítulo. Meu erro foi não ter começado a escrever logo após ter postado o capítulo anterior. Mas como sempre deixo pra depois porque meio que tento seguir uma "agenda" de afazeres e tento manter o ritmo de produção de várias coisas meio que simultaneamente, sem me fixar unicamente em uma e no final isso culminou em uma dificuldade em uma das partes do capítulo (justamente na do Igni, droga!) então houve uma ligeira dmeora em conseguir finalizar esse capítulo.
Teve leitor que me perguntou se aconteceu a cena de Igni e Lugia conversando antes de Lugia aparecer no dormitório das irmãs no capítulo anterior. Essa cena não foi mostrada na fic e isso foi algo proposital. Como poderão ver ao longo da história, Lugia e Igni dividem muitas informações e segredos e isso é algo que será mostrado com o tempo. Então, deixo por conta da imaginação de vocês o que pode ter sido falado naquela conversa haha.
Ás vezes me pergunto o que os leitores pensam ao se deparar com essa história. Que, embora seja baseada no universo pokémon, tem tão pouco de pokémon na forma mais popular e comum que é abordada nas fanfics do tipo. Eu sei que foco principalmente nos conflitos e relações entre e dos personagens e essa sempre foi minha ideia para a história. Mas me pergunto se talvez isso acabe causando estranheza e afastamento de potenciais leitores...

Boa leitura.



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~*~


— Mas que droga!
   Alice finalizou a chamada quando ouviu novamente a gravação de “Deixe seu Recado” da Caixa Postal. Acessou pelo celular seu pokézap e em seguida o pokébook, verificando se as mensagens que enviara tinham sido respondidas ou pelo menos visualizadas. Nenhuma das duas opções e, olhando no status de envio, a última vez que a amiga havia acessado fora no meio da tarde, antes de irem para o ginásio.
— Onde a Crystal está?! Gary, me empresta o seu celular de novo!

   O rapaz ao seu lado suspirou, entregando o aparelho. Alice imediatamente refez a chamada para o último número discado. Um toque, dois toques...no sexto, novamente o recado da caixa postal.
— Caramba! Por que ela não atende?!
— Ficar ligando o tempo todo não vai adiantar. – Gary resmungou, pegando o celular de volta. - Você já ligou um monte de vezes do seu celular e ela não te atendeu nenhuma vez! E já é a sexta vez que tenta ligar do meu e deu no mesmo! Relaxa que depois ela te retorna.
— Ela pode não estar ouvindo a pokégear tocar! Eu preciso continuar tentando!

   Gary balançou a cabeça em sinal de desaprovação enquanto Alice voltava a repetir o processo de ligação que já devia ter feito umas trinta vezes desde que haviam saído do ginásio para procurarem Crystal. A atitude da treinadora foi imprevisível , até mesmo para alguém experiente como ele. Havia percebido que Crystal estava ansiosa, mas até aí era normal para uma treinadora prestes a entrar em batalha contra um líder de ginásio. Ainda que ela estivesse um pouco demais para alguém que já não era tão iniciante em Jornada por insígnias. O que não foi normal era ela ter simplesmente fugido de uma batalha daquela forma.

— Deixa ela um pouco. – Gary falou depois que a garota se deparou com outra ligação infrutífera. – Crystal sabe que você tá ligando, ela só não quer te atender.
— Mas eu sou amiga dela, porque não atenderia?
— Na certa ela está com vergonha por ter fugido de uma batalha antes mesmo de começar. E não tem coragem de encarar ninguém pra tentar se justificar.
— Eu acho isso também, mas...não faz sentido ela fugir da batalha! Ela já esteve comigo em situações arriscadas e mesmo com receio, nunca fugiu dos problemas!
— Que situações arriscadas?
— E eu vi o quanto a Crystal estava se empenhando para treinar seus pokémon e estudar uma estratégia para a batalha contra o Morty! – Alice continuou, ignorando propositalmente a pergunta de Gary. -Não tinha o porquê ela desistir só por causa daquela decrépita da Ágatha!
— Não foi só por causa dela que a Crystal pulou fora.
— Como não?! Aquela esclerosada é uma escrota! Fica tentando provocar e magoar tudo que é treinador, daqui á pouco até o Morty surta e manda ela pro Rayquazza que a parta!
— Eu não disse que a véia não tem culpa da atitude da Crystal. Eu disse que não só ela. A Crystal tava é com medo de perder a batalha na frente dos outros.
— Por que ela teria medo disso?!
— Sei lá! De repente cogitou que sua estratégia não era boa, que iria fazer feio na frente dos outros. Querendo ou não a Agatha é um antigo membro da Elite4...– Gary coçou a nuca. – Ai ela simplesmente “picou a Ponyta” e se mandou! Foi uma atitude meio covarde e na certa ela nem pensou direito, mas depois que se tocou, deve estar com muita vergonha.
— A Crystal é corajosa, eu já presenciei isso! Ela pode ser um pouco tímida, sim, mas não é uma treinadora iniciante! Já participou da Liga de Hoenn. E ela ainda tem o sonho de competir na Liga Mundial. Uma pessoa insegura não teria essa meta!
— Eu não disse que ela é covarde, só que essa atitude dela faria qualquer um pensar assim no primeiro momento. Porque você tem que concordar, foi muito inesperada. Você também ficou boladaça e é por isso que estamos a mais de duas horas andando pelas ruas procurando ela enquanto fica tentando ligar!

   Alice não retrucou. Era verdade que aquela atitude de Crystal a deixou surpresa e intrigada.
   Recordou-se do momento em que Morty liberou seu Haunter da pokébola e Crystal permaneceu imóvel mesmo ciente de que a batalha já começara. E quando chamou Crystal, pareceu que ela despertava de um transe e logo depois de olhar para todos eles, saiu correndo. Deu as costas e disparou para fora da arena, nem mesmo se dando ao trabalho de fechar a porta.
   No primeiro momento, todos ficaram calados. Foi algo tão estranho que Alice pensou que a amiga havia ido pegar alguma coisa que tinha esquecido ou até mesmo tido uma vontade súbita de ir ao banheiro.

— Ela fugiu!
   A confirmação da velha Ágatha ecoou na arena e todos perceberam que, por mais inesperado que fosse, era isso mesmo. Enquanto a antiga mestra continuava debochando da atitude mesmo ninguém lhe prestando atenção, Morty recolheu seu pokémon e foi para a arquibancada comentar com os outros. Mas Alice não soube responder quando foi perguntada sobre a atitude da amiga.
  Porém, quando Ágatha começou a dizer certas coisas vexatórias sobre Crystal, Alice mandou a velha tomar naquele lugar e saiu em disparada a procura da amiga, seguida por Gary.
  Mas agora, a noite já havia chegado e nada de conseguir alguma informação de Crystal. E isso a deixava agora em um misto de raiva e preocupação. Sabia que ficar insistindo nas ligações era infrutífero, mas ficar andando a esmo pela cidade não ajudaria muita coisa também.

   Olhou ao redor. Estavam em um ponto central do bairro gastronômico de Ecruteak, que era próximo ao ginásio. Por todos os lados havia bares, lanchonetes, restaurantes e demais estabelecimentos alimentícios.
— Merda! Porque essa cidade está tão lotada?! Não é época de férias!
— Mas é sábado á noite. – Gary murmurou, sentindo-se tentado a comprar uma cerveja. – Ecruteak é turística o ano todo.
— Achar a Crystal por aqui vai ser impossível! –Alice bufou. – Se bem que...duvido muito que ela esteja no meio dessa muvuca!
— Olha, a gente pode comer alguma coisa enquanto espera ela retornar suas ligações....

   O olhar de Alice fez com que Gary erguesse as mãos em sinal de rendição logo após ter feito o comentário.
— Tá, esquece o que eu falei. Mas relaxa que a Crystal não corre perigo, ela já fez jornada sozinha por Hoenn, não é? Eu vou lá no bar pegar uma bebida pra mim. Quer?
   Alice negou e tratou de verificar seu pokébook. Morty havia respondido a sua mensagem, dizendo que Crystal não voltara ao ginásio ainda. Bom, isso era de se esperar. O ginásio seria o último lugar para onde Crystal iria. No primeiro momento, Alice cogitou que a amiga tivesse voltado para o hotel, mas ao ligar na recepção do mesmo, foi informada que ninguém havia ido para lá. Pediu que retornassem caso Crystal aparecesse, mas até agora não houve resposta.

  
“Crystal sabe se cuidar, eu sei! Ela emplacou uma Jornada Pokémon durante um ano, sozinha em uma região diferente da sua região natal. Capaz de ela saber se virar sozinha muito melhor do que eu. Mas ela não está bem agora, está fragilizada e pode ser perigoso pra ela ficar sozinha! Alguém pode ou ela mesma pode...droga! Eu deveria ter percebido que tinha alguma coisa de errado com ela e que aquele nervosismo dela não era só uma ansiedade simples! Pensa, em uma solução para encontrar a Crystal, pensa!”

 
   Alice estava tão absorta em seus questionamentos que não percebeu quando Gary se aproximou bebendo um gole direto no gargalo da garrafa de cerveja que acabara de comprar. Quando ela soltou uma exclamação súbita, por pouco ele não se engasgou com a bebida.
— É ISSO!
— ...o quê?! – ele resmungou, verificando se não tinha babado na própria blusa.
— Como eu não pensei nisso antes, Gary?! – ela sorriu, empolgada. – Vou usar o faro do meu Houndoom para encontrar a Crystal! Igual os policiais que usam Growlithes ou Boltunds para buscar pessoas desaparecidas! - o sorriso se desfez. – Mas eu não tenho nada da Crystal aqui comigo...vou ter que voltar pro hotel! A mochila dela está lá, eu pego uma peça de roupa dela pro Houndoom farejar. Sim, isso vai dar certo! Vamos lá!

   Pegou Gary pela mão e os dois seguiram pelas estreitas e movimentadas ruas. Gary pensou em dizer para que Alice controlasse um pouco a impulsividade, mas desistiu. Além de ser impossível fazê-la mudar de ideia, pelo menos era mais uma forma de poder passar o tempo ao seu lado, ainda que não do modo como ele gostaria.

~*~

  
   Ela refletiu durante o tempo em que ficou sentada sozinha naquele banco de praça. Mesmo quando já estava escuro e somente as luzes dos postes clareavam o local.
  As palavras daquele rapaz, Átilla, por mais cruas que pudessem ser para o momento e quase lhe soassem como um tapa, continham verdades.
  Sabia que possuía uma tendência a sempre se inferiorizar, em crer que não eras talentosa ou melhor do que alguém. Mesmo quando sentia-se satisfeita com o que conseguia realizar, logo em seguida vinha o sentimento repressor, a lembrando de que não era melhor, de que o que fazia não era tão bom quanto a de tantas outras pessoas. E mesmo quando fazia algo, ficava naquele receio acerca do que os outros poderiam achar, do que poderiam pensar e dizer.

   Não sabia bem quando começou a duvidar de si mesma, de achar que não era boa o bastante ou que nunca chegaria aos pés daqueles treinadores e pessoas que tanto admirava e tentava se espelhar. Procurando olhar para dentro de si e de suas memórias do passado a fim de encontrar algumas respostas que pudessem elucidá-la, Crystal se viu lembrando de momentos em sua pré-adolescência, principalmente na escola e no curso intensivo para obter sua licença de treinadora Pokémon.
  Não gostava de se lembrar daquele tempo, de ser sempre a excluída, a desinteressante, a “bobinha”. Que sonhava alto demais para alguém que era tão simples.
  Sabia que era aquele período tinha contribuído para que se sentisse mal consigo mesma. Aquele período por causa daquelas pessoas. Pensava que havia superado, que havia deixado no passado, que a jornada por Hoenn a fizera abandonar aquelas memórias...mas o que acontecera ali no ginásio de Ecruteak provou que ela só havia varrido seus medos e fragilidades para dentro de sua memória. E na sua memória, eles se encontravam com as lembranças dos fracassos, rejeições e humilhações que havia sofrido no passado, quando ainda não havia se tornado treinadora.

    Sentiu a agonia tomando conta de seu ser novamente e, em um gesto instintivo enquanto desejava não ser acometida novamente por aquela sensação torturante e depreciativa sobre si mesma, ela levou uma mão até o pescoço, puxando para fora da blusa a correntinha onde estava seu cristal e o apertando com força em sua mão. Podia sentir o formato dele e segurá-lo junto a seu coração lhe causavam uma sensação de conforto e segurança, como se ele pudesse lhe dar força e coragem para enfrentar seus próprios medos e agonias.
   Respirou profundamente, mantendo os olhos fechados e procurando visualizar em sua mente, cada um de seus pokémon. Pensar neles sempre  ajudava.Se havia algo que realmente lhe dava forças, confiança e orgulho como treinadora, perseverando em jornadas, eram seus pokémon. Por eles queria continuar, porque sabia do valor de cada um dos seus monstrinhos e queria ser uma treinadora da qual eles pudessem se orgulhar, assim como ela se orgulhava deles.

“ – Você gosta de ser uma treinadora pokémon?
— Claro que gosto!
— Então porque quer desistir na primeira dificuldade?”

  
   Naquele momento, Crystal não soube responder direito. Mas agora, depois de ficar um longo tempo sentada ali sozinha, havia refletido. Não queria desistir. Não iria desistir.
   Aos poucos, Crystal foi sentindo aquela sensação de angústia se dissipar e curiosamente sentiu-se preenchida por uma tranquilidade a medida que sua mente era invadida por lembranças de momentos bons e recompensadores que havia tido ao longo de toda sua jornada pokémon por Hoenn, Havia ganhado insígnias, conhecido lugares diferentes, capturado pokémon que se tornaram verdadeiros amigos e chegara a competir na Liga.

“Fez muitas coisas. E poderá fazer muito mais aqui.”

 
   Aquelas palavras...era como se alguém as tivesse sussurrado mesmo que ouvisse apenas em sua mente.
   Abriu os olhos, sentindo-os um pouco marejados. Olhou para o cristal em sua mão. A pedra não tinha calor como na noite anterior, mas a aquecia de alguma forma e seu brilho interno oscilava em cores mesmo á meia-luz.
  Notou então o outro pingente que havia colocado junto ao cristal: a metade de uma pokébola.
   Alice. A primeira amiga de verdade que tinha e que, embora houvessem se conhecido há poucos meses, gostava muito dela, de sua companhia e jeito de ser. Por viajarem juntas, Crystal sentia que havia criado um vínculo de amizade e companheirismo tão forte que não queria perder.

   Pegou a pokégear e viu a quantidade de chamadas perdidas, a maioria de Alice e umas poucas de um número que não conhecia.
  Precisava falar com Alice. Pedir desculpas por sua atitude lá no ginásio. Tentar explicar o que havia lhe levado a agir daquela forma.

   “É óbvio que sua amiga está preocupada com você.”

  Mesmo que a afirmação de Átilla estivesse certa, Crystal ainda tinha certo receio de encarar a amiga. Isso se Alice ainda quisesse ser sua amiga.
   Crystal balançou a cabeça.

   “Não! Não posso voltar a ficar pensando nisso agora senão vou desistir. Preciso encarar Alice, esclarecer o meu lado e enfrentar as consequências. Sofrer por antecipação não vai adiantar, eu deixei isso me dominar e cometi um erro. Eu preciso seguir em frente!”

  
   Poderia retornar a ligação, mas a bateria em sua pokégear estava com apenas 30% da carga. A conversa com Alice certamente seria demorada e também, devido a situação, era melhor e mais correto conversar pessoalmente.
  Crystal pensou no que fazer. Alice obviamente ainda estava no ginásio com Gary e os outros, mas Crystal não queria ir até lá. Encarar Alice e falar sobre sua conduta já seria difícil, e diante dos demais, impossível. O melhor seria que encontrasse a amiga no hotel em que estavam hospedadas.
  Decidida, Crystal se levantou, indo em direção aos comércios mais á frente, Quando estivesse chegando ao hotel, enviaria uma mensagem para Alice, avisando que estaria lá a fim de que pudessem conversar.

~*~

  
   Igni olhou para o próprio reflexo no grande espelho, verificando o resultado das roupas que havia colocado. Deu uma última ajeitada no pequeno lenço amarrado no pescoço e saiu do closet, indo até o quarto e parando na frente da grande cama de casal
— E esse visual aqui, o que acha?

  Com as costas encostadas nos travesseiros escorados na cabeceira da cama, Dômino tirou a atenção do livro que lia e mediu o rapaz de cima abaixo com os olhos.
— Você está parecendo uma jovem gay dos anos 80.
  Igni colocou ambas mãos na cintura desnuda e virou-se para o espelho fixado na parede atrás de si.
— É o lenço, não é? – falou, tirando a peça. – Comprei isso aqui e não consigo fazer com que combine com nada!
— O problema não é o lenço. – Dômino se levantou, aproximando-se. – A roupa não é ruim, mas...não combina. Para curtir uma noite na boate sem compromisso até vai, mas para o tipo de festa subversiva da alta sociedade, você deve usar algo mais requintado. Afinal, você é um dos membros convidados e não um dos gigolôs contratados.
  Ele riu concordando, tirando os braços de Dômino em volta de seu corpo. Precisava de uma sensualidade chamativa, mas refinada.

  Enquanto Igni voltava de onde viera, Dômino deu uma rápida olhada para o closet e sentou-se na beirada da cama, entediada.
  E pensar que há poucos anos atrás, aquele espaço era uma espécie de grande cofre onde Giovanni guardava pequenas fortunas em jóias, armas e segredos documentados de diversas pessoas, organizações e experiências com pokémon. Informações para vender, extorquir e ameaçar pessoas e organizações, para que se aliassem, investissem e se mantivessem leais á Equipe Rocket.
  Mas quando tomou seu lugar, Igni transformou aquele espaço em seu closet pessoal. Pois as armas de Igni para conseguir alianças, fidelidade e parceria com pessoas e organizações de poder, era usar ele próprio e suas habilidades variadas de persuasão.

“ Melhor que ser temido, é ser desejado e amado.”

 
   Aquela foi um das muitas lições que havia visto e aprendido com Igni. E aprendera também que, embora o método de Giovanni, de fazer uso do medo fosse muito eficaz, o método de Igni se revelava mais devastador para o alvo a longo prazo.
   E quando ela mesma usou esse método em um alvo, comprovou a eficácia do mesmo. Mas se Igni pedisse que fizesse isso novamente, não sabia se conseguiria sem que acabasse ela mesma se afetando.

— E como foi a sua conversa com o rei? – perguntou Domino próxima a porta do closet. – Ele concordou com a mudança de data do plano, assim tranquilamente?
— Não houve mudança de data do plano. – Igni falou enquanto se trocava. – O plano seguirá como havia sido combinado.  A diferença é que eu não poderei acompanhar vossa majestade.
— Mas você acha mesmo que é seguro deixar que o rei Lugia ir até Sinnoh junto com as irmãs para recuperar os cristais e enfrentar o pokémon lendário que pode surgir ali?
— Eu não posso ficar direcionando e monitorando eles o tempo todo. Até porque estamos falando de um rei e de suas poderosas irmãs.  Se eu começar a querer dar ordens demais ou parecer que estou direcionando demais, irão desconfiar e acabarei sendo contestado. E se isso acontece, a confiança pode ser abalada.
— Você fala como se sua relação com Lugia fosse como sua relação com os membros do Alto Conselho. – Domino cruzou os braços. – Mas você conhece Lugia há mais tempo...quanto tempo faz, afinal, que ele voltou a forma humana?
— Isso não lhe diz respeito, Dominique.

   Igni saiu do closet, parando diante da garota de forma elegante e sensual.
— E esse visual aqui? Pode falar.
— Escandalosamente irresistível.  – ela resmungou.
— Ótimo.

   Percebia que Dômino ficava emburrada quando não lhe contava tudo que desejava saber.  Mas, por mais que Dômino soubesse de mais coisas do que qualquer outra pessoa sabia, algumas, se dependesse de Igni, ninguém,nem mesmo ela, saberia.
  O rapaz voltou-se para o espelho, contemplando a própria imagem. Fingia verificar detalhes na roupa, mas recordava-se da conversa que havia tido com Lugia há pouco no escritório. Mais especificamente o momento de certo comentário.

“ Eu não sei mas...ás vezes, quando olho para o seu rosto, eu vejo o rosto dela. Os traços, os lábios, os olhos e o formato deles... Claro, há razão pela semelhança mas é como se, de alguma forma...”

  
   Há tanto tempo que não ouvia falarem aquilo...tanto tempo que acreditava já ter se esquecido.
   Olhava para si e via somente a si mesmo. Mas agora poderia olhar para si e ver ela porque a visão em suas memórias ás vezes parecia estar se desvanecendo lenta e gradual com o tempo.

— Ôe, Narciso! Está me ouvindo?
   Igni piscou e olhou para a garota loira.
— Não vai responder a isso também?
— Isso o quê?
— Se está tudo bem em deixar Lugia ir até Sinnoh recuperar os cristais levando as duas irmãs junto e só com alguns recrutas Rockets.
— Lugia já está bastante familiarizado com boa parte das coisas da atualidade. E não podemos perder a credibilidade com vossa majestade. — Igni falou, deixando de lado suas divagações. – Mas não os deixaremos sem uma supervisão disfarçada de suporte. Até porque, há as irmãs dele. Moltres não é um problema, ela é mais fácil de se relacionar apesar dos rompantes que tem, mas o mesmo não pode ser dito de Articuno.
— Por isso ordenou uma reunião com os melhores agentes Rockets para amanhã?
— Designarei missões para estes agentes, sim. Mas, para acompanhar Lugia e suas irmãs, o agente já está decidido.
— Basho chegará quando?
— Quem falou em Basho? Você é que vai acompanhar Lugia e as irmãs dele até Sinnoh.
  Dômino o encarou, surpresa e consternada.

— Por quê diabos, eu?! Não utilizo pokémon nas minhas missões e a ideia do plano é que Lugia e suas irmãs não se transformem para enfrentar os problemas que obviamente vão surgir!
— Você mesma dias atrás estava reclamando de não ter missões de relevância relacionadas diretamente a Lugia...pois estou lhe dando agora.
  Ele se aproximou de Dômino, segurando seu queixo com a ponta dos dedos, fazendo com que ela o encarasse.
— Mas não é em Lugia que deve ficar de olho, certo? – ele se afastou. – E nem da espevitada da Moltres. É em Articuno que eu quero que fique atenta. Assim como ela não confia em mim, eu não confio nela. Mas seja simpática, eficiente e prestativa durante a missão. Claro, pode selecionar alguns recrutas para irem junto dar suporte. Se o plano de Lugia der certo, quando chegarem em Sinnoh e algum pokémon lendário começar a querer destruir tudo, haverá treinadores notáveis ali para detê-los. Você nem precisará se preocupar em lutar.

  Como se estivesse satisfeito com os trajes escolhidos e encerrado a conversa, Igni voltou para o closet, a fim de deixar a roupa separada. Dômino cruzou os braços, pensativa.
   Tudo bem que o plano traçado por Lugia, na teoria, resolveria qualquer empecilho. Deixar a “bomba” na mão de outros que tinham, por dever primário, zelar pela proteção dos cidadãos, pokémon e locais históricos, era uma ótima solução para evitar que precisassem entrar em uma batalha que acabaria atraindo muita especulação e possíveis problemas políticos, ainda que de forma indireta. Teria de apenas acompanhar o rei e suas irmãs, ficar de olho e garantir que nada saia dos eixos. Até aí tudo bem.

  O único problema era Sinnoh. E levando em conta a situação e posição, a pessoa que poderia acabar vendo – ou pior – encontrando ali.

~*~

  
   Gary havia terminado de beber sua cerveja enquanto esperava Alice voltar. Optara por esperá-la no jardim que circundava a fachada do hotel, onde havia ficado com Alice na noite anterior. Percebia os olhares de algumas pessoas que caminhavam por ali, que eram direcionados á ele. Ainda que não estivesse usando um visual incrementado, seu moicano chamava atenção por estar quase sempre erguido e fixado com gel daquele jeito. Mas não se importava. Desde criança era meio que o centro das atenções na própria família, depois foi um dos treinadores mais populares em Kanto, Johto e até em outras regiões. Mesmo agora no meio alternativo, gozava de certa fama. Então, era algo meio que natural.
   Quando uma senhora de meia idade vestindo uma longa saia, um casaquinho comportado e os cabelos presos em um coque passou por ele, o medindo de cima á baixo com visível receio e desaprovação, Gary não resistiu. Retribuiu o olhar com um sorriso provocador, fazendo um gesto sensualmente obsceno com a língua. A mulher corou e até estremeceu, fez o sinal de benzimento e atravessou a calçada com passos muito apressados.

  Gary riu sozinho. Era divertido provocar as tiazonas metidas a conservadoras. Notou então que, da entrada do hotel, surgia Alice. Os cabelos esvoaçando sutilmente ao vento parecendo confiante com a jaqueta preta de couro que vestia. Gostava de vê-la assim, toda de preto, com jaqueta de couro e as pernas á mostra.
   Se Crystal não tivesse fugido do ginásio e não dado mais notícias, a essa hora a batalha no ginásio já teria terminado e, independente do resultado, poderiam estar toda a galera junta na casa de Morty conversando e rindo. E mais tarde poderia dar uma escapada com Alice para algum lugar mais tranquilo dentro daquele casarão antigo que era o ginásio.
 Gostaria muito de vê-la usando apenas aquela jaqueta.

— Desculpa a demora! – ela falou, com um sorriso. – Eu fiquei em dúvida do que poderia pegar para o Houndoom poder farejar. Mas acho que essa blusinha da Crystal vai servir, já que ela estava usando ontem!
  Alice pegou a pokébola e liberou seu pokémon. O Houndoom surgiu animado e Alice lhe afagou os chifres.
— Muito bem, Houndy! Tenho um trabalho muito importante para você!  Aqui, cheira isso!
  Ela estendeu a peça de roupa para o pokémon, que olhou confuso.
— Ele já fez esse tipo de coisa antes? – indagou Gary.
— Não. Mas acredito plenamente que ele é capaz! Cheira aí, Houndy. Procura a Crystal!

  O pokémon pareceu não entender muito bem, mas com sua treinadora lhe estendendo um pedaço de pano, ele pensou que era uma brincadeira e abocanhou a blusa.
— Não, Houndy! – Alice segurou a camisa. – Não é pano para brincar, é pra cheirar! Preciso que você me ajude a encontrar a Crystal!
  Gary riu, balançando a cabeça, enquanto assistia ao cabo de guerra entre treinadora e seu pokémon.

— Eu acho que isso não vai adiantar. – começou ele.- Houndooms é um  pokémon normalmente treinado, quando não para batalhas, para atividades de Ataque e Defesa. Para Operações de Busca, se fazem uso, principalmente, de Growlithes. Além do mais, o seu Houndoom não tem treinamento para esse tipo de coisa, ele é pokémon de batalhas!
  Alice quase caiu para trás quando o Houndoom largou o pedaço de pano e arqueou o corpo, atento.. Ele então saiu saltitante, a cauda abanando, focado em algo próximo á entrada do hotel.
— Ahá, eu sabia! – exclamou Alice exultante, encarando Gary com presunção. – O Houndy é um pokémon muito talentoso! Na certa ele tem instinto nato como pokémon farejador! Veja, seu descrente. Como ele farejou o cheiro de Crystal e já está no encalço dela!

  Dizendo isso, Alice foi atrás de seu pokémon com passos apressados, puxando Gary pela mão para que a acompanhasse. Enquanto seguia o Houndoom, Alice sentiu o celular vibrar em seu bolso e, sem parar de andar, pegou o aparelho, verificando o recebimento de uma mensagem. Só conseguiu ver que o remetente era Crystal, mas antes que pudesse ler, bateu seu corpo e cabeça contra o peito de alguém.
— Me desculpa, senhor!
  Tentou se afastar ao mesmo tempo em que afastava o cabelo do rosto, mas a pessoa não se mexeu.
— Ei, sai da minha frente, cara! Eu preciso...senhor Lawrence?!
   Verdes sobre azuis.

   Alice ficou imóvel pela surpresa de tal encontro inesperado. Lawrence pareceu um pouco surpreso também, mas logo tomou a iniciativa.
— Realmente, nem precisei me dar ao trabalho de te procurar. Pelo menos, não dessa vez. Olá Alice, como está?
   Alice sorriu um pouco confusa, sentindo o coração acelerado – e sabia que não era pela pequena corrida.
— O-oi! O que...o senhor está fazendo aqui?!
— Eu? Foi você quem pediu para que eu viesse nesse hotel hoje á noite para nos encontrarmos.
— Como é?

  Lawrence se calou ao ouvir a pergunta de Gary, que vinha logo atrás da garota se atentando sutilmente ao fato de que ele e Alice estavam de mãos dadas.
— Alice pediu que eu a encontrasse no hotel em que ela estava hospedada. – o empresário falou, de forma calma. – Acabei me atrasando um pouco por motivos de trabalho, mas vejo que cheguei na hora certa.

  Alice sentiu o estômago revolver de ansiedade, percebendo a situação relativamente delicada. Tudo o que queria era evitar que Lawrence e Gary se encontrassem porque o clima dela com cada um inevitavelmente ficaria abalado depois.
   A atitude de Crystal e consequentemente sua fuga do ginásio, haviam feito com que Alice esquecesse completamente de seus outros planos.  Havia ficado tão preocupada com o sumiço da amiga, tendo a certeza de que ela não estava bem, que só agora se lembrou do combinado com Lawrence no pokézap.

  Quando recebera a mensagem dele ainda pela manhã, Alice pensou como poderiam se encontrar, já que queria estar ao lado de Crystal durante a batalha no ginásio e também conseguir passar um tempo com Gary. Após a batalha, era fato que a galera iria querer ficar na casa de Morty jogando videogame. Mas conhecendo Crystal, independente do resultado da batalha, a amiga acharia melhor passar no Centro Pokémon para tratar de seus pokémon e depois ir ao hotel descansar (afinal, ela não tivera uma boa noite de sono devido ao pesadelo). E assim Alice poderia encontrar com Lawrence para conversar.
   E foi com esse pensamento que ela aproveitou o momento em que Crystal conversava com Gary enquanto seguiam para o ginásio, que Alice enviou uma mensagem para Lawrence, sendo prontamente respondida por ele, confirmando.
   Era um planejamento ótimo e não teria como dar errado.
   Mas deu.

— Alice, está quieta por quê?
— Ah, é que... – ela estremeceu, olhando de um para o outro e pensando no que dizer. – Eu estou...CRYSTAL!
   Alice praticamente gritou, tanto por ver a amiga que caminhava em direção ao hotel vinda do outro lado da rua quanto pelo fato de encontrar uma “fuga” da situação constrangedora em que estava. Se afastou de Lawrence e Gary e correu até a treinadora.

   Ao ouvir ser chamada, Crystal tomou um pequeno susto e quando viu que era Alice quem a chamava, estremeceu. Ainda que devesse uma explicação á amiga por conta de seu comportamento no ginásio e tinha enviado a mensagem para esclarecer isso, agora que estavam frente á frente, se viu tomada novamente pela vergonha e receio.

“ Mas não posso retroceder, tenho de encarar!”

— Onde você se meteu, menina?!  Te liguei um monte de vezes! O que aconteceu no ginásio?! O que está rolando, afinal?
— Eu... – Crystal inspirou, preparada. – Gostaria de...será que...podemos conversar?

~*~

 


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...

Bom, esse foi um capítulo menos denso e menos "tapa na cara" do que o anterior. Digo "tapa na cara" porque alguns leitores comentaram acerca da atitude ríspida do Basho para com a Crystal porque poderia "desmotivar os leitores mais jovens da história" porque adolescente tende a ser dramático e exagerado no que sente. Bom, não foi minha intenção dar "tapa na cara" de ninguém através da postura do Basho mas não dava pra gente esperar de um agente Rocket muita gentileza né haha. Ainda acho que, dentro da índole dele, ele foi até bem tolerante com a Crystal e se dispôs até a tentar aconselhar ela. Duvido que ele teria paciência com um agente Rocket, por exemplo.

Agora desse capítulo em si, confesso que não tenho muito o que dizer sobre ele, que ele próprio não diga por si só. Claro, temos cerca de três pontos importantes aqui: Crystal se conscientizando de que precisa ser mais confiante e firme, Dômino tendo motivos particulares de não querer ir a Sinnoh e claro...a Alice aprontando de certa forma e ficando em uma tremenda saia justa!
Ah, só quem hjá passou por isso sabe né, sua danada? :v

Bom, sobre a imagem que ilustra o capítulo...é a Alice. Acho queeu já estava devendo de como eu a imagino mais ou menos. Se bem que, estou pensando em colocar, nos capítulos, imagens dos personagens nas versões 'reais" de como os imagino, através de determinados artistas. O que acham?

É isso, fico no aguardo de sua opinião sobre o capítulo!
Até breve.



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