A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 27
Capítulo 26


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.
É evidente que houve um certo atraso para atualizar a história, mas dessa vez diversas coisas no meu âmbito pessoal aconteceram. Não foi nada grave ou ruim, mas foram coisas que ocuparam minha mente e meu tempo, consequentemente me fazendo demorar para retomar aqui.
Entretanto, acabei por perceber, recentemente, que esta fanfic de pokémon já está sendo postada há mais de um ano, praticamente dois e isso me deu certo desespero. Porque, devido ao fato de que o tempo está passando rápido demais, eu sinto que estou produzindo pouco em vista de tudo que acabo querendo fazer simultaneamente. E relendo o que já tenho escrito aqui da fic, percebi que, com base nos planos que tenho de acontecimentos para ela, pouca coisa já aconteceu. Então, quando eu digo que vai vir muita coisa nessa história pra surpreender e para atingir proporções maiores, eu estou falando sério!
Há muito para acontecer e ser revelado, mas eu sinto que o momento ainda não chegou pois há outras coisas que precisam acontecer antes na trama. E isso me faz sentir frustrada comigo mesma principalmente porque a produção desta fic me ajuda muito no desenvolvimento narrativo da minha história original.
Enfim espero que gostem deste capítulo o qual inseri uma cena de grande importância!
Boa leitura!



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~*~

  
   Não entendia o que estava acontecendo. Em sua inocência oriunda de sua pouca consciência, tudo era estranho e confuso. Mas mesmo em sua total inocência, a criança sentia medo. Medo de tudo aquilo que estava errado. Porque Ela não parecia feliz ou calma. Sempre que Ela lhe embalava nos braços ou ficava ao seu lado, estava tudo bem. Havia o sorriso, as palavras ditas de forma gentil, o abraço e o colo acolhedores. Ela era iluminada, a pessoa mais importante que tinha. Então, se Ela não estava feliz, era porque algo muito errado acontecia.
   Em sua pouca idade, a criança não entendia direito o que era certo ou errado. Mas ver Ela chorando e tremendo, a segurando apertado contra o peito, não lhe acalmavam, pelo contrário.

   E ainda havia o que estava acontecendo ao redor. Não conseguia ver direito, pois os braços da mulher e as longas mangas do vestido lhe dificultava a visão. Mas a criança conseguia ouvir os gritos, urros, coisas batendo umas nas outras, o tinir do metal contra metal e outros sons que não definia. Podia também sentir os cheiros: um cheiro de fumaça, de algo queimando. Erra difícil respirar e por isso a criança tentava afundar mais ainda o nariz no peito da mulher, para tentar sentir o cheiro de flores da sua roupa. Mas esse cheiro quase não havia mais, o corpo e as roupas Dela cheiravam a fumaça e algo meio metálico, vindo do líquido de cor vermelha que estava nos ferimentos dela.
   Ergueu os olhos e notou que a mulher lhe segurava no colo. Ela era tão bonita, a pessoa mais bonita de todas. Ela tinha um rosto delicado, cabelos longos e volumosos que pareciam ter diversas cores como castanho, dourado e vermelho. Mesmo ali, com a fuligem e o sangue em seu rosto e pescoço, os cabelos desgrenhados, as vestes parcialmente sujas e rasgadas, Ela continuava bonita. Ela olhava para frente, arfante exaustada e assustada. Por quê?

   Os lábios Dela se moveram quando seus olhos se arregalaram e então sentiu que Ela lhe colocava no chão e corria para frente. Não, Ela não corria. Estava engatinhando. Não entendia o por quê, mas talvez fosse aquele machucado na perna Dela, onde o sangue escorria. Quis segui-la, mas sentia medo, estava no meio dos escombros. Tanta coisa estava acontecendo, que seus olhos e ouvidos se confundiam. Viu pokémon lutando entre si, pokémon lutando contra soldados de armadura, soldados lutando contra soldados, pokémon lutando contra pokémon. O sangue jorrava dessa batalha, tanto de humanos quanto de pokémon e tudo aquilo a chocava.
   Uma fumaça dificultava a visão e era um cheiro sufocante. Gotas de água caíam ali e molhavam seu corpo. Era uma chuva fria, mas ao mesmo tempo estava quente pelo fogo que crepitava em diversos focos pelo local. O que era tudo aquilo, porque estava acontecendo?

— Ma...ma...
   Não conseguia falar ainda, seu pequeno corpo tremia e balançava, temendo sair de onde fora colocada, ao mesmo tempo que não queria ficar mais ali. Soluçou e gritou, olhando ao redor. Não entendia nada, queria que Ela voltasse. Chorou mais alto e mais forte para que Ela pudesse ouvir, mas então, quando a fumaça se dispersou na sua frente, a viu, metros á frente. Ansiava para que Ela lhe pegasse novamente no colo e as envolvesse em seus braços, cantando uma canção para lhe acalmar e dizendo que estava tudo bem.
   Mas não estava.
  
   A linda mulher, com seu vestido esvoaçante e cabelos radiantes estava judiada, suja e ferida. Ela tremia, os olhos vermelhos por lágrimas que vertiam deles. Sentada no chão, ela amparava um soldado nos braços. Não, não era um soldado, era muito mais do que isso. A criança sabia quem era e sentiu uma dor que não entendia.
  O homem usava armadura muito bonita, apesar de estar suja e ensanguentada. Havia outros corpos ali perto, mas só Ele importava. O homem estava muito ferido e exausto, não conseguia ver seu rosto direito. Uma espada estava caída ao lado dele e, com dificuldade, a mulher tentava envolver seu corpo com os braços, ampará-lo em seu colo, o encarando entre as lágrimas. Ela tremia e murmurava coisas para ele, que ambos sabiam serem em vão. O homem moveu um dos braços, tocando o delicado rosto dela. Sua mão estava muito machucada e por um segundo Ela fechou os olhos ao toque. Mas a mão dele escorregou e tombou inerte.

   E então Ela o encarou e seus olhos fitaram os dele. As lágrimas tornaram a cair. Ela negou com a cabeça, incrédula, e seu corpo arquejou e soluçou. Murmurou o nome dele, tocou em seu rosto,beijou-lhe os lábios e com mãos trêmulas o apertou contra si. E um grito alto e lamentoso saiu dos lábios dela, um pranto carregado de dor e desespero.
   E aquela cena era tão triste, tão desesperadora que a criança começou a chorar, não porque entendia, mas porque sentia.

— O rei está morto! – alguém ali, disse.
   A mulher chorava, amparando o corpo do homem.
 Não. Isso não poderia assim. Não. Não!

~*~


— Crystal! Crystal!!!
   A garota abriu os olhos de susto, a respiração arfante, o rosto banhado em lágrimas. Viu Alice próxima a si, as mãos em seus ombros e o semblante preocupado.
— Graças a Arceus você acordou. – ela falou. – Eu já estava ficando desesperada!
   Crystal olhou para Alice, notando que ela estava sentada ao seu lado na cama, os cabelos despenteados. E então olhou para o teto, para as paredes, os móveis, a janela parcialmente coberta pelas cortinas.

— Que lugar...é esse? Onde...onde estão os destroços, o fogo, a chuva e a fumaça...onde eles estão?!
   As palavras saíram da boca de Crystal em um sussurro enquanto tentava se apoiar nos cotovelos. Seu rosto estava molhado pelas lágrimas, as costas e raiz dos cabelos encharcadas de suor.
   Alice afastou-se um pouco, mas se manteve sentada na cama, atenta ao estado da amiga. Havia acordado com os gritos e choro de Crystal e agora observava a forma estranha e desnorteada com que ela olhava ao redor.
—Crystal...estamos no quarto do hotel.

   Um dos abajures estava ligado, criando uma iluminação parcial no quarto, mas aconchegante. O quarto era de tamanho mediano, com uma decoração tipicamente japonesa, em tons de bege e vermelho. As paredes possuíam quadros com ideogramas e os móveis eram de madeira e bambu. As duas camas de solteiro eram colocadas uma ao lado da outra, separadas por uma mesa de cabeceira e, na parede á frente, uma tv fora fixada.
   Crystal fechou os olhos, levando uma mão á cabeça. Sentia-se confusa e tudo parecia rodar dentro de sua mente, embaçando a visão. O ar que respirava era limpo, não aquele de fumaça, embora ainda sentisse o gosto em sua boca. E havia silêncio ali e não o som de explosões, gritos e o tinir de metal contra metal.

   Sentiu o toque da mão de Alice em seu joelho e abriu os olhos. Sim, aqui era a realidade, o antes era apenas...
— Eu tive um sonho.
— Acho que estava mais para um pesadelo! – Alice falou, um pouco aliviada ao ver que a amiga parecia estar mais consciente. – Acordei com você se debatendo toda! E pela forma como você está suada, foi algo bem intenso.
   Crystal se recostou nos travesseiros que Alice havia colocado no encosto da cama. As imagens que havia visto ainda rodavam em sua mente, quase podia ouvir os sons e sentir aquelas sensações...
— Quer falar sobre o sonho?
— Eu... – Crystal umedeceu os lábios. – Foi algo tão forte, que parecia real. Eu conseguia ver, ouvir e sentir.
— O que acontecia no sonho?
  Alice perguntou enquanto lhe entregava uma garrafa de água, a qual Crystal bebeu um pouco antes de continuar.
— Muitas coisas aconteciam... Algumas eu via, outras eu ouvia...mas tudo eu sentia. – ela parou um pouco, tentando se lembrar. – Era um salão e estava tendo uma batalha, mas não uma batalha pokémon, embora tivesse pokémon, mas eles atacavam humanos e humanos atacavam pokémon. Humanos lutavam entre si também. Pareciam soldados antigos, com armadura, escudo e espadas. Havia destroços, pedras, fogo e fumaça. Chovia também. Eu acho...acho que era uma guerra, eu podia ouvir algo “lá fora” e...

   Crystal parou, passando a mão pelo rosto e olhou para a TV desligada. O sonho havia sido tão vívido e intenso, mas agora, em sua mente, ele parecia sumir com rapidez.
— Acontecia algo com você no sonho? – Alice perguntou. – Pela forma como você se debatia, parecia estar ferida, lutando ou...
— Não. Não necessariamente comigo, eu acho. Outras pessoas estavam, aquelas duas pessoas. Elas estavam...era como se eu os visse, estivesse assistindo o que acontecia.
— Quem eram elas?
— Eu não sei, não as conheço. Elas usavam roupas antigas, sabe, igual aquelas que vimos no filme que assistimos outro dia. Era uma mulher de cabelos longos em um vestido esvoaçante e um homem de armadura. E eles estavam...

   Embora as lembranças do sonho estivessem se esvaindo a cada segundo, Crystal se lembrou com nitidez daquela cena: em meio aos escombros e fumaça, o casal – sem dúvida era um casal – com a mulher aos prantos e o homem em seus braços, parecendo sem vida. E o grito e choro de dor dela era tão real e entravam tão fundo em Crystal, que ela própria sentia uma dor no peito que lhe causava vontade de chorar também.
— Crystal, seu pingente...ele está...brilhando!
   A garota olhou para o próprio peito: algo brilhava embaixo de sua blusa. Puxou a correntinha para fora, vendo o cristal irradiar uma luz em tons de vermelho e amarelo. Ela o pegou na mão, notando que, apesar da luz, a pedra estava fria. Porém, logo o brilho foi ficando cada vez mais fraco, até que apagou por completo. E o cristal ficou como sempre ficava: com as cores dentro dele oscilando dependendo de como a luz externa o iluminava.

— Que coisa mais doida... – murmurou Alice. – Isso costuma acontecer?
— Não... tipo, uma vez eu notei que o cristal parecia brilhar, mas nunca tão forte assim. A única coisa que ele sempre faz é essas cores que ficam oscilando, mas até aí normal porque sempre foi assim.
— O negócio parecia estar queimando.
— Mas não tem calor algum.
— Você sabe de onde veio esse cristal? – perguntou Alice. – Porque não parece uma pedra comum, ainda mais depois disso.
— Eu tenho ele desde que me conheço por gente. Minha tia diz que era da minha mãe, mas não sabe se ela ganhou, comprou ou achou. Na verdade, nem sei que tipo de cristal ele realmente é.
— Hum... – Alice pensou um pouco antes de dizer. – Olha, o senhor Lawrence entende e coleciona muitas coisas, inclusive pedras. Podemos mostrar a ele esse seu cristal e quem sabe ele pode nos dizer do que se trata!
— Seu tutor é um homem muito ocupado, não tem sentido algum eu incomodar ele com esse tipo de coisa!

   Na verdade, só a possibilidade de ter que perguntar ou tentar iniciar uma conversa com Lawrence III deixava Crystal receosa. Era como se aquele homem fosse “acima” demais e temia que se o importunasse, ele a trataria com certo desdém, como aconteceu aquela vez no hotel. Afinal, ele era um empresário influente e ela apenas uma simples treinadora pokémon.
— Ah, relaxa. O senhor Lawrence não se incomoda com esse tipo de coisa! Ainda mais se eu pedir com jeitinho. – Alice falou e emendou. – E quem sabe esse seu sonho tem alguma ligação com o cristal? Uma coisa mágica, sei lá.
— Mágica? Isso é só uma pedra, não tem poder algum...
— Bom, mesmo assim é melhor não dormir com esse cristal no pescoço. Não sabemos se essa luz estranha que ele emitiu pode fazer algum mal. Sabe, que nem aqueles lances de radiação.

  Crystal ponderou. Sempre usava o cristal consigo e nunca tivera nenhum problema. Mas também o cristal nunca brilhara daquela forma. Pensou então no sonho e a lembrança dele já sumiam quase por completo. Era normal que a mente se esquecesse dos sonhos, lera isso em algum lugar uma vez, e aquele havia sido tão intenso... mas agora, quanto mais tentava reter as lembranças, mais rápido elas sumiam. Somente a imagem daquela mulher aos prantos debruçada ao corpo do homem em seus braços continuava parcialmente nítida. E isso lhe causava angústia e dor no peito.
  Sentiu Alice lhe tocar o ombro com delicadeza e saiu de seus pensamentos.
— Está tudo bem? Tá sentindo alguma coisa?
— Eu tô bem. – Crystal agradeceu a preocupação da amiga e tomou ouro gole de água. – Estava só tentando lembrar de mais coisas do sonho. Mas quanto mais eu tento lembrar, mais parece que tudo vai se apagando.
— Sonhos costumam ser assim mesmo! Mas eu vi a forma como você se debatia então, talvez, é até melhor que não se lembre de algo que estava te fazendo mal.
— É...acho que você tem razão.
— Tenta descansar, ainda é madrugada. – pediu Alice esfregando os próprios olhos. – Hoje você vai ter um dia cheio, com batalha em ginásio para encarar.
— Putz, é mesmo! E eu nem pensei em alguma estratégia...acho que vou fazer isso agora!
— Mas é muito cedo e você acabou de ter um pesadelo!
— Eu sei! Mas meio que perdi o sono e mesmo que eu quisesse, não conseguiria dormir por enquanto. Vou ficar lendo um pouco o livro que peguei na biblioteca e ver se há algo nele que posso usar para planejar uma estratégia de batalha analisando os dados que tenho aqui na minha pokégear.

      Alice olhou com o cenho franzido para a treinadora e Crystal sustentou o olhar, dizendo:
— Eu prometo que não vou ficar muito tempo, é só pra me distrair e relaxar um pouco. Logo páro e tento dormir.
— Olha lá, hein! – Alice se levantou e foi até a própria cama. – Você precisa descansar ou vai ficar um caco pra batalha amanhã.
— Pode deixar!
   Alice suspirou sonolenta e se ajeitou na cama. Tão logo se cobriu, adormeceu. Crystal diminuiu a luz do abajur para não incomodá-la e, enquanto esperava a pokégear iniciar, pegou o livro da mesa de cabeceira e o manteve em seu colo. O cristal ainda estava em uma das mãos e quando olhou para ele, a imagem do casal voltou a sua mente e ela apertou o pingente com força.

   Não contara a Alice, mas aquela não havia sido a primeira vez em que havia tido sonhos perturbador no qual, embora não se lembrasse, a sensação de angústia e tristeza que sentia pelo o que acontecia neles, persistiam sempre que tentava se lembrar.
  Olhou para o cristal em suas mãos uma vez mais antes de colocá-lo na mesa de cabeceira a seu lado. Repetiu para si mesma que não deveria ficar pensando sobre e que Alice tinha razão; se o sonho fora ruim, não era bom que tentasse se lembrar dele. Assim, com um suspiro, Crystal procurou afastar os pensamentos e se focar na leitura. Tinha coisas mais importantes para se preocupar no momento do que remoer um sonho.

~*~


   Lugia afastou os olhos da tela do notebook e recostou-se no sofá, suspirando baixo. Sentia-se cansado, seus olhos ardiam um pouco pelo tempo em que ficara lendo na tela. Tombou a cabeça para o lado, olhando através da grande porta de vidro que dava acesso á varanda. A noite seguia lá fora, na floresta e nas montanhas. Mas o céu já não estava tão escuro e dava os primeiros indícios de que amanhecia. Fixou o olhar na fenda da porta de vidro, concentrando-se um pouco. A porta deslizou, silenciosa, para o lado pelo que parecia uma força invisível e só parou quando Lugia considerou uma abertura satisfatória.
   A brisa amena invadiu a sala e a sombra de um sorriso passou nos lábios de Lugia, embora ele logo fechasse os olhos e levasse uma mão á têmpora devido a uma dorzinha incômoda.

   Sua telecinese não se limitava mais a sua forma de pokémon. No começo, tinha dúvidas se isso era realmente possível, mas agora tinha certeza. Como e por que era possível, não sabia, mas julgava que, talvez, fosse pelo longo tempo em que passou na forma de pokémon. E assim, seu corpo e sua mente haviam assimilado tais poderes. Mas era apenas a telecinese ou havia também o controle dos outros poderes do pokémon lendário enquanto estivesse na forma humana? Isso era algo que precisaria experimentar. Se fosse capaz de ter todos os poderes...
   Mas uma coisa era certa: o fato de conservar e controlar os poderes de pokémon em sua forma humana trazia consequências para o seu corpo. Poucas até o momento, mas havia. Precisava verificar e testar seus poderes, treinar para controlá-los.

  E, diante disso, percebeu que era mais uma coisa que precisava fazer. Como se não bastasse tudo o que já tinha de fazer. Havia tanto a ser feito...mas para isso ele precisava se preparar, pois o tempo passava rápido demais.
   Com um suspiro, Lugia puxou o notebook para si e retomou a leitura. Mas não demorou muito tempo para que notasse uma aproximação quase silenciosa vinda do lado de fora e ao virar o rosto na direção da varanda, se deparou com o visitante inesperado.

— Acordado a essa hora, majestade?
— Eu quem deveria fazer essa pergunta a você e também...o que faz aqui,Igni?
  O rapaz entrou na grande sala, notando que a mesma estava na penumbra exceto pela luz de um abajur e a tela do notebook. Era um pouco estranho vê-lo sem aqueles ternos e trajes sociais: Igni usava apenas shorts e camiseta, na certa o traje era algum tipo de pijama. E a cor cinza claro das roupas, em contraste com sua pele pálida e naquele ambiente pouco iluminado, o faziam parecer um fantasma.
  Igni se aproximou de Lugia, olhando por sobre o ombro dele, o que havia na tela do notebook.
— “ O Fim do Império e o Início da República e Democracia em Johto”.— o loiro leu em voz baixa. – Uma leitura um pouco entediante para ser feita na madrugada.
  Igni  se afastou, indo sentar-se no sofá a frente do sofá em que Lugia estava, separados por uma pequena mesa de centro.

— Pode não ser uma leitura das mais interessantes mas é importante. – Lugia falou. - Fiquei muito tempo sem saber de nada, exceto como era ser um pokémon selvagem passando a maior parte do tempo no oceano e voando pelo mundo nas vezes em que ficar nas profundezas se tornava insuportável demais.  Há muito que preciso conhecer.
— Sim, há muitas coisas. Muito mudou, muito acabou e muito surgiu ao longo do tempo. São tantas coisas para conhecer que é impossível conhecer e saber de todas em uma única vida.
— O quanto já conheceu e aprendeu, Igni?
— Tanto que nem sei medir o quanto. Mas não tudo.

  Lugia esperou que o rapaz continuasse a falar mas, em vez disso, ele se escorou mais confortavelmente no sofá. Olhando-o assim, Igni até se passaria realmente por aquele rapaz jovem que aparentava.
— Eu não pretendo saber tudo, óbvio. – Lugia voltou a olhar para o notebook. – Mas o que eu considerar útil e importante para meus objetivos, eu quero e devo aprender e conhecer. Sempre tive essa ânsia por conhecimento para poder aplicar em minhas escolhas e decisões.
— És um rei, afinal. Mas e suas irmãs? – Igni lançou um olhar para trás, para uma porta que dava acesso a outra parte dos aposentos do lugar. – Contou tudo á elas?
— Não ainda. Mas o farei, no tempo certo. Elas acabaram de retornar ao que eram, ainda estão se adaptando, se inteirando sobre tudo. O que sabem é nosso objetivo inicial e principal. Uma coisa por vez. Uma prioridade por vez.
— Está certo. – Igni falou, deitando-se no sofá.
— Você parece bem tranquilo mesmo sabendo que há muito a ser feito.
— Eu sou tranquilo. O tempo me ensinou a ser paciente e ciente disso.

   A sala ficou em silêncio. Lugia terminou de ler o capítulo daquele livro – era estranho como agora muitos livros tinham aquele “formato digital” como diziam. Uma verdadeira biblioteca de fácil acesso e procura em um aparelho tão pequeno.
— A tecnologia é realmente maravilhosa, não?
  Ergueu os olhos quando Igni falou.
— Se houvesse as tecnologias de hoje naquela época, o resultado da guerra teria sido diferente.
— Naquela época havia magia em sua forma pura e mística. Mas te garanto, majestade. Ao mesmo tempo em que a tecnologia é boa, ela também pode ser uma maldição dependendo de como for usada.
— A magia também. E não precisa me chamar de majestade. Não quando estamos assim.
  Igni arqueou uma sobrancelha curioso, mas nada disse. Ajeitou-se no sofá e fechou os olhos.
— Como suportou todo esse tempo? – Lugia perguntou.
— Vivendo.
  Nada mais foi dito e ambos ficaram em silêncio por um tempo. Minutos sem qualquer som e com o dia começando lentamente a surgir no céu.
— Você nunca deveria tê-la tirado daquela floresta.

  As palavras súbitas de Igni fizeram com que Lugia o encarasse. O rapaz continuava deitado no sofá, encarando o céu que clareava aos poucos. Ao perceber que era observado, ele virou a cabeça e seus olhos se encontraram.
— Eu não a tirei da floresta. – Lugia sussurrou. – Ela escolheu ir comigo.
— Tudo poderia ter sido diferente. – Igni sussurrou de volta. – E tudo teria permanecido igual...sempre.
— Mas não era isso o que Flâmia queria.
   Igni sentou-se no sofá, se debruçando para frente.
— O quanto você tem a convicção do que ela realmente queria? Flâmia poderia querer sair da floresta, mas ela queria mesmo tudo o que ela se tornou ao seu lado? Flâmia realmente queria tudo o que aconteceu?

  Lugia ficou alguns segundos em silêncio antes de responder.
— Isso é o que vamos descobrir quando a encontrarmos e a trazermos de volta. Não fale como se tivesse a certeza sobre os sentimentos e pensamentos de Flâmia. Você possuía uma ligação com ela mais forte do que eu, mas isso não significa que a compreendia mais.
   Os olhos bicolores de Igni permaneceram fixos em Lugia depois de ouvir aquelas palavras.
— É isso que usa para se convencer.

   Igni simplesmente falou, em um tom mais assertivo do que indagador. Então se levantou e de forma silenciosa, saiu pela entrada de onde havia vindo.
  Lugia fechou o notebook e colocou-o de lado, contemplando o vazio do lado de fora.
  Quem a compreendia mais?
  A forma convicta como havia dito não lhe era uma certeza. Acreditava – tinha de acreditar – que tudo que fizera para Flâmia era o que ela realmente queria. Quando lhe perguntava, ela confirmava, mas no fundo, será que era mesmo?
  Flâmia sempre lhe sorria, agradecia, amava. Mas quando visualizava em sua mente a última lembrança que tinha dela, eram de suas mãos trêmulas, o rosto desesperado, os olhos cheios de lágrimas e as palavras murmuradas de dor e pesar.

“ Ela realmente queria partir?”

~*~

  
   No fim das contas, Crystal acabou não dormindo mais. Havia focado tanto na leitura do livro e traçando estratégia de batalha com o auxílio da pokégear que só se deu conta que a madrugada passara quando os primeiros raios de sol começavam a clarear o quarto através da fresta da cortina. Naquele momento já nem lembrava-se mais do sonho, tão focada nos estudos havia ficado. O que era bom, pois aquela sensação de angústia e mau-estar haviam sumido quase completamente.
   Quando olhou as horas no relógio, soube que não demoraria muito para Alice acordar e na certa quisesse sair para fazerem o desjejum no restaurante do hotel. Então, guardou o livro e a pokégear e apagou o abajur, aproveitando para relaxar um pouco. Precisava estar bem disposta para enfrentar Morty na batalha pokémon á tarde. E foi com esse pensamento que fechou os olhos e procurou relaxar.
   Provavelmente acabou cochilando pois, quando recobrou a consciência e tornou a abrir os olhos, o quarto estava um pouco mais iluminado e Alice já estava vestida para sair, sentada na cama a verificar as notificações em seu celular. Quando percebeu que Crystal havia acordado, ela tirou os fones de ouvido.

— Bom dia, amiga! Dormiu bem?
  Ser chamada de “amiga”’ provocou uma súbita alegria em Crystal. Nunca tivera alguém que a chamasse assim depois que havia se tornado adolescente e ser considerada isso de uma pessoa descolada e interessante como Alice, era algo inusitado.
— Bo-bom dia. – Crystal se sentou na cama e bocejou. – Eu acabei nem dormindo, passei a madrugada estudando. Parei faz meia hora e só estava descansando.
— “Só descansando”? Sei... e o que significa isso aqui?
   Alice mostrou o celular para Crystal e a treinadora viu, na tela, uma foto de si mesma deitada de barriga pra cima, esparramada na cama, os braços e pernas em ângulos tortos e a boca meio aberta.
— Mas...MAS O QUE É ISSO?!
— Você dormindo! E ainda estava roncando um pouco! – Alice riu. – Desculpa, eu não consegui resistir em bater uma foto!
— Você não vai postar isso...vai?

  Crystal fez a perguntando receosa, corando feito um Darumaka. Aquela foto era uma total vergonha alheia e se Alice postasse, do jeito que ela era meio popular nas redes sociais, muitas pessoas veriam.
— Daria um ótimo meme de Vida de Treinador. – a outra provocou, continuando. – Mas não se preocupe, não vou postar. Não sou malvada assim! Foi só para te mostrar mesmo!
— Ufa...! – Crystal esfregou os olhos. – Bom, eu vou me arrumar para dar tempo de tomarmos café no hotel.
— Ixi, o horário do café já passou faz tempo! Não estão servindo mais.
— O quê? Mas que horas... – olhou no relógio na mesa de cabeceira. – Mas já são essas horas?! Como eu dormi tanto assim?
— Dormindo, ué. Não sei até que horas você ficou acordada porque eu dormi rápido, mas é fato que você acordou mais perto do horário do almoço do que do café da manhã!
— Eu não deveria ter dormido tanto... – Crystal falou com voz lamentosa. – Você poderia ter me acordado, não tinha problema algum!
— Eu achei que você precisava descansar um pouco mais. – Alice saiu da própria cama e sentou-se na cama da outra. – Tivemos um dia bem cheio ontem, você teve o pesadelo. Passamos a tarde assistindo o ensaio dos Bastardos Deserdados...e eu sei que eles são muito barulhentos e isso acaba sendo um pouco cansativo pra quem não está acostumado!
— Mesmo assim, tínhamos combinado de ir a alguns lugares e...
— Temos tempo para isso! Podemos passar o fim de semana aqui em Ecruteak, o que acha? Não vai atrasar tanto sua Jornada Pokémon e poderemos passear por alguns pontos turísticos que com certeza você vai gostar! Então, vamos fazer as coisas sem pressa. Hoje o foco vai ser para a sua batalha no ginásio mais tarde! Conseguiu bolar alguma estratégia?
— Acho que sim...mas enfrentar pokémon Fantasmas é bem difícil...mas preciso ir ao Centro Pokémon  separar os três que pretendo usar na batalha, tratar eles e então ir para o ginásio.
— Sim, sim você vai fazer tudo isso mas antes tem que comer alguma coisa! Como diz aquele ditado: “Snorlax de estômago vazio não pára em pé”. Ou algo assim.

   Alice se levantou e foi até o aparador, voltando com um saquinho e um achocolatado de caixinha.
— Pedi pro garçom do hotel embrulhar um pão na chapa pra você e peguei um achocolatado que sei que você gosta.
— Nossa, muito obrigada! Não precisava se incomodar!
— Que isso, relaxa! Mas coma rápido e se arrume porque precisamos sair, está um dia ótimo lá fora!

  Enquanto Alice se levantava para abrir as cortinas do quarto, Crystal notou que ela já estava completamente vestida em uma combinação de shorts, camiseta regata justa de com a estampa da banda Houndoom’s Hell, cujo símbolo era o crânio do pokémon que levava o nome da banda, meia arrastão, botas de cano curto e diversos acessórios como anéis, pulseiras e correntes no pescoço.
— Nós vamos Centro Pokémon e dar uma volta na cidade antes da batalha no ginásio ou ir a um show de rock?
— Isso aqui é um look simples! – Alice jogou os cabelos para trás e o perfume deles impregnou o ambiente. – Para ir a um show, eu me produzo e capricho de verdade! Ainda te levo em algum rolê para você ver como é bom!

  Crystal sorriu e empurrou as cobertas, levantando-se da cama e se espreguiçando. Olhou para a janela, admirando o dia que raiava do lado de fora. Apesar da noite um pouco turbulenta, sentia que o dia trazia grandes expectativas.
   Se levantou, pegando o pingente de cristal que estava na mesa de cabeceira. Ele estava exatamente como sempre estivera e por um momento, aquela perturbadora e dolorosa visão do sonho invadiu sua mente: o momento em que a bela mulher chorava e gritava com o corpo do soldado nos braços.
— Crystal, vamos logo!
— Ah, já...já estou indo!
  Colocou  a correntinha em volta do pescoço e tratou de se arrumar para começar o dia.

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...
Ufa, esse capítulo foi um pouco cansativo de ser feito. Mas achei que já era hora de expor e indicar algumas coisas. Por conta disso, queria aqui, comentar sobre algumas coisas:
— O sonho que a Crystal teve, essa lembrança, foi algo que eu já tinha em mente de retratar há algum tempo. Na real, a intenção era um flash-back na íntegra mas para a história achei que funcionaria melhor assim.
A cena foi baseada sutilmente na trágica e poética cena de Game of Thrones acerca da morte de Jorah nos braços de Daenerys. Mas na minha história o contexto é bem diferente como verão futuramente, mas a cena na série me marcou tanto que acabei baseando um pouco.

— E finalmente, após muito tempo, revelo o nome "Dela". A pessoa da vida de Lugia (e, pelo que podemos ver, não apenas dele). Flâmia, a beldade misteriosa e motivador de quase tudo.
Esse nome vem do latim e significa Chama, Espírito.

Até o próximo capítulo.



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