A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 29
Capítulo 28


Notas iniciais do capítulo

Ola caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Houve um certo atraso para a atualização da fic e peço desculpas por isso. Porém, com todo esse caos que tornamos a viver com a pandemia, não estásendo muito fácil ter cabeça e disposição para fazer as coisas devidamente dentro de prazos pré-estabelecidos. Mas estou tentando fazer o que posso tanto nessa história como em outros projetos meus.

Enfim, esse capítulo, inicialmente, me parecia um pouco dificil de desenvolver mas a medida que comecei a focar, ele foi fluindo melhor. Quando a ideia surgiu para acontecimentos que aconteceram aqui e que repercutirão nos próximos capítulos, eu comecei a escrever e quando percebi o limite de caracteres que estipulo como uma forma de controle, ultrapassaria rápido. Então tive que me segurar e rever algumas coisas. No capítulo anterior houve apenas dois cortes de cena e eu não queria que isso se repetisse no capítulo seguinte.

Nos últimos tempos recebi novos leitores aqui na história e estou extremamente feliz pela obra estar agradando e atraindo o interesse! Meu coração fica quentinho com cada comentário novo que recebo aqui no Spirit (já que o Nyah anda bem parado). Saibam que isso me motiva demais a tentar fazer cada vez mais uma história mais envolvente. Obrigada, seus maravilhosos!!!

Enfim, falarei sobre o capítulo nas notas finais.
Boa leitura!



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~*~

  “Isso aqui é o ginásio de Ecruteak?”

 
   Crystal olhou para a construção á sua frente, desconfiada.
O casarão era antigo, erigido nos moldes arquiteturais em estilo feudal presentes na maior parte da cidade e talvez fosse tão antigo quanto a própria. Porém, ao contrário da maioria das construções históricas e importantes da cidade, aquele lugar não parecia estar muito conservado – na verdade quase parecia abandonado.
   A estrutura das pilastras claramente estavam um pouco comprometidas; a pintura descascada com diversas partes contendo manchas pretas, resultado da umidade e ação de fungos, já que boa parte da construção era feita de madeira. As janelas feitas de ripas de madeira estavam eu sua maioria lascadas e algumas até meso estavam pregadas como aquelas em que havia na capela onde a banda de Gary ensaiava. A grande porta da entrada estava fechada e era uma das únicas partes da construção que ainda parecia relativamente boa, se bem que a corrente e o cadeado que estavam envoltos nos puxadores fossem enferrujados.  Mas o que parecia estar pior era o telhado: de onde podia ver, havia muitas telhas quebradas ou entortadas e todas estavam enegrecidas pela ação das intempéries do tempo. Da cor laranja que havia nas telhas pouco restava, quase totalmente cobertas pela sujeira preta que nunca havia sido limpa.

  Se não fosse pela placa de granito no pequeno jardim (cujo mato alto denunciava que não era cuidado há um certo tempo) dizendo Ginásio Pokémon da Cidade de Ecruteak – tipo Fantasma, Crystal jamais acreditaria que aquele lugar caindo aos pedaços fosse um ginásio legalizado pelo Comitê da Liga Pokémon.
   Viu então Morty saindo de uma porta lateral, carregando dois sacos pretos de lixo e um cigarro nos lábios. Ele colocou os sacos em um suporte de ferro e então percebeu que era observado.

— Oe, e aí gente. – falou com o tom calmo de sempre. – Chegaram cedo.
— Cedo? – Alice deu um sorriso. - Já são quatro horas!
— Nossa, já? Caramba... fiquei jogando videogame e nem percebi.
— Zerou o Call of Lavender?
— Tô quase. – ele respondeu á pergunta de Gary. - O Foress e a Janine tão lá na arena. Vamos entrando!

  Morty fez um gesto e os três o seguiram pela porta lateral de onde ele saíra. Enquanto Alice e Gary conversavam sobre o tal jogo com Morty, Crystal repassou mentalmente sua estratégia de batalha, já que ela não entendia muito do tal jogo que os demais falavam (exceto que era um jogo de terror muito elogiado).

“Morty é um treinador bem experiente e forte, apesar dessa cara apática dele, ou não seria um líder de ginásio do tipo Fantasma. Na certa, eu não sou uma oponente que aparenta dificuldade e por conta disso, ele pode acabar facilitando a luta pra mim por eu ser amiga de Alice...”

   Crystal fechou os punhos. Não sabia o que poderia ser pior: o líder do ginásio considerá-la uma oponente fraca a ponto de nem parecer muito interessado na batalha ou facilitar a vitória dela apenas por causa de uma amiga em comum, pra ser o “cara legal”.
   Muitos achariam essa segunda opção vantajosa, afinal seria ganhar uma insígnia sem esforço. Mas Crystal não. Queria conquistar suas insígnias através do seu próprio esforço e do esforço de seus pokémon.

   Mas seria capaz de vencê-lo? Por mais que já tivesse conquistado dez insígnias em sua vida até o momento e competido na Liga de Hoenn, era a primeira vez que não apenas enfrentava um treinador especializado em pokémon Fantasma, como também um líder de ginásio desse tipo. Se não o vencesse, ia mostrar que era uma treinadora simplória e fraca diante dos amigos de Alice.

— Não liga não, beleza?
  Crystal saiu de seus pensamentos e parou de andar quando ouviu o comentário de Morty e o olhar dele sobre si.
— ...o ...quê?
— Isso aqui. – Morty gesticulou circulando um dedo, para indicar ao redor. – O ginásio tá zoado, mas garanto que não desaba...ainda.

   Crystal percebeu que estivera tão absorta nos próprios pensamentos que nem percebeu que estava olhando a esmo pelo local conforme andavam. Mas agora via que, por dentro, o ginásio tinha uma clara aparência de abandono. As paredes descascadas e com focos de umidade, o chão de madeira que rangia conforme passavam. Havia móveis velhos encostados nos cantos e alguns eram até cobertos por panos, lhes dando uma aparência fantasmagórica. A iluminação ali era pouca, vindo das janelas de vidros empoeirados e dos lustres com lâmpadas amareladas. O cheiro de umidade e naftalina imperava. Realmente, aquele lugar não parecia um ginásio pokémon.

— Oh, eu não... – ela começou, não querendo parecer desconfortável. – Só achei diferente aqui. É um ginásio meio rústico e...
— Rústico? Isso aqui é uma velharia! – resmungou Morty. – Não precisa disfarçar, o lugar é feio e mal cuidado mesmo.
— A prefeitura da cidade não deveria ajudar a manter o ginásio em condições? – Crystal perguntou, vendo um enorme cogumelo branco brotando do rodapé perto de uma velha cristaleira. - E talvez avisar ao Comitê da Liga...
— Enquanto minha avó estiver por aqui, nem prefeitura, nem comitê vão fazer nada nesse ginásio.
— Por quê?
— A véia é maluca e acumuladora. – Morty foi direto. – E ela diz que os pokémon Fantasma dela são muito apegados nesse lugar. Balela! Acho que mesmo se uma viga cair na cabeça de um treinador, ela ainda vai alegar que a culpa é da pessoa que tá incomodando os Fantasmas dela!
— Mas isso é perigoso! Talvez fosse melhor tentar entrar em contato com a Elite 4 para...

  Crystal não entendeu quando Morty riu, sendo acompanhado por Gary e até mesmo Alice, ainda que essa última controlou bem o riso.
— O que foi? – perguntou, olhando de um para o outro. – Pelo que sei, os líderes da elite conseguiriam avaliar aqui e propor ou até mesmo impor sugestões para...
— O dia que um dos membros da Elite4 quiser peitar a minha avó e dizer que ela não está administrando essa bodega corretamente, vai ser o dia que a alma de um deles vai sair do corpo!
— Ora, Morty. Sua avó é muito apegada ás tradições e tem as manias dela com relação á antiguidades. – Alice falou tentando apaziguar. – Ela já está com idade avançada e só quer manter um lugar onde os pokémon fantasma dela possam...
— GAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAASTLY!!!
— Aieeeeeeewwwwweeee!!!

   Os dois berros: o grosso e gutural e o fino e estridente ecoaram pela casa e Crystal deu um gritinho de susto junto sem compreender o que estava havendo. O motivo da gritaria foi um Gastly que se materializou subitamente enquanto atravessava a parede no exato momento em que Alice passava. A carranca flutuante do pokémon se projetou para frente com rapidez e atravessou o corpo de Alice como fumaça. A garota gritou não apenas pelo susto, mas pelo tremor e arrepiou que se passou em seu corpo no processo. O Gastly rodopiou no ar gargalhando e logo sumiu ao atravessar uma outra parede.
   Percebendo que o pokémon fantasma não voltaria, Crystal olhou para a amiga, notando que ela ainda estava em choque, tendo pequenos espasmos e os cabelos com alguns fios arrepiados.
— Ca...ca...carralho de pokémon! – Alice vociferou. – Que merda, Morty! Manda sua avó enfiar os pokémon dela dentro de um aspirador de pó ou mesmo no...TÁ RINDO DO QUÊ, GARY?!
  Gary havia se escorado na cristaleira, tentando em vão segurar o riso.

— Você tinha que ver o falsete que foi o seu grito e depois o tremelique que deu quanto o Gastly te atravessou! Parecia um Weedle com câimbra!
— Tá rindo porque não foi você quem teve o corpo assediado por um pokémon fantasma! Porra, Morty! Porque deixa esse Gastly solto por aí?
— Não é minha culpa! – o rapaz loiro estava rindo também, mas logo se controlou. – O Juquinha é assim mesmo. Ele gosta de assustar as pessoas mas é inofensivo!
— ...você está legal?
— Tô bem, Crys.  Mesmo assim Morty, não é bom deixar esse pokémon livre assustando as pessoas. Já pensou se ele faz isso em alguém que é cardíaco?
— Esse pokémon é da minha avó. Se quiser discutir isso com ela, vai por sua conta e risco. Eu não falo mais nada pra véia.

   Estando no fim do corredor, Morty abriu uma grande porta de madeira escura, que rangeu no processo e então Crystal pôde ver o local.
   Sem dúvidas em algum passado distante aquilo havia sido um salão de festas. Estava mais arejado ali, pois o teto era bem alto e Crystal percebeu que não havia forro, apenas as vigas que sustentava as telhas. Julgou ter visto vultos por ali, mas certamente era só impressão. A iluminação vinha das janelas nas laterais, mas não eram muitas, mergulhando o local em uma constante sombra.

  No centro do salão estava a arena de batalha e isso deu um certo alívio – era um ginásio, afinal. Do lado esquerdo tinha uma pequena arquibancada onde Janine e Foress estavam sentados e mais atrás havia uma escada que levava a uma espécie de estrutura superior para se assistir a batalha, terminando em uma porta que deveria levar ao segundo andar do casarão. Já ao longo da parede do lado direito havia uma  grande quantidade de móveis e demais tralhas antigas parcialmente cobertas com encerados, bem como caixas de papelão empilhadas.
   Crystal se conteve para não fazer nenhum comentário sobre o descaso e a aparência de antiquário abandonado que todo aquele ginásio tinha, pois não queria acabar sendo desagradável. Além do mais, estava nervosa para o momento da batalha.


— Está tudo bem com vocês? – Janine perguntou, descendo da arquibancada. – Eu e o Foress ouvimos uma gritaria.
— Foi só a Alice sendo possuída por um Gastly.
   Enquanto Gary contava o ocorrido junto com Alice, Crystal se aproximou de Morty, que ligava o painel ao lado da arena, para registrar a batalha e selecionar o nível da mesma.
— Eu..eu não deveria ir lá na recepção para informar que estou solicitando uma batalha e fornecer os meus dados?
— Não tem ninguém na recepção hoje. – Morty revelou. – A recepcionista teve uma crise nervosa por conta de um susto que levou do Juquinha e pegou uns dias de licença. – ele acionou alguns comandos na tela do aparelho. – Mas não tem problema, eu consigo fazer o registro por aqui mesmo. Me empresta o seu cartão de treinador.

  Crystal abriu um dos bolsos de sua porchete e entregou o documento para Morty, avisando que usaria os três primeiros pokémon de seu time. Ela olhou novamente ao redor e viu na arquibancada Alice conversando com Foress, Janine e Gary, sendo que este a olhava com constante interesse.
— Alice me disse que você é uma ótima treinadora em batalha.
   Crystal se virou para Morty e corou um pouco.
— B-bom...eu tento fazer o meu melhor mas ainda tenho muito a aprender. Não me considero excelente. Sou entre o bom e o mediano.
— Eu confio no julgamento da Alice. – ele bocejou e balançou a cabeça. – Caramba, que sono da moléstia! Preciso de café. Bom, já está registrado tudo aqui e vou usar três pokémon que já estão comigo. Pode ir se posicionando na arena.

  Morty percebeu que a garota estava um pouco tensa e lhe tocou o ombro de forma amigável.
— Relaxa que eu vou pegar leve.
   Enquanto Morty ia para o outro lado da arena e Crystal ficava em posição, o quarteto na arquibancada parou o falatório.
— Opa, a batalha vai começar! – Janine disse, virando-se para assistir.
— AE, Crys!! – Alice exclamou. – Vai com tudo, amiga! Dá uma lição no Morty!
— EI! - o loiro parou no meio da arena, ambas mãos na cintura. – Você não vai torcer pra mim, que sou seu parsa?
— Foi mal, Morty! Mas a Crystal é minha amiga e estou acompanhando ela em jornada! Fora que garotas tem que apoiar garotas!
— Sororidade que fala, né? Gostei!
  Janine e Alice trocaram um tapa de mão amigável.
— Pô, sacanagem ae... – Morty se fingiu injuriado e foi para o seu lado da arena. – Bom, vamos começar.
— Ei, espera! – Gary avisou, indicando o telão no teto. - O painel de contagem da batalha está desligado.
— É, eu sei. Tá pifado. Semana passada deu uma tempestade de raios e acabou queimando o painel que tava ligado na hora.
— Putz, que merda.
— Vou ver de chamar a assistência técnica essa semana. – Morty olhou para Crystal. – Registrei no sistema que teremos uma batalha oficial então não vai ter problema.
— Rapazes, chega de falação! – a voz de Alice se fez ouvir. – É hora da batalha. Vai lá, Crystal! Arrasa e mostra o que você sabe!

   Crystal deu um sorriso amarelo. Embora gostasse e se sentisse mais confiante com a motivação de Alice, dessa vez não conseguias muito.
— O que está havendo aqui?!
   Todos olharam ao redor para saber quem fizera a pergunta.
— Aqui em cima, seus lesados fumadores de Exxeconha!

   Na estrutura superior acima das arquibancadas estava uma mulher velha. Muito velha. Ela usava blusa de manga longa, uma comprida saia e um xale em volta dos ombros. Seus cabelos grisalhos iam até um pouco abaixo dos ombros e ela parecia estar de péssimo humor.
   Crystal percebeu o “tsc” de desgosto de Morty enquanto a mulher idosa começava a descer as escadas em direção á arena, apoiada em uma bengala. Foress tencionou ajudá-la, mas ela o repeliu com um gesto brusco.
— Não preciso de ajuda! Posso me movimentar perfeitamente bem, não sou uma velha inválida!

   Quando ela se aproximou, Crystal notou que era uma mulher bem pequena. Mas apesar  da aparência frágil, ela tinha um olhar duro e assustador, de alguém forte e irascível.
— O que está fazendo, Morty? Já falei que não pode ensaiar sua banda barulhenta aqui! Som alto perturba os pokémon fantasmas!
— Não vou ensaiar, vó! Fui desafiado para uma batalha pokémon.
— Há! – havia deboche no tom de voz da velha. – Vai tentar lutar contra o neto do Samuquinha de novo? Sabe que nunca o vence! E se vencesse eu saberia que ele facilitou só porque é seu amigo!
   O rosto de Morty adquiriu um tom avermelhado e pela primeira vez Crystal notou que o olhar apático dele deu lugar a um olhar de irritação.

— Fui desafiado para uma batalha contra uma treinadora valendo uma insígnia!
— Essa menininha? Você é treinadora pokémon mesmo ou só finge ser pra parecer moderninha?
— Ei, olha o respeito! – resmungou Alice quando a velha provocou Crystal.
— Respeito? Eu só estou falando a verdade! Eu falo o que penso e não porque sou velha como podem estar pensando, mas porque sou quem sou! Não é questão de orgulho mas sim de experiência! Eu sou Agatha membro da Elite4 de Kanto! A mais temida treinadora de pokémon Fantasmas!  Vinda da tradicional família Matusalém! Embora hoje esteja aposentada, meu legado está registrado na historiado Mundo Pokémon! Graças ás minhas capacidades e apego as tradições. Coisas que as garotinhas atuais certamente jamais farão!
— ...eu não sou...uma garotinha. – Crystal tomou coragem para dizer, mesmo sabendo que seria um erro contestar um membro da Elite4.
— Não é? – a velha se apoiou na bengala, olhos fixos na jovem. – O que você é, então?
— Eu...eu sou Crystal Marine, uma treinadora pokémon!
— E...?
—O quê?
— O que mais você é? Quais seus feitos, família? – como Crystal não sabia o que  e como responder, Agatha continuou. – Hah! Vocês jovens dessa geração se acham grande coisa e que nós, velhos, somos passado. Mas, com base no presente de vocês, o que serão no futuro? Na minha juventude, eu não era volúvel como vocês, que preferem seguir ideias torpes pseudo-revolucionárias cheias de sentimentalismo e se consideram grandes por conta de curtidas na internet e moda aleatória. E por conta dessa bobeira de pagar de rebelde, deixam de lado as tradições que deveriam seguir!

  Crystal fechou as mãos com tanta força que conseguia sentir as unhas apertando a pele das palmas.  Ser intimidada assim era algo que a fazia sentir-se mal. E era muito pior vindo de um membro da Elite4. Pelo que lera uma vez e agora se lembrava, Agatha havia sido uma treinadora lendária e um dos membros mais temidos da Elite, recebendo a alcunha de Bruxa dos Fantasmas. E permaneceu na atividade durante décadas até sua aposentadoria. Mas não esperava que ela pudesse ser uma mulher tão...
— O que vejo aqui é um bando de jovens privilegiados descartando e abandonando seus deveres e tradições que tantos outros gostariam de ter! – ela  falou, apontando um por um. – Aqui um que fugiu das responsabilidades de cuidar dos irmãos; essa aqui se recusou a herdar o título e responsabilidades do pai como líder de ginásio. Aqui temos a burguesinha mimada e protegida pelo tutor rico. (Alice estreitou os olhos, emburrada). Aqui,o meu neto que está querendo “pular fora” como ele mesmo diz. Prefere ficar fazendo música e jogando videogame quando poderia estar se tornando um influente e temido treinador de pokémon Fantasmas!

   Morty revirou os olhos e encarou Crystal com um sorriso de deboche e fazendo um gesto para insinuar que sua avó era pirada.
— E você, Gary. – a voz de Agatha ficou menos acusativa. – Você nasceu na família Carvalho, único neto do Samuquinha. Sempre foi um prodígio, bonito e talentoso. Se tornou um grande treinador pokémon, do tipo que alcançaria grandes feitos, capaz de se tornar membro da Elite4 ou até mais! Também se revelou um potencial grande pesquisador como seu avô. O sucesso e a grandiosidade está no seu sangue e eu não tenho dúvidas do legado que você pode deixar se seguir pelo caminho que deve! Não jogue isso fora!

   O olhar de Gary tornou-se sombrio e se não fosse pela mão de Alice sobre a sua, Crystal tinha certeza que ele teria respondido de uma forma não muito agradável. E uma olhada rápida em Morty a fez notar que o semblante do rapaz estava sério.
— E quanto a você, menina?
— E-eu?!
— O que sua família espera de você e o que acham dos rumos que você está querendo seguir?
   Crystal sentiu o nervosismo dominar, era como se houvesse algo entalado em sua garganta.
— Deixa pra lá! – ralhou Agatha batendo a ponta da bengala no chão. - Só pelo nervosismo latente que está mostrando, sei que não carrega responsabilidades de um grande nome. Muito bem! Vá batalhar com o meu neto, é por uma insígnia que está aqui. Dê o seu melhor, é o que os treinadores pokémon fazem. E você, Morty. – ela apontou a bengala para ele. – Como líder do meu ginásio, se perder de uma treinadora comum e que nem consegue articular um argumento contra mim, vai apenas confirmar ser inapto para ser um líder de ginásio Fantasma!

   Dito isso, a velha mulher foi sentar-se no primeiro banco da arquibancada, bem onde poderia ter uma boa visão da arena.
   O silêncio pairou no local e Crystal sentiu o coração acelerar, o suor em suas mãos e o estômago revolver, claros sinais de seu nervosismo.

“Preciso me acalmar, me concentrar. Eu estudei, fiquei um bom tempo traçando uma boa estratégia, pesquisei no livro que peguei na biblioteca, tentei seguir o conselho daquele cara que conheci, fiz o check-up do meu time no Centro Pokémon e eles estão bem e cheios de energia. Embora eu não tenha tido uma boa noite de sono, eu até relaxei um pouco lá no parque. Não tem por que eu estar tão nervosa. Está tudo bem, eu posso fazer uma boa batalha!”

   Mas a presença daquelas pessoas é que eram o problema. Alice estava com grandes expectativas que sua amiga se mostrasse uma grande treinadora em batalha diante de seus amigos. E era inevitável o julgamento da parte de Morty, Foress - ainda que ele não fosse treinador pokémon, mas seu pai e irmã mais velho eram líderes de ginásio -assim como Janine que era treinadora especializada e vinda de uma tradicional família de líderes de ginásio, com o pai tendo sido membro da Elite4 também. Ainda tinha Gary Carvalho. Justamente Gary, o treinador que a havia influenciado de uma forma platônica, a ambicionar ser uma grande e famosa treinadora pokémon.
   E como se não bastasse essas pessoas para já a fazer se sentir tensa quanto ao seu desempenho na batalha, estava ali a velha Agatha, um notável membro da Elite4.

  “Como eu vou conseguir fazer uma batalha para cumprir as expectativas de todos eles? E se eu me sair mal, o que Gary e os outros vão dizer? E a Alice vai ficar decepcionada porque fez propaganda minha para os amigos dela e eles irão dizer que é um desperdício ela estar viajando em jornada comigo. E a mestra Agatha vai me criticar e fazer aqueles comentários ácidos. E se durante a batalha eu esquecer os golpes, deixando meus pokémon confusos e sendo atacados? Eu já não estou conseguindo lembrar direito da estratégia que montei!”


— Que a batalha comece!
   Crystal ergueu os olhos e viu quando Morty lançou uma pokébola e dela surgiu um sinistro Haunter.

~*~


— É bom que esteja aqui o mais breve possível.
— Alguma missão ou reunião em que eu precise estar presente fisicamente?
— Ambas coisas. Por questões de confiabilidade e segurança.

  Igni mantinha os olhos fixos na tela do celular, os fones colocados no ouvido, atento a qualquer nuance na expressão de Basho, que conversava por ele através de uma videochamada. Pelo pouco que conseguia ver, o agente Rocket estava em uma espécie de quarto de hotel e falava com ele através do próprio celular.
— Está bem.  – respondeu o agente. - Conseguirei sair daqui talvez amanhã ao final do dia.
  Igni pensou um pouco antes de dizer.
— Você agora é um membro do Alto Conselho, o que significa que tem quase total autonomia para ir e vir quando quiser. Quase. Você ainda é um agente da Equipe Rocket, ligado diretamente a Organização.
— Tenho uma reunião com Lawrence.

   Basho percebeu o suave arquear de sobrancelhas de Igni, que ainda mantinha seu semblante apático e dissimulado que usava na maior parte do tempo. Sabia que revelar aquela informação iria não apenas interessar a Igni, como também abrandá-lo.

— É mesmo...? Não esperava que sua parceria com ele já estivesse além de uma simples contratação de um ladrão de obras de arte e artefatos históricos.
— Considerei prudente informá-lo sobre certas coisas que poderiam lhe tornar um potencial interessado, como já era ideia do Supremo Conselho.
— O que lhe informou?
— Não se preocupe, eu não disse mais do que deveria. Mas devo lhe informar que Lawrence é um homem inteligente e tem um relativo conhecimento do que está sendo jogado e planejado. Ele sabe sobre Lugia.
— Sabe? – o rosto de Igni ficou um pouco sério. – E o que ele pensa?
— Lawrence não é uma pessoa fácil de ler. – Basho recostou-se na cadeira em que estava sentado. - Mas ele demonstrou interesse. E parece genuíno.
— Como pode ter certeza? Assim como você pode estar espionando-o, ele pode estar fazendo o mesmo com você.
— Certeza e impossível ter. Mas, em meu último contato com ele até o momento, Lawrence me pareceu deveras desinteressado em contribuir para a Ordem.  Ele parece estar optando por analisar individualmente as possibilidades que pode ter em vez de compartilhá-la com os outros. Se houvesse compartilhado algo com a Ordem, na certa já saberíamos de algum movimento deles.
— Você é uma pessoa inteligente, Basho. Mas Lawrence também é.  Essa possibilidade pode ser possível, mas...
— “Lugia realmente representa a oportunidade de algo?”  Foi isso que Lawrence questionou com um perceptível interesse pessoal.  É isso que tenho a relatar até o momento. Preciso jantar agora.
— Está bem. Bom apetite. Te espero aqui na base amanhã.

   Igni finalizou a chamada e colocou o celular sobre a mesa, tirando os fones do ouvido. Recostou-se em sua poltrona, remoendo os próprios pensamentos.
   Seus olhos foram até o calendário sobre a mesa, observando uma data específica circulada com caneta vermelha. Se as suposições de Basho estivessem corretas, talvez devesse tentar uma abordagem. Pelo seu planejamento, era um pouco cedo, já que os próximos dias tenderiam a ser agitados e certamente Lugia acharia estranho se ele não o acompanhasse a Sinnoh, optando em ir a uma confraternização. Mas não haveria problemas. Afinal, planejamentos poderiam ser revistos caso as oportunidades se mostrassem favoráveis.

~*~


“Eu sou uma péssima treinadora!”

   Crystal andava em passos tão apressados que quase parecia correr. Desviava de pessoas e objetos sem saber direito para onde ir e nem pensando sobre isso. Só queria andar para se livrar daquele nervosismo.  Sua cabeça estava há mil, sentia-se transtornada, a boca de seu estômago ardia com força. Suas pernas tremiam um pouco, mas ela continuava pisando firme e afundava tanto as unhas nas palmas das mãos fechadas que era bem capaz que ficassem machucadas. Mas não se importava, afinal, a vergonha que sentia de si mesma machucava mais.
   Havia fugido de uma batalha. FUGIDO.


   Não conseguia compreender a própria atitude e estava odiando-se por isso. Aquela covardona na arena do ginásio não era ela, não era a “Crystal” que havia se tornado. Então, por que continuava sendo? Talvez sempre tenha sido e não mudou nada no tempo em que ficou em Hoenn. Talvez fosse mesmo uma “treinadora medíocre” como diziam em sua infância em adolescência.
 Começava a escurecer e as primeiras luzes de postes e comércios iam acendendo aos poucos. Parecia que estava andando em outra época sensação essa que a cidade causava em seus habitantes e turistas, sendo muito apreciada por eles. Sem prestar muita atenção, Crystal acabou por chocar-se contra uma mesa colocada na calçada na frente de um pequeno bistrô, enroscando as próprias pernas em uma das cadeiras e derrubando os dois copos de chopp sobre a mesa no colo do casal que estava sentado.

— Oôu!! Cuidado aí, sua garota estúpida!
   Em qualquer outro momento, Crystal teria se desculpado efusivamente, ajudado a erguer a mesa e cadeiras e até se oferecendo para pagar as bebidas perdidas, mas agora apenas saiu rapidamente e cabisbaixa em passos ainda mais acelerados.

   “Garota estúpida.”
   Por que seus olhos estavam ardendo? Avançou pelas ruas, procurando se fixar nos possíveis caminhos que levassem a velha e destruída Burned Tower, cuja ponta poderia ver acima das demais construções.
   Sentiu a pokégear no bolso de sua pochete  tocar novamente. Com certeza era Alice. Mas não tinha coragem de falar com ela depois do vexame que obviamente a fizera passar na frente de seus amigos descolados e bons treinadores.

   Conversaria com Alice depois, não tinha condições agora e nem sabia o que dizer. E temia o que a amiga iria falar. Isso é, se ela continuaria querendo ser sua amiga. Talvez Alice inventasse uma desculpa qualquer para não parecer desconfortável em se afastar, como alegar que havia decidido voltar para sua casa ou seguir viagem com Gary.
  Pensar que poderia estar prestes a perder uma amizade assim fazia seu coração doer. Mas se isso acontecesse, sabia que era merecido, por ser uma garota estúpida, covarde e com condutas vergonhosas. Nunca na vida havia abandonado uma batalha assim, antes mesmo de começar. Sentia-se tão derrotada como não sentia desde o dia em que havia perdido a batalha na Liga de Hoenn. Mas naquela vez e naquela situação era diferente. Havia dado o melhor de si e de seus pokémon e perdera de forma digna, sendo como um aprendizado. Saíra de cabeça erguida.  Mas o que aconteceu agora no ginásio foi diferente.

 Quando viu toda a atenção sobre si, o olhar julgador da mestra Agatha e o Haunter que pairava a frente de Morty, simplesmente arfou, negou com a cabeça, virou as costas para a arena de batalha e saiu pela porta de onde  havia entrado.

“ Como pude fazer uma coisa dessas?!”

  Deve voltar.  - quase podia ouvir sua voz da consciência. Mas como poderia voltar pra lá depois de ter fugido daquele jeito, do nada? Quando Alice ou qualquer um perguntasse o motivo de ela ter feito isso, o que responderia? E pior: a mestra Agatha ia despejar um monte de críticas e ironias pra cima dela e com razão.  Se ela já pegava pesado com os outros, imagine com ela. Uma treinadora fraca, medrosa, sem família e que, com a atitude que havia tido, sem perspectiva de futuro.

  “Também, o que esperar de alguém sem mãe, criada de favor pelos tios e que sequer sabia quem era seu pai?”


   Lembrou-se daquelas palavras que ouvira certa vez e isso fez seus olhos embaçarem pelas lágrimas que agora não conseguiu conter. Porque tinha de se lembrar disso justo agora?
   Tão absorta nos próprios pensamentos e mantendo os olhos fixos no chão de paralelepípedos, Crystal só percebeu quando, ao dobrar a esquina, se chocou com uma pessoa que vinha na direção oposta. O impacto foi tal que ela tombou para trás e no instinto de evitar cair de costas no chão, ela se agarrou a pessoa. E pego desprevenido pela atitude da garota, o homem tentou repeli-la, mas acabou sendo puxado e caiu de joelhos enquanto a garota se estatelava no chão.
— Olha por onde anda, imbecil!

   Basho ralhou, irritado pelo ocorrido e se levantou rapidamente, percebendo que a garota caída era a mesma que havia interrompido sua leitura no jardim da biblioteca. Lhe segurou um dos braços com certa força para que ela levantasse, mas ela pareceu relutar.
— Levante-se, garota es...!
— Estúpida! Eu sei, sou uma garota estúpida!
  Crystal gritou aquelas palavras, com o rosto banhado em lágrimas.

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...
Ufa! Esse capítulo deu um certo trabalhinho em uma das partes. E partes que eu digo é, especificamente a conversa entre Basho e Igni. Embora ela tenha sido curta, construí-la foi um pouco difícil mas espero ter conseguido passar o que queria.
Além disso, tivemos a cena do ginásio, que eu particularmente gostei de escrever e cujas cenas (como o Gastly assustando Alice) tenha surgido a medida em que eu escrevia. Não imaginei que esse primeiro corte de cena tomasse praticamente metade do capítulo e quando percebi, optei por fazer algumas mudanças para melhorar a fluidez da história o que culminou...

No não acontecimento de uma batalha e consequentemente, a fuga de Crystal da mesma.Devo dizer que quando comecei a pensar no capítulo, isso não aconteceria mas de repente quando comecei a pensar no plot, surgiu a opção de inserir algo impensável para o leitor e um momento de choque da Crystal, o que revela que nossa protagonista tem problemas de ansiedade e auto cobrança. Enfim, estou bem curiosa e apreensiva com o que os leitores acharam disso.
Então..comentem! Comentários sobre a história ajudam muito!



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