A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 30
Capítulo 29


Notas iniciais do capítulo

Olá, caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Bom, contrariando todas as minhas expectativas iniciais de que atualizaria a história aqui antes ou dentro do prazo, estou atualizando com considerável atraso. Eu realmente não esperava por isso mas quando percebi, o tempo que havia se passado desde a última atualização e tomei um susto ao perceber o quão rápido ele havia se passado. Realmente, os dias e as semanas estão voando e eu nem sei o que está acontecendo. Isso me deixa triste, irritadiça e frustrada porque eu, realmente, não estou conseguindo dar conta de tudo que preciso, quero ep retendo fazer.
Então, perdoem-me pelos possíveise inevitáveis atrasos que sempre podem acabar acontecendo.

Dito isso, quero agradecer aos recentes novos e os psempre presentes leitores que estão acompanhanfo a história, se envolvendo com a trama, apreciando os acontecimentos, se afeiçoando aos personagens e criando altas expectativas sobre o enredo. É a presença de comentários de vocês que me incentivam a fazer sempre o meu melhor e me esforçar ao máximo para entregar sempre um bom e bem feito capítulo (isso acaba culminando na demora em atualizar também, confesso - mas prefiro entregar um capítulo bom do que um capítulo qualquer).

Enfim, sobre as notas acerca dos acontecimentos do capítulo, estou deixando-as nas considerações ao final dele. Portanto, boa leitura!!



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~*~

  
   Ele não conseguia entender a própria atitude para estar aceitando prestar-se aquele papel. Deveria era ir embora e não estar ali perdendo seu tempo em ouvir as lamentações de uma adolescente com problemas de autoestima. Deveria é se levantar daquele banco de praça dando uma desculpa qualquer e ir embora. Não tinha qualquer obrigação em amparar e muito menos aconselhar, então por que continuava ali, sentado ao lado dela, que continuava chorando e enxugando as lágrimas que teimavam em cair de seus olhos?

   Poderia ter se levantado depois daquele tombo vergonhoso que ela o fizera sofrer, mas quando tencionou se levantar dando –lhe uma bronca, percebeu não apenas a garota aos prantos dizendo que era mesmo uma estúpida, mas também as pessoas que estavam nas proximidades (como o funcionário que limpava a mesa na entrada do bistrô, a idosa na calçada prestes a atravessar a rua, os treinadores que caminhavam por ali e a mulher com olhar inquisidor e celular na mão prestes a registrar qualquer coisa). Se simplesmente desse as costas e ignorasse a garota no chão, sem dúvidas uma ou algumas pessoas ali iriam abordá-lo e fazer algum estardalhaço. E o que Basho sempre queria tentar evitar, era de atrair o mínimo de atenção possível, principalmente de pessoas aleatórias.
   De modo que conteve um suspiro de tédio e se ajoelhou ao lado da garota que continuava chorando, cabisbaixa.

— Ei, o que você tem? – sussurrou, mas não obteve resposta. - Vamos, me diga.
   Crystal continuava chorando e isso fez Basho segurar o queixo da garota, erguendo o rosto dela para que o olhasse.
— Recomponha-se. – ordenou. – Não pode ficar chorando como uma derrotada no meio da calçada!

  Crystal estremeceu e conteve um soluçar. Embora a voz de Basho fosse baixa e calma, havia uma suavidade forçada nela e isso lhe pareceu intimidador. Limpou as lágrimas e o nariz desajeitadamente com a manga da jaqueta e percebeu que pessoas desconhecidas estavam observando.
   E que péssimo julgamento deveriam estar tendo sobre ela! Exatamente como Morty, Agatha, Gary e até mesmo Alice deveriam estar fazendo. E não poderia culpá-los, pois realmente estava parecendo a autêntica imagem da derrota.

   Notou que Basho já estava de pé e lhe estendia a mão e ela achou prudente aceitar, se colocando também de pé. Percebeu que ele a olhava e baixou o rosto, envergonhada.
— E-eu... – tentou dizer, mesmo não sabendo o que falar. – Eu sinto...
— Vamos sair daqui. Já chamou atenção demais.

~~
 
   E agora estava ali, sentado, esperando a garota parar de chorar enquanto inutilmente enxugava as lágrimas e o nariz com um lenço. Basho conteve uma careta de desagrado. E agora por ter sido educado, tinha de ouvir as lamúrias da garota. Mas ficar naquele silêncio era irritante.
— O que aconteceu para estar assim?
   Aquela pergunta fez o coração de Crystal acelerar. Tudo agora voltava á sua mente, desde as provocações da mestra Agatha, o olhar intrigado de Alice e seus amigos no momento que havia desistido da batalha e fugido do ginásio e a própria sensação de fracasso que lhe dominava. E além disso, havia ainda os fracassos e dores do passado, que acreditava que não mais lhe afetavam com a intensidade de antes mas que afetavam, sim. Era mesmo uma tola para acreditar que tinha superado o que quer que fosse.

— É tanta coisa... – murmurou. – Que eu nem sei mais por onde começar.
  Basho cruzou os braços, olhando para o movimento dos comércios do outro lado da rua.
— Pode começar pelo motivo que a fez correr pelas ruas aos prantos feito uma destrambelhada.
  Crystal passou a mão pelo rosto. Era tão ruim ter que pensar naquilo...mas sentia que, se não o fizesse, ia sufocar.

— Eu...você lembra...quando nos conhecemos e me perguntou se eu era treinadora que pretendia desafiar o líder do ginásio daqui...
— Sim. “Eu não esqueço as coisas.”  - Deixe-me adivinhar...você perdeu a batalha.
— A-antes fosse... – Crystal torceu o lenço em suas mãos com força. – Eu...no momento de começar a batalha eu...fugi.

  E Crystal contou, resumidamente, o que havia acontecido na arena do ginásio de Ecruteak. E no silêncio que seguiu ao fim do seu relato, sentiu-se tomada não apenas pela frustração de relembrar tudo aquilo, mas também muita vergonha.

   “Pronto. Agora é a hora que ele vai perguntar surpreso e com tom de deboche o por quê eu ter feito isso. Todo mundo agiria assim diante desse absurdo que fiz! Isso e ele começar a rir.”


   O som de algo vibrando dentro da porchete de Crystal se fez ouvir mais uma vez e ela pegou o aparelho, mas ao olhar no visor, não atendeu e o colocou novamente dentro da porchete.

— Não vai mesmo atender?
— Hãn? Hah...eu... – ela começou, mordendo o lábio inferior. – É a minha amiga, Alice. Ela está me ligando desde que eu fugi, mas...eu não acho que estou preparada agora para ouvir o que ela tem a dizer e nem encará-la por conta da minha atitude vergonhosa.
— Se essa sua amiga está te ligando tanto, não é para debochar ou repreender você.
— Mas...os amigos dela e ela mesma, são tão descolados e treinadores fortes e com certa fama....ela disse pra eles que eu era uma grande treinadora mas eu acabei fazendo ela passar vergonha na frente deles! Eu sou mesmo uma péssima pessoa, uma péssima amiga, uma péssima treinadora, uma péssima tudo! Ninguém vai querer mesmo ficar perto de alguém assim!
   Basho conteve um revirar dos olhos.

— Você está criando paranoias em sua cabeça. É óbvio que sua amiga está preocupada com você. A menos que ela já tenha dado indícios de ser uma pessoa que aprecia praticar bullyng ou chantagem emocional.
— A Alice não é assim! Ela é uma boa pessoa! O problema sou eu, que com minha covardia, provei que sou uma estúpida!
— Pare com isso. Você está começando a exagerar demais na autodepreciação. Tenho dúvidas de que você seja realmente tudo isso que está falando, mas ficar repetindo estas coisas para si e para os outros acabará se tornando justamente o que tanto fala.
— Mas...isso é verdade! Que treinador pokémon foge diante de uma batalha sem nem ao menos tentar? E isso na presença de amigos, de um treinador que admira e de um membro da Elite4? Eu deveria desistir de ser treinadora pokémon, como muitos colegas meus me disseram no passado. Teria poupado dinheiro e evitado frustração!
— Você gosta mesmo de ser uma treinadora?
— Claro que gosto!
— Então porque quer desistir nas primeiras dificuldades?
— Eu... – Crystal pensou um pouco, sentindo as lágrimas voltarem a seus olhos. – Mas é que eu não sou boa então é melhor parar em vez de querer ficar insistindo em algo no qual não tenho chances.
— Qual sua idade?
— Dezesseis...por quê?

  Basho bufou, irritado. Adolescentes. Sempre excessivamente dramáticos.
— E com essa idade e com pouco tempo sendo treinadora já tem a certeza de que nunca alcançará certas coisas. É isso mesmo que pensa?
   Crystal não respondeu e isso fez o rapaz continuar.

— Você está visivelmente confusa em encontrar uma resposta sobre o tipo de pessoa que gostaria de ser.
— Especial! – ela o interrompeu. - Queria ser especial!
  Os olhos de Basho faiscaram ao ouvir aquilo, mas Crystal não percebeu.

— Especial? – ele murmurou. – Considera que se fosse “especial” seria a solução para seus problemas?
— Lógico! Ser super inteligente, com capacidade de fazer bem qualquer coisa que quiser, se destacar, ser reconhecido, admirado, desejado! Deixar todos boquiabertos por se provar que não apenas entende de qualquer coisa e que ainda consegue realizar com perfeição, com todos querendo ter sua amizade, ser visto como um ícone exemplar... – ela tomou fôlego, era difícil falar com o nariz entupido. – Ser especial assim seria ótimo, porque não tem como ser ruim. Ser assim só traria coisas boas!
   Basho sentiu uma súbita vontade de dar um tapa na cara daquela menina, mas se conteve.

  “É apenas uma garota iludida com as tolices de que aprovação e reconhecimento alheio e vago são as coisas mais importantes. Ela não sabe de nada.”


— O que sua família acha dessa sua linha de pensamento?
— Família? Minha mãe morreu antes que eu pudesse me lembrar de tê-la conhecido. Meus tios me criaram e são pessoas boas e humildes, mas acho que no fundo eles sentem decepcionados porque se esforçaram para investir o que podiam no meu sonho de ser treinadora.

 “Também, o que esperar de alguém que sequer sabia quem era seu pai?”

— Se eu fosse super talentosa e especial, talvez meu pai não teria me abandonado, teria me procurado e teríamos nos conhecido.
— Se o seu pai fizesse isso por você ser “especial” do jeito que diz desejar, esse pai seria apenas uma pessoa interesseira e oportunista.
   Ela ficou calada.

— Ser especial não a ajudaria a se sentir melhor. – Basho recostou-se no banco, os braços ainda cruzados. -Se fosse, só iria piorar porque a verdade é que você não tem estrutura emocional para isso. Sua atitude auto depreciativa te desestabiliza dia após dia se continuar alimentando-a. E isso está começando a se tornar visível para os outros. A tal mestra da Elite4. Ela viu que você estava nervosa e resolveu fazer uso disso para te provocar e te desestabilizar. E conseguiu. Te fez recuar, te fez fugir, te fez contestar as próprias capacidades e se auto depreciar por isso. Oponentes que fazem uso desse recurso não precisam nem se esforçar muito para eliminar quem eles consideram uma ameaça ou mesmo um empecilho. Jogam uma fagulha e a própria pessoa acaba fazendo o incêndio.
— M-mas...
— Não tente justificar as atitudes daquela mulher por ela ser membro da Elite4. Não tente justificar a atitude de ninguém quando procuram te magoar e humilhar para te fazer enfraquecer. Agora, se quiser continuar do jeito que está, é problema seu!
— Não precisa ser grosseiro!
— Eu não estou aqui para ser psicólogo.
— Está aqui por quê?
— Sinceramente? – ele se virou para ela. – Também queria saber. Não sou uma pessoa íntima de você ou alguém empático para ficar apenas passando a mão na cabeça e concordando com uma visão de auto depreciação que eu não compactuo.

  Crystal amuou. Por mais que as palavras dele fossem duras, faziam sentido. Olho disfarçadamente para o rapaz, percebendo que ele era mesmo muito bonito, daquele jeito meio exótico e de pouca expressão. Tudo nele parecia ter sido bem feito:  corpo, mãos, rosto, cabelos...até a voz. Alguém por quem poderia facilmente ficar á fim.
   Mas diante do fato de que desabafara suas angústias, contando suas fraquezas e salientando todas as suas falhas, perdia totalmente qualquer mínima chance de ter alguma “chance” com ele. É, coisas da vida.

   A luz do poste que estava perto do banco em que se sentaram, acendeu com uma luz. E logo, as luzes dos demais postes na pequena praça e na rua também se acenderam, e não tardou para que as luminárias de alguns restaurantes e bistrôs fizessem o mesmo.
   Basho e Crystal perceberam que escurecia, mas ficaram em silêncio, observando o cenário composto pelos estabelecimentos graciosos do outro lado da rua, que se preparavam para a clientela noturna.  Com as luzes amareladas em contraste com as fachadas delicadas em sua maioria de madeira, Crystal não podia deixar de ter a percepção de que tudo em Ecruteak parecia convidar a algum tipo de viagem no tempo com o conforto dos dias atuais.
   O celular em sua porchete vibrou novamente e nesse momento Basho se levantou.

— É melhor que retorne a ligação e converse com sua amiga. Preciso ir embora.
   Crystal baixou os olhos quando encontrou com os dele e Basho percebeu que as bochechas da garota estavam c oradas, mas certamente devido ao choro.
— Se quer um último conselho...
— ...e quando você me deu um?
   Basho fingiu não ouvir o resmungo dela.
— Aprenda a esconder suas fraquezas e enaltecer suas qualidades. Pegue a disposição que usa para cultivar pensamentos auto depreciativos e use para valorizar os seus avanços. E pare de ficar querendo ter nascido “especial”.

   Crystal não respondeu, mas quando percebeu que Basho já estava indo embora,  lembrou-se de algo importante.
— Espere!
— ...o que foi? – resmungou ele virando-se para ela, sentindo-se um pouco irritado.
— Hãn...então...é que...bom, na primeira vez em que nos vimos eu...eu ainda não sei o seu nome!
— Átilla. “O quê?!”
— Oh...então... – falou, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. – Átilla. Muito obrigada por me...ouvir.

  Crystal sorriu de forma sincera e Basho se limitou a mover a cabeça como se concordasse e foi embora.

~*~

  
   Articuno recostou-se na cadeira, esfregando os olhos com as pontas dos dedos, sentindo as vistas cansadas. Á sua frente estava algumas pilhas de livros, um aberto juntamente com um caderno onde havia anotações escritas á caneta.  Lugia havia lhe ensinado a usar o notebook para “digitar”, mas ela preferia escrever á mão. O uso da caneta esferográfica já era melhor do que escrever a pena em papéis soltos ou rolos de pergaminhos. Mas aprenderia a usar computadores em breve, só optava por ir aprendendo as coisas de forma gradativa, como uma forma de ir acompanhando, ainda que de forma acelerada, toda a evolução da sociedade.

 “Mas são tantas coisas para assimilar...”

  
   Olhou para os livros sobre a mesa. Sempre gostara de aprender, principalmente porque precisou no passado, para ajudar seu irmão a recuperar o que lhes pertenciam e manter o governo do reino. Mas aqueles eram outros tempos e muito havia mudado ao ponto de parecer quase irreconhecível.

“Não podemos nos impor a eles sem conhecê-los bem.”

  
   As palavras de Lugia eram corretas. Mas havia tanto para se aprender e o tempo era curto. Por isso se fazia crucial agregar o máximo de conhecimento durante o tempo disponível antes de começarem a realmente agir.
— E vamos para mais uma grande batalha de mestres dessa nossa retrospectiva dos momentos históricos da Liga Mundial Pokémon!

   Articuno saiu de seus pensamentos e virou-se para o lado, onde Moltres estava deitada de forma largada no sofá, um pirulito na boca enquanto um de seus pés acariciava suavemente as costas do Mightyena deitado no chão a frente do sofá. Ela assistia, na grande TV fixada á parede, o que seria uma sequência de batalhas pokémon em um imenso estádio lotado.
  Articuno franziu as sobrancelhas e se levantou, aproximando-se do sofá, os braços cruzados.  Que aquele dispositivo de captura e transmissão de imagens, sons e filmagens fossem uma invenção deveras interessante, não podia negar. Ver pessoas, pokémon, lugares e acontecimentos reais, animados ou teatrais dentro de uma caixa com uma tela parecia mágica. Porém, era uma coisa que poderia conhecer aos poucos afinal, havia tantas coisas importantes no âmbito político, econômico, social, científico e principalmente histórico que precisavam direcionar os estudos e esforços para ter conhecimento e Moltres estava perdendo tempo assistindo a lutinhas de entretenimento de treinadores pokémon.

— O que é isso? – perguntou.
— É a final da última Liga Mundial Pokémon que aconteceu há três anos mais ou menos, em Kalos. – respondeu Moltres tirando o pirulito da boca. – Existem várias Ligas pelo mundo, uma oficial para cada região, onde os treinadores competem anualmente. Os que se saem melhor, competem entre si e com os mestres das Elites nessa Liga maior aí. Pelo menos é o que eu entendi até agora. Eles tem um monte de regras!

   Articuno estava disposta a falar para a irmã que considerava prudente que ela deveria aproveitar seu tempo para outras coisas quando algo na tela lhe chamou atenção. Na verdade, mais especificamente, uma pessoa em que a câmera focava.
   Era uma mulher. Uma linda mulher. Vestida toda de preto, ela parecia alta e magra, com longos cabelos loiros muito lisos e cujo comprimento chegavam quase a seus joelhos. Uma mecha ocultava-lhe parte do rosto, mas o olho visível era de um forte tom de azul índigo que contrastavam com sua pele rosada.  Ela tinha uma expressão séria e fria, com uma altivez digna de alguém da realeza.

  A jovem mulher estava parada, uma mão na cintura e um braço estendido para frente, ordenando que um monstruoso Garchomp atacasse com fúria contra o Metagross do outro lado da arena, que se preparara para defender o golpe.
   O choque de ambos pokémon causou um estrondo que ecoou pelo estádio enquanto uma nuvem de poeira se erguia e a multidão nas arquibancadas soltava uma exclamação.
   Enquanto os dois pokémon se enfrentavam, o treinador do Metagross gritava incentivos para seu pokémon, os punhos fechados em sinal de nervosismo e preocupação. Já a mulher se mantinha silenciosa, o semblante calmo e elegante, mostrando a segurança de que confiava no poder de seu pokémon e ciente da certeza da vitória.

— Quem é ela? – indagou Articuno.
— Cynthia Shirona. A atual mestre da Elite4 de Sinnoh e considerada uma das mais poderosas e respeitadas treinadoras pokémon do mundo e até da história. – Moltres explicou, os olhos atentos na tela. – Bom, pelo menos é o que os apresentadores disseram.

   “Cynthia Shrirona.”— Articuno memorizou o nome. Aquela mulher parecia realmente ser uma grande treinadora e pelo cargo que ocupava, certamente era uma pessoa inteligente e poderosa. Uma forte imagem de influência gerada por Sinnoh.

   A porta do dormitório foi aberta e Lugia entrou. Não cumprimentou as irmãs, indo até o frigobar posto em um canto, tirando de dentro uma garrafa de água gelada, na qual bebeu um longo gole. Deixou a garrafa quase vazia em cima do frigobar e atravessou a sala, abrindo a porta de vidro e saindo pela varanda.
   Articuno e Moltres trocaram um olhar e a primeira fez um pequeno gesto, indicando que verificaria. Foi então até a varanda, sentindo o vento gelado da noite devido a região montanhosa e da floresta de pinheiros que guarneciam as instalações da base Rocket.
   Encontrou Lugia no canto da varanda, de costas e com as mãos sob a murada. Ele observava as montanhas e o céu noturno coberto de nuvens.

— É impossível ver o oceano daqui. – ele falou, sabendo da presença dela. – E não é possível nem ao menos senti-lo.
   Articuno poderia dizer que isso acontecia porque estavam muito longe do mar, mas ele sabia disso.

— Aconteceu alguma coisa em sua conversa com Igni? Algum problema a respeito de nosso plano em Sinnoh?
— Sim e não. – ele suspirou e se voltou para ela. – Tudo seguirá com a ideia inicial. Algumas coisas precisaram ser alteradas e modificadas, mas ao final, teve que ser decidido.
— Se foi tudo bem então...
— Mas Igni não irá conosco para Sinnoh.
— Não? -  Articuno estranhou. – Mas na reunião ele disse que iria.
— Ele mudou de ideia. Ou melhor, alegou que surgiu um compromisso importante de  “última hora.”
— Ele está no comando de toda Equipe Rocket, é natural que surja imprevistos. E você mesmo disse que, nas outras vezes, na captura dos cristais, a presença ou não de Igni nos locais foi irrelevante. Há menos que haja algum problema se ele não for dessa vez...há?
— Não.

  Articuno observou o irmão, que voltava a olhar para a floresta. Percebia que havia algo a mais que Lugia não dizia. A bem da verdade, até o momento notava diversas vezes que Lugia não dissera tudo, mas isso era natural dele. Por mais que fosse sua conselheira, havia coisas que Lugia preferia não dividir com ninguém á menos que achasse realmente necessário.

— Tem dúvidas acerca da conduta do plano que quer fazer?
— Você acha que não dará certo? – ele rebateu.
— Não é isso...bom, talvez. Há sempre a possibilidade da mensagem não ser levada a sério ou ser levada de uma forma que pode mais dificultar do que auxiliar.
— Eu não quero que as pessoas corram risco. É o único jeito...há menos que tenha alguma outra ideia que seja eficaz.
— Uma outra ideia, não. – Articuno pensou. – Mas talvez possamos selecionar o aviso que será dado para que não haja tumulto ou excessos e seja realmente eficaz.

  Com um gesto da cabeça, ela pediu que Lugia a seguisse e ambos voltaram para dentro. Moltres os olhou antes de voltar sua atenção para a TV, que mostrava a vitória da campeã invicta da Liga Mundial Pokémon daquele ano. Articuno indicou a TV com um gesto do queixo e Lugia assistiu.
— E é ela mais uma vez!- a voz do comentarista se fez ouvir. – Tradicional de Sinnoh e grande campeã, nossa mestra-rainha Cyyyynthia Shironaaaaaaaaaaa!!! Após uma batalha estrondosa com outro grande mestre, ela é a vencedora da Liga Mundial  Pokémon pela terceira vez consecutiva!
  A comemoração seguia-se pelo estádio e Cynthia se mantinha altiva e nobre, recebendo com elegância, as gratificações da plateia.

~*~

  
   Acabou optando por jantar em um discreto restaurante de comida típica de Ecruteak localizado em uma pequena e estreita rua ao final do principal bairro de turismo gastronômico da cidade.
   O pequeno restaurante era antigo e tradicional há décadas, mas dado a sua quase total ausência de propaganda, muitas vezes passava despercebido para quem não o conhecia. Seu interior era simples e aconchegante, com paredes e bancada revestidas de madeira, como em um típico e minúsculo restaurante japonês. Era um espaço estreito, como um corredor, sendo que do lado direito ficava o balcão com a cozinha ao fundo e do lado esquerdo, sob um estrado de madeira, as mesas baixas com almofadas para se sentar.

   O lugar estava quase vazio, exceto pelo proprietário, um funcionário na cozinha e um cliente bebendo no balcão. Aquele sossego era ótimo e o pouco ruído também, de modo que Basho sentou-se na última mesa, de costas para a entrada. Fez o pedido ao proprietário e colocou o celular sobre a mesa, sentando-se de joelhos e ainda concentrando-se nos próprios pensamentos enquanto limpava as mãos com um lenço umedecido.
   Por que havia se incomodado tanto?
   Por que havia dito aquele nome?

  Só percebeu que passara minutos refletindo quando sentiu o cheiro dos alimentos na bandeja colocada a sua frente. Agradeceu ao proprietário com um maneio da cabeça e observou a tigela fumegante de lámen com legumes exalando um aroma de tempero convidativo. Do lado, um pequeno prato com iscas de frango grelhado e um potinho com molho shoyo. Pegou os hashi e começou a comer.
   Uma das poucas coisas que gostava de fazer era aquilo: comer sozinho em um pequeno e tranquilo restaurante. A bem da verdade, Basho não costumava pensar sobre coisas que realmente gostava de fazer e o que fazia por bel prazer pessoal. Talvez porque conseguia ser bom em tudo que se propunha e por isso todos sempre o incentivavam a despertar interesse em aprender e fazer as coisas.

   A maior parte das pessoas levavam tempo e prática para aprender e memorizar as coisas que deveriam, queriam ou achavam que precisavam conhecer. As pessoas tendiam a precisar de muito estudo, esforço, prática, foco e uma capacidade boa de memorização, ainda que naturalmente limitada.
   Mas ele não. Ele era diferente.  Era...especial.

  E por isso todos sempre o cobravam através de incentivos, lhe apresentando coisas que pudessem interessá-lo e, mesmo que não quisesse de fato, uma força e uma curiosidade inexplicável tendiam a impulsioná-lo a conhecer e aprender. E depois, nunca mais esquecia.
   E isso era ótimo para todos que o induziam a explorar ao máximo seu potencial. E ele mesmo acabava fazendo aquilo, pois apreciava aprender, o interesse lhe era instintivo e natural. Afinal, todos gostavam de um pouco de reconhecimento.

  “ Eu só queria poder ser alguém realmente especial!

“O que você sabe acerca do que realmente é ser especial, garota tola?”—  Isso era o que queria ter dito, mas havia escolhido se conter. – “Não sabe nada sobre o que realmente é ser especial e as consequências disso que terá durante toda sua vida e ...até depois do fim dela.”

   Ser especial. As pessoas costumam dizer que todos são únicos e especiais e isso era verdade. Mas e quando alguém era nomeado como “especial” por todas as outras pessoas devido a suas próprias capacidades e habilidades, o tornando “especial” acima do senso comum?    
   Porque carregava dentro de si algo que o fazia conseguir aprender e fazer rapidamente o que os outros demoravam ou nunca conseguiam.

   Olhou para a tigela de lámen enquanto mastigava.
   Poderia e deveria pensar em qualquer coisa em vez de refletir sobre o assunto.
   Basho ergueu os olhos para o aparelho de TV colocado em um suporte na parede, o qual estava exibindo algum tipo de programa estilo documentário. O som estava baixo, mas o suficiente para ouvir na calmaria do estabelecimento. E após comer mais um pouco de lámen, começou a prestar atenção.

   O documentário era sobre o “menino-gênio de Kalos”, que teve uma grande repercussão e fama há dez anos atrás. A criança com uma inteligência e capacidade de aprendizado e memorização muito acima da média, com um QI considerado como um dos maiores já registrados.
  Quando suas habilidades começaram a despontar ainda muito pequeno, logo atraiu interesse e surpresa nas pessoas, que passaram a incentivá-lo cada vez mais. Não tardou para que a mídia tivesse conhecimento dele e a “criança-gênio” se tornou uma figura pública e um produto de marketing de Kalos e, posteriormente, no mundo.
  Durante a narrativa, era exibido na tela, diversas fotos e vídeos do menino calmo e sério a realizar as mais diversas atividades: equações matemáticas complexas, habilidades atléticas e esportivas, explicando conceitos de física e química, desenvolvimento e invasão de sistemas computadorizados, excelente treinamento e estratégia durante batalhas pokémon, criando dispositivos eletrônicos, participando de campeonatos de xadrez com enxadristas renomados e conversando sobre economia, história e sociologia com especialistas. Havia amostras de seus trabalhos artísticos e instrumentos musicais que sabias tocar, principalmente violino.

  Basho via, no documentário, as pessoas – fossem elas civis comuns ou profissionais renomados – surpresas e admiradas com todo o talento daquele garoto que seria capaz de fazer algo que mudaria o mundo.
   Tantos elogios e bajulações com incentivos e cobranças constantes.
   Viu na tela, o sorriso e orgulho dos pais do menino-gênio ao receberem os elogios ao filho e sobre o filho.

   “Que maravilha para eles – dotados de genes comuns – terem gerado uma criança tão especial.Ganhavam a admiração e a inveja dos outros pais, havia os holofotes, a fama, orgulho e cobiça pois havia todo o status e o dinheiro.”

  
   Percebeu que o documentário falava agora sobre os exames a que o garoto havia sido submetido em uma instituição ligada ao ginásio na cidade de Saffron. Afinal, as pessoas tinham interesse de descobrir o motivo daquela criança ser tão inteligente e talentosa. Não havia super poderes mentais, mas havia uma memória excepcional. Uma memória eidética, ou como era comumente conhecida, memória fotográfica.
   Basho voltou a comer seu lámen com legumes, molhando uma isca de frango no molho shoyo.

   “Queria ser especial!”


   Aquela menina, Crystal, dizia que gostaria de ser especial. Ela queria ser como aquele menino gênio?
   Mas ela não fazia a menor ideia do que era realmente ser especial daquela forma. Não fazia a menor ideia das consequências. Garota tola.
  Sem que realmente quisesse, começou a prestar atenção no documentário quando as vozes na TV ficaram mais altos porque o proprietário aumentara um pouco o volume para assistir.

  O documentário falava agora sobre o destino grandioso e promissor do menino-gênio, que fora ceifado abruptamente e de forma trágica.
  A morte do menino-gênio (na época com 13 anos) chocou e gerou repercussão. A explosão de gás no pequeno apartamento em que ele estava hospedado temporariamente durante uma viagem na qual fora convidado para começar a trabalhar no Centro de Pesquisas Espaciais da cidade de Anistar. A explosão e, consequentemente, o incêndio causado pelo rompimento de um duto de gás encanado (confirmado em laudos investigativos), carbonizou seu corpo e só foi reconhecido pelo registro de hospedagem e alguns pertences pessoais recuperados.  Os pais,  desolados, receberam apoio e indenização milionária e a dor pela perda foi abrandada com o nascimento de outro filho do casal alguns anos depois da morte de seu primogênito. A criança era saudável, mas não “especial” como o falecido irmão. Porém, estava se destacando em papéis moderados em seriados televisivos desde pequeno.
   E os anos foram tornando “menino-gênio de Kalos” uma história antiga e real sobre uma brilhante ascensão que teve um final trágico antes de ser concluída.

   O documentário terminou e o jantar de Basho também. Olhou as notificações em seu celular, pagou pela comida e saiu, caminhando pelas ruas agora tranquilas da cidade em direção ao hotel em que havia se hospedado.
   Garota tola, aquela Crystal. Não fazia ideia do que era ser realmente especial. Ser bom em quase tudo, ser habilidoso, capaz e inteligente demais, não era inteiramente bom como as pessoas normais acreditavam.

  Era um destino pesaroso, exigente, estressante, no qual todos que se aproximavam tinham interesses a custas de suas capacidades. Havia a constante cobrança e pressão, e a insistente necessidade de ter sempre que estar fazendo alguma coisa, sempre cumprir e superar as expectativas e não havia quem pudesse compreender, pois os outros não tinham a mesma percepção que alguém especial assim tinha. Era uma vida solitária e trágica.
   Como havia sido a curta vida do menino-gênio de Kalos.

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...

Nossa, que trabalhera foi esse capítulo para escrever! Como escrevo no papel antesde passar para o pc, as folhas ficaram uma verdadeirabagunça de rabiscos que na hora de digitar me deram um cerrto trabalho para organizar e reformular haha.
Quando comecei a escrever o capítulo, eu já havia traçado as cenas que colocaria, mas como todas elas demandavam algo mais centrado nos diálogos e asnálises pessoais dos personagens, em todo o momento tive dificuldade para escrever de uma forma perfeitamente clara acerca do que eu queria passar e isso tomou muito trabalho e tempo pois nas últimas semanas eu estavaq com uma certa dificuldade em conseguir me concentrasr na escrita. Então, espero que esse capítulo não tenha ficado maçante e que eu tenha conseguido fazer um capítulo minimamente decente.

Outra coisa é que escrevi esse capítulo começando da última cena para a primeira e eu nunca tinha feito isso antes! A parte do Basho foi até fácil de escrever, a de Lugia e Articuno foi mediana no quesito dificuldade agora a cena de Crystal e Basho foi difícil. e tive até receio de não conseguir. Crystal demonstrou uma fragilidade emocional de ansiedade que eu não tenho experiência pessoal para poder passar para as palavras e como a personalidade dela difere da minha, foi um verdadeiro perrengue escrever de uma forma que eu conseguisse expressar o que tinha em mente para a situação. Espero ter conseguido um pouco que seja.

Enfim, deixe aqui seu comentário sincero sobre o que está achando da obra, é muito importante!
Até o próximo capítulo.



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