A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 23
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

Olá, cara leitor(a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

Devido ao Corona viírus, me coloquei em uma semi-quarentena como prevenção, mesmo estando bem de saúde.
Por mais que ficar sem sair seja meio frustrante, pelo menos estou procurando tentar produzir o máximo que puder no que diz respeito a escrita. Seja por essa fic, seja pelo meu original seja pelo meu blog, seja até pela fic do Cruello. Além de estudar mais sobre técnicas literárias de forma autodidata. Espero conseguir produzir mais e procrastinar menos nesse período!
Enfim, sobre o capítulo, finalmente Ecruteak! Era justamente nessa cidade que eu queria chegar e acredito que vou poder trabalhar muita coisa por aqui.Ecruteak é minha cidade preferida de Johto por conta de ser a cidade sobre as lendas envolvendo pokémon lendários.
Talvez esse capítulo tenhaficado um pouco melancólico em algumas partes mas enfim..coisas mais melancólicas virão mais pra frente.
Quero avisar que todas as informações mencionadas sobre Ecruteak neste capítulo foram criadas por mim. Nos games não há menção a bibliotecas, museus, o cemitério e o lance de "turismo histórico" da cidade. Verossímil é o estilo da cidade (um feudal japonês) e as torres sagradas.
Precisei criar algumas coisas e informações por conta da história mesmo.
Chega de papo e boa leitura!



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~*~


  Conhecida como Cidade Anciã, Ecruteak era a cidade mais antiga do continente composto pelas regiões de Johto e Kanto, e a terceira cidade mais antiga do mundo segundo historiadores, ficando atrás somente da cidade de Celestic em Sinnoh e a cidade de Geosenge em Kalos.
   A cidade fora construída nos moldes feudais orientais, com arquitetura tipicamente japonesa e a maioria de suas ruas (exceto as avenidas principais) eram feitas de paralelepípedos, cascalho e terra batida. Toda a cidade evocava uma aura antiga, mística e parecia manter sempre uma temperatura amena. A cidade ainda era parcialmente silenciosa: todos aqueles que ali viviam e também os visitantes pareciam compreender que a cidade merecia respeito e veneração de modo que, após tantos séculos sendo palco de guerras, batalhas e destruição, hoje era um dos locais mais calmos e pacíficos. Uma forma de compensação por tudo que suas antigas construções haviam presenciado no passado.
   Carregando tamanha carga histórica e mística, Ecruteak se popularizou por conter não uma, mas inúmeras lendas ao longo dos séculos, envolvendo Pokémon lendários e humanos.

  Embora fosse uma cidade turística, Ecruteak não atraia tantos visitantes como as outras cidades famosas pelo turismo. Isso certamente ocorria porque o turismo da cidade concentrava-se em locais inteiramente históricos e culturais e não em atividades e locais nos quais os turistas poderiam consumir e se divertir.
   Crystal e Alice haviam chegado á cidade quando já era noite, devido a um trecho da estrada que estava em reforma, o que causou alguns quilômetros de trânsito lento. Desceram do ônibus sentindo-se esgotadas e acabaram por irem direto ao hotel que Alice havia reservado pela internet no dia anterior.  Um banho seguido por um lanche rápido e uma satisfatória noite de sono foram o suficiente para tirar o cansaço e aliviar a dor nas costas após a longa viagem de ônibus.
  Assim, no dia seguinte, Crystal sentia-se preparada para conhecer a cidade na qual Alice tanto falara e, lógico, aproveitar para treinar seus Pokémon e se preparar para desafiar o líder de ginásio.

  As duas haviam saído do hotel ainda terminando de comer um potinho de salada de frutas. Andaram por algumas ruas quando o comércio estava começando a abrir e o movimento pela cidade ainda não era tão intenso. Mas Crystal notou que, diante de todas as outras cidades em que já estivera, Ecruteak era muito mais silenciosa. Havia poucos veículos trafegando por ali e, em vez de ônibus, havia bondes, como os que existiam antigamente, para transportar pessoas. Muitos usavam até mesmo carroças puxadas por Tauros ou Ponytas. E todos os prédios, casas e estabelecimentos possuía uma arquitetura antiga. Crystal sentia-se como se houvesse entrado em um túnel do tempo e ido parar na época feudal. Só sabia que isso não acontecera porque, em meio a toda uma estrutura e decoração de época, havia pessoas fazendo uso da tecnologia, com seus celulares, pokégears, TVs e computadores.
  Mas tinha de admitir que Ecruteak era muito bonita e possuía um clima ameno, além de uma certa calmaria que parecia pairar na cidade e todos os seus moradores. E mesmo quem estava ali a passeio ou trabalho, absorviam esse inusitado hábito.

 “Uma cidade de tradição e conhecimento” era o que constava em uma grande placa no topo de um poste onde havia outras placas menores indicando a direção dos  locais mais conhecidos da cidade, como a Bell Tower, Burning Tower, Ginásio Pokémon, Teatro de Dança, o popular Tea House, Museu Pokémon e Catedral Suplício.
   Crystal acompanhou Alice por algumas ruas até chagarem a uma floricultura, onde a garota de cabelos pretos começou a escolher um vaso de violetas entre vários que haviam na bancada.  Mas precisava confessar que estava começando a ficar irritada com toda essa postura de “mistério” que Alice mantinha sobre o que queria tanto fazer na cidade.

— E então. – a treinadora começou, ambas mãos na cintura. – A senhorita enrolou e enrolou, mas não quis me falar o que tanta coisa queria ver e fazer aqui!
— Eu falei que te daria uma tour por Ecruteak e farei isso! E também iremos para o ginásio Pokémon para que você conheça o Morty. – Alice pareceu finalmente ter se decidido qual vaso de flores levar. – Vamos ficar alguns dias por aqui.
— Alguns dias? Mas eu preciso...
— Eu sei! Aqui pela região há lugares para treinar e uma jornada Pokémon não se limita apenas em ir de cidade em cidade desafiando líderes de ginásio e se embrenhando em rotas para batalhar, né? – Alice deu o dinheiro para a florista. – O fato de conhecer novos lugares, ao meu ver, é a parte mais legal de uma Jornada Pokémon.  Pode ficar tranquila que um passeio turístico não vai atrasar seu ritmo de jornada. Assim que eu fizer uma coisinha, iremos iniciar nosso passeio. Vem comigo?

  Crystal fez uma careta, mas suspirou, falando em tom divertido.
— Está bem, vamos lá. Mas depois quero saber certinho que planos você tem por aqui!

~*~


    Crystal franziu as sobrancelhas ao observar a fachada do local. Que Alice era meio gótica era evidente, mas não esperava que a amiga iria fazer o primeiro “passeio turístico” de Ecruteak, com ela, no cemitério da cidade.
— Bom, chegamos. Esse é um dos principais motivos de por que eu queria vir para Ecruteak. – Alice notou a expressão de interrogação na amiga e continuou. – Hoje é aniversário da morte dos meus pais.
  Crystal sentiu seu estômago retorcer por ter julgado erroneamente as intenções da amiga e a seguiu para dentro do local.

  O cemitério de Ecruteak era antigo, assim como todas as construções históricas da cidade. Mas, diferente dos cemitérios comuns, cuja arquitetura optava pela simplicidade dos túmulos ou mesmo a ausência deles (limitando-se a lápides no chão gramado em campos bem cuidados), o cemitério de Ecruteak era composto, em sua maioria, por túmulos e lápides bem ornamentados, com acabamentos meticulosos e esculturas, algumas angelicais e outras nem tanto. Havia também alguns mausoléus enormes que, obviamente, pertenciam ás famílias mais tradicionais e poderosas do continente.
  Alice e Crystal passaram pelos portões de ferro negro do cemitério que estavam abertos (e cujo muro, de cada lado, possuía a estátua em forma do Pokémon Ho-Oh que Crystal achou irônico, já que aquele Pokémon representava a vida) e caminharam em silêncio por entre as ruas. A jovem treinadora precisava admitir que, embora arte funerária e tumular não fosse um tipo de arte que apreciava, tinha de admitir que era um trabalho artístico e tanto, ainda que meio mórbido.

  Alice parou e a treinadora percebeu que haviam chegado. Crystal confessou para si mesma que imaginava que o local de repouso dos pais de Alice seria uma espécie de mausoléu, levando em conta a vida abastada e principalmente pelo tutor poderoso que ela tinha. Mas o lugar de repouso dos pais de Alice era um túmulo simples, sem muitos ornamentos. Apenas com as pequenas placas de metal com o nome e data de nascimento e falecimento. “Théo e Isabelle Liddel – Agora juntos pela eternidade.”— ela leu.

— Meus pais não gostavam de ostentar. – Alice falou, como se percebesse a dúvida da amiga. – Apesar  de minha mãe ser historiadora e meu pai arqueólogo, que adoravam os grandes e complexos monumentos antigos. No dia á dia preferiam viver e usufruir das coisas de forma mais simples. Na verdade, o túmulo é mais simbólico mesmo porque eles não estão aqui.
  Vendo a expressão intrigada da treinadora, Alice explicou.
— Meus pais foram cremados.
  Crystal apenas murmurou um “oh” e observou Alice colocar o vaso de violetas no centro do túmulo.
— Meus pais tinham certa fama no meio acadêmico e trabalhavam ao redor do mundo, mas Ecruteak era a cidade que realmente amavam. O Senhor Lawrence achou que seria bom e digno, eles terem algo que representasse que eles existiram. Não apenas só em fotos e nomes nos registros arqueológicos e históricos que eles pesquisaram e ajudaram a resgatar. No começo, eu não entendi muito bem e até cheguei a dizer que era desnecessário, mas agora eu entendo. Aqui, eu posso fingir acreditar que estou perto deles. – Alice olhou de soslaio para a amiga. - As cinzas deles foram lançadas no local em que eles mais gostavam de ficar. Isso, foi uma escolha minha.

  Crystal pensou em perguntar qual era o lugar, mas achou melhor ficar quieta. A bem da verdade, não sabia o que dizer. E talvez o melhor fosse não dizer nada. Então, apenas segurou uma das mãos da amiga.
— Já faz nove anos...mas sempre que venho aqui é como se tivessem se passado apenas alguns dias.
  Alice fechou os olhos e Crystal sentiu a pressão que a oura fazia em sua mão. Percebeu que os lábios de Alice estavam trêmulos e que ela tentava não chorar.
— ...você...gostaria de ficar sozinha? – Crystal perguntou.
  Alice a encarou.
— Eu...não queria parecer...
— Não se preocupe. Eu meio que entendo. Tem...sentimentos e dores em que nos sentimos mais á vontade de colocar pra fora quando estamos sozinhos. Assim como há sentimentos e dores em que queremos ter alguém ao nosso lado para confortar. – Crystal pegou a outra mão de Alice e manteve ambas entre as suas. – O que importa é que você pode contar comigo. Para o que precisar!
— ...obrigada.
— Não tem que agradecer. – Crystal sorriu, gentil. – Eu vou te esperar lá na entrada do cemitério. Tudo bem?
   Alice confirmou com um maneio da cabeça.
— Prometo não me demorar.
— Leve o tempo que precisar.

~*~

“Cada pessoa lida com a perda de entes queridos de uma forma diferente.”

  Crystal lera essa frase em algum lugar, ainda que não lembrasse onde. Mas sabia que não era fácil para alguém ir ao túmulo dos próprios pais. Todas ás vezes em que fora ao túmulo de sua mãe, sempre acompanhada por sua tia, ficava com um peso no coração, um gosto amargo na boca e um desconforto em sua mente. Sentia-se triste por não ter conhecido e convivido com sua mãe e não necessariamente por ela ter morrido. E sentia-se culpada por pensar e se sentir assim.
  Não havia conhecido sua mãe – na verdade conhecera, mas era pequena demais para se lembrar. Sua tia havia lhe contado que sua mãe – irmã mais velha dela. – havia falecido quando Crystal tinha dois anos. De modo que Crystal acabara conhecendo ela através de algumas fotos e histórias que sua tia contava.

   A ausência da mãe era algo que Crystal tinha consciência mas, estranhamente, não fora algo que fizera uma diferença gritante em sua vida. Sua tia a havia cuidado, amado e educado, de modo que era ela a sua figura materna. Na escola, era ela quem ia nas reuniões de pais, era ela para quem Crystal entregava os presentinhos de Dia das Mães feitos na escola (e os de Dia dos Pais entregava ao tio). Estava tudo bem e Crystal se sentia feliz assim. Mas ponderava se o fato de sentir carinho por sua mãe, mas não o amor que sentia pela tia a faziam ser alguém ingrata, de alguma forma.
  Muitas vezes pensava sobre isso. Se ela deveria chorar e sentir a dor da perda diante do túmulo ou não. Mesmo que ficasse triste, talvez não ficasse tanto porque não havia convivido com ela tempo suficiente para ter lembranças. Diferente de Alice, que possuía tantas lembranças e havia convivido com a própria mãe e subitamente a perdera de forma tão trágica.
   E Alice tivera um pai, que infelizmente havia perdido ao mesmo tempo e da mesma forma. Crystal sequer sabia a identidade de seu pai e mesmo sua tia não sabia quem era. “Sua mãe sempre foi uma pessoa...reservada e nunca quis contar.”

  Subitamente acometida por uma forte saudade, Crystal foi até um dos bancos da pequena praça em frente ao cemitério, pegando sua pokégear e fazendo uma ligação.
   Um toque. Dois toques. No terceiro, alguém atendeu.
— Crystal! – exclamou uma alegre voz feminina do ouro lado da linha. – Está tudo bem com você? Aconteceu alguma coisa? Está precisando de dinheiro? Ficou doente, se machucou? Teve algum problema com...
— Tia, calma. Está tudo bem comigo. Eu só liguei para dar um “olá”.
— Oh...é que você sempre manda mensagem pelo PokéZap e pra ligar assim pensei que havia acontecido alguma coisa. Como naquela vez em que você...
— Eu fiquei com saudades, por isso liguei.

   Crystal ouviu um “oh, meu bem!” meloso da tia e sorriu. Sua tia sempre fora muito amorosa e emotiva e desde que havia decidido seguir jornada Pokémon, a tia se tornara ainda mais amorosa, além de preocupada. Crystal sabia que ela se sentia um pouco sozinha por não ter a sobrinha diariamente ao seu lado, ainda mais porque, devido ao trabalho do tio, ele ás vezes precisava ficar alguns dias em outras cidades.
   Por conta disso, quando voltara de Hoenn, Crystal dera de presente para a tia um pequeno Skitty para lhe fazer companhia, o que fora muito bom embora sua tia mimasse tanto o Pokémon que ele já se sentia o dono da casa.
   E a conversa seguiu.  Crystal contou sobre o andamento de sua jornada, o Bulbasaur e sua amizade com Alice ( - Eu vi uma foto sua com ela! Quando você vier aqui pra casa, traga ela aqui e eu preparo aquele meu bolo de cenoura que é um sucesso!).
  A tia então contou sobre as coisas cotidianas.

— Mas não há muitas novidades. – a tia falou. – Sabe como é, New Bark é um Togepi de tão pequena! Só a Mercedes que...
   Crystal sorriu enquanto ouvia a tia contar as peripécias mais recentes da vizinha e algumas outras fofocas do bairro. Depois ela ainda falou sobre o Skitty (a tia não perdia a oportunidade de falar do Pokémon felino sempre que podia) e a ideia que seu tio havia tido de aumentar a barraca de frutas.
   Assim, depois de ouvir as clássicas recomendações para tomar cuidado, se alimentar bem, não esquecer de se agasalhar e evitar falar com estranhos  (— Tia, eu sou uma treinadora pokémon. É natural que eu fale com estranhos.), Crystal se despediu e mandou lembranças ao tio.
  Quando desligou, sentiu-se bem. Talvez devesse adquirir o hábito de ligar para a tia mais vezes.

  Pensou no que poderia ficar fazendo enquanto esperava Alice, já que sua pokégear estava com pouca bateria e se ficasse navegando pela internet, a gastaria toda. Deveria ter deixado a pokégear carregando durante a noite, mas estava com tanto sono que nem lembrara
   Foi então que notou a alguns metros á frente, do outro lado da rua, uma biblioteca. Não era, nem de longe, grande como a Biblioteca do Sino, a maior da cidade. Mas, com sorte, poderia encontrar ali algo que viria a ser útil para o que precisava. Assim, após enviar uma mensagem para Alice avisando onde estaria, Crystal se dirigiu para lá.

~*~

Sentia-se como se afogasse. Por mais que soubesse que precisava se debater e buscar a superfície, não conseguia. Seu corpo estava pesado e paralisado, seus olhos sequer se abriam. E havia uma força imensa e invisível, talvez a própria força da água e a armadura que usava, que o puxavam cada vez mais para baixo. Queria respirar, mas como poderia fazer isso se o seu coração fora perfurado e estava se afogando?
  Forçou seus olhos a se abrirem, mas apenas viu escuridão e uma imensa mancha branca que ia ao fundo junto consigo enquanto o envolvia.
   Não sentiu mais desespero. Na verdade, estava se sentindo anestesiado.

   “ Eu fiz tudo o que pude e mesmo assim, deveria ter feito mais. Só que agora já é tarde demais. Eu as salvei, posso ir em paz.”
   Reconheceu a mancha branca que o envolvia como um gigantesco manto e seus olhos se encontraram com o olho do Pokémon. Seu Pokémon, seu irmão, sua alma.
   “ Me desculpe. Eu não pude cumprir o que prometi. Nunca voltaremos para casa.”

~~

  Lugia se remexeu na cama antes de abrir os olhos. Havia luz, ar e seu corpo estava leve, coberto apenas por um fino lençol. Percebeu então que estava no quarto que havia passado a ocupar. Não conseguia se referir a ele como “seu quarto” ou “seus aposentos’. Não sentia como se lhe pertencessem, muito embora Igni tivesse lhe cedido o que dizia ser a melhor área da base.
   Ele se sentou, procurando ordenar os próprios pensamentos e percebeu que não estava sozinho ali.

— Bom dia, dorminhoco.
   Moltres estava sentada com as pernas dobradas na poltrona ao lado, tendo uma espécie de tela nas mãos, que ele se lembrou que chamava tablet.
— O que aconteceu...?
— Depois do que aconteceu lá na montanha. – ela se levantou, indo sentar-se na beirada da cama. – Você demorou para voltar, nós começamos a ficar preocupados. Mas aí você apareceu voando e mal pousou e se transformou, acabou desmaiando. Você ficou dormindo por quase dois dias!

   Lugia franziu as sobrancelhas. Dois dias? Parecia ter sido poucas horas desde que, lembrava-se vagamente, havia observado o nascer do sol, voado por um longo tempo enquanto cogitava e decidia sobre certas coisas.
— Igni e aquele médico, o tal Shiranui, disseram que você desmaiou provavelmente por cansaço excessivo pelo uso dos seus poderes na forma humana. – ela umedeceu os lábios. – Sei que ao queria que ninguém soubesse por enquanto, mas quando precisou ajudar a Artie, não teve jeito, né. E aquele cara, o Basho, viu e reportou para o Igni.
— Articuno...ela está...como ela está?!
— Calma, ela está bem. A Artie se recuperou rapidamente e como se diz...ah sim! Ciente! Isso, ciente das coisas e tal. Ela está lá na varanda. Vai lá ver ela que eu vou pedir pelo interfone, algo para você comer.

    Lugia olhou para a porta-balcão aberta que levava á varanda, onde a cortina balançava ao vento suave.
    Saiu da cama devagar e caminhou até ali. Precisou levar uma mão ao rosto quando a claridade do sol bateu forte. Mas seus olhos logo se adequaram e ele a viu.
   Trajando um vestido regato simples de cor azul-claro que emoldurava suas curvas e destacavam a cor negra de sua pele iluminada pelo sol. Os longos cabelos pretos estavam presos em uma trança que ia até metade de suas costas. Ela observava a floresta de pinheiros e a cadeia montanhosa que se estendia mais á frente, as mãos apoiadas na murada.

   Percebendo que era observada, ela se virou e em seu rosto bonito, um sorriso de alívio e gratidão surgiu em meio aos olhos marejados.
   Artie. Sua querida, conselheira e gentil irmã.
   Lugia sorriu e com um suspiro, ambos se envolveram em um abraço. Um abraço que há tanto tempo deviam um ao outro. Havia muito a ser dito e explicado, mas aquilo poderia esperar.
   Moltres se aproximou timidamente e, quando Lugia lhe estendeu a mão, ela se juntou ao abraço.
  Tinha suas duas irmãs de volta. Faltava apenas uma e seus três companheiros. Juntos, Lugia sabia, poderiam se livrar da maldição, recomeçar a vida e ter de volta o que lhes havia sido tomado.

~*~

Através de uma placa de pedra, Crystal soube que aquela era a Biblioteca Ancestral, a primeira biblioteca da cidade e, portanto, a mais antiga. Pelo que percebia, a biblioteca no passado havia sido, certamente, propriedade de algum nobre ou mesmo uma hospedaria. Ela era toda erigida em estilo tradicional japonês, feita em madeira e com uma delicadeza e requintes formidáveis.
  O caminho até ela era feito por cascalho branco e paralelepípedos, conservando a decoração típica e tradicional, com até mesmo as luminárias de pedra no chão e pequenas estátuas de Pokémon.
  Tendo a casa sendo utilizada para a biblioteca, o jardim da antiga residência fora remodelado para se colocar mesas com guarda-sol, cadeiras e bancos nos quais as pessoas poderiam ler, escrever ou acessar a internet em meio a natureza: muitas plantas e flores haviam sido colocadas. Havia até mesmo uma pequena fonte com a escultura de um Vaporeon no centro, de onde saía água.

   Crystal entrou na biblioteca, onde o silêncio era quase total, exceto pelo barulhinho de folhas sendo viradas e o bater suave das teclas de computador.
— Olá, posso ajudá-la?
   De trás do balcão de atendimento, uma mulher vestindo um quimono e com os cabelos presos em um coque, lhe sorriu. Pelo visto, todo s os que trabalhavam nas repartições turísticas de Ecruteak utilizavam trajes tradicionais como uniforme.
— Eu gostaria de saber como posso utilizar a biblioteca. Se preciso fazer algum cadastro...
— Sim, o cadastro é necessário. Preciso apenas de seu documento de identificação. Procura por algum livro ou livros, específico?
— Hum...algo relacionado a Tipos de Pokémon.
— Temos sim. Fica na sessão C. – após registrar o documento, a atendente o devolveu para Crystal. - Pronto. Agora você está registrada em nossa biblioteca. Pode escolher até cinco livros por vez. Pode pegá-los e trazer aqui para eu registrá-los. A sessão fica no corredor á direita, quarta sala. Se precisar de ajuda, pode me chamar!

   Crystal agradeceu e caminhou pelo que havia sido a antiga casa, notando que os responsáveis pela biblioteca haviam tido grande cuidado em manter a estrutura e a decoração original do lugar o máximo possível. O chão era de madeira encerada, as paredes revestidas com papel de parede de temática floral e nelas havia também pequenos quadros retratando Pokémon em um estilo de pintura com aquarela. Tudo ali evocava algo antigo e delicado, até mesmo o cheiro.
   Com exceção da sala maior que fora convertida em uma sala de leitura, a maior parte das sessões da biblioteca estavam separadas nos dormitórios.  Ela logo encontrou a sala que precisava e ali havia várias prateleiras de madeira repletas de livros.
  Deve ter levado quase dez minutos olhando os livros até que encontrou um que pareceu lhe interessar: era um livro sobre Pokémon Fantasmas – de Kanto a Alola. Parecia mais um pequeno guia descritivo sobre cada Pokémon do tipo, mas havia listagem de golpes de cada um com suas vantagens e desvantagens e isso lhe pareceu útil.

   Voltou na recepção, entregando o livro para que a atendente o registrasse.
— Eu posso ler na área externa? - perguntou.
— Claro! Fique a vontade para escolher uma das mesas ou bancos. Só não é permitido levar o livro para fora das dependências da biblioteca.
  Crystal agradeceu e saiu para o jardim dos fundos. O silêncio ali era confortante e ela procurou por um lugar que pudesse sentar para ler. Ali era mais repleto de plantas e flores do que o jardim da frente e ela achou aquilo muito bonito e aromatizado: era como se entrasse em um jardim antigo e quase mágico.
   Foi então que o viu.

   Ele estava sentado em uma cadeira de ferro, lendo um livro aberto sobre a mesa branca á sua frente, onde havia mais alguns livros de capa dura e aparência antiga empilhados ao lado. Era um rapaz, talvez não muito mais velho do que ela. Vestia calças e camisa de cor cinza, que pareciam quase se fundir na brancura e palidez da pele dele. Os cabelos eram lisos, compridos até um pouco abaixo dos ombros, possuindo uma coloração platinada, entre cinza e branco.
   O rosto dele era delicado e andrógeno, com nariz, sobrancelha e lábios finos e olhos cujo traços deixavam óbvio sua descendência asiática. Ele parecia um nobre feudal ou um elfo, como o das histórias de fantasia. E naquele cenário com plantas e sutis raios do sol que começava a surgir após um início de manhã nublado, faziam com que ele parecesse uma criatura diáfana pintada em um quadro.
   Bonito seria pouco para defini-lo. Exótico, talvez fosse uma boa definição.

   Crystal viu que, na mão esquerda, ele mexia uma bola de cristal. Mas a forma como ele a movia era algo que nunca tinha visto: hábil e gracioso. A esfera girava em torno de si mesma ao mesmo tempo em que girava por entre seus dedos, subindo pelas costas da mão e voltando para a palma, para então ir novamente para cima. E nesses microssegundos, parecia que a esfera desafiava a gravidade E ele mantinha os olhos fixos no livro que lia enquanto a esfera dançava em sua mão enluvada.
   Como mágica.

  Crystal se aproximou como que hipnotizada, e só percebeu que estava agindo como uma boba a olhar boquiaberta, quando o rapaz cessou o movimento da esfera e a encarou. E os olhos dele eram de um azul intenso, mas sua expressão era fria como gelo.
   A garota estremeceu, abraçando o livro que carregava e gaguejando, constrangida enquanto ele se levantava.
— Me-me des-desc-desculpe! E-eu não queria...não queria incomodar! – Crystal sabia que estava ficando vermelha feito um Darumaka. – É que...é que eu vi você fazendo esse negócio com a bolinha e...eu nunca tinha visto algo assim antes!
— Isto?

    Basho tornou a movimentar a esfera entre os dedos, em seguida passando-a agora de uma mão para outra, pela palma e pelas costas da mão, com facilidade e leveza enquanto via Crystal acompanhar os movimentos da esfera com os olhos.
— Parece um tipo de mágica!
— É apenas um truque, adquirido através de treinamento constante. – ele respondeu.
— Como se faz?
— A ideia é que a esfera deve ser uma extensão do seu corpo. Deve encontrar a velocidade adequada e mantê-la em movimento. As luvas ajudam que ela deslize melhor, evitando o suor e gordura das mãos. Mas é possível fazer sem, só exige uma prática, ir criando novas técnicas e refinando as que já obtiver.
— Você falando assim parece fácil, mas tenho certeza de que não é!
— Fácil de aprender não é, mas também não é extremamente difícil. – ele respondeu. - Paciência, concentração e treinamento constantes. Depois que você encontra o ritmo, é só mantê-lo.
— Sério mesmo que não há nada de mais nessa esfera?

  Basho fez alguns movimentos das mãos mais rápidos com a esfera, notando que a garota acompanhava os movimentos com os olhos e a boca meio aberta, como se tivesse hipnotizada.
   Ele até achou aquilo até que divertido. Parou e estendeu a esfera para Crystal.
— Pegue e veja por si mesma.
  Crystal pegou a esfera, observando-a. Não era uma bola de vidro e sim de resina, mas fora isso, não possuía nenhum mecanismo.
— Nossa...é uma bolinha comum mesmo. E você faz esse malabarismo sem sequer olhar!
—  Comecei a praticar há anos e faço como uma forma de concentração.

  Crystal olhou de soslaio para os livros que ele tinha na mesa. E o que estava aberto na mesa possuía folhas amareladas e letras bem pequenas, além de uma pequena ilustração que parecia um símbolo a representar o Pokémon Lugia. Mas, ao perceber o olhar dela, Basho fechou o livro.
—...me desculpe por atrapalhar seus estudos. – Crystal murmurou.
— Eu já estava terminando.
  Poderia ter encerrado a conversa ali e induzir a garota a ir embora, mas por algum motivo qualquer que nem procurou pensar, Basho já estava perguntando.
— É treinadora Pokémon?
— S-sim! Como soube?
  Ele apontou para o livro que ela segurava.

— Segurando um livro sobre Pokémon Fantasmas em uma cidade na qual há um ginásio desse tipo e pela forma como você se veste, deduzi.
— Hãn...é,eu... estou em jornada Pokémon! Você também é treinador?
— De certa forma.
— Que legal! – Crystal sorriu. – Está em jornada Pokémon também? Pretende competir na Liga?
— Não sou esse tipo de treinador.
   A forma como ele disse fez Crystal achar um pouco rude, mas talvez ele tenha percebido porque continuou.

—Está em Ecruteak para desafiar o líder de ginásio?
— Queria poder dizer que já havia desafiado ele e conseguido a insígnia, mas a verdade é que estou desesperada tentando pensar em uma estratégia de batalha eficaz, mas não tenho muito sucesso. – ela olhou para o livro que segurava. – Ai, pensei que ler sobre Pokémon Fantasmas e seus golpes, eu pudesse ter alguma ideia.
— Pokémon Fantasmas são combatentes difíceis, mas não invencíveis. Analise, pesquise, estude e elabore. O ginásio de Ecruteak é antigo e tradicional, há muitas informações sobre ele.
— Eu vi na internet que...
— Esqueça a internet. – Basho foi categórico. - Há muitas informações equivocadas e falsas. Fica difícil filtrar se não tiver uma base sobre o assunto que procura.  Pela importância e tradição do ginásio, há nesta biblioteca muito material arquivado. Busque por registros de batalhas de treinadores desafiantes que tenham utilizado Pokémon do mesmo tipo ou espécies que os seus. Com base nisso, desenvolva estratégias. Como registros de batalhas são informações de domínio público, o ginásio é obrigado a fornecê-las para as bibliotecas. Anos atrás houve uma redistribuição de material entre as quatro bibliotecas da cidade quando o Museu da Bell Tower começou a receber mais antiguidades arqueológicas e, portanto, precisou de mais alas. Você teve sorte que o material referente ao ginásio de Ecruteak veio parar exatamente nessa biblioteca. Procure por Registros de Batalha do Ginásio de Ecruteak. São vários compilados com as informações técnicas das batalhas ocorridas nele. Pode lhe ser útil.

  Crystal ficou meio aturdida com a forma rápida e eloquente que ele falava e mesmo Basho não entendeu porque estava sendo supostamente prestativo.
— O-obrigada pelas informações...eu vou procurar, sim!
  Basho pegou os livros que estavam sobre a mesa.
— Pode sentar no meu lugar. Já terminei o que vim pesquisar aqui.
  Ele já havia lhe dado as costas e dado alguns passos quando Crystal percebeu.

— Ei, moço! Você está esquecendo sua bolinha!
  A garota se arrependeu de falar aquilo. Soara tremendamente infantil e estúpido.
— Fique com ela. – o rapaz a olhou por cima do ombro. Pode ajudá-la a se concentrar.
  Crystal agradeceu, mas ele já entrava na biblioteca e certamente não havia ouvido.

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui, queria soltar uma informação curiosa:

A cena de Basho e Crystal foi uma ideia que me surgiu subitamente quando eu estava revendo o filme Labirinto - A Magia do Tempo.
Esse filme de fantasia de 1986 é um verdadeiro clássico e tem ninguém menos que David Bowie com o Rei Jareth, em um dos visuais mais bacanas e icônicos dele. Recomendo!
Há tempos que eu pensava em como poderia ser esse primeiro contato de ambos e nunca me vinha ideia. Comecei a me preocupar porque logo teria que acontecer por conta do andamento da história.
Tenho de agradecer ao meu cosplay de Jareth que foi finalizado e por conta dele, revi o filme e então, de repente, pá! Surgiu a forma ideal de inserir esse primeiro contato. E fiquei bem satisfeita porque, para mim, dá pra fazer uma ligação paradoxal entre Basho e Jareth.

E sobre o truque que o Basho faz com a esfera:
A técnica mostrada no filme Labirinto com as bolinhas, embora pareça estar sendo feita pelo Bowie, na verdade foi criada e feita pelo malabarista Michael Moschen.
Esse cara foi o inventor dessa técnica e durante as filmagens, ele ficava atrás de Bowie, com os braços passados para frente a fim de mover as esferas sem olhar. Quem tiver interesse, recomendo que dê uma busca no youtube sobre Michael Moschen. É lindo os malabares que ele faz e parece realmente hipnotizante e mágico.

Por enquanto é isso.
Se protejam do Corona e até o próximo capítulo!



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